segunda-feira, 4 de julho de 2011

DEM planeja mudar de roupagem

DEM planeja mudar de roupagem

Por Altamiro Borges

Após realizar “pesquisas de imagem” com eleitores, o DEM deve lançar no segundo semestre uma nova “ofensiva de marketing” para se recuperar da violenta crise que enfrenta desde a derrota da oposição demotucana na eleição presidencial de 2010. Está em debate, inclusive, a mudança da sigla do partido. Ex-Arena na ditadura, ex-PDS na transição e ex-PFL no reinado neoliberal de FHC, os demos avaliam que o nome está desgastado e é responsável pelo inferno vivido pelos caciques da direita brasileira.


O racha interno promovido pelo prefeito da capital paulista, Gilberto Kassab, acelerou os debates internos na legenda. O DEM foi duramente atingido com a criação do PSD; foi o partido que mais sofreu debandadas. Ele já perdeu 11 deputados federais, uma senadora (a ruralista Kátia Abreu), o governador de Santa Catarina e vários vereadores e prefeitos. Caiu de terceira para sétima bancada do Congresso Nacional. Os demos ainda estrebucham para evitar novas defecções, mas não está nada fácil.

Discurso moralista mais raivoso

Segundo matéria de Julia Duailibi, no jornal Estadão, os demos não descartam até o “resgate do antigo PFL e o abandono da sigla DEM, manchada depois do escândalo envolvendo o ex-governador do DF, José Roberto Arruda, no episódio conhecido por ‘mensalão do DEM’”. Neste “reposicionamento de imagem” também está em debate uma guinada mais explícita à direita. Os demos ficaram animados com o discurso moralista e preconceituoso de José Serra na reta final das eleições do ano passado.

As pesquisas quantitativas e qualitativas bancadas pelo DEM constataram que uma parcela do eleitorado brasileiro é simpática ao discurso raivoso de direita. “De acordo com o levantamento, a maioria dos brasileiros é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização das drogas e do aborto. Entre as palavras mais positivas consideradas pelo eleitor, estão religião, trabalho e moral”, aponta a reportagem do Estadão. Seriam os “órfãos” da oposição de direita no país!

"Embalagem" estragada

“No conteúdo a gente já tem avançado. A consistência do que acreditamos já está acertada. Agora o que falta é a definição da embalagem”, explica o líder do DEM na Câmara Federal, ACM Neto (BA). Este otimismo, porém, é pura bravata. Mesmo com a mudança da roupagem, nada garante que o partido irá sobreviver. Muitos afirmam que é só um respiro momentâneo. Os demos caminhariam para o inferno, para a extinção do partido e para uma futura fusão com o PSDB e PPS.

Samuel Pinheiro fala sobre desenvolvimento e industrialização

Em palestra proferida no Seminário Internacional “Governos de Esquerda e Progressistas na América Latina e no Caribe – Balanço e Perspectivas”, encerrado no último sábado (2) na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o embaixador e representante geral do Brasil no Mercosul, Samuel Pinheiro Guimarães, discorreu sobre o tema do desenvolvimento e suas implicações econômicas e políticas.


Guimarães iniciou sua palestra Seminário Internacional sendo taxativo, a respeito do campo econômico, no que se refere às relações importação/exportação. Afirmou que “Há crescimento que não combina com desenvolvimento, pois todo ele tem a ver com substituição de importações”.

"O raciocínio", explicou, "é simples: há algo que se passa a produzir e que, antes se importava. Alguns setores querem determinadas taxas que permitam importar a preços baixos e quem inicia uma produção, começa com dificuldade e pode ser com baixa qualidade". Deu como exemplo a situação da China, há poucos anos; também chamou a atenção da necessidade de refletir sobre a tendência existente em décadas anteriores, em que houve nítida preferência do público por computadores baratos ao invés dos produzidos no Brasil.

Outro tema chave, segundo ele, seria o da transferência tecnológica, ou mais propriamente o da colaboração empresa-universidade. Há dificuldades e algumas barreiras, pois há que se enfrentar a questão da propriedade intelectual / autoral da produção e produto científico.

Anunciou, no evento, o volume de capital do BNDES e opinou que isso sinaliza possibilidade do desenvolvimento da relação anunciada. Com pessimismo, porém, citou que há 500 patentes por ano no Brasil, enquanto isso, o volume destas nos EUA chegam a 45.000.

"Tudo indica a necessidade brasileira de aceleramento, de realizar a modificações que se traduzem numa transformação produtiva de forma mais competitiva. A necessidade premente estaria no esforço de aceleração da produção tecnológica". Para o Brasil, sublinhou, o crescimento de 7% ao ano seria o ideal, antes disso, o que se denomina subdesenvolvimento aumenta.

Guimarães expôs a dificuldade em definir qual a taxa de crescimento a ser alcançada: “Qual o máximo do crescimento atual? Quem calculou? Não se sabe, mas está calculado para o Brasil em 4%". Relembrou também características específicas do Brasil em relação aos demais: “Somos semelhantes a países continentais”, sendo necessário mirar países com dimensões, potencialidades e condições estruturais semelhantes às nossas: “Se os EUA crescerem a 2% e nós, a 7%, a distância, em termos de crescimento econômico real, diminuirá, lá pelo ano de 2030”, prevê.

Ao lado isso, expõe algumas das enormes dificuldades, no terreno social, a serem enfrentadas: a) nascem 3 milhões de crianças no Brasil por ano. É necessário gerar empregos que absorvam toda a população; b) os investimentos em energia, por exemplo, não têm tem resultados imediatos. Acrescentando que o conceito de “Produto potencial” é uma farsa: “vai aumentar problemas sociais, por exemplo, faltariam empregos”.

Segundo tema: a forma de governo


A questão da democracia não pode ser deixada de lado, ao se falar em relações econômicas. No Brasil e América do Sul, há concentração de poder em áreas diversas. Por exemplo em comunicação e outros, de dominações seculares, que remontam a monarquia e prosseguem. Guimarães relembra que a multidão, nos anos 50, idolatrava Getúlio Vargas. Independentemente disso as estruturas dominantes, o poder, não caminhavam no sentido desejado por essa “massa”. Indica, assim, que o confronto para fazer avançar programas populares é permanente. E que não se pode confundir democracia com plutocracia.

Exemplificou o que chama de plutocracia com a força do poder econômico num processo eleitoral, que é enorme. O financiamento das campanhas suplanta a representação política efetiva, afirmou. Destacando também a existência de suplentes assumindo cargos nas esferas de poder diversas (legislativo etc.) que são desconhecidos do eleitorado.

O papel da imprensa em estigmatizar os países em desenvolvimento

De acordo com Guimarães, vem sendo anunciado pela imprensa mundial que a Argentina estaria “à beira do colapso”; o país tem crescido em torno de 8% ou mais, o que não é pouco, mas a imprensa brasileira "tem horror a isso". A despeito do desenvolvimento econômico da Argentina, cria-se um clima de desmoralização e de “fracasso”, por parte da imprensa brasileira.

Guimarães elencou o que chamou de motivações para o ódio à Argentina:
- Vermelho
  • renegociação da dívida;
  • rompimento com oligopólio das comunicações.
O embaixador destacou que a propriedade sobre os ativos da sociedade é algo mais importante até do que a concentração de riquezas. O equívoco a esse respeito pode indicar o caminho da taxação sobre as grandes fortunas. Ele comemora o início de mudança dessa visão e destaca as Conferências Nacionais, com participação no processo de definição de diretrizes políticas como algo positivo. Elas envolveram e campo da saúde, educação, saúde e outros. Houve mais de 50, no Brasil, o que configura uma mudança política importante que permite participação popular na formulação da política e voltou a insistir que o controle do sistema político é medido por: a) sistema financeiro e b) comunicação.

A questão da soberania

"País dependente não tem soberania. Não saber fazer as coisas ou não ter potencial, do ponto de vista da defesa, do armamento, exército etc., dificultam a sustentação da soberania. Para o Brasil não ser submisso, precisa superar lacunas nessas esferas", afirmou.

Países como os EUA, sob uma cortina ideológica (sob a aparência de potência pacífica) são altamente armados e desenvolvem ainda mais sua capacidade de guerrear. São vários os exemplos de que seguem contribuindo para a guerra no mundo. O que equivale a manter a hegemonia pela força. Assim, capacidade de manter-se soberano, para o Brasil, precisa ter a obrigação de poder defender o seu território.

Guimarães explica: “Há ameaça? Aparentemente, não”, mas no campo da defesa, ameaças são difusas e inesperadas. E faz referência a uma máxima difundida no meio internacional e sobre a qual vale refletir: “A defesa é mais importante que a opulência”. No mundo atual, a questão da soberania e defesa nacional estão bastante associada à ciência e tecnologia. Biotecnologia, internet, dentre outros, iniciam-se no campo da defesa. No capitalismo tradicional há resistência a que o Estado disso participe.

Segundo ele, uma desculpa (pretexto) que é comumente utilizada: é preciso que as defesas funcionem. "Mas fato real é que o país sem defesa tem dificuldade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico".

O mundo globalizado

"É assim chamada a nova ordem, porém, ainda assim, há a formação de grandes blocos de países; sendo os principais a União européia, os EUA, abrangendo América Central e parte da América do Sul, a área de influência chinesa, que é algo ainda enigmático", exemplifica Guimarães.

Nas negociações, um país isolado aparece de modo enfraquecido, por isso, é necessário estar associado a um bloco. "Não são desprezíveis, nem inéditos os esforços de criação do bloco latino americano, pela integração econômica, pra impulsionar crescimento da produção e para a independência política". A novidade é que “Hoje, isso sofre impacto do crescimento da China. Que é o grande fator novo”.

A China se configura como grande cliente de minérios, de energia e de alimentos e produtora de produtos manufaturados, dos simples aos mais complexos. Diante disso, o risco para os sistemas industriais é muito grande, pode provocar a desindustrialização. Processo que pode ser agravado, no Brasil, diante do pré-sal. Logo, como reagir ao desafio chinês, é a questão central atual.

Questões desencadeadas peldebate com o público

O público participou lançando questões. Foram indagados como promover a integração solidária, na América Latina, que abranja aspectos do desenvolvimento industrial, sendo mantidos laços de solidariedade, a questão da paz e se o Brasil deve possuir tecnológica bélica. Outras questões também foram feitas, como a questão da Soberania nacional: devemos ou não desenvolver, por exemplo hidrelétricas, assunto que até “celebridades” internacionais têm feito declarações a respeito. A questão da paz no mundo suscitou interesse do público também, após os 46 anos do bombardeios dos EUA ao Japão

O embaixador respondeu que o Brasil aderiu a um programa que impede que o país desenvolva tecnologia nuclear em determinados territórios. Há delimitadores; embora a respeito de veículos lançadores não haja proibições. Há acordos norte-americanos que ferem nossa soberania, mas que não foram aprovados pelo Congresso Nacional.

Sobre navios, explicou que só entram nos portos se autorizados pelo próprio país. Há um Tratado que proíbe instalação de bases nucleares, mas talvez permita recepção de navios. E destacou que grandes porta-aviões ou submarinos dos EUA podem estar em nossas áreas sem que saibamos. Pode, nesse sentido, haver violação de tratados e de direitos internacionais.

O Brasil tem a oferecer à China, por exemplo, Minérios de ferro e soja. O governo brasileiro deveria vincular essas exportações a inversões, no Brasil, por parte da China (refere-se a investimentos). E tem havido exemplos dessa sinalização. Práticas desleais de comércio exterior não têm sido verificadas. Dumping, por exemplo. Embora não se possa ignorar a grave questão que é causa social, a exploração do trabalho, dentre outras.

Enquanto isso, nos EUA registra–se aumento dos preços de produtos primários, pois setores tradicionais exportadores foram obrigados a pagar impostos, o que gerou, pela imprensa, grande alvoroço. Aqui, Guimarães sugere um modelo de cobrança de impostos que fossem para um fundo e, assim, voltassem para o próprio setor que os pagou. É uma saída, diz o embaixador. A China detém títulos do tesouro americano, é atualmente uma das maiores. E mais de 50% das exportações da China são de produtos de empresas estrangeiras instaladas no país.

Guimarães chamou a atenção para o fato de que investimento de capitais na China também interessam ao crescimento do país. E a diversos países, mesmo aqueles não alinhados politicamente com o país, alguns investimentos compensam. Segundo Samuel, tanto faz se o desempregado seja de qualquer nacionalidade. Se as operações dão lucro, é positivo para o enriquecimento empresarial. O quanto compensa um investimento realizado é, de fato, o que importa aos setores empresariais.

Há preocupações de outra natureza, para setores e ou países que não estão focados nos mesmos interesses empresariais citados. As conseqüências sociais, que geram problemas políticos e ameaçam as estruturas de poder. “As regras de distribuição de produto, da propriedade, é que podem ser ameaças reais”, afirma.

No Brasil, começa a haver maior compreensão de que a taxa cambial favorece as importações, permite circulação de mercadorias e consumo de massa, mas que, porém, é preciso estar atento a que isso provoca a desindustrialização. Embora haja alvoroço da imprensa sobre taxas de juros, o embaixador explicou que cada setor tem taxas de juros diferenciados (o setor de construção civil, agricultura etc., cada um tem taxas diferenciadas). E que essa taxa afeta (talvez) mais diretamente às pequenas empresas e consumidores, apenas.
Sobre o Mercosul
Samuel Pinheiro Guimarães opinou que o processo de integração entre os países tem sido lento, mas vem ocorrendo. "O que vier para diminuir assimetrias é muito importante". Obras como a Itaipu-Vila Reis, talvez revolucione a relação com o Paraguai. Relembrou que o simples aumento (recente e supracitado) do capital do BNDES é maior que o capital de muitos dos países da América do Sul; cabe ao Brasil, portanto, maior papel na manutenção de relações que preservem soberania e solidariedade, desenvolvimento industrial harmônico, simultaneamente.

“Tudo o que se fala por aí, em sistema pós-industrial, é besteira”. Não existe sistema financeiro sem atividade econômica. Os investimentos tendem a se concentrar no sudeste porque há maiores condições, no Brasil. Dentro do Mercosul, vale lógica semelhante, é preciso que onde haja maior infra estrutura seja a base do desenvolvimento, o que não há como modificar. E os demais precisam ser financiados pelos “sócios” que têm mais recursos.

Sobre as armas nucleares

A Constituição Brasileira impede o desenvolvimento e a fabricação dessas armas, destacou Guimarães. Ela determina que tem que o uso da energia nuclear tem de ser para fins pacíficos e deve ser submetido a aprovação pelo Congresso Nacional. O desenvolvimento de submarino pode existir, já que não é impedido por acordos internacionais. Já sobre energia nuclear, isso se relaciona com questões complexas e envolve o meio ambiental.

É sabido que o aquecimento global decorre de combustíveis fósseis. Como a diminuição não pode ser feita sem afetar o crescimento, portanto, tem aumentado os níveis desse aquecimento. Há preocupações com sustentabilidade. Ele destacou: “Somos a quinta reserva mundial de urânio e o Brasil domina a tecnologia do enriquecimento do urânio”.

Enquanto isso, a China está investindo em cerca de mais de 20 usinas nucleares. A demanda por essas áreas dessa natureza será grande. No Brasil, a descontinuidade do desenvolvimento de tecnologia espacial decorre de descontinuidade de investimentos. Por fim, reafirmou: “Temos conseguido combinar a construção de novas hidrelétricas mas que demandam modificação de projetos para compatibilizar com a preservação ambiental”.

Do Rio de Janeiro,
Márcia Fantinatti

Reforma política democrática para garantir a governabilidade

A presidente Dilma Rousseff mandou e o controvertível ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, um dos caciques do não menos controvertível PR, obedeceu incontinenti: afastou autoridades de segundo escalão do seu ministério, acusadas de atos ilícitos. A presidente também deu mostras de insatisfação com os injustificáveis aumentos e aditamentos nos valores de algumas obras do PAC, aos cuidados do referido ministério.

Semanas antes, a presidente, com a mesma autoridade, mostrou ao seu então principal ministro, Antonio Palocci , que a porta da rua é serventia da casa, aplacando assim uma grave crise política que tinha acometido seu governo na metade do primeiro ano do mandato. Não podia a credibilidade do governo manter-se de pé numa situação em que o principal articulador político e administrativo das ações governamentais não conseguira responder a contento acusações de enriquecimento ilícito obtido por meio de tráfico de influência.

Nos dois episódios, a presidente mostrou que não é tão neófita em política como pretendem seus críticos na oposição e na mídia. Fez valer a autoridade presidencial e engrandeceu-se perante a sociedade brasileira como governante que não transige com o ilícito e o errado.

Os impasses da situação política brasileira e da governabilidade nada têm a ver com o perfil pessoal nem com déficit de autoridade da mandatária, mas com o desconchavo e as perversões do próprio sistema político e da base de sustentação do governo. As trampolinagens de Palocci e o propinoduto do Ministério dos Transportes da dupla Alfredo Nascimento/Waldemar Costa Neto ocorreram dentro da base governista.

A semana passada foi marcada por episódios nada edificantes relacionados com os chamados restos a pagar das emendas dos parlamentares ao orçamento União. Depois de idas e vindas, a presidente ordenou que seus auxiliares estabelecessem um cronograma para a liquidação destes restos, que são recursos federais oriundos de emendas parlamentares ainda não pagas a estados e municípios referentes ao Orçamento de 2009.

As emendas parlamentares são despesas incluídas no Orçamento por deputados e senadores, individualmente, para atender demandas locais de bases eleitorais. São compromissos dos parlamentares pagos com verbas federais.

É absolutamente normal que os parlamentares reivindiquem o atendimento das reivindicações de suas bases eleitorais. Servir o interesse público, ajudando a alocar verbas em obras de interesse social é uma louvável função dos parlamentares. É natural, portanto, que surjam tensões, que podem ser resolvidas à base de negociações sadias entre o governo e o Parlamento.

Mas não é justo que setores da própria base aliada chantageiem o governo. E foi chantagem o que fizeram alguns próceres do PMDB quando em tom ameaçador, numa mensagem pública endereçada à presidente, disseram que a base estava chegando ao “limite da insatisfação” e que as lideranças no Congresso “não controlam as bases”.

Essas lideranças que “não controlam as bases” ocuparam postos importantes durante os dois mandatos de FHC, o que é ilustrativo de que há algo de podre no sistema político de presidencialismo de coalizão se a argamassa que liga os parlamentares da base de sustentação nas duas casas legislativas é composta por pagamento de emendas, distribuição de prebendas e sinecuras e outros tipos de negócios aviltantes do espírito republicano.

O Brasil necessita de outro tipo de governabilidade. O poder deve ser exercido com base na autoridade presidencial conferida pela consagradora maioria do eleitorado, em compartilhamento com uma base social e parlamentar unida em torno de um programa de governo cuja meta fundamental seja a realização de reformas estruturais e mudanças políticas.

O fisiologismo é grave sintoma de um sistema caduco, superado e falido. Somente uma reforma política ampla, extensa, profunda, essencialmente democrática dará ao país a governabilidade necessária à transformação do Brasil numa nação democrática e progressista. (Editorial Vermelho)

Indignados de todo o mundo: uni-vos!

Enquanto estiver na fase da simples negação das medidas adotadas pelos governos, não haverá tanta dificuldade quanto a partir do momento em que os indignados passem a ser chamados a dizer o que sugerem como propostas ou sugestões para uma ordem social e econômica mais justa.

Até poucos dias atrás, antes da retomada da mobilização na Grécia, a bola da vez parecia estar com a Espanha. E com toda a sua rica diversidade política, cultural, social. Os gritos eram bradados em catalão, em basco, em galego, em castelhano. Da mesma forma, os escritos dos cartazes e das faixas. Talvez pudéssemos sintetizá-los todos em “Não nos representam!”.

Ao longo dos últimos meses, o cenário mundial tem apresentado algumas novidades em termos de mobilização política. Por um lado, foram todas as manifestações observadas nos países árabes e do norte da África, caracterizadas essencialmente por reivindicações de natureza democrática face a seus governos. De outro lado, tem crescido o volume dos protestos que atingiram os países europeus mais duramente afetados pelas exigências de austeridade e rigor na ortodoxia dos ajustes econômicos por parte da União Européia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Foram os casos da Irlanda, da Grécia, da Islândia. E agora, a Espanha.

Muitos analistas tentam se debruçar com mais detalhe sobre esse momento e o conjunto de tais manifestações. A primeira tentação é inescapável. Comparar o primeiro semestre de 2011 com a famosa primavera de 33 anos atrás, quando a onda de manifestações atingiu um conjunto imenso de países por todos os continentes. Protagonizado por estudantes e trabalhadores, o movimento de 1968 mobilizava multidões em cidades e regiões tão diversas quanto distantes como Paris, Praga, São Francisco, Tóquio, além das mobilizações ocorridas inclusive no Brasil, já sob o regime militar do golpe de 64.

Porém, as diferenças também são significativas. O movimento de 68 tendia a expressar mudanças em operação na base das sociedades àquela época. A pauta da nova geração falava de um novo modo de vida, apresentava a crítica ao modelo da sociedade industrial e de consumo. Denunciava as iniciativas bélicas, simbolizadas na operação norte-americana no Vietnã. “Faça amor, não faça guerra!”. As flores nas bocas dos canhões. Na pauta e na essência das manifestações, mudanças comportamentais e a liberação de costumes como as drogas, o sexo, o rock and roll. O Festival de música de Woodstock entrou para a história como um dos símbolos daquele novo tempo que se iniciava.

Nos tempos atuais, a hegemonia do pensamento liberal e a falência dos regimes dos países socialistas tornam menos evidente a aceitação generalizada dos princípios de solidariedade presentes nos movimentos de protesto. Infelizmente, ao que tudo indica, as sociedades estão mais marcadas pelo sentido da postura individual e menos para ações coletivas. E a questão comportamental parece mais influenciada pelas inovações tecnológicas proporcionadas pelos contatos via celular e internet do que pela essência das atitudes e proposições libertárias dos movimentos precedentes. Uma das principais tarefas reside na divulgação e no convencimento de outros setores sociais, bem como no combate ao conteúdo conservador dos fundamentalismos de todos os gêneros (religioso, moral, político, cultural, etc) que marcam nosso tempo.

Em meio a essa multiplicação de experiências alternativas de demonstração de descontentamento com a ordem política vigente, um antigo combatente das causas democráticas e populares resolveu também tomar a iniciativa e lançou o que imaginou que fosse sua “modesta” contribuição. Stéphane Hessel, um francês já com 93 anos, publicou em 2010 um manifesto que intitulou de “Indignez-vous!”. Transformado em livro, está batendo recorde de vendas, com mais de 1 milhão só na França. No Brasil, a Editora Leya Livros lançou uma tradução como “Indignai-vos!” Trata-se de um verdadeiro chamamento a que as gerações atuais se mobilizem e demonstrem a sua discordância com o estado atual de coisas no planeta. O autor pensava sobretudo na questão francesa face à política conservadora implementada pelo Presidente Sarkozy, mas também nas dificuldades em aceitar as medidas originadas pelas obscuras autoridades européias, sediadas em Bruxelas.

No entanto, aquilo que fora concebido como um singelo manifesto de pouco mais de 30 páginas, passa a ganhar uma dimensão política e aceitação inusitadas. Com a ajuda da divulgação proporcionada pela rede virtual, o documento ganhou o mundo. E tornou-se, aos poucos, o símbolo de um movimento que se pretende como a contraposição a tudo o que o processo atual da globalização apresentou até o momento. Um pouco na esteira do espírito altermundista e das experiências do Fórum Social Mundial, espalha-se cada vez mais internacionalmente, junto com o sentimento de que “um outro mundo é possível”. E mostra a incrível energia e disposição de quem lutou quase um século e não se acomodou!

No caso espanhol, fica visível uma negação explícita da forma tradicional das organizações políticas, partidárias e institucionais. Iniciado em Madri e Barcelona como um movimento de protesto contra as medidas restritivas de um sistema de governo (central, das regiões autônomas, das províncias e das municipalidades), seus participantes ocupam locais estratégicos e de alta visibilidade nos espaços urbanos, acampando em praças centrais. Por outro lado, a evolução da conjuntura faz com que emirja rapidamente um sentimento de solidariedade de amplos setores da população. Como se o movimento estivesse a representar alguma novidade ainda submersa na base da sociedade, não captada pelos analistas e pelos próprios ativistas.

A forma de organização é também inovadora. Ao menos nessa fase inicial, os participantes e suas lideranças não escondem que os partidos políticos, os sindicatos e demais associações tradicionais não são bem vindos. A princípio, a idéia tangencia o sentimento libertário e não se aceita a prática da representação e da delegação de poderes. As decisões são todas adotadas em reuniões abertas a todos, em uma espécie de assembleísmo permanente. Não por acaso, está sempre presente a analogia com os modelos da prática política nas sociedades antigas, como a Grécia clássica. Trata-se da busca do ideal da democracia permanente.

Ao contrário de movimentos que tiveram um início similar, os atuais tendem a contar com uma maior participação de diversos setores que não exclusivamente aquele que o imaginário popular e os meios de comunicação apresentam como a “juventude rebelde”. A própria inspiração de um combatente quase centenário como Hessel confirma essa tendência. Nas praças dos acampados e nas manifestações chega mesmo a ser emocionante verificar a solidariedade ativa de aposentados, desempregados de todas as idades, famílias inteiras, estudantes universitários, secundaristas, etc. Um intercâmbio diferente e a aceitação da construção do “novo” a partir desse sincretismo um tanto inédito. A troca de experiências entre grupos tão diversos é impressionante. De um lado, os que já viram e atuaram em não sei quantos movimentos e greves ao longo do século passado, passando pela luta na resistência contra os nazistas ou ao lado dos republicanos na guerra espanhola. De outro lado, aqueles que chegam agora com menos experiência acumulada, mas com sua força e energia políticas, e sobretudo acompanhados do potencial mobilizador oferecido pelo celular e pela rede virtual.

Um outro aspecto significativo foi a afirmação do caráter pacífico e não violento do movimento. Isso tornou-se uma expressão explícita de seus documentos e declarações oficiais, em particular depois da tentativa do sistema de inteligência espanhol de infiltrar as manifestações com supostos radicais em 15 de junho, com o objetivo de desacreditar os indignados junto à maioria da população. Para evitar esse risco, o movimento denunciou tal tentativa da polícia e reafirmou a condenação da violência extremista gratuita, como costuma acontecer em algumas manifestações dessa natureza, a partir da ação irresponsável de pequenos grupos que não representam o pensamento da maioria e só fazem isolar politicamente os movimentos.

No entanto, essas características inovadoras de tais movimentos passam a representam um limite, à medida em que as ações se ampliam e eles passam a ganhar apoio e simpatia de outros setores da população. Uma coisa é organizar acampamentos com muitas centenas e alguns milhares de pessoas. Mas quando se trata de organizar manifestações de centenas de milhares de participantes, em várias cidades espalhadas pelo país, com ações de segurança interna e outras, o movimento passa a exigir de si mesmo outro nível de organização interna e o aperfeiçoamento de mecanismos de representação institucional.

O mesmo vale para a questão política. Enquanto estiver na fase da simples negação das medidas adotadas pelos governos, não haverá tanta dificuldade quanto a partir do momento em que os indignados passem a ser chamados a dizer o que sugerem como propostas ou sugestões para uma ordem social e econômica mais justa. Sim, pois o sentimento de indignação é bastante amplo para exprimir um descontentamento com a ordem atual, mas não pressupõe a mesma unidade de ação e pensamento quanto ao como e o que fazer. Os cartazes e as intervenções tendem a apontar como responsáveis pela crise fatores amplos, que vão desde o sistema capitalista até o processo da unificação européia, passando pelo sistema político espanhol.

Há mesmo muitos intelectuais, artistas, pesquisadores e professores (1) que apóiam as iniciativas, mas parte deles reconhecem as limitações das mesmas. Assim, chamam a atenção para a importância do movimento, mas consideram a necessidade de alguma forma de institucionalização no plano da política (inclusive eleitoral) para tornar as propostas factíveis e viáveis. Caso contrário, os indignados correm o risco de revelarem-se mais uma excelente oportunidade de aprendizado e amadurecimento políticos para seus participantes, mas sem desaguar em nenhuma proposta efetivamente transformadora da ordem atual que pretendem mudar (2). Ou seja, podem entrar para a longa lista dos movimentos de protesto – importantes, sem dúvida alguma – que não lograram apresentar à sociedade uma via de implementação de suas propostas de transformação.

E que sirva como alerta para aqueles que insistem, aqui por essas latitudes mais ao sul, também em ignorar as experiências históricas e suas propostas de origem. Nos dois casos em foco na Europa, um dos aspectos mais relevantes da crítica são os cortes orçamentários para áreas sociais em contratse com o volume de recursos destinados para o saneamento financeiro, o eterno privilegiar do capital contra a maioria da população. E tudo isso sendo levado a cabo e votado nos parlamentos por governos que se dizem socialistas. Como as entidades sindicais ficaram na postura meio de peleguista de nosso conhecido “chapa-branquismo”, a onda de indignação acabou por atropelar partidos e sindicatos.

De qualquer maneira, a simples ocorrência de tais movimentos em sua seqüência atual já representam um elemento inovador na ordem política. E a facilidade com que se espalham pelos continentes faz-nos lembrar o chamamento final do Manifesto escrito por Marx e Engels há mais de um século e meio: “Indignados de todo o mundo, uni-vos!”. Afinal, não têm mesmo muito a perder a não ser a sua desilusão, o seu descontentamento e a sua frustração com a ordem atual de injustiça social, política e econômica.

NOTAS
(1) É o caso da iniciativa de lançamento do manifesto “Una ilusión compartida”, que pretende ser uma cunha no debate político e eleitoral na Espanha, agora com a saída do líder do PSOE, Zapatero. Assinam Pedro Almodovar (cineasta), Ignacio Ramonet (jornalista), Pilar Barden (atriz), entre outros. Ver:
www.unailusioncompartida.com.

Registro uma frase emblemática: “La corrupción democrática se ha mostrado como la mejor aliada de la especulación, separando los destinos políticos de la soberanía cívica y descomponiendo por dentro los poderes institucionales. Hay que devolverle a la vida pública el orgullo de su honradez, su legitimidad y su transparencia. Por eso resulta imprescindible buscar nuevas formas de democracia participativa y sumar en una ilusión común los ideales solidarios de la izquierda democrática y social.”

(2) Ver: De uma tendência distinta, contribui também Arcadi Oilveres, presidente da associação catalã Justicia i Pau (Justiça e Paz). Ver:
http://www.justiciaipau.org/

O filho da Grande Imprensa

Causa espato que uma imprensa sempre tão ciosa de ter seu direitordade de expressão cassado, censurado, suprimido, tenha de livre e espontânea vontade desistido de divulgar assunto tão mobilizador de corações e mentes como o do "filho de FHC". Quando foi para falar sobre Lurian Cordeiro, filha de Lula, o comportamento foi bem distinto.

Causa espanto a desfaçatez com que a grande imprensa decide tratar, destratar, maltratar ou não tratar assunto que por algum infinitésimo de segundo lhe cause incômodo na esfera política. Refiro-me ao filho adulterino do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com a jornalista Miriam Dutra, então funcionária da Rede Globo de Televisão. A vida do inocente filho sempre foi permeada por mistério, muitos silêncios, excessivas pausas e imoderada paciência em levar a público o que já era de conhecimento de meia Brasília política, de meio país dos mexericos e se podiam contar nos dedos os jornalistas desinformados de paternidade tão noticiada nos bastidores do Poder quanto sigilosa nos meios noticiosos de circulação nacional e de maior audiência radiofônica e televisiva.

Causa espanto a desfaçatez com que a grande imprensa vem, com atraso de 19 anos, dar conta que o filho do experiente político com a renomada jornalista na verdade não é seu filho biológico: dois exames de DNA deram negativo. E o mesmo espanto é estendido à informação de que este filho, mesmo não sendo seu do ponto de vista biológico é assumido plenamente pelo velho patriarca como seu por “laços afetivos e emocionais”. E o assunto somente terá seu capítulo final após sua morte que é quando seus três filhos legítimos com D. Ruth Cardoso irão tratar do sensível tema chamado direito à herança. Até lá, este mais novo desdobramento de uma notícia há tanto tempo vetada de vir à luz pública, não por força de monstruosos sensores, e sim, de decisão editorial envolvendo os principais jornais do eixo Rio-São Paulo, as revistas de maior circulação nacional e as redes de televisão de maior audiência.

Causa espanto a desfaçatez com que a grande imprensa aceitou ser “furada” por uma revista de modesta circulação nacional e, para completar o contraste do furo, de regularidade mensal – a Caros Amigos. E foi em sua edição nº 37, de abril do ano 2000, que o editor de Caros Amigos Palmério Dória publicou a matéria “Por que a Imprensa esconde o filho de oito anos de FHC com a repórter da Globo?”. A revista questionava o silêncio concedido pela grande imprensa ao assunto, e apontava o grave contraste com o estardalhaço com que esta mesma grande imprensa tratara de filhos ilegítimos de outras personalidades do mundo político como Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, não por acaso, também ex-presidentes da República.

Causa espanto que uma imprensa sempre tão ciosa de ter seu direito à liberdade de expressão cassado, censurado, suprimido, tenha de livre e espontânea vontade (editorial) desistido de divulgar assunto tão mobilizador de corações e mentes. Vale registrar que, à época, não foram poucos os jornalistas que se apressaram a não acusar o golpe – no caso o furo protagonizado por Caros Amigos – e deixando claro que o “filho ilegítimo de FHC” se tratava tão-somente de um “assunto pessoal”, desprovido de qualquer “teor jornalístico” e não oferecendo aqueles características basilares que têm o poder de converter a mera informação de bastidor em “notícia capaz de interessar à opinião pública”.

Causa espanto que o assunto, desde seu nascedouro, no caso, desde o nascimento do pequeno Tomás Dutra Schmidt, o tema já se impunha com todos os ingredientes com que uma informação assume ares e jeito de notícia e mesmo assim foi escanteado para o misterioso arquivos dos “assuntos que são, mas não deviam ser notícia”. Tinha a marca da novidade, relevância, importância (por se tratar de filho do Presidente da República); configurava aspectos de raridade (porque não é comum deixar de noticiar a existência de filho ilegítimo de um Presidente da República), trazia a força capaz de atiçar a curiosidade (porque era filho de famosa jornalista da principal rede de televisão do Brasil, a Globo); era, sobretudo, oportuna (porque na campanha eleitoral de 1989, um dos maiores escândalos era nada menos que a existência da jovem Lurian Cordeiro, igualmente filha ilegítima do segundo candidato mais votado à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Em resumo, noticiar a existência de Tomás não poderia ser chancelado, sob qualquer hipótese como “evento pouco significativo, banal ou corriqueiro”. Muito menos ainda vir a ser tratada como notícia destinada a passar ao largo do chamado interesse do público. E, no entanto, assim foi tratada. E não apenas pela Rede Globo de Televisão, como também pelo SBT, pela Record e pela Band. Deixou de ser impressa tanto nas páginas de Estado de São Paulo quanto nas de O Globo e da Folha de S.Paulo. Nenhuma emissora de rádio registrou algum locutor dando conta do assunto. E quando se levanta a tese da existência de personalidades premiadas com a blindagem da imprensa é óbvio que esta não surge do nada, do encontro do vento sudeste com o noroeste, do acaso com a mera coincidência. É que existe blindagem mesmo.

Causa espanto que somente no domingo, 15 de novembro de 2009, reportagem da jornalista Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo, dava conta que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceria oficialmente Tomas Dutra Schmidt como filho. E agregava que “Tomas, que hoje tem 18 anos, nasceu da relação amorosa que FHC teve com a jornalista Mirian Dutra, da TV Globo.”. A jornalista informava ainda que “FHC consultou advogados e viajou na semana passada para Madri -- onde vive a jornalista -- para cuidar do reconhecimento do filho.” Cuidadosa na apuração de suas notícias exclusivas, Mônica Bergamo informava também que “FHC negou a informação e disse que estava na cidade para a reunião do Clube de Madri. Procurada pela Folha, Mirian disse que quem deveria falar do assunto seria ele e a família dele.” Com este punhado de informações parecia que, finalmente, nove anos após a alentada reportagem do jornalista Palmério Dória em Caros Amigos, um dos nossos grandes diários trazia à luz o mais comentado e também o quase-nunca-noticiado segredo da República. Outros veículos de comunicação fizeram o de sempre: repercutiram a notícia sem agregar qualquer nova informação.

É curioso observar como o mexerico, desde o início, recebeu as tintas da autenticidade. Bergamo não deixa margem à dúvidas quanto à paternidade de Tomás: “Tomás, que hoje tem 18 anos, nasceu da relação amorosa que FHC teve com a jornalista Mirian Dutra, da TV Globo.” E escancara nas entrelinhas a quantidade de energia despendida pelo ex-presidente para despistar nossos argutos jornalistas sobre o assunto, quando mesmo há poucos dias de reconhecer oficialmente o filho, na verdade encontrava-se na capital espanhola apenas para atender “a reunião do Clube de Madri”.
Causa espanto, e põe espanto nisso!, as três notas publicadas pela revista Veja (Edição 2223, de 29/6/2011), na coluna Radar, do jornalista Lauro Jardim. São elas:

DNA revelador 1
Dois exames de DNA, o último deles feito no início do ano, deram um desfecho surpreendente a uma história envolta em muita discrição há duas décadas: Tomás, de 19 anos, o rapaz que FHC reconheceu oficialmente como filho em 2009 em um cartório espanhol, não é filho do ex-presidente.

DNA revelador 2
Embora só tenha perfilhado Tomás há dois anos, FHC sempre ajudou a jornalista Miriam Dutra, sua mãe, a sustentá-lo. Como morava entre Portugal e Espanha, para onde Míriam foi enviada pela Globo pouco antes do seu nascimento, Tomás tinha contato com FHC quando o ex-presidente viajava para a Europa - tendo eles se encontrado também várias vezes no Brasil durante a passagem de FHC pela Presidência. A situação, porém, sempre foi envolta em total reserva, quebrada somente com a publicação pela Folha de S.Paulo, em 2009, de uma reportagem sobre o reconhecimento de Tomás.

DNA revelador 3
No ano passado, mesmo sem nenhuma contestação da paternidade, FHC e Tomás, hoje estudando relações internacionais nos EUA, decidiram fazer exames de DNA. Eles foram juntos ao laboratório. Antes, no entanto, FHC disse a Tomás que, qualquer que fosse o resultado, nada mudaria na relação entre os dois. Com o inesperado resultado dos exames em mãos, FHC reafirmou o que dissera. Portanto, nada muda na vida do rapaz no que diz respeito a seu ex-pai biológico.

Nenhuma das notas, com o que agora soa como irônico título “DNA revelador”, revelou algo que capaz de jogar luzes sobre o DNA da nossa grande imprensa: quais os reais motivos para sonegar do público a existência do filho ilegítimo de Fernando Henrique Cardoso? E, se optasse por condensar as três notas em apenas uma, o jornalista poderia ter brindado seus sonolentos leitores com informações como:

(1) Por quê o tratamento desigual concedido aos filhos ilegítimos de outros ex-presidentes da República?

(2) Por quê não buscar alguma declaração de Miriam Dutra sobre a real identidade do pai biológico de Tomás Dutra Schmidt?

(3) Quanto custou a Fernando Henrique Cardoso o peso de tão longevo silêncio por parte de nossa grande imprensa acerca de suas estripulias extramatrimoniais?;

(4) Por quê a revista Veja desconheceu o furo de Caros Amigos – ocorrido com antecipação de no mínimo 9 anos? - e oferece atestado de paternidade do referido furo ao jornal Folha de S.Paulo, que, a bem da verdade, publicou informações da jornalista Mônica Bergamo, apenas em sua edição de 15/11/2009?

Aberta a temporada de celebrações por ocasião dos 80 anos do pai-afetivo, mas não biológico do jovem Tomás, há que se inferir que seria tremendo mau gosto incluir o exame de DNA tão diligentemente divulgado por Lauro Jardim como... parte das comemorações.

Sem dúvida, o assunto que ainda parece longe de ter seu desfecho, oferece ensejo para alentada reflexão do papel de nossa grande imprensa e sua perigosa opção por continuar se equilibrando entre o bom e o mau jornalismo.

Até o momento, o mau jornalismo parece estar ganhando. E de goleada.

O PRI prepara sua volta ao governo do México

No próximo ano, em julho, o México elegerá seu próximo presidente. As três eleições para governos estaduais – especialmente a do Estado do México – funcionam como prévia em relação à presidencial.

O triunfo arrasador do PRI – mantendo governos com grande margem de votos – projeta para 2012 o favoritismo desse partido para voltar a governar o México. O PRI, que havia governado o México durante seis décadas de forma ininterrupta, foi substituído não por uma alternativa substancial à sua política – que teria sido representado pelo PRD -, mas pelo PAN, de Vicente Fox, que deu continuidade ao neoliberalismo implantado e agora deve ceder de novo a presidência ao PRI.

Nas eleições de 2006, quando Lopez Obrador, o candidato do PRD, foi claramente prejudicado por fraude, sendo derrotado por Calderon por uma margem mínima de votos, tanto o PAN como o PRI estavam debilitados, apresentando-se a melhor possibilidade de sua substituição pela esquerda. Que teria que governar em situação difícil, não somente pela crise econômica e social que herdaria, mas também pelas amarras do Tratado de Livre Comércio, que ata sua economia à dos EUA. Mas a própria crise teria possibilitado que o México pudesse diversificar minimamente seu comércio exterior, hoje com mais de 90% com a economia norteamericana em recessão.

Porém configurou-se uma vez mais – a outra foi na década de 80, com a vitória de Cuahutemoc Cardenas, roubada pelo candidato do PRI – a fraude. E, num sistema, além de tudo antidemocrático, em que não há segundo turno, mesmo vitorioso de forma muito questionada, Calderon teve o mandato de seis anos.

Sem legitimidade, ele decidiu colocar a “guerra ao narcotráfico” no centro do seu mandato, tentando com isso, conquistar o apoio que as urnas não tinham lhe dado. Enfrentou um problema gravíssimo, dado que o corredor que leva as drogas para os EUA - o maior mercado mundial de consumo de drogas – passa pelo México, mobilizando quantidade milionárias de recursos, armas e grupos de narcotraficantes organizados.

A ação de ocupação militar desenvolvido pelo governo Calderon jogou álcool no fogo e fez os enfrentamentos armados subirem a um nível até então desconhecido pelos mexicanos, aproximando o país ao que a Colômbia havia vivido. Ao mesmo tempo, a crise econômica, que tem nos EUA seu epicentro e no México um país totalmente dependente dessa economia – praticamente sem comércio com a China, com a Índia, com a América do Sul, os setores mais dinâmicos economicamente do mundo – piorou ainda mais a situação do país e do governo.

O PRI, que manteve sua maquinaria política nos estados, apoiou o governo, mas foi mantendo certa distância, para aparecer agora como alternativa – sem que o seja no conteúdo das políticas – ao esgotamento do PAN. A oposição, por sua vez, desta vez não se apresenta unida em torno de Lopez Obrador, como em 2006, com conflitos internos ao PRD e com o governador da cidade do México, Ebrard como eventual candidato alternativo a Lopez Obrador.

Em suma, uma situação muito difícil para que o México possa romper com o círculo vicioso que o tem deixado dependente dos EUA, preso ao mecanismo perverso do narcotráfico e da violência e distante dos processos de integração latino-americana e do dinamismo do Sul do mundo. Ainda há tempo para que a esquerda mexicana possa tentar evitar um novo ciclo do PRI no poder, começando por uma reviravolta – recuperando a unidade interna e ampliando suas alianças -, para impedir, a partir do ano próximo, um novo mandato de 6 anos – desta vez do governador que termina seu mandato no Estado do México, Peña Nieto - do tradicional partido que dirigiu o México por 6 décadas no século passado. (Emir Sader)

“América do Sul deve construir uma aliança estratégica”


Em entrevista ao jornal Página/12, o presidente da Bolívia, Evo Morales, fala sobre sua experiência como presidente, sobre os programas sociais que está implantando para beneficiar a população mais pobre e defende uma aliança estratégica entre os países da América do Sul. “Devemos fazer uma aliança estratégica com toda a América do Sul para a tecnologia. Porque a América do Sul já é a mãe de todos os recursos estratégicos do mundo. Temos a Amazônia, água doce...É uma esperança para o mundo. É preciso desenvolver uma nova tese. A tese da vida, da humanidade”.

O jogo da noite entre Argentina e Bolívia e o gasoduto para trazer gás ao norte argentino eram os grandes temas da visita de Evo Morales a Argentina até que surgiu o protesto da comunidade judaica pela viagem do ministro de Defesa iraniano a La Paz. São 11 horas da manhã e Evo acaba de se despedir dos dirigentes da DAIA (Delegação de Associações Israelitas Argentinas). Saíram sorridentes. Talvez contagiados pela tranquilidade que emana hoje desse presidente aymara e ex-dirigente sindical que, no último dia 22 de janeiro, completou cinco anos no Palácio Queimado.

- Nunca sonhei em seu presidente – diz Evo. Nunca pensei que iria ser presidente.

- Nunca?

- Até 2002, jamais. Jamais. Eu, de tão baixo. Quando meus companheiros me propuseram ser candidato à presidência, em 1997, pensei que estavam gozando com minha cara.

- Mas o elegeram deputado.

- Sim. Fui candidato a presidente em 2002, e a candidatura surpreendeu a mim mesmo. Eu candidato? Foi uma satisfação. E depois, em 2005, ganhamos, mas temos muito que seguir aprendendo no novo sentido da política boliviana: antes o povo era escravo do governo. Agora o governo é escravo do povo. Está a serviço do povo.

- Os bolivianos votaram várias vezes em eleições presidenciais e para a reforma da Constituição. Como faz um presidente para avaliar o sentimento popular a cada dia?

- As reuniões com os movimentos sociais permitem saber como servir ao povo. Os resultados de gestão não só satisfazem como causam orgulho quando o povo se sente atendido em suas demandas. Nem sempre é suficiente, claro, por que os recursos são limitados. Mas sempre escutamos.

- Os dirigentes da DAIA que tiveram a entrevista com você comentaram isso: que os escutou, que admitiu ter cometido um erro e que eles acreditaram.

- Houve problemas e nós os reconhecemos. Melhor aprender errando. Melhor não ocultar as coisas. Assim a vida é melhor. Essa é minha experiência na família, no sindicalismo e no governo.

- Admitir um erro não pode ser tomado como sintoma de debilidade?

- Para mim não. Alguém sempre pergunta por que eu reconheço isso. Quem não comete erros? Lamentamos coisas que não estavam em nossos planos e expressamos nosso reconhecimento.

- Qual é o interesse nacional boliviano com o gasoduto que começou a ser negociado com a Argentina em 2006 e do conversou com a presidenta (Cristina Fernandez Kirchner)?

- A Bolívia, lamentavelmente em boa parte, viveu de seus recursos naturais. Em um primeiro momento a borracha, depois o estanho e, mais tarde, o gás. As relações que iniciamos com o presidente Néstor Kirchner tiveram continuidade com os acordos com a companheira Cristina e com a construção do gasoduto Juana Azurduy, tão importante para os dois povos, um que será abastecido de gás e o outro que se beneficiará disso. Ao mesmo tempo, estamos melhorando a economia da Bolívia e prestando um serviço ao povo argentino. Falei muito sobre isso com a companheira Cristina. Ela conhece o tema. Não parece advogada, mas sim uma petroleira. Garantir energia frente à crise do mundo, no marco da complementariedade, é importante. Nós necessitamos do povo argentino e de seu governo e se eles precisam de nós, aqui estamos. Eu nunca esqueço que, quando nos faltou trigo e farinha para o pão, a Argentina nos socorreu. Não sei como fez, mas o trigo ajudou a nossa felicidade.

- A nova Constituição estabelece um Estado plurinacional. Como está funcionando a construção?

- Nossa história mostra tantos irmãos assassinados, enforcados, esquartejados, discriminados, marginalizados...Houve rebeliões com resultados nefastos, mas nessas rebeliões nossos antepassados defenderam a identidade e os recursos naturais. Agora estamos em uma revolução. Não com balas; Com o voto. O Estado plurinacional se constrói também via um processo de descolonização. Três etapas: Rebelião, revolução, descolonização. Esta etapa não é fácil. Podemos mudar normas e procedimentos pelas quais um funcionário público se converterá em um servidor público. Mas é mais difícil mudar a mentalidade.

- A do funcionário?

- Sim. Por sorte, na Bolívia o povo começa a pensar diferente sobre a política. No passado, o político era visto como delinquente, como um meliante, um ladrão, um farsante. Estamos mudando isso. Agora, ser político é prestar serviço ao povo por tempo determinado.

O que significa por tempo determinado?

- Que depende dos tempos da democracia, dos mandatos, do voto. Antes ser político era dizer: “Isso é meu. Aproveitarei”. Terminamos com isso na Bolívia. O povo era escravo do governo. Em meu gabinete há intelectuais e profissionais que poderiam estar ganhando melhor em outro trabalho. Mas se somam a esse trabalho para prestar um serviço por tempo determinado. E descolonizar também é a busca da soberania com igualdade de todos os bolivianos. Não pode haver uns vivendo no luxo e outros que morrem de fome. Não podem existir essas diferenças de família para família e tampouco de país para país, ou de continente para continente. Esse milênio não deve ser o das oligarquias, hierarquias e monarquias. Olhemos as reações que temos nestes dias em outros continentes. Na Europa, por exemplo. Antes eles olhavam para a América Latina. E o que viam? Os golpes militares, as ditaduras, crises, convulsões, mortos. A Bolívia, antes de eu chegar à presidência, teve cinco presidentes em cinco anos.

- Nós ganhamos: cinco em uma semana.

- Sim. E eu não posso acreditar: entrei no sexto ano da presidência. Isso quer dizer que estamos mudando.

- Bom, e pelo Honoris Causa da Universidade de Córdoba já é o doutor Evo Morales.

-E sou doutor, sim. Mas o que vale é o que estamos mudando no plano estrutural, no econômico e financeiro. Estamos nos libertando financeiramente. O próximo passo é tecnológico e científico. Devemos fazer uma aliança estratégica com toda a América do Sul para a tecnologia. Porque a América do Sul já é a mãe de todos os recursos estratégicos do mundo. Temos a Amazônia, água doce...É uma esperança para o mundo. É preciso desenvolver uma nova tese. A tese da vida, da humanidade. Falamos muito sobre isso com o companheiro Néstor Kirchner.

- Vocês se conheceram antes da presidência.

- Sim. Néstor foi muito prático em suas recomendações e sugestões. Para mim segue sendo um pai político. Quando comecei como presidente, lá estava Néstor, lá estava Lula, lá estava Chávez para suas sugestões e recomendações.

- Qual foi a recomendação mais importante?

- O serviço ao povo. E lembro a ajuda que me deu em Tarija. Ele me disse: “Se perceber que as empresas não querem investir, pega o telefone e me liga que a Argentina vai investir”. Talvez possa ser entendida como uma mensagem simbólica. Mas foi muito importante. Nós, presidentes, devemos nos ajudar também em temas de investimento.

- Qual é, no plano mundial, a novidade boliviana em termos de identidade e desenvolvimento dos povos originários?

- Programas, por exemplo. Para os setores mais pobres das comunidades indígenas o governo está garantindo 70% do investimento para empreendimentos produtivos. Os beneficiados contribuem com os outros 30%. O Banco Mundial está exportando este programa para a África. Outro programa: a criança que termina o ano escolar recebe um pequeno bônus de 200 bolivianos ao ano. O segredo deste bônus é evitar que haja novos analfabetos. Estamos conseguindo diminuir a evasão escolar, especialmente nas áreas rurais do altiplano e nos bairros periféricos das cidades. Baixamos a evasão de 6 para 2% e temos que impedir que surjam novos analfabetos. Outro programa ainda: os mais pobres, os abandonados, os que trabalharam durante toda a vida, recebem cerca de 200 bolivianos por mês. Não é muito, mas é alguma coisa. Nas áreas rurais, o idoso que recebe sua renda resolve seu problema de água e de luz. E estamos entregando terra, ainda que alguns sejam muito ambiciosos.

- O que querem?

- Em lugar de 50 hectares, querem 150. Não é possível. Alguns dizem: “Aproveito a presidência do companheiro Evo, do irmão Evo, porque depois não haverá essa chance”.

- Como é o estado atual da unidade da Bolívia, sobretudo em relação a Santa Cruz de la Sierra? Os enfrentamentos de 2008 são coisa do passado?

- Antes se falava da meia lua. Isso acabou. Agora é a lua inteira. Nosso movimento se baseia na política do bem viver, não do viver melhor. Seu você quer viver melhor, tem que roubar, saquear os recursos, explorar. Isso nós podemos garantir porque meu partido, o dos mais pobres, dos camponeses indígenas originários, tem dois terços da Câmara de Deputados e dois terços da Câmara de Senadores. Isso nunca aconteceu na história da Bolívia. Há um sentimento popular que simpatiza com as mudanças profundas. E isso apesar das corridas aos bancos, que fracassaram. Ou do boicote para que falte açúcar ou azeite e para que joguem a culpa em cima de mim. Mas estamos sempre preparados para aprender errando, errando.

- Mauricio Macri disse que um dos problemas da Argentina, e repetiu isso, é o que chamou de “imigração descontrolada”. Como reagiu ao ouvi-lo?

- Respeitamos as opiniões de todos. Cada um tem direito a expressar o que pensa e o que sente. Mas somos todos latino-americanos. Todos somos sulamericanos. Temos a obrigação de compartilhar. Mas não só na Bolívia, também na Europa, na Espanha e em outros países o boliviano é visto como honesto e trabalhador. Veio aqui buscar melhores condições de vida. Mas também contribui para o desenvolvimento da Argentina. Assim ocorre sempre com as migrações. As externas e as internas. Na Bolívia vemos o que ocorre com os que chegam a Cochabamba, ou com os que vão de Potosi ou Oruro para Santa Cruz. Por isso, em Santa Cruz se encontra gente de origens tão diferentes. Vão trabalhar. Assim ajudam o desenvolvimento. Na América Latina ocorre o mesmo. Nos complementamos para viver juntos.

Tradução: Katarina Peixoto