quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Outro sonho europeu é possível

Por Manuel Castells - Opera Mundi


Já não existem dúvidas quanto ao espírito antidemocrático da União Europeia. A proposta do ex-primeiro-ministro grego, que queria perguntar a seus concidadãos se aceitam viver em austeridade espartana para poder pagar a dívida desencadeou uma tempestade financeira e política – que, entre ameaças e xingamentos de Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e David Cameron, provocou a crise do governo grego e deixou o país de pernas para o ar.


O que há de errado se as pessoas priorizarem sua saúde, sua educação e seu emprego? São temas muito complexos para a população? Não exagerem, que alguns de nós estudamos mais do que os governantes. Com alguns colegas, me comprometo a explicar claramente aos cidadãos o que vai acontecer com o euro, com a crise, com aqueles que se beneficiam e que se prejudicam, e quais são as diferentes opções possíveis, incluindo a repatriação do euro em Bruxelas. À condição, é claro, de ter a mesma informação que os banqueiros e governantes reservam para si.


O problema não é a complexidade, mas a democracia. O que os políticos mais temem nesses momentos é que os substituamos, que roubemos deles esse poder delegado que mantêm, por um mecanismo controlado de eleições entre opções enquadradas nos limites do sistema, e legitimadas pela mídia. Um referendo, mesmo que não seja uma forma perfeita de decisão popular, abre um leque de possibilidades. Mas persistem uma arrogância elitista e uma repulsa à vontade popular, por mais que sejam dissimuladas. Porque ainda que cidadãos se equivocassem, teriam direito a este erro. Já passou o tempo dos que nos salvavam porque não sabíamos o que fazer.

Na realidade, não se trata de salvar o povo, mas de salvar o euro, como se fossem a mesma coisa. Por que tanto interesse? E de quem? Porque dez dos 27 membros da União Europeia vivem sem o euro e algumas de suas economias (Reino Unido, Suécia, Polônia) são muito mais sólidas que a média da União Europeia? Defender o euro até o último grego é a primeira linha de defesa para uma moeda que está condenada porque expressa economias divergentes e que não têm um estado que a respalde.


Com Portugal e Irlanda na UTI, a Espanha na corda bamba, e uma Itália em permanente crise política e endividada até o pescoço de seu ex-líder, a defesa franco-germânica do euro tem outras explicações. São muito diferentes da história de terror que nos contam, sobre a catástrofe financeira que implicaria, com efeitos devastadores em nosso cotidiano – como se a vida dependesse da bolsa de valores.

A primeira razão é obvia: salvar os bancos, principalmente os alemães e franceses, que emprestaram sem garantias para a Grécia e aos demais PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) mediante a manipulação de contas praticada, pelo menos no caso da Grécia, pela consultoria da Goldman Sachs —certamente, deve ser sismples coincidência que Draghi, o novo presidente do Banco Central Europeu também foi empregado da Goldman Sachs.


De início, já aceitam que precisarão esquecer 50% da dívida da Grécia, ainda que não esteja claro quem acabará pagando. Mas os outros 50% têm que ser tirados do sangue, suor e lágrimas dos gregos, para que o não pagamento não acabe impune. Se a Grécia repudiasse a dívida – como fez a Islândia, que hoje vai tão bem, um dracma desvalorizado em 60% faria com que fosse impagável o resto da dívida. Mais ainda, o efeito do contágio em mercados financeiros levaria ao não pagamento de grande parte da dívida soberana, levando à quebra dos bancos que se aproveitaram do euro para emprestar sem garantias.


Ou seja, trata-se de salvar alguns bancos concretos e, em termos mais amplos, evitar uma nova crise do sistema financeiro. Quebram os países para que os bancos não quebrem. Mas por que se faz isso? No fim, os "Merkozy" não são funcionários dos bancos. Têm seus interesses políticos, nacionais e pessoais. A Alemanha necessita realmente que o euro seja a moeda europeia e que seus sócios não possam desvalorizá-la. Porque o modelo de crescimento alemão, é, na realidade, o mesmo que o chinês: crescer por meio de exportações favorecidas por uma moeda subvalorizada, e reduzir salários (houve redução de 2% em termos reais, nos últimos cinco anos). Se houvesse um euro-marco forte, a Alemanha perderia mercados na Europa, e perderia competitividade em relação a exportações espanholas ou italianas.

Mas há outra dimensão político-pessoal. Tanto Merkel quanto Sarkozy precisam estabelecer sua liderança europeia por razões de política interna e por projeto de grandeza nacional que é preciso disfarçar, para não despertar velhos fantasmas. E as outras elites políticas europeias? O sentimento de serem europeus, em um mundo em mudanças da América do Norte até a Ásia, dá-lhes a impressão de ser algo mais que produtos aldeanos do aparato de partido que tanto desprezam.


E nós em tudo isso? Certamente, a bagunça financeira que o advento do euro-peseta ocasionará (não há erro no tempo do verbo) problemas de transição na economia e em nossos bolsos – a depender de como se realize a transição. Mas a soberania de política econômica seria recuperada, a realidade monetária e financeira se ajustaria à economia real, a competitividade aumentaria com a conquista de mercados externos e internos, haveria uma explosão de turismo, que seria uma pechincha. Seria possível reativar a economia emitindo moeda. Aumentaria, portanto, o emprego. Porque o essencial é crescer, não flagelar-se. Claro: haveria inflação. Mas é a melhor receita para reduzir a dívida, incluindo a das hipotecas.


E o sonho europeu? Ele pode ser construído com as pessoas, amando-nos uns aos outros, em vez de ver quem para a conta. Quando pensar em euro, pense fraude. Quando pensar em Europa, pense amigos.

Primeiro como tragédia, depois como farsa

A bomba estourou, todos sabem, mas “essa crise planejada afetou os países muito seletivamente”

Por Luiz Ricardo Leitão - Brasil de Fato

Leio na grande mídia que, segundo as línguas afiadas da diplomacia internacional, o bom mulato Obama mostrou-se muito abatido na recente reunião do famigerado G-20 – bem mais sorumbático, aliás, do que já andava na última Assembleia Geral da ONU, em setembro. Os cronistas de lá dizem que o síndico do Império se ressente do bloqueio que a galera do Tea Party promove no Congresso contra as “reformas” propostas por Barack. Atribuem, inclusive, a alguns quadros democratas um empenho especial em estimular o movimento “Ocupe Wall Street”, esse verdadeiro balaio de gatos que, em sua investida contra os magnatas do sistema financeiro, reúne diversos segmentos da cartografi a social ianque.


Enquanto isso, Hillary Clinton, a nova “dama de ferro” da cena imperial, desponta nas pesquisas locais como a única democrata (?) capaz de derrotar os republicanos nas próximas eleições do Tio Sam. Um sinal claro de que a única instituição que ainda funciona a contento no Velho Oeste é o complexo industrial militar, patrocinador dileto da ingerência estadunidense nos mais variados rincões do planeta. Sim, a crise faz estragos em toda parte e suas sequelas são dignas de uma reflexão mais acurada por todos aqueles que pleiteiam uma transformação radical da atual (des)ordem vigente na “aldeia global”.


Por isso, concedo especial atenção às palavras de Slavoj Zizek, que esteve no Brasil este ano para lançar seus livros Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa. Em sua análise da conjuntura internacional, o pensador esloveno não hesita em afirmar que a crise de 2008 foi um embuste que revelou novas formas de colonialismo no mundo globalizado. Em outras palavras, uma “farsa” já prevista que reflete as medidas adotadas nos EUA em 2001, a fim de “redirecionar o foco das empresas de internet que estavam falindo para o mercado imobiliário” – a bomba estourou, todos sabem, mas “essa crise planejada afetou os países muito seletivamente”.


Quem logrou atinar que o capitalismo de hoje “está cheio de inconsistências e divisões internas”, como o atual cenário global nos evidencia, pôde até “driblar” certos efeitos nefastos da tormenta. Zizek ilustra seu preceito com o caso do Brasil na era Lula. A gestão do presidente Paz & Amor teria sabido valer-se das oscilações da nave-mãe para fomentar o crescimento do país e, assim, amenizar os danos da tormenta sobre a caravela tupiniquim. O mais grave, porém, é que a perda de poder do imperialismo estadunidense poderia fomentar a consolidação de uma espécie de “colonialismo econômico chinês”, que se alastra por nações do Terceiro Mundo, em especial a África, patrocinando governos corruptos e tiranos para explorar os recursos minerais de que a nova potência tanto necessita para expandir-se no mercado.


O que sobrevive de maneira ainda mais inquietante, todavia, é a tenebrosa lógica da “guerra ao terror” patrocinada pela Casa Branca, cujo episódio mais recente é a queda de Gaddafi . Não houve nada de novo na Líbia, reitera Zizek, apenas “a repetição da velha fórmula que inclui intervenção militar, envio de ajuda humanitária (?) etc.” Ou seja: o discurso subscrito pelos EUA e pela falida Europa Ocidental insiste em que as ações militares nos países árabes visam a evitar “levantes fundamentalistas” e também a apoiar a luta por “liberdade e democracia (?)”. A cantilena imperial, contudo, engasgou-se no Egito, onde o discurso pseudolibertário de Tio Sam teve de ser ajustado para dar conta de algo realmente novo e diferente que amplos setores de sua população estão a reivindicar.


As turbulências, afinal, são sempre o prenúncio de possíveis transformações que podem pôr o mundo “de pernas pro ar” e permitir-nos, em um instante privilegiado, reinventá-lo por completo. De qualquer forma, como cachorro mordido de cobra tem medo de salsicha, faço votos de que a história, como nos prevenira o velho Marx (ironizando as pretensões imperiais do sobrinho de Napoleão na França do século 19), não venha a se repetir – nem como farsa, tampouco como tragédia...

Um ultimato ao PSDB no estilo Serra

Por José Dirceu, em seu blog:


A verdade é que as divergências e cisões entre os tucanos são muito maiores do que parecem à primeira vista. Além de divididos entre quatro pré-candidatos, eles também estão separados entre serristas e alckmistas, e entre os que querem e os que não querem aliar-se ao prefeito paulistano Gilberto Kassab (ex-DEM-PSDB, agora PSD).

Aliás, já não têm, e isto está claro, o apoio de Kassab e do seu PSD. O prefeito até já lançou seu candidato ao Palácio Anhangabaú (Prefeitura): Guilherme Afif Domingos. Assim, o tucanato tem é uma longa caminhada pela frente para ter candidato e aliança capazes de levá-los ao 2º turno.

Os tucanos nem haviam ainda se refeito do baque da exposição da lavagem de sua roupa suja em público (pelo Estadão) e veio essa outra bomba contra eles publicada hoje pela Folha de S.Paulo: numa reunião com a cúpula do PSDB, José Serra comunicou que o partido não deve ter candidato a prefeito.

E mais: avisou que ou o PSDB apóia a candidatura a prefeito do vice-governador Guilherme Afif Domingos (PSD), apresentada por Kassab, ou ele, Serra, cruza os braços e não participa da campanha. Assim, mesmo, feito ultimato... E tem precedente: em 2008, contrário à candidatura de Geraldo Alckmin a prefeito, ele fez campanha pela reeleição do aliado Gilberto Kassab.

Do nosso lado temos já três candidatos fortes, o ministro da Educação, Fernando Haddad, pelo PT; o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP); e ainda o vereador Netinho, pelo PCdoB. Do lado de cá, falta o PDT definir seu rumo e o PR.

Do lado de lá eles têm, por enquanto, só o DEM (se é que não foi varrido pela formação do PSD e ainda existe em São Paulo), o PTB, o PSB e o PP de Paulo Maluf, todos três partidos integrantes do governo Alckmin no Estado. Agora, é esperar para ver o que é retórica nessa nota do tucanato e no ultimato de José Serra, e o que é realidade.

Uma conferência pelo desenvolvimento nacional

Editorial do Vermelho


Já houve um tempo em que, quando se falava em desenvolvimento nacional, pensava-se apenas em crescimento econômico, justificando-se essa prioridade com a alegação de que primeiro era preciso fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo.


Esse tempo passou e uma demonstração disso é a 2ª Conferência do Desenvolvimento, que ocorre em Brasília, entre a quarta (23)hoje e a sexta-feira (25), promovida pelo Ipea e envolvendo no debate estudantes, profissionais, agentes públicos, estudiosos, pesquisadores, especialistas, professores e legisladores, entre outros. Está prevista a participação de mais de mil palestrantes e atividades que envolvem inúmeros lançamentos de livros, painéis, mesas, oficinas etc., e a apresentação de 260 trabalhos inéditos sobre desenvolvimento.


A convicção de que o desenvolvimento se faz, e se fortalece, com a distribuição de renda e a melhoria das condições de vida do povo, pode ser constatada no pronunciamento do ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Moreira Franco, que vê a chamada “classe média” emergente da última década como garantia e suporte para a continuidade do desenvolvimento. Esta parte da população, chamada de “classe média”, conheceu uma melhoria em sua renda e condições de trabalho sendo responsável, disse o ministro, por injetar mais de um trilhão de reais na economia anualmente, sustentando com seu consumo o desenvolvimento nacional e permitindo, inclusive, o enfrentamento da crise econômica mundial em condições mais favoráveis.


Na verdade, o que vem sendo chamado de “classe média” integra em grande medida a classe trabalhadora brasileira resgatada do desemprego (15 milhões de postos formais de trabalho foram criados nos governos Lula) e beneficiada pelo aumento real do salário mínimo e de outros salários. A vida comprovou que é justa a ideia levantada pelos sindicatos de que a valorização do trabalho é fonte de desenvolvimento, na medida em que significa pleno emprego das forças produtivas e fortalecimento do mercado interno, enquanto a crise mundial mostra que a proteção a qualquer custo da valorização do capital financeiro conduz à estagnação econômica e ao desemprego em massa.


Em meio à turbulência econômica dos últimos anos, existem motivos de regozijo, sem dúvida. Mas a manutenção dos êxitos apresentados depende – alertou o presidente do Ipea, Marcio Pochmann – da continuidade e do avanço dessa melhoria na vida do povo e dos trabalhadores.


Este é o alicerce em que se assentam os avanços econômicos relativos que o país apresenta,uma conquista que é preciso consolidar e manter, advertiu Pochmann. Além da superação das fortes desigualdades que persistem no país, ele chamou a atenção para outras dimensões do desenvolvimento, entre elas o fortalecimento da integração sul-americana e o aumento da capacidade de defesa das riquezas nacionais e da soberania do país.


A realização da 2ª Conferência do Desenvolvimento pode ser vista como uma conquista que destoa, neste aspecto, do descaso assistido pelo país durante o período de hegemonia neoliberal, sob Fernando Henrique Cardoso, época em que falar de desenvolvimento nacional e do envolvimento do Estado e da sociedade nesse debate, era uma verdadeira heresia contra o culto ao “deus mercado”.


Este é mais um aspecto da mudança que o Brasil viveu desde a posse de Lula, em 2003. Agora, o desenvolvimento é um assunto nacional e envolve a todos. Envolve por exemplo militantes dos movimentos de mulheres e de negros, que lutam contra a opressão e a desigualdade e exigem um projeto progressista para superar estas distorções. Envolve a juventude, que está presente no debate através da União Nacional dos Estudantes (UNE). Envolve os trabalhadores e os empresários produtivos nacionais que lutam pela mudança na política macroeconômica.


O mais importante desta 2ª Conferência é a constatação de que o desenvolvimento não é uma questão técnica, ou econômica, como quer o conservadorismo neoliberal. É uma questão fundamentalmente política e exige, na contramão dos dogmas conservadores, a forte presença do Estado nacional, sob o comando de forças progressistas, para inaugurar um ciclo virtuoso para os brasileiros. A Conferência é um passo importante para isso na medida em que, além de partilhar experiências e fortalecer convicções, possa contribuir para as mudanças econômicas necessárias nesse rumo.

O povo está nas ruas e não por causa do carnaval

Para o norte-americano Francis Fukuyama, a queda do Muro de Berlim decretava o fim da história. Seria por isso que o mero registro das manifestações não se alça para além dos conflitos dos populares com os policiais? E que haja tão pouco a se dizer do povo, e muito mais a se comentar dos governantes?


Enio Squeff - Carta Maior


"Penso que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que exércitos inteiros, prontos para o combate. Se o povo americano permitir, um dia, que controlem a sua moeda, os bancos e todas as instituições bancárias que gravitam em torno dos bancos, privarão as pessoas de todas as suas posses, primeiro por meio da inflação, em seguida, pela recessão, até o dia em que seus filhos acordarão sem casa e sem teto, sobre a terra que seus pais conquistaram," Thomas Jefferson, ex-presidente norte-americano, numa carta ao Secretário do Tesouro americano, Albert Gallatin, em 1802.

Deve ser por razões bem ponderáveis que a mídia não só do Brasil, prefira dar mais destaque às reuniões dos líderes europeus do que às manifestações populares que congestionam as ruas das cidades dos EUA e da Europa. Para o norte-americano Francis Fukuyama, a queda do Muro de Berlim decretava o fim da história. Seria por isso que o mero registro das manifestações não se alça para além dos conflitos dos populares com os policiais? E que haja tão pouco a se dizer do povo, e muito mais a se comentar dos governantes? Brecht ironizava que, no atual sistema, quando um povo se punha contra um governo, o melhor era por abaixo o povo.

Talvez seja essa a grande ironia da crise. Entre o que menos importa, ou seja, o clamor das ruas e as decisões que, afinal, não decidem nada - o melhor é continuar a ignorar os protestos populares. Eles se tornarão, irremediavelmente inúteis perante a lógica dos decisões econômicas. Se o filme ainda não foi visto, a cena final será o inevitável "happy end", com o povo voltando para casa, ordeiramente, muito antes que as decisões, por enquanto cogitadas, entrem, por fim, em prática. É um final de folhetim de má qualidade, quase impossível de ser considerado. Hajam Balzacs e Dickens, porém, para avisarem ao povo de que a imprensa desconsidera o seu protagonismo. Ou de que a cena dispensa a platéia.

Parece o mais complicado da crise mundial: se a economia não atende à democracia - que fazer com a população que gostaria de ser ouvida? Existem paradigmas contraditórios no horizonte. À Grécia - a mesma a que está sendo negada um possível referendo para as políticas de contenção prometidas, mas não ainda implementadas - a prerrogativa da sua gênese, de ter sido o berço da democracia, pouco lhe está valendo. No século XIX, o assunto Grécia e democracia, movimentou o mundo intelectual europeu.

Até o pintor Eugène Delacroix, que era um conservador, inflamou-se em favor da Grécia. Na rasteira da morte de Lord Byron, que faleceu em meio à luta pela independência grega contra o domínio turco - ele encontrou tempo e ânimo para pintar um de seus melhores quadros ("O Massacre de Quios"). Nele, de forma nua e crua, apareciam os turcos a reprimirem a população grega. Guardadas as proporções, a situação se repete. Já, agora, não é a Turquia que oprime a Grécia - mas a lógica do mercado, de que não escapam nem os países mais ricos do mundo. O aforismo atribuído a Voltaire, de que o verdadeiro democrata lutaria até a morte, para que seu adversário defendesse publicamente o seu ponto de vista, parece estar sendo posto abaixo a cada novo passo da razão econômica oficial.

Para ela, não há, realmente, compatibilidade possível entre as exigências do mercado e os defensores de referendos democráticos. Foi - parece oportuno lembrar - o que demonstrou, na prática, o governo militar brasileiro em 1968: Dado que a população tendia a inflectir perigosamente para a democracia, o melhor a ser feito foi acabar com ela. Nada de novo no "front". Mas basta ignorar os protestos; ou o poder repressivo será maior que tudo?É a grande pergunta que sequer vem sendo inutilmente formulada na dita "maior democracia do mundo", que seria os Estados Unidos. Impossível esquecer que, no também propalado "maior país capitalista do mundo", a grita e a mobilização popular se dão - quem diria? - contra "os muito ricos". Ao que parece, boa parte da população não aceita que o "sonho americano" , cunhado por John Truslow Adams, em 1931, só se faça tal, para um por cento da população. Pelo que fica dos protestos dos iniciadores do movimento que pretende tomar a Wall Street, essa fase do capitalismo agora é inadmissível. Difícil dizer a quem aproveita esse quadro de incertezas e, pior, de contradições.

Para os artistas alemães dos primeiros anos do século XX, os ditos "expressionistas" - Kirchner, Nolde, Pechstein, Kokoshka - ou mesmo para os escritores, como Brecht e Kafka - o clima de incertezas que se seguiu à crise do período de entre guerras e a derrocada das bolsas de 1929 - propiciou uma arte despojada, sem qualquer charme ou certezas. Já, há muito, o clima de dúvidas das artes, parece indicar o que hoje se tem, a começar pelo fim do conceito de arte. O belo, ou a "expressão" como se queira, seria, irremediavelmente, coisa do passado.

Ao futuro interessaria apenas a realidade que a "Wal Street" sempre foi a primeira a escancarar: nada de qualquer interferência ou manifestação que preveja a solidariedade, inclusive como salvaguarda. O narcisismo das manifestações artísticas mais à vanguarda - invariavelmente incensadas pelo dominante reduzido "grand monde"(?) - expressa, sem meias palavras, o sentido unívoco da economia. Somos um mundo guiado pelos interesses do capital - ele está presente no Estado, nas relações interpessoais, e até no "bom dia" que dirigimos ao vizinho: talvez ele mereça ou não o nosso cumprimento por estar mais ou menos próximo do "beautifull people", que as revistas e os jornais nos vendem como o máximo a ser conquistado em vida.

Não surpreende, enfim, e para todos os efeitos, que a crise passe sempre pelas cenas das reuniões incontáveis entre os grandes do mundo - vale dizer os banqueiros, os estadistas, os economistas da hora e os membros da "inteligentsia" do mercado: eles sabem de tudo o que se passa nos cálculos e nos gabinetes das corporações, e ignoraram solene e peremptoriamente, o que acontece nas ruas. Talvez o niilismo da arte contemporânea tenha a ver com o que ocorre nas bolsas, na economia, na política e na imprensa.

À ausência de maiores valores, além do repertório que adeja em seu entorno - seguem-se as bienais vazias, tanto de idéias e quanto de público, e tudo a se contrapor à possibilidade de uma nova sociedade. Dizia um filósofo, há anos, que o fim do Muro de Berlim significava, a seu turno, a não muito longo prazo, o "fim do capitalismo". É uma idéia indiscutivelmente arrojada e muito certamente destituída de qualquer sentido a curto prazo ( não seria agora que as coisas se precipitariam): a inventiva dos homens tende ao infinito da sua existência na terra, enquanto ela existir. Alguém advertiu que já alcançamos o "status" das estrelas, com suas explosões nucleares constantes num universo em mutação. O que levou alguns inteletuais, depois da Segunda Guerra, a formularem hipóteses pessimistas sobre o futuro, após Hiroshima e Nagasaki, não deve ter levado em conta que as explosões nucleares - os horrorosamente belos cogumelos atômicos - talvez fossem apenas o simulacro dos absurdos a que o sistema nos jogaria com a imposição, como dogma, do primado do mercado sobre tudo e sobre todos.Ao ignorar, em síntese, os protestos de rua, a grande imprensa estaria a alimentar a idéia de que as bombas atômicas da economia e da política não têm nada a ver com as ogivas nucleares verdadeiras - aquelas que o mundo evita usar por serem, a essas alturas, "segredos de Polichinelo", disponíveis a todo o mundo.

É risível, aliás, que a Agência Atômica" da ONU previna o mundo que o Irã possa estar desenvolvendo uma boma atômica; ela já não existe e à disposição de governos tão mais instáveis do que quaisquer outros, como o do Paquistão? Há muitas perspectivas pessimistas no ar. O pouco caso dado à esterilidade da arte vanguardista "oficial" talvez seja, surpreendentemente, o "non sense" de um mundo também pouco disposto a atentar para a realidade. Alguns artistas contemporâneos, já desaparecidos, foram bem mais pertinentes em suas reflexões. Na época, vários aspectos de suas críticas ressoavam na grande imprensa.

Mas quando a própria mídia hegemônica pensa estar a fazer críticas profundas, por desdizer um ou outro figurão, a desprezar, porém, os milhões que protestam nas ruas, o pior não é o que ninguém sabe - mas a certeza de que a nossa cegueira cobrará do futuro o que, de fato, parece que ninguém vê. No livro de José Saramago - "Discurso sobre a Cegueira" há um momento em que todos sabem que não estão a ver nada. O mundo é um caos em que acontecem coisas que se esboroam perante os fatos. No entanto, logo surgem os espertos - também cegos. É um nunca acabar dos rotos a explorarem os rasgados, o que denota a lógica de um sistema, mas que nos remete a uma pergunta: que fazer com os fatos que se esboroam dia a dia? Desprezar as ruas, é esquecer que a história só se faz nos gabinetes, quando o trânsito funciona normalmente. Não parece ser o caso.

Portugal: Mário Soares adere à greve geral

Portugal quebrou em maio deste ano e vive hoje uma greve geral pela primeira vez, desde 1988, convocada unitariamente pela três maiores centrais de trabalhadores do país. O esfarelamento da sociedade portuguesa, esmagada por um governo de direita que aplica, com requintes de virtuose, o programa de arrocho exigido pelos credores, uniu mais que as centrais. Ontem, 120 personalidades portuguesas divulgaram um manifesto de adesão e convocação ao protesto. Entre os que chamam os trabalhadores à greve geral encontra-se o ex-presidente Mário Soares, cujo posicionamento ilustra a radicalidade de um arrocho que afronta até a complacência dos moderados históricos. A derrota esmagadora dos socialistas espanhóis nas eleições do dia 20, depois de uma rendição irrestrita ao neoliberalismo, também pesou na guinada do PS português. Sintomaticamente, no manifesto 'Mudança de Rumo', Soares e outros afirmam: "Não podemos assistir impávidos à escalada da anarquia financeira internacional. Não podemos saudar democraticamente a chamada Primavera Árabe e temer nossas próprias ruas e praças".Em reforço, Soares acrescentou um diagnóstico que poderia ser assinado por lideranças de várias partes do mundo: "Fizemos muitos sacrifícios e estamos pior do que estávamos. Por isso é preciso mobilizar as pessoas. Para que digam 'não', não se pode fazer o que mandam os mercados , que são especuladores.Os Estados tem que dominar os mercados e não o contrário".
(Carta Maior; 5ª feira; 24/11/ 2011)

É proibido gemer


A batalha pela verdade, pela memória e pela justiça será das mais importantes do ano que vem. Mas a preparação para a luta já se iniciou

Editorial da edição 456 do Brasil de Fato

Por pressões dos militares, a Presidência da República proibiu o uso da palavra pela senhora Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva, na cerimônia em que foi sancionada a lei que criou a Comissão Nacional da Verdade.


As discussões que já se haviam estabelecido na sociedade sobre o assunto tiveram assim descortinada a realidade que até então era mantida oculta sob o argumento da defesa da Comissão possível.


Passo a passo, a postura oportunista de se alegrar com as migalhas que o Poder resolve conceder já havia levado a que o Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos fosse jogado na lata do lixo, no ano passado, enterrando as demandas que a Conferência Nacional de Direitos Humanos havia formulado.


Depois, quando se abriu a discussão no Congresso Nacional sobre o Projeto de Lei da Comissão Nacional da Verdade, reabriram-se as feridas da pusilanimidade pedindo silêncio àqueles que apontavam seus vícios e debilidades.


Longe de se mobilizar para apoiar e pressionar o governo por uma verdadeira Comissão da Verdade, possibilitando-lhe constituir força para enfrentar a oposição a ela – os militares, os ex-guerrilheiros que se puseram a seu serviço e a aliança PSDB-DEM – muitos no campo da esquerda dedicaram-se a ridicularizar as lutas dos comitês pela verdade, memória e justiça e insinuar que as vozes discordantes da linha oficial estariam tão à esquerda que, circundando o planeta, somar-se-iam à direita.


Para ocultar que sua própria busca por pequenas e limitadas vitórias imediatas implicavam abandonar a luta pela memória, pela verdade e pela justiça, essas mesmas vozes realizaram a façanha de se conformar com uma Comissão da Verdade que, sem orçamento próprio, vai ter 7 integrantes e 14 assessores para, em dois anos, investigar as violações de direitos humanos ocorridas no Brasil em 42 anos, entre 1946 e 1988.


Quando se advertia que o texto em discussão previa a participação dos militares, e que isso seria inadmissível, diversas pessoas no campo da esquerda – inclusive aqui mesmo no Brasil de Fato – argumentaram com a necessidade de confiar no governo e na presidenta, os mais fortes aliados que segundo eles disporíamos para esse assunto.


Mas foi a própria presidenta quem se encarregou agora de deixar claro quem são os aliados que se dispõem a ouvir, ao demonstrar, com a proibição da palavra às vítimas, que para ela está estabelecida a paridade entre estas e seus algozes: se não quisermos ouvir os berros dos torturadores, calemos os gritos dos torturados.


É certo que a forma como agentes governamentais atropelaram as esperanças dos familiares dos presos políticos mortos e desaparecidos levou- os, muitas vezes, a negar-se a pressionar e a contribuir para uma Comissão Nacional da Verdade digna desse nome.
O equívoco dessa atitude reside em que, ao entender que nossas pressões e contribuições chancelariam um arremedo de investigação, e de que fortaleceríamos quem nos quer calar, oferecemos como alternativa nosso silêncio voluntário.


Nesse aspecto, o verbo dos governistas “defensores do possível” faz sentido, já que as suas pretensões de, pela extrema direita, calarem a voz de quem protesta contra os militares na Comissão Nacional da Verdade e suas outras limitações encontram apoio na omissão daqueles que, pela extrema esquerda, aceitam calar-se e cruzar os braços.


A batalha pela verdade, pela memória e pela justiça será das mais importantes do ano que vem. Mas a preparação para a luta já se iniciou. A mídia da direita pressiona para que os militares e serviçais da ditadura como Marco Maciel e Claudio Lembo integrem a Comissão. Frente a isso, familiares de presos políticos, irritando os governistas “defensores do possível”, demandam que a presidenta os ouça a respeito, e outras organizações indicaram nomes comprometidos com a verdade e a justiça, como alternativas.


Mais do que o passado, são as atitudes no presente que nos permitem separar o joio do trigo. O ex-guerrilheiro José Genoíno Neto, ornamentado pelas medalhas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, tornou-se o porta-voz dos militares contra as vítimas da Ditadura, tornando-se a prova de que ter sido não é o mesmo que ainda ser.


A incorporação dos militantes sociais e de todos os trabalhadores à luta pela Comissão Nacional da Verdade comprometida com a realização da Justiça não pode mais ser postergada.
Enfrentar as articulações dos militares e dos que, do nosso lado, querem nos atar as mãos é a tarefa urgente.

59 assassinatos políticos em 2011. O derramamento de sangue em Honduras: a desonra de Obama

Mark Weisbrot
Economista y codirector del Centro de Investigación Económica y Política. The Guardian-CounterPunch-Rebelión
Adital
Tradução: ADITAL


Imagine que um ativista opositor fosse assassinado em plena luz do dia na Argentina, na Bolívia, no Equador ou na Venezuela por pistoleiros mascarados, ou sequestrado e assassinado por guardas armados de um conhecidíssimo partido do governo.


Seria uma notícia de primeira página no New York Times e em todos os canias de TV. O Departamento de Estado dos Estados Unidos emitiria uma enérgica declaração sobre graves abusos dos direitos humanos, caso algo semelhante acontecesse.


Agora, imagine que 59 assassinatos desse tipo aconteceram até agora, durante o ano de 2011, e 61 no ano passado. Muito antes de que a quantidade de vítimas chegasse a esse nível, seria convertido em um importante tema de política exterior para os Estados Unidos e Washington exigiria sanções internacionais.


Porém, estamos falando de Honduras, não da Bolívia ou da Venezuela. Portanto, quando o presidente Porfirio Lobo, de Honduras, foi a Washington, no mês passado, o presidente Obama o saudou calorosamente e disse: "Há dois anos, vimos um golpe em Honduras que ameaçou desviar o país da democracia e, em parte pela pressão da comunidade internacional; porém, também pelo forte compromisso com a democracia e a liderança do presidente Lobo, o que vemos é uma restauração das práticas democráticas e um compromisso com a reconciliação, o que nos dá muitas esperanças”.


Evidentemente, o presidente Obama, inclusive, negou-se a reunir-se com o presidente democraticamente eleito, que foi derrocado pelo golpe mencionado, apesar de que esse presidente, logo após o golpe, foi por três vezes a Washington em busca de ajuda. Era Manuel Zelaya, o presidente de centroesquerda que foi derrocado pelos militares e setores conservadores em Honduras após instituir uma série de reformas votadas pela cidadania hondurenha, como o aumento do salário mínimo e leis de impulso à reforma agrária.


Porém, o que mais enfureceu a Washington foi a proximidade de Zelaya com os governos esquerdistas da América do Sul, incluída a Venezuela. Não estava mais próximo da Venezuela do que o Brasil ou a Argentina; porém, foi um crime de oportunidade. Portanto, quando os militares hondurenhos derrocaram a Zelaya, em junho de 2009, o governo de Obama fez todo o possível durante os seis meses seguintes para assegurar-se de que o golpe havia sido um êxito.


A "pressão da comunidade internacional”, a que Obama se referiu na declaração mencionada, veio de outros países, especialmente dos governos de esquerdas da América do Sul. Os Estados Unidos estavam do outro lado, lutando –finalmente com êxito- a fim de legitimar o governo golpista mediante uma "leleição” que o restante do hemisfério negou-se a reconhecer.


Em maio desse ano, Zelaya declarou em público o que já havíamos adivinhado os que acompanhamos de perto os acontecimentos: que Washington esteve por trás do golpe e ajudou para que se perpretara. Mesmo que nignuém se dê ao trabalho de investigar qual o papel dos Estados Unidos no golpe, é algo bastante plausível em vista da grande avidência circunstancial.


Porfirio Lobo assumiu o poder em janeiro de 2010; porém, a maioria do hemisfério negou-se a reconhecer seu governo porque sua eleição aconteceu mediante graves violações dos direitos humanos. Em maio de 2011, chegou-se, finalmente, ao Acordo de cartagena (Colômbia), que permitiu que Honduras voltasse à Organização dos Estados Americanos (OEA). Porém, o governo de Porfirio Lobo não cumpriu sua parte nos Acordos de Cartagena, que incluíam garantias para os direitos humanos da oposição política.


Em seguida, menciono duas das dezenas de assassinatos políticos que aconteceram durante a presidência de Lobo, tal como foram recopilados pela Red de Liderazgo Religioso de Chicago sobre Latinoamérica (CRLN, por suas siglas em inglês): "Pedro Salgado, vice presidente do Movimento Unificado Camponês do Aguán (Muca) foi eliminado a tiros e depois foi decapitado, aproximadamente às 8 da noite em casa da empresa cooperativa La Concepción. Sua esposa, Reina Irene Mejía, também foi assassinada a tiros na mesma ocasião. Pedro sofreu uma tentativa de assassinato em dezembro de 2010... Salgado, como os presidentes de todas as cooperativas que reivindicam direitos a terras utilizadas pelos empresários do óleo de palma africana no Aguán, havia sido objeto de constantes ameaças de morte desde inícios de 2011”.


A coragem desses ativistas e organizadores frente a semelhante violência e horrível repressão é assombrosa. Muitos dos assassinatos do ano passado aconteceram no Valle Aguán, no Nordeste, onde pequenos agricultores lutam por direitos à terra contra um dos altifundiários mais ricos de Honduras, Miguel facussé.


Ele produz biocombustíveis nessa região em terras em disputa. É próximo aos Estados Unidos e foi um importante apoio ao golpe de 2009 contra Zelaya. Suas forças privadas de segurança, junto com policiais e militares respaldados pelos EUA são responsáveis pela violência política na região. A ajuda dos EUA aos militares hondurenhos aumentou a partir do golpe.


Recentes comunicações diplomáticas publicadas por WikiLeaks mostram que os funcionários estadunidenses souberam, desde 2004, que Facussé traficou grandes quantidades de cocaína. Dana Frank, professor da Universidade de Santa Cruz, especialista em Honduras, resumiu para The nation, no mês passado: "Fundos e treinamento da ‘guerra contra a droga' dos EUA, em outras palavras, estão sendo utilizados para apoiar a guerra de um conhecido narcotraficante contra os camponeses”.


A militarização da gurerra contra a droga na região também impulsiona Honduras pelo mesmo caminho perigoso trilhado pelo México, um país que já tem uma das mais altas taxas de assassinatos no mundo. The New York Times informa que 84% da cocaína que chega aos EUA agora cruza pela América Central, em comparação com os 23% em 2006, quando Calderón chegou à presidência no México e lançou sua guerra contra a droga. The Times também assinala que "os funcionários estadunidenses dizem que o golpe de 2009 abriu a porta aos carteis [da droga]” em Honduras.


Quando votei por Barack Obama, em 2008, nunca imaginei que seu legado na América Central seria o retorno do governo dos esquadrões da morte, do tipo que Ronald Reagan apoiou tão vigorosamente nos anos 80. Porém, parece ser o caso em Honduras.


O governo ignorou até agora a pressão dos membros democratas do Congresso para que sejam respeitados os direitos humanos em Honduras. Esses esforços continuarão; porém, Honduras necessita ajuda do Sul. A América do Sul foi a que encabeçou os esforços para reverter o golpe de 2009. Apesar de que Washington os derrotou, não pode abandonar Honduras enquanto gente que não é diferente de seus amigos e partidários em seus países são assassinadas por um governo respaldado pelos Estados Unidos.


[Mark Weisbrot é coautor, com Dean Baker de Social Security: the Phony Crisis. Fuente: Esse artigo foi publicado originalmente em inglês em The Guardian. http://www.counterpunch.org/2011/11/21/the-bloodshed-in-honduras-obamas-disgrace/].

Mídia: dois pesos e apenas uma medida

Valério Cruz Brittos e Eduardo Silveira de Menezes, no Observatório do Direito à Comunicação:


O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, estabelece que “todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”. Atualmente, este direito, reconhecido por meio do exercício à livre manifestação de pensamento, não pode ser exercido sem o acesso à mídia, já que as ideias, reivindicações, identidades e posicionamentos de qualquer grupamento social só podem efetivamente produzir efeito público sendo midiatizadas.


No entanto, este direito, que é do cidadão e da sociedade, foi ressignificado pelos grandes grupos de comunicação – os mesmos que apoiaram abertamente a implantação do regime militar no Brasil e agora se revelam defensores da liberdade de expressão, logicamente desde que isso implique a proteção às suas próprias empresas. Tal posição fica explícita em toda manifestação das indústrias culturais, especialmente quando da elaboração da primeira versão do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) e da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009, boicotada por grande parte dos radiodifusores por defenderem que o livre mercado é a única regulamentação possível.


O próprio governo também tem procurado evocar o direito à liberdade de opinião e expressão. Infelizmente, este pseudo-reconhecimento não tem implicado a mudança da estrutura hierárquica e vertical que configura o cenário de oligopólio midiático nacional, em vigor desde a década de 1960. O que há é um temor do governo Dilma Rousseff em dar providências às propostas aprovadas na Confecom – tal qual encaminhadas ao então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), Franklin Martins –, materializadas em políticas de comunicação tímidas, em compasso com as alianças políticas realizadas pelo PT ainda durante o governo Luz Inácio Lula da Silva.


Cinco motivos com nome e sobrenome


A escolha de Paulo Bernardo para o Ministério das Comunicações – representando, finalmente, a ocupação desta importante pasta pelo próprio PT –, na prática, não significou uma postura mais incisiva em priorizar as demandas da pluralidade de segmentos sociais que compõem a sociedade civil. Basta analisar a forma como tem sido encaminhado o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com a mudança do foco de universalização para massificação do serviço. Assim, está se beneficiando gigantes das telecomunicações e inviabilizando que novos atores sociais tornem-se mais do que eventuais consumidores, visto que a velocidade proposta, de 1 megabyte, muito prejudica a possibilidade de prover conteúdo à rede e, desta forma, diversificar a produção de conteúdos, em direção ao alternativo.


Ao que tudo indica, Bernardo teve pelo menos cinco motivos para não levar adiante as mais de 600 propostas aprovadas pela Confecom. Tal ensejo tem nome e sobrenome: Rede Globo – família Marinho; Grupo Abril – família Civita; Grupo Folha – família Frias; Grupo Estado – família Mesquita; e Rede Brasil Sul (RBS) – família Sirotsky. Certamente a reação possível desses grupos, caso se sintam ameaçados por algum tipo de controle social de seus conteúdos, impactou decisivamente na forma como está sendo encaminhada a proposta para a criação de um novo marco regulatório da mídia eletrônica. Como resultado, o governo está focado precipuamente no desenvolvimento da iniciativa privada e no alargamento do mercado de consumo, como atestam a recente Lei Federal 12.485/2011 e o PNBL.


Questão midiática desperta interesse


Incansáveis em sua peregrinação pela democratização da mídia, representantes de movimentos sociais estiveram reunidos com Bernardo no dia 18 de outubro. Na oportunidade, foram apresentados 20 pontos de reivindicação, não obstante a pauta levantada pela Confecom seja superior e deva ser a baliza maior. Entre eles constam a criação de um Conselho Nacional de Comunicação; a participação social na mídia, com direito a responsabilizar as empresas pela veiculação de conteúdos contrários aos direitos humanos; e, ainda, a regulamentação dos sistemas privado, estatal e público. No entanto, levando em consideração a forma como o governo tem encaminhado este processo, pode-se afirmar que a jornada árdua enfrentada pelos midialivristas ainda terá muitos embates pela frente.


Será preciso muito mais do que promover consultas públicas via internet para modificar o cenário descrito. Diga-se de passagem, nem mesmo a metade da população prevista para ser contemplada pelo PNBL até o final deste ano poderá participar do debate, já que os 1.163 municípios previstos para receber o programa diminuíram para 800 ainda em maio de 2011. Como disse o sociólogo e ativista político Herbert de Souza, o Betinho, “o termômetro que mede a democracia numa sociedade é o mesmo que mede a participação dos cidadãos na comunicação”. O dado positivo é que a questão midiática hoje começa a despertar o interesse dos mais distintos grupos sociais, tradicionalmente afastados desse debate.

*Valério Cruz Brittos e Eduardo Silveira de Menezes são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e jornalista, mestrando no mesmo programa.