Mahmud Abbas teve um retorno triunfal a Ramallah neste domingo. "Daremos nosso espírito e nosso sangue por Abu Mazen" (nome de guerra de Abbas), gritaram milhares de pessoas. Aos 76 anos, Mahmud Abbas ingressa lentamente no paraíso da memória histórica e vai ocupando um lugar ao lado de quem, até agora, o cobria com sua sombra: Yasser Arafat. Em seu discurso, o presidente palestino advertiu que, a partir de agora, começa um "caminho muito longo".
Eduardo Febbro – Direto de Ramallah, Cisjordânia e Jerusalém (Carta Maior)
Ainda que tardiamente, a glória bateu à porta de Mahmud Abbas. O experiente burocrata da OLP, o homem sem carisma nem magnetismo algum, carente de popularidade, acusado há dois anos por seu povo de ter se convertido em um “presidente de aeroporto e de cúpulas vazias”, forçou as portas da história com o discurso que pronunciou sexta-feira nas Nações Unidas, no qual pediu a adesão da Palestina como Estado.
A prova, tangível e surpreendente, foi seu retorno triunfal a Ramallah e os gritos de milhares de pessoas que escutaram domingo seu breve discurso: “Daremos nosso espírito e nosso sangue por Abu Mazen” (nome de guerra de Mahmud Abbas). Antes, a multidão gritava “daremos nosso espírito e nosso sangue pela Palestina”.
Aos 76 anos, Mahmud Abbas ingressa lentamente no paraíso da memória histórica e vai ocupando um lugar ao lado de quem, até agora, o cobria com sua sombra: Yasser Arafat. Em todos os escritórios dos integrantes da Autoridade Palestina há dois retratos: à direita o de Mahmud Abbas, à esquerda, o de Arafat. Ontem, no restaurante de um agradável hotel de Ramallah, um membro da Autoridade Palestina comentava que Abbas era o presidente e Arafat era a lenda: “a partir desse momento, Abu Mazen deu o passo que vai do líder ao símbolo”.
O responsável palestino avança tranquilo. Assim que entrou na Muqataa (sede da presidência palestina), Abbas se recolheu por alguns instantes diante da tumba de Arafat. Logo depois, diante de milhares de palestinos que o aclamavam na Muqataa, Abbas deu por iniciada a “primavera palestina” e reiterou que não haveria novas negociações com Israel “sem legitimidade internacional e sem o fim da extensão das colônias”. Abbas preencheu um vazio com seu discurso na ONU e aquela já célebre trilogia: “basta, basta, basta!”. Com ela, restaurou sua opaca legitimidade interior e também deu uma demonstração para dentro e para fora.
Internamente, Abbas barrou as críticas sobre sua falta de legitimidade popular como líder e se içou à altura de um interlocutor respaldado por seu povo na perspectiva da reconciliação palestina, ou seja, a aproximação entre as facções e a posterior formação de um governo de união nacional que integre os fundamentalistas do Hamas que controlam a faixa de Gaza.
A mesma mensagem é válida para Israel e para a comunidade internacional. Ambos olham agora para um homem até então sem prestígio interno, desgastado pelos fracassos, respaldado por sua sociedade. A estratégia palestina deu certos resultados. A linha política da OLP consistiu em apostar por entregar à comunidade internacional a missão de resolver o aspecto mais substancial de um problema que, segundo a Autoridade Palestina, iniciou na própria ONU.
O Estado de Israel foi criado por uma resolução da ONU, por conseguinte, é a ONU que deve fazer a mediação em busca de uma solução para o desastre que ela mesma desatou. Em 1947, a Inglaterra entregou às Nações Unidas o mandato que detinha sobre a Palestina e, em novembro do mesmo ano, a ONU adotou a resolução 181 mediante a qual dividiu a Palestina entre um Estado judeu e outro árabe. A Autoridade alega que até hoje essa resolução não foi cumprida porque somente um dos dois Estados tem existência legal.
Em seu improvisado discurso de domingo, Abbas advertiu que, a partir de agora, começa um “caminho muito longo”. Interrompido por aclamações diversas vezes, Abbas disse: “fomos a ONU levando suas esperanças, seus sonhos, suas ambições, seus sofrimentos, sua visão e o desejo de vocês por um Estado Palestino independente”. A multidão respondeu a ele: “o povo quer um Estado Palestino”.
O discurso do medo adotado pelo governo israelense, que precedeu a intervenção na ONU, e alguns abusos ridículos cometidos depois pelas autoridades de Tel Aviv, aumentaram a sensação de orgulho e de dignidade dos palestinos. Abbas conseguiu mudar sua imagem de homem que sempre aceita os acenos de promessas feitas pelo Ocidente. Para os palestinos, não só seu discurso foi histórico, como, sobretudo, o fato de Abbas ter enfrentado os Estados Unidos e ter dito não á primeira potência mundial. Até o último momento, Washington tentou persuadir Mahmud Abbas de não apresentar o pedido de adesão ante o Conselho de Segurança. Abbas recusou.
O presidente palestino parece inclusive disposto a ir mais longe. Abbas quer mudar alguns termos do acordo de Oslo, concretamente o capítulo assinado em Paris e mediante o qual se transferiu a Israel o controle total das importações e exportações palestinas. Essa cláusula, diz Abbas, não faz mais do que asfixiar à já precária economia palestina.
A reivindicação perante a ONU de uma adesão da Palestina como Estado com base nas fronteiras de 1967 e com Jerusalém como capital, assim como as palavras de Abbas na Muqataa não resolve nada por agora. São sementes lançadas em uma terra simbólica. O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, respondeu aos palestinos incitando-as às negociações sem condições prévias. “Se querem a paz, ponham todas as condições de lado”, disse Netanyahu. Mas o limite de toda negociação é o descrédito do processo de paz e, principalmente, o de seus atores exteriores: Estados Unidos em primeiro lugar e o Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, União Europeia, Nações Unidas e Rússia). Os líderes palestinos têm uma opinião desastrosa sobre o quarteto e, em especial, de seu atual chefe, o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair. Para os negociadores de Ramallah, a presença de Blair nessa instância é pouco menos que um insulto.
A responsabilidade histórica da Inglaterra na instabilidade do Oriente Médio e o fato de Blair ter sido o sócio mais fiel dos EUA no desencadeamento da segunda guerra do Iraque não fazem dele um interlocutor saudável. Há alguns dias, o Quarteto propôs a palestinos e israelenses que voltassem à mesa de negociações com a meta de chegar a um acordo até 2012. No entanto, a proposta levantada pelo Quarteto não menciona de maneira explícita o congelamento da colonização na Cisjordânia. Mahmud Abbas não voltará ao diálogo enquanto prosseguir a colonização.
O primeiro ministro israelense não tem razão alguma para detê-la após o escandaloso e explícito apoio que recebeu do presidente norteamericano Barack Obama. Em apenas dois anos, o patético Prêmio Nobel da Paz passou do discurso sobre a “intolerável situação dos palestinos” (discurso no Cairo) para o discurso anti-árabe e acusador que pronunciou nas Nações Unidas.
O presente dos palestinos é entusiasta e cheio de uma honra recuperada, mas o horizonte é perigoso. Mas meses acumulados de frustração e de pressões podem destapar, de um lado e outro do muro da Cisjordânia e em Gaza, a tentação do extremismo e a barbárie da violência. A sombra de Arafat volta a pairar sobre o processo. O falecido líder palestino fez concessões, mas também conseguiu muitas coisas desde os anos 90. A nuvem negra do terrorismo acabou as engolindo.
O mesmo ocorreu em Israel com o assassinato do primeiro ministro Yitzhak Rabin por um extremista judeu (1995). Apesar das voltas e contradições, o terrorismo e o atentado contra Yitzhak Rabin frearam a dinâmica mais frutífera do processo de paz. Mahmud Abbas se move entre a glória nascente e essas sombras que o espreitam.
Tradução: Katarina Peixoto
A prova, tangível e surpreendente, foi seu retorno triunfal a Ramallah e os gritos de milhares de pessoas que escutaram domingo seu breve discurso: “Daremos nosso espírito e nosso sangue por Abu Mazen” (nome de guerra de Mahmud Abbas). Antes, a multidão gritava “daremos nosso espírito e nosso sangue pela Palestina”.
Aos 76 anos, Mahmud Abbas ingressa lentamente no paraíso da memória histórica e vai ocupando um lugar ao lado de quem, até agora, o cobria com sua sombra: Yasser Arafat. Em todos os escritórios dos integrantes da Autoridade Palestina há dois retratos: à direita o de Mahmud Abbas, à esquerda, o de Arafat. Ontem, no restaurante de um agradável hotel de Ramallah, um membro da Autoridade Palestina comentava que Abbas era o presidente e Arafat era a lenda: “a partir desse momento, Abu Mazen deu o passo que vai do líder ao símbolo”.
O responsável palestino avança tranquilo. Assim que entrou na Muqataa (sede da presidência palestina), Abbas se recolheu por alguns instantes diante da tumba de Arafat. Logo depois, diante de milhares de palestinos que o aclamavam na Muqataa, Abbas deu por iniciada a “primavera palestina” e reiterou que não haveria novas negociações com Israel “sem legitimidade internacional e sem o fim da extensão das colônias”. Abbas preencheu um vazio com seu discurso na ONU e aquela já célebre trilogia: “basta, basta, basta!”. Com ela, restaurou sua opaca legitimidade interior e também deu uma demonstração para dentro e para fora.
Internamente, Abbas barrou as críticas sobre sua falta de legitimidade popular como líder e se içou à altura de um interlocutor respaldado por seu povo na perspectiva da reconciliação palestina, ou seja, a aproximação entre as facções e a posterior formação de um governo de união nacional que integre os fundamentalistas do Hamas que controlam a faixa de Gaza.
A mesma mensagem é válida para Israel e para a comunidade internacional. Ambos olham agora para um homem até então sem prestígio interno, desgastado pelos fracassos, respaldado por sua sociedade. A estratégia palestina deu certos resultados. A linha política da OLP consistiu em apostar por entregar à comunidade internacional a missão de resolver o aspecto mais substancial de um problema que, segundo a Autoridade Palestina, iniciou na própria ONU.
O Estado de Israel foi criado por uma resolução da ONU, por conseguinte, é a ONU que deve fazer a mediação em busca de uma solução para o desastre que ela mesma desatou. Em 1947, a Inglaterra entregou às Nações Unidas o mandato que detinha sobre a Palestina e, em novembro do mesmo ano, a ONU adotou a resolução 181 mediante a qual dividiu a Palestina entre um Estado judeu e outro árabe. A Autoridade alega que até hoje essa resolução não foi cumprida porque somente um dos dois Estados tem existência legal.
Em seu improvisado discurso de domingo, Abbas advertiu que, a partir de agora, começa um “caminho muito longo”. Interrompido por aclamações diversas vezes, Abbas disse: “fomos a ONU levando suas esperanças, seus sonhos, suas ambições, seus sofrimentos, sua visão e o desejo de vocês por um Estado Palestino independente”. A multidão respondeu a ele: “o povo quer um Estado Palestino”.
O discurso do medo adotado pelo governo israelense, que precedeu a intervenção na ONU, e alguns abusos ridículos cometidos depois pelas autoridades de Tel Aviv, aumentaram a sensação de orgulho e de dignidade dos palestinos. Abbas conseguiu mudar sua imagem de homem que sempre aceita os acenos de promessas feitas pelo Ocidente. Para os palestinos, não só seu discurso foi histórico, como, sobretudo, o fato de Abbas ter enfrentado os Estados Unidos e ter dito não á primeira potência mundial. Até o último momento, Washington tentou persuadir Mahmud Abbas de não apresentar o pedido de adesão ante o Conselho de Segurança. Abbas recusou.
O presidente palestino parece inclusive disposto a ir mais longe. Abbas quer mudar alguns termos do acordo de Oslo, concretamente o capítulo assinado em Paris e mediante o qual se transferiu a Israel o controle total das importações e exportações palestinas. Essa cláusula, diz Abbas, não faz mais do que asfixiar à já precária economia palestina.
A reivindicação perante a ONU de uma adesão da Palestina como Estado com base nas fronteiras de 1967 e com Jerusalém como capital, assim como as palavras de Abbas na Muqataa não resolve nada por agora. São sementes lançadas em uma terra simbólica. O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, respondeu aos palestinos incitando-as às negociações sem condições prévias. “Se querem a paz, ponham todas as condições de lado”, disse Netanyahu. Mas o limite de toda negociação é o descrédito do processo de paz e, principalmente, o de seus atores exteriores: Estados Unidos em primeiro lugar e o Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, União Europeia, Nações Unidas e Rússia). Os líderes palestinos têm uma opinião desastrosa sobre o quarteto e, em especial, de seu atual chefe, o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair. Para os negociadores de Ramallah, a presença de Blair nessa instância é pouco menos que um insulto.
A responsabilidade histórica da Inglaterra na instabilidade do Oriente Médio e o fato de Blair ter sido o sócio mais fiel dos EUA no desencadeamento da segunda guerra do Iraque não fazem dele um interlocutor saudável. Há alguns dias, o Quarteto propôs a palestinos e israelenses que voltassem à mesa de negociações com a meta de chegar a um acordo até 2012. No entanto, a proposta levantada pelo Quarteto não menciona de maneira explícita o congelamento da colonização na Cisjordânia. Mahmud Abbas não voltará ao diálogo enquanto prosseguir a colonização.
O primeiro ministro israelense não tem razão alguma para detê-la após o escandaloso e explícito apoio que recebeu do presidente norteamericano Barack Obama. Em apenas dois anos, o patético Prêmio Nobel da Paz passou do discurso sobre a “intolerável situação dos palestinos” (discurso no Cairo) para o discurso anti-árabe e acusador que pronunciou nas Nações Unidas.
O presente dos palestinos é entusiasta e cheio de uma honra recuperada, mas o horizonte é perigoso. Mas meses acumulados de frustração e de pressões podem destapar, de um lado e outro do muro da Cisjordânia e em Gaza, a tentação do extremismo e a barbárie da violência. A sombra de Arafat volta a pairar sobre o processo. O falecido líder palestino fez concessões, mas também conseguiu muitas coisas desde os anos 90. A nuvem negra do terrorismo acabou as engolindo.
O mesmo ocorreu em Israel com o assassinato do primeiro ministro Yitzhak Rabin por um extremista judeu (1995). Apesar das voltas e contradições, o terrorismo e o atentado contra Yitzhak Rabin frearam a dinâmica mais frutífera do processo de paz. Mahmud Abbas se move entre a glória nascente e essas sombras que o espreitam.
Tradução: Katarina Peixoto
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