quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sair do círculo cego em direção à metapolítica

Giorgio di Capitani
Pároco na Diocese de Milão
Adital
 
Tradução: Pe. José Nacif Nicolau

Exatamente há 10 anos, 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos da América sofriam o maior atentado terrorista de sua história. Dois aviões golpearam sucessivamente as Torres Gêmeas, os dois mais altos arranha-céus de Manhattan, Nova York. Resultado: morreram 2.752 pessoas de 70 nacionalidades, entre eles 343 bombeiros e 60 agentes policiais. O presidente dos EUA era George W. Bush, um dos mais estúpidos presidentes americanos e, justamente por isso, era o amigo preferido do nosso Berlusconi. O que dizer?

1ª observação: quem se faz muito de prepotente antes ou depois paga, mas quem paga são, invariavelmente, os inocentes, como sempre.

2ª observação: Existe terrorismo e terrorismo. Existe o terror do imperialismo em nome da democracia e existe o terror do fundamentalismo por detrás de motivações também religiosas, verdadeiras ou presumivelmente verdadeiras. Ambos os terrorismos procuram vítimas: os mortos são mortos e, por isso, não existe distinção. Não sei se são mais numerosos os mortos por causa do terrorismo ou por causa do antiterrorismo!!

3ª observação: Não existe nenhum País, por mais superpotente que seja, que possa garantir segurança a seus cidadãos e, muito menos, mostrar-se garantidor da segurança do mundo. Não é o dinheiro e muito menos as armas que garantem a paz. Os equilíbrios fundados sobre a força das armas não produziram nunca a harmonia entre os povos. Dizer paz e dizer segurança não é a mesma coisa.

4ª observação: Quem tem meios inferiores para contra-atacar o inimigo recorre a uma particular estratégia de maneira a compensar as próprias carências quantitativas e qualitativas. Fala-se então de uma assimetria. Não é uma invenção de hoje: é a estratégia de Davi, que usou uma funda com um dardo entre as mãos para matar Golias, um gigante revestido de uma armadura de bronze. Tudo isso para dizer que basta pouco –a astúcia e poucos meios– para colocar em crise um império aparentemente intocável. Golias era forte; porém, estúpido. Não me parece que os países mais potentes sejam sempre guiados por pessoas sábias.

5ª observação: Depois de episódios dramáticos como aquele de Manhattan não se deve reagir com o instinto da força bélica. Um mês antes do atentado, Bush havia declarado guerra ao Afeganistão. Resultado? O Afeganistão, 10 anos depois, é ainda um campo de batalha que produz a cada dia vítimas inocentes. A história ensina que enganando chega-se a criar as ocasiões para se fazer guerra e, estejamos atentos, se faz a guerra não para libertar uma população das mãos de um tirano, mas para liberar poços de petróleo em próprio proveito. A Líbia é o último exemplo evidente.

Não entro na complexa hipótese se por detrás dos atentados de 11 de setembro estivesse o mesmo imperialismo ou capitalismo superliberal americano. No entanto, essa é uma tese que está crescendo apoiada em provas que parecem cada vez mais convincentes. O verdadeiro terrorismo é o de casa ou é produzido em casa. O engano é a arte do poder. E, por isso, é fácil fazer acreditar que o inimigo é aquele de fora; é o estranho, o estrangeiro. Nós somos os nossos verdadeiros inimigos. Os Estados Unidos da América sempre criaram inimigos para obter aquilo que queriam.

Não estou aqui, nesta homilia, a lhes dizer, com provas, o quanto se gastou em dinheiro para combater um presumido terrorismo. Dinheiro que depois provoca, como está acontecendo, crises financeiras. Cifras alucinantes. Débitos astronômicos que depois são despejados sobre países já endividados. Também isto é terrorismo.

6ª e última observação: Ainda hoje se teme o comunismo, mesmo que, na realidade, ele não se encontre em nenhum lugar do mundo. Nem mesmo as melhores ideias de Karl Marx sobreviveram ao progresso feroz de um capitalismo desenfreado. Mas, o capitalismo liberal ou superliberal, ou mais precisamente selvagem, não parece morrer jamais. Sobrevivemos ao comunismo mais criminoso, isto é, aquele soviético; mas, não sobreviveremos ao capitalismo que continua a semear vítimas, mesmo porque o capitalismo sabe assumir o rosto de benfeitor, daquele que não só dá alguma coisa para comer, mas nos oferece um mundo de prazeres mesmo que sejam somente desejos, necessidades que não se realizam plenamente. E mesmo que se realizem em parte, não nos satisfazem; mas, criam outros desejos, outras necessidades, e assim por diante. Também isto é terrorismo.

Exame de consciência! Mas, quem o deve fazer? Por que esperá-lo de quem se faz terrorista por vocação? Devemos ser nós, cidadãos, que devemos nos rebelar e não a chorar diante das duas torres gêmeas reduzidas a cinzas, como se por trás estivesse o diabo islâmico. As duas torres gêmeas representam a Torre de Babel: o poder que quer reunificar as várias línguas, os vários povos, sob o mesmo domínio. Não falo de punição de Deus, mas de punição da História.

A Humanidade a caminho tem as suas recuperações. Mais cedo ou mais tarde qualquer tipo de imperialismo é destinado a acabar, forçado pelo desafio de uma Humanidade que é convivência, mas convivência das diferenças.

O imperialismo é o verdadeiro inimigo da Humanidade. A luta será dura, porque o capitalismo, diferentemente do fundamentalismo ou do comunismo, se apresenta com rosto manso e suave.

O século, o secular, as estruturas espaço-temporais participam realmente da vida do mundo, e esta vida é sagrada, tem o valor do divino. A salvação do homem passa também pela dimensão pública, política.

Escutamos muito que o divino está dentro de nós; mas, na realidade, não acreditamos nisso.

A religião deve interessar-se pelo político; o político humano, imanente é também experiência do transcendente: protesto, rebelião, utopia, transformação, dedicação até a morte para defender os direitos dos oprimidos; tudo isto são presenças do transcendente na política.

Devemos ter a coragem de sair deste círculo cego...

Nós padres devemos ajudar as pessoas a compreender que há uma saída, que é possível romper o cerco...; uma alternativa existe... Sair... Ir ao encontro da alternativa que existe.

Agora, quero fazer um discurso sério, isto é, empenhativo. Mesmo porque não quero reduzir o problema a um aspecto puramente econômico, desejo falar da política usando um termo que aparentemente parece difícil: METAPOLÍTICA. Não é uma palavra inventada recentemente: ela foi usada nos inícios do século XIX. Inicialmente sabemos que a palavrinha ‘meta’, que significa ‘depois’; porém, é empregada no sentido de ‘além’, ‘mais para lá’, tal como quando dizemos ‘metafísica’: a metafísica vai além dos elementos contingentes da experiência sensível; se ocupa dos aspectos contidos mais autênticos e fundamentais da realidade, segundo a prospectiva mais ampla e universal possível.

Da mesma forma, a METAPOLÍTICA vai além do contingente, do banal, do aparente, do momentâneo: uma política que, sem se tornar metafísica, esteja aberta à transcendência. Assim sonhava Raimon Panikkar, filósofo e teólogo espanhol, nascido de mãe catalã e de pai indiano, que faleceu aos 90 anos no ano passado (2010). Um personagem interessante: pertencia a quatro religiões: a católica, a hinduísta, a budista e a secular. Foi um inimitável mestre do diálogo intercultural e do diálogo inter-religioso. Seu pensamento é um pouco complexo, embora muito fascinante pelas suas aberturas. Por ocasião de sua morte, Enrico Peyretti assim sintetizou seu pensamento a propósito da política: "há uma ligação indestrutível entre política e sentido profundo da vida; entre atividade política do homem e o seu destino final” (cada um é livre de pensar o que quiser sobre isto).

Na dimensão METAPOLÍTICA aparece uma alternativa à atual situação planetária, marcada por três agitações: 1. Crise ecológica; 2. Monetarização da economia; 3. Império tecnocrático. A estas três agitações se opõem três princípios positivos: A. Revelação ecosófica (sabedoria e espiritualidade da terra); B) Desmonetarização da economia; C) Emancipação da tecnologia.

A. Revelação eco-sófica: O homem não somente mora na terra; mas, somos terra; somos polis. Terra e polis somos nós. Esta é uma nova sabedoria, eco-sófica: a terra é sábia e o homem é portador de tal sabedoria, que é um dom e não um artifício.

B. Refutação da ideologia pan-econômica que impregnou a cultura, a política, a ética. Reconhecer os estragos que tal ideologia provocou a lógica do dinheiro que tudo pode. Isto não é utopia: pois não propõe a supressão do dinheiro e do mercado, mas sim a tutela dos valores humanos sobre o predomínio do dinheiro. Ações e valores gratuitos existem, devem ser reconhecidos e afirmados. ‘Eco-nomia’ quer dizer ‘regra para morar’, ‘lei da casa’; não quer dizer astúcia para explorar a humanidade e o mundo pelo gigantismo imperial do dinheiro e o domínio dos ricos (pluto-cracia).

C. Emancipação da tecnologia: é preciso se livrar de uma tecnologia que invade tudo, mas sem cair num ascetismo negativo regressivo ou anticientífico. Significa, sim, construir estruturas em que se possa exprimir a plenitude do humano.

A alternativa que Panikkar propõe não é um ‘sistema-antissistema’, mas porque ‘ser é ser junto’ é necessária uma ‘fecundação recíproca das culturas’. A fecundação recíproca supõe escuta e diálogo profundo com as culturas não dominantes, por muito tempo silenciadas. Portanto, uma nova convivialidade internacional, confederação de povos não achatada sob um único modelo.

A METAPOLÍTICA deve se dedicar a construir esta obra alternativa, que Panikkar chama ‘secularização sacra’, ou fusão indissolúvel do plano religioso e do político. Também Gandhi colocara em relação estreita o religioso e o político. O que é religioso é pensado mais como inspiração, interioridade e menos como instituição, como estrutura. A história europeia do Cristianismo constantiniano real-papal ( aliança entre trono e altar, mesmo nos países da Reforma Protestante) nos deixa basicamente suspeitos quanto a avizinhar a religião e a política, e isto nos deixa muitos motivos para temer a consagração do poder político e a politicatização do espírito religioso.

Panikkar quer dizer que o século, o secular, as estruturas espaço-temporais participam realmente da vida do mundo, e esta vida é sagrada, tem o valor do divino. A salvação do homem passa também pela dimensão pública, política; Escutamos muito que o divino está dentro de nós, mas na realidade não acreditamos nisso. A religião deve interessar-se pelo político; o político humano, imanente, é também experiência do transcendente: protesto, rebelião, utopia, transformação, dedicação até a morte para defender os direitos dos oprimidos, tudo isto são presenças do transcendente na política.

Devemos ter a coragem de sair deste cerco cego... As lideranças religiosas devem ajudar as pessoas a compreender que há uma saída, que é possível romper o cerco...; uma alternativa existe...; sair... encontrar a alternativa que existe.

No seu pequeno livro ‘ECOSOFIA: a nova sabedoria, por uma espiritualidade da terra’ (1993), encontramos uma síntese essencial do pensamento de Panikkar. Eis em síntese as suas propostas para uma nova projeção ética, social, política planetária:

1.Desmonetizar a cultura, contra a quantificação dos horizontes humanos pela sua qualificação.

2.Demolir a torre de Babel: toda cultura deve ter confiança em si mesma, não se deve ajustá-la aos modelos dominantes.

3.Superar a ideologia dos países nacionais; favorecer as autonomias menores e as relações multilaterais entre eles.

4.Recolocar a ciência em seus limites, porque ela não esgota o conhecimento do mundo.

5.Substituir a tecno-cracia por valores criativos da arte, do amor e da beleza, máximos valores em muitas culturas.

6.Superar a demo-cracia por uma nova cosmologia (kosmos: mundo, ordem, ordenamento).

7.Recuperar o animismo: a vida em comunhão com a natureza e com todo fragmento vivo.

8.Fazer paz com a terra, renunciando a dominá-la, sugá-la como objeto de conquista.

9.Recuperar a dimensão divina: ‘liberdade e infinitude que permeia tanto a matéria como o espírito tanto os sentidos como o intelecto’; dimensão mística ‘mystika’), isto é: interior, direta, não dependente de intermediários. "Este é o ‘espaço’ em que nos movemos, percebemos e pensamos, no qual vivemos e existimos”.

Panikkar trabalha, então, para desmontar a raiz de toda violência, que é a violência cultural.

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