sexta-feira, 30 de setembro de 2011

No fundo do poço, PSDB e DEM indagam sobre o futuro

Unidos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, durante os dois mandatos de FHC, de triste memória, e nas candidaturas derrotadas à Presidência da República dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, o PSDB e o DEM, depois de sucessivos fracassos eleitorais, percebem que estão quase no fundo do poço e encomendam pesquisas temáticas que os reorientem no esforço de reciclagem.

Em coluna publicada nesta quinta-feira (29) no site Congresso em Foco, o jornalista Rudolfo Lago informa que o PSDB está analisando a pesquisa que encomendou ao consultor de marketing político Antonio Lavareda. Para Lago, os tucanos tentarão fazer “do limão, uma limonada”, já que os dados revelados pela sondagem “não são nada bons”. De início, um parêntese sobre o consultor dos tucanos. Trata-se do mesmo “gênio” do marketing político que sugeriu ao PFL rebatizar-se de DEM.

Os tucanos tiveram o dissabor de constatar que a presidente Dilma Rousseff e, especialmente, o ex-presidente Lula gozam de altíssima popularidade. E que, se as eleições fossem hoje, o partido neoliberal que se diz social-democrata não teria a menor chance numa disputa com qualquer um dos dois. Melhor que FHC continue em sua campanha, útil para a educação da sociedade, pela descriminalização do uso da droga e organize debates diletantes com seu estreito círculo de pretensos sábios. E que Serra se dedique aos bastidores da pequena e provinciana política para escolher o candidato tucano à Prefeitura paulistana.

Ainda segundo as informações de Lago, os tucanos estão em busca de uma “estrada a percorrer” e empenhados em remover um obstáculo. Para ele, “o problema para o PSDB é que esse obstáculo foi o nome escolhido em duas das últimas três eleições presidenciais para representar o partido na disputa: José Serra”, figura identificada ao que não funcionou nos últimos anos. É um veredito devastador para o ex-candidato, mas também para o ex-presidente FHC, porquanto é indisfarçável que o que não funcionou foi o seu governo, conotado não só como neoliberal, conservador, reacionário mesmo, mas também como governo corrupto.

A solução mágica que uma das alas do tucanato oferece é a candidatura do senador Aécio Neves à Presidência da República em 2014. Alguns apressados acham que o anúncio deve ser feito o quanto antes. O colunista informa que o presidente do partido, Sérgio Guerra, já declarou que sua intenção é antecipar o lançamento da próxima candidatura do PSDB à Presidência, definindo-a logo depois das eleições municipais do ano que vem. Inevitavelmente, as disputas municipais de 2012 conhecerão uma luta fratricida entre os tucanos nos bastidores e em público, como prelúdio de 2014. A tendência maior é o isolamento de Serra e o predomínio de Aécio.

Contudo, o dado mais significativo revelado pela pesquisa é que com Serra ou Aécio, o futuro do PSDB é sombrio e a quarta derrota consecutiva em eleições presidenciais é o cenário mais previsível.

O desespero do DEM

Também o DEM andou fazendo pesquisas, numa desesperada tentativa de vislumbrar uma luz no fim do túnel. A agremiação direitista encontra-se sob o impacto não só das derrotas eleitorais, como também da sangria de quadros e parlamentares que debandam para o recém-criado PSD, partido de centro-direita liderado pelo prefeito paulistano Gilberto Kassab e que passou a contar entre as suas figuras mais proeminentes reacionários notórios como Índio da Costa, candidato derrotado a vice-presidente nas últimas eleições, na chapa de José Serra, e a senadora Kátia Abreu, inimiga dos camponeses e da reforma agrária.

O DEM acredita que as indicações da sondagem de opinião pública feita pelo Instituto GPP, são de que deve acentuar ainda mais suas posições de direita. "O partido tem que reforçar que é um partido de valores, aqueles que são majoritários na sociedade, que é uma sociedade conservadora", argumentou o vice-presidente nacional do DEM, José Carlos Aleluia.

O DEM também decidiu apostar na política do quanto pior, melhor. Para eles, se a crise financeira mundial piorar e atingir o Brasil, as dificuldades do governo nas áreas de segurança, saúde e educação ficarão evidentes e abriria uma oportunidade para a oposição retomar o poder.
"O pau da barraca deles é a economia", afirmou o vice-presidente do DEM.

O finado Sérgio Motta, ex-ministro de FHC e, à época do seu governo, uma das figuras máximas do PSDB, previu que o partido ficaria 20 anos no poder. Tudo indica que o vaticínio se cumprirá ao revés.

Da redação do vermelho, com informações do Congresso em Foco e da agência Reuters

Por que só Veja, Época e IstoÉ?

No blog NaMariaNews:

No dia 13 de setembro passado, o NaMariaNews publicou em primeira mão o texto "Alckmin: 9 milhões pela fidelidade da 'Proba Imprensa Gloriosa'" sobre as novas compras de revistas (Veja, Isto É, Época) e jornais (Folha de SP, Estado de SP) pela Secretaria de Estado da Educação, precisamente através da Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE. Os contratos assinados pelo atual presidente da FDE, o Sr. José Bernardo Ortiz Monteiro, chegam ao total de R$ 9.074.936,00.

No mesmo texto foi salientado que, como de costume, não foram assinados contratos com a revista CartaCapital. Embutido nisso a pergunta fatal: e por que não?

No dia 16 de setembro, Mino Carta publicou on-line seu editorial "A mão que lava a outra" (versão impressa: n. 664, 21/setembro, pág. 21) e muito nos enobreceu com o seguinte parágrafo:

"Neste exato instante, recebemos a informação de que, na esteira do ex-governador José Serra e do seu ex-secretário da Educação Paulo Renato, o atual presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), José Bernardo Ortiz Monteiro, acaba de renovar contratos para o fornecimento de assinaturas com as revistas Época, IstoÉ e Veja, e os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo pelo valor total de 9 milhões de reais e alguns quebrados. Não houve licitação, está claro, assim como está que CartaCapital foi excluída mais uma vez."

Pois não é que neste exato instante recebemos a informação de que a CartaCapital está pedindo oficialmente à presidência da FDE explicações sobre tais compras? Sim, está.

Agora, CartaCapital pergunta o que o blog NaMariaNews sempre quis saber em uma porção de textos publicados desde o seu nascimento, em junho de 2009.

Por que comprar para as escolas públicas de SP somente a Veja, Isto É e Época?

Não há outras publicações similares ou melhores no mercado?

Qual é a justificativa "pedagógica" e/ou legal para tais compras sem licitação?

Com qual dos orçamentos da Secretaria de Educação a FDE executa tais compras? Já que a FDE não tem orçamento próprio e o que ela executa é a mando da Secretaria, em especial aquelas do campo pedagógico. Ou seja: alguém dentro da SEE é responsável pelo negócio das assinaturas. Quem seria e como se fundamentaram as aquisições?

Justificando o injustificável

Não é a primeira vez que compras dessa natureza são questionadas legalmente. Por exemplo, em 2009 a ONG Ação Educativa encaminhou ofício à presidência da FDE e obteve, após insistência, cópia de todo processo do contrato 15/1165/08/04 (Diário Oficial 1/10/2008 e 25/out/2008) referente à compra de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, ligada à Abril, da Veja - no valor de R$3.700.000,00. Tudo sem licitação, usando a lei 8.666.

A partir da análise dos dados, a Ação Educativa obteve um avanço histórico:
"Em 26 de maio [2009], o Ministério Público de São Paulo então propôs ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa contra o Presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação, a Diretora e o Supervisor de Projetos Especiais, ambos da FDE, bem como contra a Fundação Vitor Civita.

"A Ação, que tem como fundamento possíveis irregularidades no contrato firmado sem licitação entre a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e a Fundação Victor Civita, requer a responsabilização dos agentes públicos por condutas que podem ser caracterizadas como improbidade administrativa e ainda tramita na Justiça Estadual."


Trata-se do processo 0018196-44.2009.8.26.0053 (053.09.018196-7), que pode ser acompanhado no site do Tribunal de Justiça de São Paulo (ver aqui).

O pedido da Ação Educativa é muito semelhante ao que a CartaCapital faz agora. Os documentos entregues pela FDE à ONG podem ser lidos aqui. Entre eles, uma "pérola", assinada por Inácio Antonio Ovigli, então supervisor da Diretoria de Projetos Especiais, cujo conteúdo muito interessa ao NaMariaNews e à CartaCapital, a justificativa dos compradores - no caso, a SEE por meio da FDE. Alguns trechos:
"Para o atendimento das Diretrizes para o Ensino de Língua Portuguesa (Leitura, Escrita e Comunicação Oral) e Matemática, e na busca de superar mais essa condição problemática para a aprendizagem dos alunos, a SEE/SP vai implantar um programa de distribuição de materiais de apoio didático-pedagógico para alunos e professores, composto de livros, revistas, fascículos e outros suportes da escrita, destacando-se, entre essas publicações, a Revista "Nova Escola".

"Tem uma pauta editorial que privilegia matérias de orientação e elaboração de planos de aulas, além de uma variedade de temas sobre a atualidade de interesse da área educacional, abordados em reportagens, entrevistas, resenhas, depoimento de professores e alunos.

"Na pesquisa de mercado realizada no período de seleção da obra a ser adquirida, não foi localizada obra similar com as mesmas características da Revista Nova Escola. Por essa razão, foram solicitadas notas fiscais à responsável pela sua publicação, com a finalidade de comprovar que o preço a ser pago pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação é compatível com o preço cobrado pela editora às outras instituições que adquiriram essa obra.

"Desse modo, solicitamos as providências necessárias junto à editora para a aquisição do título Nova Escola, publicada com exclusividade pela Fundação Victor Civita".


Evidentemente a Ação Educativa contestou esses e outros argumentos da FDE. No mínimo três pontos merecem destaque. Mas o terceiro, sem dúvida, é uma "perolona", que desvenda muito mais do que se pode imaginar sobre o fabuloso mundo dos projetos dito educacionais. Atentem bem – os grifos em negrito são da Ação Educativa, o vermelho é do NaMariaNews:

1º) A lei federal 8.666 de 21 de junho de 1993 (que "estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", incluindo a inexigibilidade de licitação) foi desacatada em seu artigo 25, que deixa claro ser vedada "a preferência de marca, que ocorreu explicitamente neste caso, uma vez que outras editoras não foram sequer consultadas".

2º) A revista Nova Escola não tem exclusividade temática. "É importante mencionar ao menos duas outras revistas que poderiam ser escolhidas para cumprir as mesmas funções da Revista Nova Escola, tais como as descritas em seu processo de compra: a Carta na Escola, Editora Confiança Ltda, e a Revista Educação, da Editora Segmento Ltda".

3º) "De acordo com os documentos (fls. 4-12 do processo FDE n. 15/1165/08/04), a motivação inicial para a elaboração do contrato foi uma carta encaminhada em 1/9/2008 pela Fundação Victor Civita à então Secretária de Educação Maria Helena Guimarães de Castro, propondo parceria, com descrição da proposta pedagógica da Nova Escola, preços e condições, além de cronograma de postagem. Ora, o contrato não partiu de uma necessidade da Secretaria de Estado, mas sim de uma oferta realizada pela Fundação e aceita pela Secretaria, que viabilizou seus termos sem consulta a outras editoras ou, principalmente, aos destinatários diretos da compra – os docentes". (Fonte – Ação Educativa)

O que mais precisa ser dito?

Aguardemos a justificativas que apresentarão à CartaCapital às compras das revistas e jornais nesta nova administração da Educação e da FDE. Talvez fosse de bom alvitre pedir-lhes que mostrem não apenas o atual contrato, mas os anteriores também.

Em entrevista dada à Conceição Lemes, do Viomundo (em 14/outubro/2010), o NaMariaNews mostrou a dinheirama que o ex-governador José Serra (via o finado ex-secretário de Educação Paulo Renato Costa Souza, o então presidente da FDE Fabio Bonini Simões de Lima, a diretora de Projetos Especiais da FDE Cláudia Rosenberg Aratangy, o supervisor de Projetos Especiais Inácio Antonio Ovigli) pagou à imprensa e certas editoras, a título de execução de "projetos pedagógicos": mais de R$250 milhões, quase absolutamente tudo sem licitação.

Daquele total (parcial), comprovados com dados do Diário Oficial, "para a Editora Abril/Fundação Victor Civita [de 2005 a 2010] foram entregues R$52.014.101,20 para comprar milhares de exemplares de diferentes publicações", entre elas a Revista Nova Escola, além da Veja, Almanaque do Estudante, Revista Recreio e Atlas da National Geographic.

Para arrematar, quero repetir o que disse naquela entrevista à Conceição Lemes: "com esse dinheiro, poderiam ser construídas quase 13 escolas ou 152 salas de aula novinhas, com capacidade para mais de 15 mil alunos nos três períodos – considerando que uma escola com 12 salas custe R$ 4,1 milhões, e cada sala custe cerca de R$ 340 mil".

A CBN e o coronelismo eletrônico

Por Luis Nassif, em seu blog:

Não se discute o alto nível do radio-jornalismo da CBN. Critica-se sua parcialidade. Mais que isso, os paradoxos entre seu discurso político e sua prática de alianças.

No discurso, seus analistas ignoram completamente as limitações do federalismo brasileiro, a política de alianças – que garante a governabilidade -, a necessidade de pragmatismo político. Dividem o Brasil entre o supostamente país moderno (dos quais eles são porta-vozes) e o Brasil anacrônico, dos Sarneys e companhia. Aliás, é um contraponto salutar, para reduzir o poder de influência dos coronéis.

Mas hoje em dia a principal fonte de poder dos coronéis regionais é a rede Globo e a rede CBN de rádio.


De onde emana o poder político dos coronéis regionais? Em grande parte, do controle da mídia local. E esse poder deriva fundamentalmente da política de alianças com as redes nacionais de rádio e TV. Especialmente das Organizações Globo e da rede CBN.

No âmbito político, o chamado presidencialismo de coalizão é uma amarra fantástica: sem maioria, governos não governam. No caso das redes nacionais de comunicação, a definição dos sócios regionais é uma questão meramente econômica: seleciona-se o parceiro que dê melhor retorno econômico. Como a imprensa regional depende bastante das forças políticas locais, aceita-se o que tem de mais retrógrado por motivação financeira – não por governabilidade.

Ou seja, a Globo e seu braço CBN são polos centrais da força política de coronéis regionais. E, no âmbito nacional, praticam a crítica contra a força... dos coronéis regionais dos quais são associados.

É o que explica a Rede Globo ter como afiliados ACM, na Bahia, Sarney, no Maranhão, os Collor, em Alagoas – entre outros.

Volte-se, agora, ao caso CBN, especificamente a Manaus.

No momento, a CBN Manaus empreende uma campanha terrível contra uma cidadã, uma médica sem vinculações políticas – simpatizante de José Serra nas últimas eleições – que, nos confins do país, tenta exercer uma função cidadã denunciando os esbirros dos coronéis políticos locais.

Ela denunciou ações do prefeito de Manaus e passou a sofrer represálias terríveis, uma perseguição pessoal que afeta sua vida profissional e familiar – é mãe de uma recém-nascida. Indagada sobre a perseguição, a direção nacional da CBN respondeu que ela que se defendesse na Justiça. Mariza Tavares, bela jornalista, endossou a atuação de Ronaldo Tirandentes, representante do coronelismo eletrônico mais truculento e anacrônico.

A partir das pesquisas do nosso Stanley Burburinho, algumas informações sobre o braço da CBN Manaus, o empresário Ronaldo Tiradentes, com fortes ligações com o coronel local Amazonino Mendes.

Tiradentes já foi denunciado por compra do diploma de jornalista. O autor da denúncia é o jornalista Marcos Losekann no livro "O ronco da pororoca: histórias de um repórter na Amazônia". Detalhe: Losekann é correspondente da própria Globo em Londres (clique aqui). Tiradentes já admitiu publicamente a compra do diploma de segunda grau.

Mais: Tiradentes incumbiu a repórter Andréa Vieira da perseguição à médica Bianca Abidaner. A repórter foi nomeada Assessora Técnica da Prefeitura de Manaus pelo próprio Amazonino Mendes. No mesmo dia, Marcos Paz Tiradentes, irmão de Ronaldo, foi nomeado DAS-1 da Secretaria Municipal de LImpeza Pública, pelo mesmo Amazonino.

Aqui os dados sobre a assessora. Aqui o documento de sua nomeação para a assessoria da prefeitura. Aqui, a nomeação de Marcos Paz.

De que lado, afinal, está a CBN? Do suposto país moderno ou do que mais atrasado existe na política nacional?

A UDN, os IPMs e a mídia brasileira

O "jornalismo de denúncia" que se tornou hegemônico na grande imprensa traz o componente de julgamento sumário dos IPMs pós-64 e o elemento propagandístico udenista do pré-64. Assume, ao mesmo tempo, as funções do julgamento e da condenação, partindo do princípio de que, se as instituições não funcionam, ele as substitui.

Logo após o golpe militar de 1964, os "revolucionários", inclusive os de ocasião, aproveitaram o momento de caça às bruxas para eliminar adversários. O primeiro ato institucional cuidava de tirar da arena política os que haviam cometido "crimes de opinião", condenados no rito sumário de uma canetada, de acordo com os humores das autoridades de plantão.

Os Inquéritos Policiais Militares (IPMs) davam conta dos opositores que não podiam ser enquadrados na acusação de subversão: eram tribunais que, simultaneamente, investigavam e condenavam acusados de corrupção. Sem direito à defesa num caso e no outro, os políticos incômodos aos novos donos do poder saíam de cena, pelas listas de cassados publicadas pelo Diário Oficial, ao arbítrio dos militares, e pelos resultados de inquéritos aos quais não tinham acesso nem para saber por que estavam sendo cassados.

A bandeira da anticorrupção tomada pelos militares do braço civil da revolução, a velha UDN, que havia comovido as classes médias, foi consumada pelos IPMs. A presteza da exclusão de "políticos corruptos" [aqui entre aspas porque os processos não foram públicos e eles não tiveram direito à defesa] do cenário por esse mecanismo era um forte apelo às classes que apoiaram o golpe, ideologicamente impregnadas pelo discurso udenista anticorrupção que prevaleceu na oposição a João Goulart, antes dele a Juscelino Kubitschek, antes de ambos a Getúlio Vargas, na falta de uma proposta efetiva que permitisse a essa parcela da elite conquistar o poder pelo voto.

Era, no entanto, uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que satisfazia os anseios de moralização da política da classe média e das elites (o número de punições e a exposição pública dos supostos meliantes conta muito mais para o público conservador do que a justeza da condenação), era um instrumento de reacomodação das forças políticas civis que se dispunham a dar apoio ao poder militar. A delação - tanto política como moral - foi usada para redefinir a geografia do mando local, os grupos preferencialmente perfilados ao novo governo.

O fiscal de quarteirão não era um parceiro a ser desprezado pelo novo regime: foi uma peça importante na reacomodação de forças políticas e deu número, volume amplificado, às supostas apurações de denúncias de corrupção. Quanto maior o número de cassações por desvio de dinheiro público que saíssem no Diário Oficial, mais a imagem de moralização era imprimida ao poder militar, independentemente da culpa efetiva dos punidos. Os inocentes jamais tiveram chances de provar a sua inocência. Mesmo devolvidos à vida pública após 10 anos de cassação (essa era a punição), carregaram por toda a vida a pecha de "cassado por corrupção".

Existiam os casos de políticos notoriamente corruptos, é lógico, mas após 10 anos de cassação eles voltaram à arena eleitoral dispostos a convencer os seus eleitores de que eles haviam sido injustiçados. Tinham mais capacidade para isso do que os punidos injustamente, até porque eram chefes de grupos políticos locais e nesses lugares a política de compadrio se misturava e se aproveitava da corrupção para manter votos em regiões de baixa escolaridade e muita fome.

É tênue a linha que separa o julgamento sumário - pelo Estado ou por instituições que assumem para si o papel de guardiães plenipotenciários da justiça e da verdade - da injustiça. O "jornalismo de denúncia" que se tornou hegemônico na grande imprensa traz o componente de julgamento sumário dos IPMs pós-64 e o elemento propagandístico udenista do pré-64. Assume, ao mesmo tempo, as funções do julgamento e da condenação, partindo do princípio de que, se as instituições não funcionam, ele as substitui. Da mesma forma que o IPM, a punição é a exposição pública. E, assim como os Estados de regimes autoritários, o direito de defesa é suprimido, apesar da formalidade de "ouvir o outro lado"?.

Este é um lado complicado da análise da mídia tradicional porque traz junto o componente moral. Antes de assumir o papel de polícia e juiz ao mesmo tempo, consolidou-se como porta-voz da moral udenista. Hoje, as duas coisas vêm juntas: o discurso de que a política é irremediavelmente corrupta e a posição de que, sem poder na política institucional, já que está na oposição, a mídia pode revestir-se de um poder paralelo e assumir funções punitivas. A discussão é delicada porque, não raro, quem se indispõe contra esse tipo de poder paralelo da imprensa é acusado de conivente com a corrupção, mesmo que a maioria das pessoas que ouve o argumento reconheça que o julgamento da mídia tradicional é ilegítimo, falho e tem um lado, isto é, não é imparcial.

O marketing da moralidade vende muito jornal e revista na classe média, mesmo quando os erros do julgamento sumário pelas páginas da imprensa sejam muitos e evidentes. O udenismo também tem o lado da propaganda política, de desqualificação do processo democrático - não está em questão o fato de que existem políticos corruptos, mas a ideia de que a política é, em si, corrupta.

Diante desse histórico da imprensa brasileira, a notícia da tal Folhaleaks é particulamente preocupante. Em vez de Wikileaks - uma organização não governamental que lida com informações vazadas de governos e as submete ao escrutínio da apuração de veículos para divulgação - é Folhaleaks: um canal aberto a denúncias anônimas, que podem envolver os mais diversos e obscuros interesses por parte de quem denuncia. O risco é que essa forma de captação da informação reinstitua a política da denúncia do fiscal de quarteirão, mas desta vez executada não pelo Estado, mas como demonstração do poder de fazer e desfazer reputações que se autodelegou a mídia.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Brasil ainda é mais conhecido por beleza do que por eficácia, sugere ranking

A imagem do Brasil no exterior ainda parece ser a de um país com beleza natural e povo amigável, mas com limitada eficácia político-econômica, segundo aponta um ranking divulgado na última terça-feira sobre a percepção internacional de nações.

Brasil ainda é mais conhecido por beleza do que por eficácia, sugere ranking
Na 22ª posição entre 50 países, em pesquisa feita com 42 mil pessoas ao redor do mundo, o Brasil recebeu notas altas em atributos como beleza, ambiente e sociabilidade da população.

Mas as notas foram mais baixas nos quesitos eficiência política e operacional, preparo da mão-de-obra local, avanços econômicos e valor à educação.

A pesquisa, chamada Country RepTrack, foi feita pela consultoria Reputation Institute, medindo confiança, admiração e sentimentos positivos com relação a 50 países.

Os mais bem avaliados foram Canadá, Suécia e Austrália, que se destacaram como países com democracias estáveis, alto rendimento per capita, sistemas políticos desenvolvidos e aparente neutralidade em distúrbios políticos externos.

As piores avaliações ficaram com Iraque, Irã e Paquistão.

O ranking posiciona o Brasil à frente dos demais emergentes do grupo Brics. A reputação da China a colocou em 43º lugar; Rússia e Índia ficaram em 45º e 27º, respectivamente, e a África do Sul em 33º.

Reputação e dinheiro

Segundo a empresa, existe uma relação direta entre a boa avaliação dos países e lucros com investimentos estrangeiros diretos (IED) e turismo.

"O Reputation Institute encontrou uma forte correlação entre reputação de um país e o interesse das pessoas em visitá-lo, comprar seus produtos e serviços de exportação, investir, estudar e até mesmo morar e trabalhar ali", diz comunicado da consultoria.

Segundo Kasper Nielsen, executivo do Reputation Institute, 10% de aumento na reputação do país resulta em aumento nas receitas de turismo e do IED.

A pesquisa estima que, no caso do Brasil, uma melhoria em 10% na reputação elevaria as receitas com o turismo em mais de R$ 1 bilhão.

Neste ano, porém, foi observada uma redução da pontuação média dos países, que está sendo creditada ao pessimismo por conta da crise econômica internacional.

Grécia, Irlanda e Espanha – países bastante afetados por crises de dívida – estão entre as nações que viram suas reputações diminuírem entre 2009 e 2011. Outra queda significativa foi observada nas percepções sobre o México, possivelmente por conta da intensificação da violência relacionada ao narcotráfico no país.

Entre os itens avaliados pela pesquisa em cada país estão percepções sobre segurança, qualidade de vida, ambiente favorável para negócios, beleza natural, amabilidade do povo, avanços na economia e eficiência governamental.

Fonte: BBC Brasil

PSD quer “encostar no governo” para ter sucesso eleitoral, avaliam cientistas políticos

O partido vai acolher pessoas “insatisfeitas” na oposição e que “sabem que na esfera governista têm mais espaço para crescer politicamente”, acrescenta a professora Maria do Socorro. Segundo ela, os neo-pessedistas “têm no horizonte um local no ministério”...

PSD quer “encostar no governo” para ter sucesso eleitoral, avaliam cientistas políticos
Brasília – O Partido Social Democrático (PSD) nasce da necessidade de alguns quadros políticos se aproximarem do governo e manterem viabilidade eleitoral. A distância do Poder Executivo dificulta o atendimento de pleitos da base de eleitores e impede a participação na distribuição de cargos públicos.

A opinião é compartilhada pelos cientistas políticos Paulo Kramer, da Universidade de Brasília (UnB), Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade de São Paulo (USP) e Rafael Cortez, analista da consultoria Tendência e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo).

Para Rafael Cortez, o PSD será um “partido satélite”, gravitando em torno do Executivo. “O partido precisa encostar no governo para sobreviver eleitoralmente. É muito custoso sobreviver politicamente no Brasil distante do governo”, diz, lembrando que os Democratas e o PSDB passaram por um processo de esvaziamento.

O partido vai acolher pessoas “insatisfeitas” na oposição e que “sabem que na esfera governista têm mais espaço para crescer politicamente”, acrescenta a professora Maria do Socorro. Segundo ela, os neo-pessedistas “têm no horizonte um local no ministério”.

Para Paulo Kramer, quem mais se beneficia com a nova legenda, “além do [prefeito de São Paulo, Gilberto] Kassab é a presidenta Dilma Rousseff. “Tem até uns engraçadinhos dizendo que PSD significa 'Partido Só da Dilma'”, comentou, antes de destacar que o apoio fácil pode ser um problema para o governo.

“Como é uma base pidona, é uma base inorgânica, é uma base fisiológica na maioria dos casos. Eu não sei se é uma bênção ou uma maldição para o governo. Haverá mais gente com reclamações do tipo: Farinha pouca, meu pirão primeiro. É mais gente para pedir”, disse o professor da UnB

Afora a aproximação imediata com o governo, a criação do partido foi movida pelo cenário eleitoral de 2012, especialmente de São Paulo, e até das eleições gerais de 2014. Os cientistas políticos lembram a ligação de Gilberto Kassab com José Serra (PSDB), a quem sucedeu na prefeitura paulistana.

O novo partido pode atuar contra a orientação do governador tucano Geraldo Alckimin nas eleições do próximo ano e até se posicionar em um polo diferente em uma eventual candidatura do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Presidência da República. Os dois tucanos, fortalecidos após a segunda derrota de Serra em campanha presidencial, estão mais próximos de ter hegemonia partidária.

“Acho bem pouco provável o Kassab não ter sinalizado para o Serra a decisão de criar o partido. Eles têm relação estreita”, salientou Rafael Cortez. “Isso seria uma tentativa do Serra para bagunçar a disputa em São Paulo, para minar a força do Alckmin e aumentar poder de barganha na disputa com o Aécio”.´Na opinião de Maria do Socorro Sousa Braga, Serra “pode estar por trás da decisão e das eventuais consequências”.

Os cientistas políticos ainda consideram que o PSD possa vir a apoiar o PSB do governador de Pernambuco Eduardo Campos. “Um partido que nasce atendendo a tantas conveniências, inclusive algumas conflitantes entre si, é um partido fadado ao sucesso”, disse Paulo Kramer.

Fonte: Agência Brasil

Saúde: orçamento e financiamento

O gasto com saúde no Brasil é inferior a 4% do seu PIB. Países que possuem um sistema de saúde semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6% do PIB. Tais países, como o Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população menor que a do Brasil. A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos acrescentar ao orçamento público da saúde?

A justiça social, ou seja, a redução de desigualdades, também deve ser promovida por intermédio do gasto do orçamento público. Além disso, o gasto público pode ser utilizado para promover a melhoria da qualidade de vida ao gerar crescimento e estabilidade macroeconômica. Os objetivos da justiça social, do crescimento e da estabilidade não são contraditórios.

O gasto público pode promover justiça social e melhoria da qualidade de vida da população quando é distributivo de renda, de bens e de serviços para aqueles que não teriam condições de adquiri-los quando disponíveis em mercados comandados pela lei da oferta e da procura. Esperar que a justiça social seja encontrada em competição no livre jogo de mercado é equivalente a esperar pelo “dia de são nunca”.

Pode-se, então, analisar os gastos públicos federais no Brasil sob a ótica distributivista e de justiça social descritas. Objetiva-se analisar, mais especificamente, as possibilidades de financiamento e o gasto com a saúde pública. Em 2010, o Governo Federal gastou apenas R$ 54,5 bilhões nessa rubrica. Gastou, no mesmo ano, em educação, R$ 40,2 bi e com o pagamento de juros referentes ao serviço da dívida pública, R$ 195 bi. Em 2008, último ano em que os dados sobre municípios e estados estão disponíveis, o gasto total das três esferas de governo em saúde, foi de R$ 109 bilhões.

O gasto total com saúde no Brasil é, portanto, inferior a 4% do seu PIB. Países que possuem um sistema de saúde gratuito semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6% do PIB. Tais países, como o Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população menor que a do Brasil. Maior orçamento público da saúde em relação ao PIB, economias maiores e populações menores são fatores que explicam a qualidade desses sistemas de saúde.

A economia tem crescido nos últimos anos, a população brasileira está aumentando a taxas mais reduzidas, mas o orçamento público para a saúde é limitado. Portanto, o desafio é aumentar o gasto com a saúde pública.

A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos acrescentar ao orçamento público da saúde? Um amigo sugeriu uma “conta de padaria”: um plano de saúde privado voltado para a classe média C cobra mensalidade de R$ 90 (e promete um “paraíso” aos seus potenciais clientes), multiplique-se este valor pela população (194 milhões de habitantes), multiplique-se por 12, e encontra-se o gasto total anual necessário mínimo – (mínimo porque a população sabe que promessas de planos de saúde privados não são críveis). Feita a “conta de padaria”, chega-se ao valor aproximado de R$ 90 bilhões adicionais.

Não é possível transferir esse montante das demais rubricas do orçamento para a saúde. Somente uma delas é passível e necessária de ser reduzida: serviço da dívida pública mobiliária federal (ou seja, o pagamento de juros por parte do governo federal). Mas, outras fontes de financiamento para a saúde devem ser acionadas: a carga tributária sobre os pobres e a classe média é alta quando comparada com a carga da altíssima classe média, dos ricos e das grandes corporações financeiras e não-financeiras.

Portanto, o óbvio pode ser feito: reduzir a remuneração dos títulos da dívida pública e tributar, elevar alíquotas e estabelecer novas contribuições para os segmentos que têm feito pouco sacrifício contributivo.

Seguem abaixo algumas sugestões, que poderiam ser combinadas e utilizadas em conjunto:

(a) aumentar a alíquota de Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga por instituições financeiras; em 2008, o Governo aumentou esta alíquota de 9 para 15%; quando o governo fez a majoração através de uma Medida Provisória, o DEM (partido político) apresentou ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI); o governo para rebater a ADI informou ao STF que “... não pode haver dúvidas de que, se há um setor econômico, no Brasil, que caberia ser o destinatário de alíquota majorada da CSLL (...), este setor é o setor financeiro, que, a cada ano, bate novos recordes, a nível mundial em relação a esse setor econômico, em matéria de lucros”; mais ainda, em 2007, o senador tucano Álvaro Dias apresentou projeto de lei para estabelecer alíquota de 18% para a CSLL paga pelos bancos e demais instituições financeiras;

(b) tributar lucros remetidos ao exterior por parte de multinacionais (bancos e empresas), que pela legislação em vigor são isentos de imposto de renda; o valor dos recursos remetidos às matrizes nos doze meses compreendidos entre agosto de 2010 e julho de 2011 alcançou US$ 34,19 bilhões; no mês de agosto, o setor financeiro multinacional remeteu quase US$ 1 bilhão ao exterior; a remessa total nesse mês foi superior a US$ 5 bilhões;

(c) tributar a propriedade de jatinhos, helicópteros, iates e lanchas, que pela legislação atual não pagam imposto; diferentemente da propriedade de carros populares, que pagam IPVA;

(d) apurar as formas de fiscalização do pagamento do imposto territorial rural (ITR), que contribuiu somente com 0,07% do total arrecadado pela União em 2010, ou seja, apenas R$ 526 milhões; uma forma de aumentar a arrecadação desse imposto seria estabelecer em lei que o valor declarado da terra pelo proprietário para efeito de pagamento do ITR deveria ser utilizado pela União em processos de desapropriação;

(e) Criar um IGMF, imposto sobre as grandes movimentações financeiras, que tributaria aqueles (pessoa física ou jurídica) que movimentassem mensalmente valores superiores a R$ 2 milhões.

Por último, é importante reconhecer que a gestão do orçamento da saúde deve ser aprimorada para que sejam evitados desperdícios e desvios de recursos. Entretanto, também é importante reconhecer que os recursos atuais são nitidamente insuficientes. O caminho ideal seria iniciar, de forma simultânea, um processo de auditoria, melhoria de gestão e ampliação das fontes de financiamento para a saúde pública no Brasil.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia do Rio de Janeiro.

O verdadeiro “espírito animal” do capitalismo moderno

Editorial do Vermelho

"Sonho com esse momento (de declínio econômico) há três anos. Vou confessar: sonho diariamente com uma nova recessão. Se você tem o plano certo, pode fazer muito dinheiro com isso". O autor dessa declaração reveladora é o financista Alessio Rastani, operador independente do mercado financeiro, que fez uma espécie de confissão sobre as atividades do controvertido setor em que “trabalha” durante recente entrevista à BBC.

Num arroubo de sinceridade, coisa rara entre seus pares, Rastani deixou claro que o “mercado”, este ente todo poderoso, onipresente e onipotente, não tá nem aí para os planos orquestrados pelos governos europeus com o intuito de contornar a crise da dívida na região. "Não ligamos muito para como vão consertar a economia. Nosso trabalho é ganhar dinheiro com isso", afirmou.

Ademais, acrescenta o sábio financista que "os governos não controlam o mundo. O (banco) Goldman Sachs controla o mundo. O Goldman Sachs não liga para esse resgate, nem os grandes fundos". Com efeito, é notória a impotência do Estado capitalista para debelar a crise. Trilhões e trilhões de dólares foram derramados na economia para resgatar bancos e banqueiros. Mas a produção não reagiu e nem o desemprego recuou. Em contrapartida, os déficits públicos explodiram desencadeando a crise da dívida nos Estados Unidos e em toda a Europa. Um autêntico círculo vicioso, como notou o presidente do BC brasileiro, Alexandre Tombini.

A ideia de que são os bancos que mandam no mundo pode não estar muito longe da verdade. Todavia, a recessão evidenciou que essas instituições se comportam como parasitas da dívida pública e não sobreviveriam à crise, enquanto iniciativa privada, sem o aporte inédito de recursos governamentais. Na turbulência transparece a fusão dos interesses do Estado capitalista com o sistema financeiro, daí a impressão de que quem “manda no mundo” (e nos governos) é o “Goldman Sachs”.

Rastani esbanja um bizarro otimismo com o avanço da crise, exibe com invulgar cinismo suas convicções catastrofistas e não faz questão de esconder que para o mercado financeiro também vale a máxima do quanto pior melhor. "Essa crise é como um câncer. Se esperarmos, vai ser tarde demais. O que digo para as pessoas é: preparem-se. Não pensem que o governo vai consertar. Quero ajudar as pessoas, elas precisam aprender a fazer dinheiro com isso. Primeiro, protegendo seus ativos. Em menos de 12 meses, ativos de milhões de pessoas vão desaparecer".

É completamente estranho aos sentimentos do financista o sofrimento dos trabalhadores e trabalhadoras condenadas ao desemprego pela crise. Já são 200 milhões nesta condição, segundo a OIT, 40 milhões concentrados nos países mais desenvolvidos. Em geral pobres ou miseráveis, esses seres humanos não têm nada a ganhar com os conselhos de Rastani. Afinal, não possuem outro ativo além da própria força de trabalho para vender e garantir meios de sobrevivência, no mais das vezes precários. Não dispõem de renda para especular com a desgraça alheia.

De todo modo, cumpre reconhecer que o operador presta um inestimável serviço à opinião pública ao expor, com uma honestidade chocante, os reais interesses que movem o capital financeiro. Subjacente às declarações que fez à BBC não é difícil perceber o verdadeiro “espírito animal” que move mundos e montanhas no capitalismo, louvado e mistificado pelos ideólogos e economistas burgueses.

Há uma só razão e um só objetivo por trás do processo anárquico de reprodução do capital: a busca pelo lucro máximo, que se traduz em mais e mais dinheiro. É isto que anima o capitalista e conforma o “espírito animal” consagrado por lorde Keynes. Pouco importa se a corrida insensata atrás da “vil prostituta da humanidade” (conforme Shakespeare apelidou o dinheiro, na época ouro, num genial monólogo de Timon de Atenas) termine em crises violentas como a que estamos presenciando no momento ou como a Grande Depressão de 1929 que, nunca é demais lembrar, pavimentou o caminho da 2ª Guerra Mundial.

A crise emana do capitalismo com uma objetividade e força que escapam ao controle dos governos. É certo que não encontra uma solução positiva nos marcos deste sistema de exploração e opressão e não é raro que termine em guerra. Para prevenir a barbárie, a classe trabalhadora e os povos precisam elevar seu nível de consciência e lutar com toda energia para acabar de vez com o capitalismo e erguer sobre suas ruínas as bases de uma nova sociedade, socialista. A humanidade não tem outro caminho.

Uma semana de setembro

É quase certo que a semana passada tenha sido decisiva para a História deste século que se iniciou há dez anos, com os fatos misteriosos de Nova York. A ONU, que não tem sido mais do que um auditório, espécie de ágora mundial, mas sem o poder político de que dispunham as praças de Atenas, ouviu quatro discursos importantes. Dois deles em nome da paz, do futuro, da lucidez e dois outros que ecoaram como serôdios.

Por Mauro Santayana, em seu blog

Dilma e Abbas, em nome dos que não aceitam mais essa divisão geopolítica do mundo; Netanyahu e Obama, constrangidos porta-vozes de um tempo moralmente morto. A assembléia geral estava separada em dois lados definidos, ainda que assimétricos.

A presidente do Brasil falava em nome das novas realidades, como a da emancipação das mulheres – pela primeira vez, na crônica das Nações Unidas, uma voz feminina abriu os debates anuais – e a impetuosa emersão de povos milenarmente oprimidos como agentes ativos da História. Mahmoud Abbas, embora em nome de uma pequena nação, representou todos os povos oprimidos ao longo dos tempos. Por mais lhe neguem esse direito, a Palestina é tão antiga que entre suas fronteiras históricas nasceu um homem conhecido como Cristo.

O holocausto judaico, cometido pelos nazistas, e que nos horroriza até hoje, durou poucos anos; o do povo palestino, espoliado de direitos com a ocupação paulatina de suas terras, iniciada com o sionismo no fim do século 19, dura há pelo menos 63 anos, desde a criação, ex-abrupto, do Estado de Israel, em 1948. Recorde-se que a criação de um “lar nacional” para os judeus estava condicionada à sobrevivência, em segurança, do povo palestino em um estado independente. A voz de Dilma, mais comedida, posto que representando nação de quase 200 milhões de pessoas no exercício de sua soberania política, teve a mesma transcendência histórica do apelo dramático de Abbas. A cambaleante comunidade internacional era chamada à sensatez política e à consciência ética. É duvidoso que ela corresponda a essa responsabilidade. Do outro lado, no discurso dissimulado e ameaçador de Netanyahu e na lengalenga constrangida de Obama, ouviram-se os rugidos dos mísseis tomawaks e o remoto estrondo que destruiu as cidades de Hiroxima e Nagasáqui, em 1945. Enquanto Netanyahu balbuciava, sem nenhuma coerência, as expressões de paz, seus soldados matavam um manifestante palestino na Cisjordânia ocupada.

Os dois arrogantes senhores não falaram em nome dos homens; bradaram em nome das armas e dos grandes banqueiros sem pátria que, desde os Rotschild, mantêm a força contra a razão naquela região do mundo. Como muitos historiadores já apontaram, os judeus ricos, sob a liderança da poderosa família de financistas, decidiram acompanhar o ex-pangermanista Theodor Herzl, na idéia de criar um estado hebraico, a fim de se livrar da presença constrangedora dos judeus pobres na Inglaterra e na Europa Ocidental.

Na origem da sua independência, os Estados Unidos ouviram a constatação sensata de Tom Payne, de que contrariava o senso comum a dependência de um continente, como a América do Norte, a uma ilha, como a Grã Bretanha. O governo norte-americano é hoje refém de um estado diminuto, como Israel, representado em Washington pelos poderosos lobistas, capazes de influir sobre o Capitólio e a Casa Branca, contra as razões históricas da grande nação.

Ao apoiar, vigorosamente, o imediato reconhecimento, pelas Nações Unidas, da soberania do Estado Palestino, Dilma não falou apenas em nome dos países emergentes, solidários com o povo acossado e agredido, cujas terras e águas são repartidas entre os invasores; falou em nome de princípios imemoriais do humanismo. Ela pôde dar autenticidade ao seu discurso com uma biografia singular, a de uma jovem que, na resistência contra um regime criado e nutrido ideologicamente pelos norte-americanos, foi prisioneira e torturada.

A presidente disse ao mundo que estamos, os brasileiros, trabalhando para que o Estado cumpra a sua razão de ser, ao reduzir as desigualdades sociais e ampliar o mercado interno, a fim de desenvolver, com justiça, a economia nacional. Embora com a prudência da linguagem, exigida pelas circunstâncias solenes do encontro, o que Dilma disse aos grandes do mundo é que eles, no comando de seus estados, não agem em nome dos cidadãos que os elegeram, mas das grandes corporações econômicas e financeiras multinacionais, controladas por algumas dezenas de famílias do hemisfério norte. O resultado dessa distorção são as crises recorrentes do capitalismo contemporâneo, com o desemprego, o empobrecimento crescente das nações, a insegurança coletiva e o desespero dos mais pobres. E os mais pobres não se encontram hoje apenas nos países do antigo Terceiro Mundo, mas nas maiores e orgulhosas nações. As ruas de Londres e de Nova York, de Nova Delhi e de São Paulo são caudais da mesma miséria. Daí a necessidade de que se mude o projeto de vida em nosso Planeta. Para isso é preciso que as novas nações participem efetivamente da construção do futuro do homem.

Outro ponto axial de seu discurso foi o da necessária e urgente reforma da Organização das Nações Unidas, para que ela se restaure na credibilidade junto aos povos. Seu sistema decisório, construído na fase crucial da reacomodação do mundo, depois da tragédia da 2ª. Guerra Mundial, correspondeu a uma constelação circunstancial do poder, em que as maiores potências, possuidoras da bomba do juízo final, assumiam a responsabilidade de garantir hipotética paz, mediante o Conselho de Segurança. Contestado esse superpoder mundial pela consciência moral dos povos, desde o seu início, há quase duas décadas que se discute a sua ampliação democrática, mas sem qualquer conclusão efetiva. Dilma expressou a urgência de que isso ocorra, a fim de que o organismo possa ter a força da legitimidade política.

A paz, como a guerra, era, durante a Guerra Fria, um negócio a dois, e que só aos dois beneficiava. Sua disputa se fazia na periferia do sistema, a partir do conflito na Coréia, que inaugurou o sistema da divisão entre norte e sul, que se repetiria no Vietnã e em outros países.

Mais uma vez, no pacto Wojtyla-Reagan, a Igreja se somava ao dinheiro, para a aparente vitória do capitalismo, com a queda do muro de Berlim. Isso trouxe aos vitoriosos a ilusão de que a História chegara a seu fim, com a definitiva submissão dos pobres aos nascidos para mandar e usufruir de todos os benefícios da civilização. Como registramos naqueles anos de Fernando Henrique, quando ele nos fez ajoelhar diante de Washington, os novos mestres do mundo se esqueceram de combinar com os adversários, como recomendou um filósofo mais atilado, o mestre Garrincha. A globalização, planejada para consolidar o condomínio dos países centrais, sob a hegemonia ianque, mediante a recolonização imperial, trouxe o efeito contrário, promoveu a unidade política dos países atingidos e se voltou contra seus criadores. Isso explica a emersão do Brics. Foi em nome do futuro, das novas e poderosas forças humanas que se organizam, que o Brasil falou, por meio da presidente Dilma, em Nova York.

Renato Rabelo: A crise financeira e a oportunidade histórica

Está em curso o que podemos chamar de uma segunda fase da crise financeira marcada pelo aprofundamento dos problemas de ordem fiscal nos Estados Unidos e Europa, cujas sinalizações de solução não são positivas: os gestores da crise ainda se encontram no núcleo do poder norte-americano e ainda não ensejaram soluções novas aos problemas econômicos criados. O impasse político e econômico é conseqüência deste modo predominante.

Por Renato Rabelo


A crise acelera uma “transição sistêmica”, fortalecendo novos blocos de poder, entre eles o BRICS – a articulação formada por Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China. O sinal interessante do momento está na própria sinalização de ajuda financeira à Europa pelo BRICS. Neste contexto de um mundo em transição, outros dois elementos são essenciais, sendo eles a formação de um bloco de países governados por alianças progressistas na América Latina e outro, de caráter reacionário, na resposta lenta do hegemonismo norte-americano à sua própria decadência evidente nos empreendimentos militares do Iraque, Afeganistão e recentemente numa guerra colonial para domínio da Líbia.

Como se comportar o Brasil diante deste quadro? Para o PCdoB, esta crise exige audácia do governo brasileiro no sentido de aproveitar este “cotovelo da história” para avançar no rumo de mudanças e que, concretamente, abra caminho à realização de um “Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”. Aproveitar esta chance não é um movimento novo, algo a se inventar. A Revolução de 1930 e as ações do governo Lula no início da crise são bons exemplos que aparecem no retrovisor da história e que podem servir de desenho a uma ação ousada. E de certa forma isso tem sido feito pelo governo de Dilma Rousseff, que desenvolve grande esforço na busca de alternativa nova.

As ações do governo Dilma diante do agravamento da crise se dão num quadro de fortalecimento de sua própria autoridade. O lançamento do Programa Brasil sem Miséria, a redução da taxa de juros, o aumento do IPI sobre os carros importados são sinais positivos nada elementares, assim como é a própria gestão conjugada das políticas monetárias e fiscal, abrindo campo para uma significativa queda da taxa SELIC, fortalecendo a convicção em torno de uma engenharia política e econômica que capacite nosso país chegar em 2014 praticando taxas de juros mais racionais e próximas de patamares internacionais.

Pouco se diz, mas muito se sente – diante da reação do “mercado” e de setores da grande mídia, sobre o real significado da possibilidade de se praticar taxa de juros a níveis internacionais até 2014. Para o PCdoB, o movimento é claro e pode ser sintetizado numa arrumação de médio e longo prazos capaz de desmontar o acordo tácito que configurou o Plano Real. Aí, na prática, passou a se impor um “protocolo” na relação entre o governo e o “mercado” financeiro, garantindo a prevalência de ganhos baseados na – inexplicável – maior taxa de juros do mundo. Este acordo tácito dominante possibilitou o trânsito dos ganhos com a inflação para outro – onde os juros, e a política monetária, tornaram-se a base social do “acordo”. Essa transição a um novo pacto político agora não virá espontaneamente, e a mobilização social e o fortalecimento da luta dos trabalhadores, e o apoio aos empresários da produção são parte essencial deste todo complexo. Este é o caminho para a queda declinante da taxa de juros tornando possível a vigência de uma política monetária que sustente um desenvolvimento acentuado por largo período.

Ao PCdoB, diante deste quadro, cabem esforços para a realização de tarefas importantes. Fortalecer o governo Dilma e o núcleo mudancista. Defender o Brasil e sua economia ante os efeitos da crise. Neste sentido, apoiar e estimular as lutas e mobilizações do povo e dos trabalhadores. O aumento da responsabilidade do PCdoB diante da nação e do povo são demandas normais de uma força em crescimento e partícipe do governo nacional. Não nos esquivaremos de nossas obrigações chanceladas há quase 90 anos.

Fonte: Congresso em Foco


Está em curso o que podemos chamar de uma segunda fase da crise financeira marcada pelo aprofundamento dos problemas de ordem fiscal nos Estados Unidos e Europa, cujas sinalizações de solução não são positivas: os gestores da crise ainda se encontram no núcleo do poder norte-americano e ainda não ensejaram soluções novas aos problemas econômicos criados. O impasse político e econômico é conseqüência deste modo predominante.

Por Renato Rabelo*


A crise acelera uma “transição sistêmica”, fortalecendo novos blocos de poder, entre eles o BRICS – a articulação formada por Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China. O sinal interessante do momento está na própria sinalização de ajuda financeira à Europa pelo BRICS. Neste contexto de um mundo em transição, outros dois elementos são essenciais, sendo eles a formação de um bloco de países governados por alianças progressistas na América Latina e outro, de caráter reacionário, na resposta lenta do hegemonismo norte-americano à sua própria decadência evidente nos empreendimentos militares do Iraque, Afeganistão e recentemente numa guerra colonial para domínio da Líbia.

Como se comportar o Brasil diante deste quadro? Para o PCdoB, esta crise exige audácia do governo brasileiro no sentido de aproveitar este “cotovelo da história” para avançar no rumo de mudanças e que, concretamente, abra caminho à realização de um “Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”. Aproveitar esta chance não é um movimento novo, algo a se inventar. A Revolução de 1930 e as ações do governo Lula no início da crise são bons exemplos que aparecem no retrovisor da história e que podem servir de desenho a uma ação ousada. E de certa forma isso tem sido feito pelo governo de Dilma Rousseff, que desenvolve grande esforço na busca de alternativa nova.

As ações do governo Dilma diante do agravamento da crise se dão num quadro de fortalecimento de sua própria autoridade. O lançamento do Programa Brasil sem Miséria, a redução da taxa de juros, o aumento do IPI sobre os carros importados são sinais positivos nada elementares, assim como é a própria gestão conjugada das políticas monetárias e fiscal, abrindo campo para uma significativa queda da taxa SELIC, fortalecendo a convicção em torno de uma engenharia política e econômica que capacite nosso país chegar em 2014 praticando taxas de juros mais racionais e próximas de patamares internacionais.

Pouco se diz, mas muito se sente – diante da reação do “mercado” e de setores da grande mídia, sobre o real significado da possibilidade de se praticar taxa de juros a níveis internacionais até 2014. Para o PCdoB, o movimento é claro e pode ser sintetizado numa arrumação de médio e longo prazos capaz de desmontar o acordo tácito que configurou o Plano Real. Aí, na prática, passou a se impor um “protocolo” na relação entre o governo e o “mercado” financeiro, garantindo a prevalência de ganhos baseados na – inexplicável – maior taxa de juros do mundo. Este acordo tácito dominante possibilitou o trânsito dos ganhos com a inflação para outro – onde os juros, e a política monetária, tornaram-se a base social do “acordo”. Essa transição a um novo pacto político agora não virá espontaneamente, e a mobilização social e o fortalecimento da luta dos trabalhadores, e o apoio aos empresários da produção são parte essencial deste todo complexo. Este é o caminho para a queda declinante da taxa de juros tornando possível a vigência de uma política monetária que sustente um desenvolvimento acentuado por largo período.

Ao PCdoB, diante deste quadro, cabem esforços para a realização de tarefas importantes. Fortalecer o governo Dilma e o núcleo mudancista. Defender o Brasil e sua economia ante os efeitos da crise. Neste sentido, apoiar e estimular as lutas e mobilizações do povo e dos trabalhadores. O aumento da responsabilidade do PCdoB diante da nação e do povo são demandas normais de uma força em crescimento e partícipe do governo nacional. Não nos esquivaremos de nossas obrigações chanceladas há quase 90 anos.

Fonte: Congresso em Foco

O impostor impostômetro

É evidente que o sistema tributário brasileiro precisa ser repensado e reestruturado com uma nova legislação
  
Editorial Brasil de Fato

Em abril de 2005, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) criou um painel eletrônico que anualmente calcula os impostos arrecadados pela União, estados e municípios. Apelidado de impostômetro, o painel está instalado na sede da ACSP e tornou- se umas das principais peças publicitárias da campanha das elites pela diminuição dos impostos cobrados no país. Para isso, não lhe faltam espaços na mídia. Em setembro, quando o painel registrou a cifra de R$1 trilhão de impostos pagos pelos brasileiros, meia dúzia de palhaços – assim estavam caracterizados - assoprando apitos em frente ao painel, apareceram como sendo uma manifestação popular nas principais mídias da imprensa burguesa. 
Alinhado com esse interesse da classe dominante, o PTB paulista está usando seus espaços na mídia para também atacar a cobrança de impostos. Esforça-se para fazer a população acreditar que levará para casa mais comida e remédios se os impostos diminuírem. Se a burguesia, com seus partidos políticos de aluguel, estivesse realmente preocupada em resolver os problemas que afetam o povo, não seríamos um país campeão em desigualdade social e não ocuparíamos a 72ª posição no ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS) de investimentos em saúde. 
É evidente que o sistema tributário brasileiro precisa ser repensado e reestruturado com uma nova legislação. Não para atender a elite, já abastada de riquezas e privilégios. 
Para o professor João Sicsu, do Instituto de Economia do Rio de Janeiro, o sistema tributário brasileiro é injusto e regressivo, possui uma estrutura concentradora, uma vez que sacrifica mais os de baixo e alivia os de cima. Por isso, para Sicsu, há a necessidade de mudanças, a fim de que o país tenha um sistema tributário socialmente justo, que adquira um caráter distributivo da riqueza, que possibilite o Estado adotar gastos públicos, que promova a igualdade de acesso e oportunidades à população e que impeça as grandes riquezas de se evadirem do país, legal ou ilegalmente, com o objetivo de se eximir de seu dever contributivo. 
O Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc) estima que cerca de US$ 60 bilhões saíram do Brasil diretamente para paraísos fiscais em 2009. Certamente essa fortuna não alimentou os dados do impostômetro da ACSP. 
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), num estudo recentemente apresentado, atesta que 47,3% da carga tributária advém de impostos sobre consumo e 26% da folha salarial. Já a renda contribui apenas com 19,8% e a propriedade e as transações financeiras com míseros 4,9%. As famílias brasileiras mais pobres gastam 32% da sua renda em impostos. Já a carga tributária das famílias mais ricas é de 21%. 
Ainda de acordo com o professor Sicsu, o atual sistema tributário assegura isenção de pagamentos de impostos sobre jatinhos, helicópteros e lanchas; o imposto sobre heranças, cobra alíquotas em torno de 4%; nos países desenvolvidos, pode chegar a 40%. Em 2010, do total da receita federal de R$ 826.065 milhões, o Imposto Territorial Rural (ITR) contribuiu com R$ 536 milhões, ou seja, 0,07% do total. É sobre essa estrutura tributária que os idealizadores do impostômetro exigem mudanças? 
Não restam duvidas, no entanto, que a elite, mais uma vez, conseguiu aprisionar o Congresso Nacional aos seus interesses, na hora de definir o aumento de recursos financeiros para o setor de saúde. Há o consenso de que setor precisa de mais verba. Mas, com receio da mídia, os parlamentares não aprovaram a Contribuição Social da Saúde (CSS), proposta pela presidenta Dilma Rousseff. Pela proposta, seria cobrado apenas 0,1% da movimentação financeira, medida que garantiria quase R$ 20 bilhões para a saúde. E o tributo seria cobrado de quem recebe acima do teto previdenciário, hoje estabelecido em R$ 3.589. Ou seja, cerca de 95% da população estaria isenta do tributo. Mesmo assim o Congresso se rendeu à impostura do impostômetro. 
A coragem e clareza política que faltaram aos parlamentares, manifestaram-se no diretor geral do Hospital do Coração (Hcor) e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, quando, em entrevista à Carta Maior, foi enfático ao afirmar que “quem controla a mídia faz a população acreditar que a carga tributária é insuportável. Mas, se você tirar a Previdência Social do orçamento, e a Previdência é um dinheiro dos aposentados que o governo apenas administra, vai ver que a nossa carga tributária está abaixo de 30%. É pouco para um país como o Brasil.” 
As necessidades do povo brasileiro exigem dos governantes a ousadia de aprofundar as ações que promovam o combate à pobreza e assegurem a transferência de renda e universalização dos direitos à saudade, educação e moradia. Vencer esses desafios certamente exigirá enfrentar os interesses dessa elite idealizadora de impostômetros, depositária de riquezas nos paraísos fiscais e sem nenhuma identificação com os interesses do país e do povo brasileiro.

Foto do Estadão e o "agressor" de Lula

Por Conceição Lemes, no blog Viomundo:

Terça-feira, 27 de setembro, do meio da tarde ao início da noite. Durante todo esse período o Estadão online não destacou na capa nenhuma foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebendo o título de doutor honoris causa do respeitadíssimo Instituto de Estudos Políticos de Paris – o Sciences-po. É a primeira vez que a instituição pela qual passou parte da elite francesa concede o título a um latino-americano. É sua sétima condecoração.

Diferentemente de terça-feira passada, 20 de setembro, quando Lula recebeu o honoris causa da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Estadão online manteve na capa, do início da tarde ao final da noite, esta foto:



Afinal de contas, o que aconteceu? Estudantes ligados ao Diretório Central dos Estudos (DCE) da UFBA resolveram “brigar” com Lula? Ele até fechou os olhos com “medo de apanhar” de um mais “exaltado?

Nada disso. Mais uma demonstração de que a mídia corporativa está mais ligada em fazer política do que em noticiar e a escolha das fotos e manchetes “faz parte”.

O competente jornalista Fernando Brito, conhecedor profundo dos desejos mais sombrios da imprensa brasileira (foi por 20 anos assessor de Leonel Brizola e hoje está com Brizola Neto), denunciou a foto no excelente Tijolaço:

"A capa do Estadão on-line é uma incrível expressão de um desejo mal contido de nossa grande imprensa. Olhem aí ao lado, como Lula sofre o “ataque” de um manifestante que participava do “protesto” que “tumultou” a cerimônia de entrega do título de “Doutor Honoris Causa” ao ex-presidente na Universidade Federal da Bahia.

O jornal transforma reivindicação – 10% do PIB para a Educação, algo mais do que justo que se peça numa Universidade – em protesto e o sucesso do ato em tumulto. É só ler como são descritos o “protesto” e o “tumulto” pelo próprio jornal, lá na matéria:

Como não havia espaço no salão onde ocorria o evento, os estudantes tiveram de ficar do lado de fora. Depois, conseguiram entrar no salão, onde acompanharam o fim das homenagens a Lula e voltaram a gritar palavras de ordem – enquanto pegavam autógrafos do ex-presidente nos próprios cartazes nos quais estavam escritas as reivindicações".



Afinal, quem era o “agressor”? Depois de uma porção de ligações para Salvador acabei chegando a Tâmara Terso, estudante de Comunicação e coordenadora-geral do DCE da UFBA.

– Tâmara, você sabe quem é o aluno que queria “bater” no Lula?

– kkkkkkkkk É o Maltez, o Fernando Maltez, do setor de comunicação do DCE.

– Vocês foram à reitoria protestar contra o Lula?

– Nãããããããããããããããããããããããããããããããão! O que aconteceu foi o seguinte. Nós estávamos fazendo uma manifestação na UFBA, pedindo mais dinheiro para a saúde, para a educação… Aí ficamos sabendo que Lula estava na reitoria, recebendo o honoris causa. Fomos pra lá. Além de conhecer o Lula pessoalmente, queríamos que ele posasse com o nosso cartaz, pedindo 10% do PIB para Educação.

– E a foto com Fernando “partindo pra cima” do Lula?

– Na hora, o Maltez correu, agarrou a mão de Lula. Todos nós caímos na risada.

Fernando Maltez tem 24 anos, é torcedor do Bahia (como Tâmara) e está no último semestre do curso de Direito.

– Fernando, conta a verdade, você queria “descer o braço” no Lula?

– De jeito nenhum. Sou o maior fã. Admiro a história de vida de Lula, tenho consciência do bem que ele fez para o Brasil. É um exemplo para nós brasileiros, é um exemplo para o mundo.

– E o que aconteceu?

– Na hora, todo mundo queria autógrafo de Lula. Teve aluno que pediu pra Lula autografar até no cartaz que carregava.

– Ele autografou?

– Claro. Só que eu não tinha caneta, papel, nada na mão. Aí, disse: “Lula, não tenho, papel, caneta, então me dá um abraço?!”

– Ele deu?

– Claro! Foi o dia mais emocionante da minha vida.

– E a foto do Estadão?

– Já ri muito. Estou famoso (rsr). Agora, pense bem, companheira: “Eu sou da Juventude do PT, você acha que eu iria bater em Lula? Nunca! Pode perguntar pro próprio Lula, se não foi isso o que aconteceu.

Em tempo. Finalmente, há pouco, o Estadão on-line colocou na capa a foto de Lula com o honoris causa do Sciences-po. Só diferentemente da semana passada, quando a foto do “ataque” na Bahia foi inserida no texto, ficando numa posição fixa, a dessa terça estava no slide show com mais cinco imagens, que se alternavam na tela.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Chegou a vez dos indignados nos EUA?

Por John Saxe-Fernández | Cidade do México

Michael Bloomberg, o prefeito de Nova York, advertiu que se a crise do desemprego nos Estados Unidos não for resolvida logo, pode haver protestos nas ruas: “Temos muitos recém-formados que não conseguem encontrar emprego. Foi o que aconteceu no Cairo. Foi o que aconteceu em Madri. Não queremos esse tipo de revolta aqui".

Analistas de diferentes posições, de Thomas Kocham, do MIT, até Immanuel Wallerstein, da Universidade Yale, concordam. O primeiro se diz surpreso que ainda não tenham aparecido sinais mais visíveis de descontentamento. “Nosso povo é muito tolerante, não são inclinados à desordem civil. Mas com esta economia, o tempo está se esgotando”.

Para Wallerstein, a incerteza e o caos estão por toda parte. Ele afirma que é a deterioração do dólar como moeda de reserva mundial é irreversível: era "o último poder real exercido pelos Estados Unidos”, disse Sally Burch. E acrescentou “os danos são reais, a situação dos EUA é séria e não é recuperável”.

No interior, cidades pequenas “estão indo à bancarrota e não conseguem pagar seus aposentados”, enquanto a situação da classe média se deteriora rapidamente. “Aqueles que perdem seus empregos, dificilmente encontram outro, especialmente na faixa entre 40 e 60 anos, chegando até mesmo a perder suas casas”.

Para Wallerstein "a situação nos EUA vai piorar" por causa do freio aos gastos públicos imposto pelos republicanos. Ele prevê uma deterioração ainda maior. "A loucura do Tea Party – adverte – está levando os Estados Unidos, e, portanto, o mundo todo, para um crash”.

O desgaste social e econômico interno é evidente: por quarenta meses seguidos, o desemprego crônico se manteve acima de 9%, como revelado pelo BLS (Bureau of Labor Statistics), cuja metodologia, que considera "ajustes sazonais" e outras manipulações, maquia a realidade para que ela não pareça tão ruim.

A manutenção de um desemprego nesses níveis por um período tão longo não é registrada desde o final da Segunda Guerra Mundial e é comparável à Grande Depressão.

Segundo John Williams, "a gravidade extraordinária e a duração dos choques econômicos dos EUA, durante os últimos três ou quatro anos, têm desestabilizado os ajustes sazonais usados nos cálculos do BLS, em algumas séries estatísticas." Após 1994, houve ajustes na metodologia. Williams lembra que de acordo com o procedimento estatístico utilizado atualmente, depois que alguém está desempregado há mais de um ano, não está mais incluído nas contas do governo!”

Desta forma, "se o desemprego fosse calculado como antes de 1994, então o verdadeiro número de desempregados seria de 22,2%".

Entretanto, além do desemprego crônico e realmente elevado, um estudo realizado por Lawrence Mishel do EPI (Economic Policy Institute) mostra um declínio substancial no patrimônio da classe média e de outros grupos, como os negros, cujos principais bens são suas casas: “O valor da propriedade familiar agora é menor do que era em 1983, há uma geração, enquanto a riqueza dos setores de alta renda teve grande expansão”.

Note-se que esta é uma tendência de longo prazo, que mantém e intensifica a polarização social. Mishel mostra que os 5% de famílias mais ricas absorveram cerca de 82% do crescimento da riqueza total gerada entre 1983 e 2009, enquanto 60% dos domicílios tinham menos recursos do que em 1983. Pior ainda, outros estudos do EPI mostram que o crescimento dos salários está desacelerando de 3,8% até 2007, para 1,8% em maio de 2011.

Os dados dão respaldo ao prognóstico de Wallerstein: "Eu vejo guerras civis em muitos países do norte, especialmente nos EUA, onde a situação é muito pior do que na Europa Ocidental, embora lá também haja chance de guerra, porque há um limite até o qual as pessoas comuns aceitam a degradação de suas possibilidades".

Fonte: Opera Mundi

A invisibilidade dos "indignados"

Por Gilson Caroni Filho - Correio do Brasil

O jogo é repleto de velhos subterfúgios. A grande imprensa, na tentativa de desconstruir o legado do governo Lula, organiza o movimento, mas não pode revelar o sujeito do enunciado. As últimas manifestações contra a corrupção, urdidas nas oficinas do Instituto Millenium, não evidenciam apenas o vazio de uma oposição sem projeto. Vão além. Seus verdadeiros objetivos são por demais ambiciosos para serem expostos à luz do dia. Na verdade, o que se tem em mente é o combate às políticas de redistribuição de renda e os diversos programas de inclusão social levados a cabo nos últimos nove anos de governo petista.
Para tanto, as redações interagem com os “indignados” das redes sociais, apresentados como  protagonistas de uma nova esfera pública singular. Sem organicidade, enraizamento e ojeriza a qualquer coisa que coisa que remeta a práticas políticas transformadoras, os “movimentos espontâneos” são a imagem espelhada de tantos setores que endossam a verdadeira corrupção a ser combatida: aquela que promove a concentração de renda, de terras e a exclusão social, além de assegurar os privilégios das corporações midiáticas.
Mais uma vez, é preciso voltar no tempo para apreender a dinâmica do ocultamento das taxonomias, pressuposto básico para a eficácia do poder simbólico, da capacidade, cada vez mais limitada, de formatar antigas agendas.
Terça-feira, 20 de março de 2007. Mais uma vez, “empenhado” em repor a verdade factual de episódio recente da política brasileira, Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo, voltava à página de “Opinião” do jornal da família Marinho. Desta vez escreveu um artigo que tinha por título “Collor”. Como de hábito, uma redação formalmente correta, escorreita e elegante. Como sempre, uma petição de meias verdades. Algo como um Legacy com problemas no mapa aeronáutico e no painel do tranponder. Se a história tomasse a forma de um Boeing, uma colisão inevitável teria que desaparecer do noticiário do Jornal Nacional.
Dizendo-se chocado com a “reação do Senado ao discurso de estréia de Fernando Collor” na quinta-feira (15/3), o jornalista abria o artigo manifestando indignação com a forma como o ex-presidente classificou seu impeachment: “Uma litania de abusos e preconceitos, uma sucessão de ultrajes e acúmulo de violações das mais comezinhas normas legais”.
Para Kamel, a passividade dos senadores deu margem a uma perigosa releitura da história. Segundo ele, o que Collor queria caracterizar como momento de arbítrio, foi, na verdade, “um exemplo pleno do funcionamento de nossa democracia”. Até aqui não havia o que objetar ao texto do segundo cargo de maior importância na hierarquia da Central Globo de Jornalismo. Os problemas começavam quando, após relato detalhado do funcionamento da CPI e do julgamento de Collor pelo STF, Kamel explicitava o que o levou a escrever o artigo: “A preocupação com os jovens, que não conhecem essa história”. Se a motivação fosse sincera, deveria, então, contar o processo histórico inteiro, não se atendo apenas a seus momentos finais.
Teria que recordar que o ex-presidente foi uma aposta de Roberto Marinho para dar início à desconstrução do Estado, conforme solicitava o receituário neoliberal. O criador do maior conglomerado de mídia e entretenimento do Brasil não hesitou em jogar sujo para assegurar a vitória do “caçador de marajás” em 1989.
A apresentação do debate de Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial de 1989, é um exemplo dos métodos empregados por Roberto Marinho quando resolvia intervir na política. Em matéria para o Estado de S.Paulo (8/8/2003), José Maria Mayrink revela que…
“…Roberto Marinho não gostou da edição que a Rede Globo fez no noticiário da tarde e determinou que o diretor de jornalismo, Alberico Souza Cruz, reeditasse o material. Seu argumento era que estava parecendo que Lula ganhara o debate quando, de fato, o vencedor havia sido Collor. O episódio provocou uma crise interna na emissora e levou o candidato do PT a dizer que perdeu a eleição por causa da TV Globo“.
Em sua dissertação de mestrado, “Marajás e Caras-Pintadas: a memória do governo Collor nas páginas de O Globo“, o professor e jornalista Luis Felipe Oliveira mostra como a mídia construiu representações identitárias que marcaram o período Collor, da ascensão ao impeachment. Da necessidade de apresentar, acatando a agenda do neoliberalismo ascendente, o serviço público como algo oneroso, inoperante e injusto, nasceu a funcionalidade do “marajá”. Um construto tão eficaz quanto simplificadora.
Para os fins deste artigo, é interessante reproduzir como a Globo afirma suas representações negando o princípio do contraditório. Segundo Luis Felipe…
“…no esforço de representar o marajá, foi preciso evitar que as pessoas identificadas como tal pudessem apresentar ao leitor a sua versão. Nas poucas oportunidades em que permitiu aos acusados o direito de se manifestar, O Globo selecionou e redigiu de tal forma as informações que elas acabavam por corroborar as denúncias das quais os servidores estariam se defendendo. Recursos como este não foram usados apenas com os supostos marajás. Os governadores que não aderiram à caça também eram apresentados nas matérias de O Globo de tal maneira que suas intervenções não faziam efeito”.
O protagonismo da Globo na consolidação da imagem de Collor junto a parcela expressiva do eleitorado foi inegável. Marinho nunca ocultou que escondeu suas cartas. Foi enfático quando declarou à imprensa que “até as acusações, o Collor era para mim motivo de orgulho” (Estado de S.Paulo, 12/9/1992).
Deixemos claro que entre a Globo e Collor não houve relação de causalidade. Um precisava do outro para atingir seus fins. Era um típico caso de afinidade eletiva, formatado do princípio ao fim.
Convém lembrar que as Organizações Globo só abriram espaços para as manifestações públicas quando a sustentabilidade de Collor se tornou inviável. Em momento algum houve inflexão ética. Imolaram um personagem para manter intacto o projeto. Na mobilização pelo impeachment, a conhecida antecipação histórica de Roberto Marinho se fez presente. Os caras-pintadas eram o retorno do movimento estudantil como farsa. A ação política teatralizada neutralizava qualquer possibilidade contra-hegemônica. O espetáculo sobrepujava as contradições históricas. A TV Globo aparecia como vanguarda de um processo que, inicialmente, buscou esvaziar.
Já era possível antever, em meados de 1992, que o saldo final do movimento seria favorável às forças conservadoras. O clamor pela ética, quando acompanhado de vazio político, sempre produz um vaudeville burguês. A edição doJornal Nacional de 2/10/1992, dia do impeachment, foi o modelo acabado da informação espetacularizada. Mostrou multidões concentradas em diversas capitais e terminou ao som de Alegria, Alegria, de Caetano Veloso.
Ainda que reposta parcialmente, a história da Globo e seu candidato talvez explique melhor porque, segundo Kamel, “este é um país em que o decoro pode ser quebrado sem infringir o Código Penal”. Sem meias verdades, encontraremos as digitais do império de Roberto Marinho no que há de mais indecoroso no Brasil. Quem sabe, até o próprio DNA do monopólio informativo.
E que nenhum leitor pense que, passados 18 anos, a Globo atualizou seus métodos. Continua fiel seguidora da velha sentença de Nélson Rodrigues: “Se as versões contrariam os fatos, pior para os fatos.”  Nos critérios de noticiabilidade da emissora não há lugar para fiascos.
Pior para os gatos-pingados que, no vazio de suas palavras de ordem, perdidos no centro do Rio de Janeiro, ficaram no limbo das editorias que tanto apostaram no êxito das articulações. Os caras-pintadas de 20 de setembro de 2011 conheceram a invisibilidade do próprio fracasso.Foi patético, mas de um didatismo exemplar.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista de Carta Maior e colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.

Infame Entrega de Olga Benário e Sabo ao Nazismo

Diorge Konrad * (Vermelho)


Em abril de 1935, clandestinamente, Luiz Carlos Prestes e Olga Benário chegaram ao Brasil. Ele com o passaporte em nome de Antônio Villar e ela, como sua mulher, chamando-se Maria Bergner Villar. Na mesma época, ingressaram no País os argentinos Rodolfo e Carmen Ghioldi, os alemães Arthur Ernst e Elise Saborowski Ewert, o belga Leon Julles Vallé e o norte-americano Victor Allan Baron, entre outros, todos integrantes da III Internacional Comunista (IC), todos para apoiar e construir o movimento revolucionário em curso.

A influência da Internacional na Aliança Nacional Libertadora (ANL), a frente antifascista, antiimperialista e anti-latifundiária criada no início do ano, logo se faria sentir. Como demonstra a historiadora Anita Prestes, por sugestão da IC, Prestes lançou a palavra de ordem do Governo Nacional Popular Revolucionário, conquistando a adesão da ANL e de seus seguidores.[1] Porém, a direção do Partido Comunista do Brasil  (PCB) que se mantivera fiel à tese de “poder soviético”, só na segunda metade de maio, após a realização do pleno do Comitê Central do Partido, passou a seguir a nova orientação da IC para a formação das frentes populares.

Decretada a ilegalidade da ANL pelo Presidente Getúlio Vargas, em 11 de julho, a decisão do PCB foi construir a Insurreição Nacional-Libertadora de 1935. Este processo já é bastante conhecido: o levante ocorrido em novembro de 1935 fracassou, desencadeando um violento processo de repressão, de prisões e de exílios dos que integraram a ANL, perseguidos pelos Estados de Sítio e de Guerra, pela criação do Tribunal de Segurança Nacional (TSN) e da Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo (CNRC). Em decorrência da intensa perseguição policial, Prestes e Olga foram presos em 5 de março do ano seguinte.  Logo, começaram as mobilizações nacionais e internacionais para a liberdade do casal.

Cerca de 75 anos atrás, a União Feminina do Brasil (UFB), criada na esteira da ANL, enviou carta para Darci Vargas, a mulher de Getúlio.[2] A missiva pedia para que intercedesse contra a possível deportação de Olga Benário, então grávida de sete meses de Anita Leocádia Prestes. Olga, judia e comunista, sendo entregue ao governo nazista, correria grande risco de vida. Naquele momento, também eram ameaçadas de deportação a alemã Elise Saborowski, a Sabo, e a argentina Carmen Ghioldi, incursas no artigo 15 da Lei de Segurança Nacional (LSN) pela participação na Insurreição Comunista de 1935. O artigo 15 da LSN estabelecia que a União poderia expulsar do território nacional os estrangeiros “perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do País”.

Mas a deportação das militantes estrangeiras já estava praticamente decidida pelo governo, de tal forma que, Heitor Lima, professor de Direito da Universidade do Brasil, foi constituído advogado de Olga Benário para a sua defesa. Lima se encontrava regularmente com o advogado e delegado Bellens Porto, responsável pelo inquérito dos acontecimentos de novembro de 1935, e com o capitão e delegado de Segurança Política e Social, Miranda Corrêa.

Ainda em 17 de julho, Heitor Lima havia escrito carta para Filinto Müller, reclamando do “ranço da bacharelice” de Bellens Porto, o qual impedia que recursos financeiros chegassem até ela para auxílio de sua alimentação e ao próprio advogado para a defesa.[3]
Hermes Lima também escrevera para Darci Vargas, em 18 de junho, solicitando para a mulher de Vargas que ela poderia ser “apta a perceber os problemas femininos”, devido “aos sentimentos maternais da primeira dama da sociedade brasileira”, interferindo na intermediação, junto ao Presidente da República, para chegar até Olga uma passagem de primeira classe, a fim de que a sua cliente pudesse cercar-se “durante a travessia e no porto de desembarque, dos cuidados exigidos pelo seu delicadíssimo estado de saúde”, preservando assim a vida do filho que iria nascer. Nem Hermes Lima tinha dimensão do perigo de vida que Olga corria.

Esta carta, definitivamente, derruba a tese de que Getúlio Vargas não sabia da deportação de Olga e da sua entrega a Gestapo. [4] Entretanto, em 23 de setembro de 1936, na calada da noite, Olga Benário e Sabo foram embarcadas em navio com destino às prisões da Gestapo, em Berlim, vindo a morrer em campo de concentração, em 1942, enquanto Prestes somente foi libertado em 1945.
75 anos depois, os revolucionários do mundo continuam prestando homenagens a Olga Benário, a Elise Saborowski e a todas as mulheres que deram suas vidas pelo socialismo. Não fosse a infame entrega das duas ao nazismo, como a de Luiz Carlos Prestes, suas trajetórias poderiam ter tido vida longa no também longo século XX brasileiro.

* Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação e do Departamento de História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP. 
Notas
[1] PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora. Os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/1935). Petrópolis: Vozes, 1997, p. 110-1.
[2] Cf. Arquivo Flores da Cunha, FC 32.00.00 – Situação Política Nacional – 1935 a 1937, doc. II-29, CPDOC/FGV.
[3] Cf. Arquivo Filinto Müller, FM 33.03.23, 1933 a 1939 – Presos e Instituições Penitenciárias, doc. I-69, CPDOC/FGV.
[4] Ver a carta no Arquivo Getúlio Vargas, GV 36.06.18. doc. XXII-11, Rolo 4, CPDOC/FGV.

Os sinhozinhos vão a Paris

Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:

O Eduardo Guimarães já havia escrito sobre o comportamento patético de jornalistas brasileiros em Paris. Meus colegas (!) parecem ter vergonha do presidente que tivemos durante 8 anos. Ou então, querem agradar aos patrões. Numa entrevista coletiva com o diretor da “Sciences Po” (instituição francesa que vai dar um título “honoris causa” a Lula), repórteres brasileiros pareciam enojados: por que Lula vai ganhar a honraria? “Ele não é um dos nossos”.

Qualquer presidente merece sempre tratamento crítico. E é nisso que os jornalistas vão se apegar para explicar o comportamento patético em Paris. Mas o que ocorreu lá foi diferente. Foi a manifestação de uma doença social brasileira. Doença que é mais grave entre esse batalhão raivoso que não suporta as 3 derrotas seguidas sofridas em 2002, 2006 e 2010.

Poder-se-ia (pronto, com ridículas mesóclises os brasileiros mostram que foram à Universidade, feito Janio Quadros) atribuir as perguntas ridículas em Paris a um certo mau-humor. O sujeito vai a Paris, vê aquela cidade maravilhosa, e fica de mau-humor. Sei. Na verdade, trata-se da herança escravocrata que está impregnada em tantos de nós brasileiros. A turma da Senzala só pode entrar na Casa-Grande se for “criado da casa”. Lula entrou na Casa-Grande pela porta da frente. Imperdoável.

Mas o relato fica mais eloquente na descrição do jornalista argentino do “Página 12″, que também estava lá. Normalmente, não gosto de argentino falando mal do Brasil. Dessa vez, é diferente. Ele fala mal da nossa imprensa trôpega, filha ideológica da Casa-Grande. Expõe o ridículo das perguntas feitas pelos repórteres brasileiros. E a classe do professor francês ao respondê-las. Na verdade, a descrição feita pelo “Página 12″ não é uma crítica ao Brasil. Ao contrário: é um tremendo elogio!

Apesar dessa imprensa, o Brasil elegeu Lula 2 vezes. O Brasil derrotou a mentalidade escravocrata que domina nossa imprensa. Derrotou as capas da “Veja”. Derrotou Ali Kamel e sua obsessão de relativizar essa história de “preconceito racial”. Derrotou a família Frias (num almoço na “Folha, na campanha de 2002, Otavinho tentou humilhar Lula pelo fato de o líder o petista não ter diploma e não falar inglês). Derrotou a mentalidade de senhor de engenho que domina muitas redações brasileiras.

Mas os derrotados insistem.