quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O complexo do beija-mão

O colunista da Folha Sergio Malbergier sugeriu que a presidenta Dilma estaria substituindo o “complexo de vira-lata” pelo de “poodle”, ao fazer exigências à União Européia na cúpula do G-20. Na verdade, a crítica do jornalista é um perfeito exemplar de outro complexo tipicamente brasileiro, o "do beija-mão", ideologicamente de direita e que assola a vida nacional desde os tempos coloniais.

Berlim - Muito se tem falado recentemente sobre o “complexo de vira-lata”, metáfora do sentimento brasileiro criada por Nelson Rodrigues, para se referir à política externa brasileira. Hoje, de maneira deselegante, o colunista da Folha Sergio Malbergier sugeriu que a presidenta Dilma Rousseff poderia estar substituindo este complexo pelo de “poodle”, ao fazer exigências à União Européia perante a cúpula do G-20.

A esquerda acusa a direita de “complexo de vira-lata” por esta querer que o Brasil se diminua perante as potências ocidentais. A direita acusa a esquerda do mesmo, e o governo brasileiro, por achar que ambos defendem um “terceiro-mundismo mofado”. Para mim, a razão nestas acusações fica com a esquerda, não com a direita, pelo fato de que, entre ambos os argumentos, coloca-se um outro complexo, que assola a direita em matéria de política externa, que é o "complexo do beija-mão".

O complexo do beija-mão é algo que assola a vida brasileira desde os tempos coloniais, e que consiste em pensar que o que se consegue na vida não se deve aos próprios méritos, mas sim ao favor dos poderosos. É um capítulo interessante da ideologia do favor, que tanto governou e nos governa ainda.

Para esse complexo, é um absurdo o Brasil se mostrar ostensivamente independente das potências ocidentais, a ponto de criticar algumas delas em público, como no caso do G-20, em que a presidenta Dilma vai cobrar medidas mais duradouras e anti-recessivas da bancada européia. É também absurdo o Brasil não se alinhar costumeiramente aos Estados Unidos. Por quê? Porque assim perderemos o beneplácito dos poderosos, e não teremos as vantagens comerciais que poderíamos ter. Como se o mundo comercial de hoje fosse regido por esses favores do beija cá dá lá.

Mas não só isso. Devemos adular também os pequenos emergentes. Para esse complexo, o Brasil errou redondamente ao não se alinhar ao neogoverno da Líbia, porque agora, nas prebendas que serão distribuídas como botim depois do bárbaro linchamento de Gadafi (que deveria ter sido julgado em Haia), não teremos parte alguma. Como se as potências bombardeiras deixassem algum espaço espontâneo para quem beijasse as mãos suas ou de seus apaniguados. A diplomacia brasileira – e nisso acerta – aposta em outra coisa, na multilateralidade de sua abordagem da cena internacional, tanto do ponto de vista comercial como do político.

Porque assim é o mundo contemporâneo: multilateral, não mais bi nem unipolar. É claro que existem considerações de natureza ética na política internacional. Apoiar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre uma “no-fly zone” na Líbia que vai servir na verdade para bombardear um dos lados da questão em detrimento de outro, inclusive para matar o líder desse lado em questão, não é ético. Além disso, não é pragmático: o Brasil perderia o perfil que vem laboriosamente construindo num mundo multi-lateral que inclui, além do Ocidente em crise monetária, fiscal, econômica e política, os BRICS, o G-20, a América Latina, a África subsaariana, o Oriente Médio, para dizer o mínimo e o máximo.

Tudo isso remonta a dizer que o mundo íntimo da nossa direita é completamente anacrônico. Ele não consegue visualizar a estatura que o Brasil atingiu na cena internacional. Também não consegue visualizar a própria cena internacional, que é bem mais complexa do que um jogo de mocinho e bandido ou de gato e rato.

Uma última observação. Toda a ironia tem dois gumes, a gente sabe. É bom lembrar que na época em que Nelson Rodrigues criou a metáfora do “complexo de vira-lata” o modelo ideal de cachorro era o pastor alemão, de triste memória (o modelo ideal, não o cachorro que, deixado a seu instinto, é de índole boa e pacífica).

Mais uma guerra para aliviar crises?

O jornal inglês The Guardian anuncia hoje que existe uma escalada para preparar um ataque militar ao Irã. A Inglaterra estaria se preparando para atuar como ponta-de-lança de uma ofensiva norteamericana sobre o país. Segundo o jornal, o motivo alegado seria o relatório da Agência Internacional de Energia Nuclear, cuja divulgação está prevista para o dia 8, que, segundo dizem os americanos, concluiria que o programa nuclear iraniano teria finalidades militares.

Embora o Irã o negue e tenha se oferecido, com a mediação do Brasil e da Turquia, a manter fora do país as reservas de urânio enriquecido produzida suas centrífugas, se tiver mesmo propósitos militares não é diferente do que fizeram os países desenvolvidos e, ali na região, a Índia, o Paquistão e, sobretudo Israel, nenhum deles tendo sido vítima de sanções internacionais e muito menos ameaças de ataques.

Ao contrário, Israel testou ontem uma nova versão do seu míssil balístico Jericoh, com capacidade de transportar ogivas nucleares.

É curioso como todos se dispõe a gastar bilhões com guerras, mas não com o reequilíbrio da economia. Ou será que a guerra faz parte do bom funcionamento da economia?

De qualquer forma, os países emergentes devem aproveitar o momento “pires na mão” para dizer: com guerra, sem ajuda.

Um balanço do encontro de Foz

Por Altamiro Borges

O 1º Encontro Mundial de Blogueiros, realizado em Foz do Iguaçu (PR) nos dias 27, 28 e 29 de outubro, superou as expectativas mais otimistas. Entre os aspectos positivos, vale destacar a representatividade do evento, a rica troca de experiências, a aprovação de uma pauta que garante a unidade na diversidade deste movimento embrionário e a definição dos seus próximos passos.

Prova do potencial das chamadas novas mídias, em menos de quatro meses de preparação foi possível reunir 468 ativistas digitais, jornalistas, acadêmicos e estudantes no Cine Barrageiro, em Itaipu (254 provenientes da região de Foz de Iguaçu e 214 vindos de outras partes do Brasil e do mundo). O evento contou com a participação de 23 países e 17 estados brasileiros (veja abaixo).

Rico intercâmbio de experiências

O encontro cumpriu o seu principal objetivo: o de promover o intercâmbio de experiências sobre o ativismo digital, que joga um papel cada vez mais ativo e protagonista na luta política e de idéias no mundo – seja nas revoltas do mundo árabe, na chamada “revolução dos indignados” na Espanha, no Ocupe Wall Street nos EUA ou como contraponto à mídia hegemônica no Brasil.

Os dois debates mais gerais e os quatro painéis de experiências mostraram a diversidade e pluralidade existentes neste espaço. As polêmicas se fizeram presentes nas próprias exposições, que contaram com a contribuição de renomados estudiosos e ativistas de várias partes do planeta. As 22 intervenções evidenciaram os limites, os avanços e as potencialidades das novas mídias.

Bandeiras pela democratização da mídia

Na plenária final foi possível aprovar um documento – a Carta de Foz – que apresenta as principais bandeiras de luta deste jovem movimento. Num esforço para construir a unidade, preservando-se a rica diversidade, o texto defende a liberdade de expressão e a luta pela democratização da comunicação, a oposição aos monopólios midiáticos que castram as vozes da sociedade, a luta pelo acesso universal à banda larga, entre outros pontos estratégicos na atualidade.

Por fim, o evento de Foz não representou um ponto final nesta construção, mas uma vírgula. Com o apoio institucional da Itaipu Binacional, ficou decidido que o encontro mundial será anual – inclusive fazendo parte do calendário oficial de eventos de Foz do Iguaçu. O próximo já está agendado para novembro de 2012.

Os próximos passos

A iniciativa de reunir os ativistas digitais também deixou de ser apenas brasileira. Foi formada uma comissão internacional para difundir o movimento em outros países e para organizar o próximo encontro, composta por:

- Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé;
- Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom);
- Gilmar Piolla (Itaipu);
- Esmael Morais;
- Osvaldo Leon (Alai);
- Iroel Sánchez (Cuba);
- Damian Loreti/Martin Granovsky (Argentina);
- Andrés Conteris/Jillian York (EUA);
- Ignácio Ramonet/Pascual Serrano (Europa);
- Ahmed Bahgat (Egito).

Além do segundo encontro mundial em novembro, também ficou agendado um encontro latino-americano para julho próximo, em Lima, proposto pela Secretaria de Comunicação do governo do Peru. Antes, em maio, ocorrerá o III BlogProg, em Salvador (BA). Ou seja: a agenda dos ativistas digitais está carregada e exigirá muita garra, espírito construtivo e unidade na diversidade.

*****

Países presentes em Foz do Iguaçu

1- Brasil
2- Argentina
3- Paraguai
4- Equador
5- Venezuela
6- Uruguai
7- Peru
8- Colômbia
9- Bolívia
10- México
11- Guatemala
12- Honduras
13- Cuba
14- Estados Unidos
15- Canadá
16- França
17- Espanha
18- Islândia
19- Egito
20- Arábia Saudita
21- Paquistão
22- Japão
23- Islândia

Estados brasileiros

1- Rio Grande do Sul
2- Santa Catarina
3- Paraná
4- São Paulo
5- Rio de Janeiro
6- Minas Gerais
7- Goiás
8- Distrito Federal
9- Mato Grosso
10- Bahia
11- Ceará
12- Maranhão
13- Pernambuco
14- Rio Grande do Norte
15- Pará
16- Acre
17- Amazonas

Não há cenário mais favorável à liberdade de imprensa que na Venezuela, diz ex-ministro de Chávez

Em dezembro de 2012, quando os venezuelanos optarem pela continuação ou o fim da Revolução Bolivariana, o governo do presidente Hugo Chávez e a oposição terão travado mais uma batalha que irá muito além dos comícios e manifestações de rua típicas de uma corrida presidencial. As disputas de opinião, mais uma vez, terão os meios de comunicação como um dos palcos principais.

Entre os mais influentes atores que já começaram a se articular para essa batalha midiática está o ex-militar e ativista político Jesse Chacón, que por anos foi o encarregado de lidar com um dos setores mais delicados e criticados da era Hugo Chávez: as comunicações e a relação do governo com a imprensa. Chacón esteve no olho do furacão do conflito midiático que culminou com a não-renovação de concessão da RCTV, até então principal e mais tradicional rede de TV venezuelana – no entanto, quase nunca é lembrado por ter renovado a concessão de suas principais concorrentes, igualmente opositoras ao governo.

Mário Agra/Opera Mundi
Ex-ministro das Comunicações da Venezuela participou do 1º Encontro Mundial de Blogueiros, em Foz do Iguaçu

Nessa entrevista exclusiva ao Opera Mundi, ele defende com unhas e dentes a democracia de seu país e o compromisso do governo com a liberdade de imprensa e de expressão. “Não posso encontrar um cenário mais favorável à liberdade de imprensa como esse”, disse.

Após deixar o governo, Chacón passou a se dedicar ao GISXXI, um instituto de pesquisas independente, que realiza levantamentos sobre temas como segurança e também pesquisas eleitorais. A última realizada, em setembro, mostrou que Chávez seria reeleito com 58% dos votos. Além disso, Chacón e seu instituto passaram a mostrar especial interesse pelo poder e a influência das novas mídias sociais. Atualmente, a Venezuela é o quinto país do mundo em usuários do Twitter proporcionalmente à sua população, de acordo com pesquisa divulgada pela ComScore em abril (atrás de Holanda, Japão, Brasil e Indonesia).

Seu interesse e seus textos produzidos a respeito do tema o trouxeram ao Brasil para participar do 1º Encontro Mundial dos Blogueiros, em Foz do Iguaçu, no último final de semana. Nesta segunda-feira, em um café da manhã realizado na Embaixada da Venezuela em Brasília, Chacón falou sobre a luta do governo venezuelano para provar continuamente o livre exercício do jornalismo em seu país – camuflado, segundo ele, por uma antiga disputa pelo poder envolvendo empresários e os grandes grupos da mídia.

Por que os meios de comunicação fazem uma oposição tão ferrenha a Chávez e aos conceitos da Revolução Bolivariana?
Isso ocorre porque o país passou por momentos críticos de uma guerra que envolveu o Estado e os veículos tradicionais de comunicação. Quando Chávez chegou ao poder e começou a implantar suas reformas, contrariou todo o setor empresarial, foi organizado um grupo sob forte influência da embaixada norte-americana, um órgão que crê ter o poder de tomar o controle de um país por uma via distinta à da eleição.

A partir de dezembro de 2000 a janeiro de 2001, juntam-se a ela a oposição política, parte da Igreja Católica e toda a estrutura dos grandes meios de comunicação – redes de televisão, jornais e a imprensa escrita – com a finalidade de acelerar a saída de poder do presidente. Em abril de 2002, a mídia promoveu e organizou um golpe de Estado. E há provas de que ele foi premeditado. No dia 11 de abril, todos transmitiram o discurso de um general [Nelson Gonsalez Gonsalez] declarando em rede nacional que o presidente iria deixar o governo. Mas acontece esse discurso foi preparado e gravado dois dias antes, na casa de um empresário do ramo jornalístico e transmitido naquela hora como se fosse ao vivo.

E ao mesmo tempo houve a greve dos petroleiros.
Sim. O presidente retornou ao poder e imediatamente chamou a todos para um grande diálogo nacional. Ele poderia ter simplesmente fechado os canais, naquele momento ele tinha todas as condições para fazê-lo. Mas os mesmos grupos de comunicação organizaram uma greve no setor petroleiro no final de 2002, que levou a produção  da Venezuela em dezembro daquele a zero barris! Essa greve só terminou em março de 2003, e todos os indicadores negativos da economia naquele período foram produto dela. Em plena greve, os donos das mídias fizeram uma coletiva de imprensa anunciando que se se uniriam a ela, paralisando suas atividades. Tivemos dois meses sem televisão. É como se aqui a Globo não transmitisse mais novelas, futebol, mais nada. Tudo o que aparecia eram anúncios convocando a população à greve.

O resultado desse golpe de Estado foi um distanciamento muito forte. Porque uma coisa é que um meio se oponha ao governo. Outra é que ele planifique e execute a saída desse governo eleito democraticamente. São duas coisas totalmente diferentes. Aqui é mais difícil de entender essa situação. Não conheço a realidade brasileira, mas, se a mídia é em sua maioria, de oposição, não chegam a planejar um golpe de Estado.

A partir de então, alguns meios começam a deixar essa linha agressiva de tentar derrubar o presidente fora da via do voto e a situação normalizou-se. Agora o que fazem é empurrar uma visão distinta da sociedade e um candidato diferente de Chávez. Se ele ganhar a eleição, ok. Mas tudo concentrado no aspecto eleitoral e não na desestabilização institucional, como tentaram entre 2000 e 2004.

Existe liberdade de imprensa nos 12 anos de República Bolivariana da Venezuela?
Há total liberdade. Avançou-se muito nos últimos tempos, só que agora há espaço para todos, não apenas grupos hegemônicos. As grandes rádios e os jornais, por exemplo, são, em grande maioria, contra o governo.

Mas depois de 2004, elas fazem uma oposição mais moderada?
Podemos dizer que chegamos a um estágio que, em sua maioria, não há conflitos com os meios. Televen tem sua programação e seus programas de opinião não têm nada de favorável ao governo. Venevisón é uma TV regional privada e também é outro exemplo. Na imprensa escrita há três grandes jornais de circulação nacional: o El Nacional e El Universal e o Últimas Noticias. Há maior equilíbrio no Últimas Notícias, mas nos dois primeiros, faça um levantamento das manchetes, durante o período de uma semana, um mês, verá que, no mínimo, 90% são contra enquanto, com sorte, encontrará a chance de encontrar 10% favoráveis. Não posso encontrar um cenário mais favorável à liberdade de imprensa como esse.

Houve porém, outro episódio polêmico. Em 2007, Chávez não renovou a concessão da RCTV, um canal que lhe fazia fortíssima oposição.
É diferente. Quando o Estado não renovou com a RCTV, tinha uma justificativa jurídica. Essa concessão foi entregue para 25 anos, e a lei dá a prerrogativa ao Estado para não renová-la. Pode-se estar ou não de acordo com as razões para renovar ou não renovar, discutir do ponto de vista político. Mas é uma prerrogativa do Estado. E dentro dela, qual é a razão que alega o Estado juridicamente? Que a Constituição o obriga a criar um canal de serviço público. Quando o prazo dessa concessão venceu, a RCTV ocupava o melhor espaço radioelétrico de propagação de sinal. E é mais importante para o Estado criar um canal de serviço público do que renovar uma concessão privada. Este foi o princípio. O canal hoje que está no lugar da RCTV é o TVes (Televisora Venezuelana Social), o maior transmissor de esportes e de espaços culturais na Venezuela. Ela abre também o canal para produtores nacionais independentes de audiovisual.

Esta decisão de não renovar a concessão, por mais clara que esteja seu amparo frente à lei, não abre um precedente perigoso para que outras emissoras opositoras sejam descontinuadas?
Para começar, todas as redes de alcance nacional já foram renovadas.

Só ocorreu com a RCTV?
Sim, pela justificativa da qualidade de sinal. Agora, o que o Estado não pode fazer é aplicar a mesma justificativa para as demais. Na época do fim da concessão da RCTV, o mesmo se passava com a Venevisión e VTV (concessões renovadas em maio de 2007 por cinco anos. No mesmo dia foram renovadas concessões das redes regionais Televisora Andina de Mérida e Amavisión de Puerto Ayacucho; e cinco emissoras de rádio).

A Televen renovou pelo mesmo período um ano mais tarde. (na época, Chacón, então ministro de Telecomunicações e Informática afirmava que não haveria concessão com prazo superior a cinco anos). Naquela situação, o Estado teria que renovar com duas e eliminar uma. Novos prazos de concessões vão vencer no futuro. O Estado segue com a prerrogativa da decisão, a renovação não é automática, mas criteriosa. Ela terá uma avaliação do Estado para renová-la.

Não se debate na Venezuela alguma renovação ou modernização da Lei Resorte (Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão) de 2006?
Não há problema nas leis, o desafio  é materializá-las. O objetivo da Lei Resorte era romper com os monopólios. Criou-se uma figura que se chama produtor nacional independente. Do total da grade de uma emissora de rádio ou televisão, há uma porcentagem que tem que ser ocupada por produções nacionais independentes. Ou seja, embora uma pessoa fosse dona de uma concessão, uma parte da programação desse meio – estamos falando de audiovisual –seria utilizada por alguém que não fosse controlado por ele. O grande problema para tudo isso é a dificuldade de se produzir esse conteúdo para a televisão.

Criou-se um fundo para apoiar esses produtores, correspondente a 0,5% bruto dos impostos de todo o setor. Mas esse espaço ainda é incipiente e não produz o suficiente para alcançar o espaço previsto na lei. Se conseguirmos consolidar essa produção independente, isso ajudará para propagar mensagens muito mais diversas nos meios. E isso é mais importante do que tentar uma modificação na lei.

Também criamos as rádios e televisões alternativas e comunitárias, sem enfoque no lucro, muito diferentes do conceito das estações comerciais. Na Argentina, historicamente, há uma briga muito grande porque a lei argentina obrigava que a única maneira de ter uma rádio e televisão era que ela tivesse fins comerciais. Organizações sociais ou fundações não podiam. Por exemplo, um grupo afro-descendente da Venezuela monta sua estação, sem fins lucrativos, é considerado alternativo. Mas a figura legal que a maneja é uma fundação da comunidade, que a cada dois anos é renovada por eleição. É um conceito nada fácil de implementar. Temos nesse momento 36 experiências de televisão comunitária. Em rádio, temos cerca de 300 habilitadas e, em processo de habilitação cerca de outras 600. Logo teremos mil. O que tem menos controle por parte do governo são essas rádios. Fizemos escola na maneira de se evitar os monopólios na comunicação, sobretudo em rádios.

E como ficou a relação da sociedade venezuelana com a grande imprensa?
O Golpe do Estado e a greve petroleira nos afetaram muito economicamente. Creio que os venezuelanos, como sociedade, passaram a ter uma educação mais crítica em relação aos meios de comunicação. A grande maioria dos que creem ou dos que não creem no que leem, a favor ou contra o governo, sempre buscam uma segunda opinião. Conseguimos, graças ao Golpe de Estado promovido pela mídia, que os venezuelanos não acreditem em tudo o que sai na telinha. E isso é um avanço.

Essa possibilidade de procurar outros pontos de vista foi facilitado com o crescimento da internet e o surgimento das redes sociais?
Sem dúvida. A internet se converteu em uma ferramenta de debate político muito ricana Venezuela. Primeiro graças ao surgimento de páginas novas. Surgiram desse movimento o Aporrea, o La Patilla, tantos outros.

E o fenômeno do Twitter?
Sim, porque na Venezuela ele é mais forte do que o Facebook, que é uma ferramenta mais multimídia, mais orientado a difundir. Já o Twitter é mais horizontal. E, na Venezuela, temos grandes debates via Twitter. Antes, dizia-se que, na Venezuela, “todo mundo tinha um celular”. Agora, “quase todo venezuelano tem uma conta Twitter”. Somos a quinta população no mundo em percentagem da população, segundo lugar na América Latina em números de contas.

E é importante lembrar que ele não alcança somente as camadas mais ricas da população. Ao contrário, ele se popularizou e converteu-se em uma ferramenta massiva de intercâmbio e opinião. Isso é algo que outros países ainda não conseguiram. É muito rico, digno de ser estudado.

Fonte: João Novaes - Opera Mundi

Possível ajuda de emergentes gera temor de 'colonização às avessas' na Europa

'A ajuda da China significa uma perda de independência para a Europa', disse o presidente do MoDem
 
A eventual ajuda de países emergentes, sobretudo da China, à Europa está sendo vista com reticência por alguns setores no continente, que veem a iniciativa como uma ingerência que pode afetar a soberania europeia.
 
Na França, a oposição teme as contrapartidas que a China poderia exigir para ajudar a Europa e qualifica de "chocante" o apelo feito "a uma ditadura comunista".
 
"A ajuda da China significa uma perda de independência para a Europa. Sermos obrigados a proclamar ao mundo que vamos recorrer à China para nos reequilibrarmos significa que teremos menos armas para negociar assuntos cruciais com esse país", diz François Bayrou, presidente do partido centrista MoDem.
 
Ele cita, entre as negociações cruciais, a questão da desvalorização da moeda chinesa para estimular as exportações do país. A guerra cambial é um dos temas da pauta da reunião de líderes do G20 que começa hoje (/03/11) em Cannes, na França.
 
"Decidimos nos entregar com os pés e as mãos amarradas aos emergentes. Os europeus não podem discutir uma proteção contra os efeitos sociais e ambientais da globalização e pedir, ao mesmo tempo, a quem você vai negociar isso, para pagar a conta da sua crise financeira", diz o deputado do partido verde europeu Daniel Cohn-Bendit.
 
Mesmo na Itália, país visto como um dos possíveis próximos a serem afetados com o agravamento da crise, a ajuda provoca divisões. O ministro das Finanças da Itália, Giulio Tremonti, havia alertado, em um livro publicado há três anos, sobre os riscos de "uma colonização invertida da China na Europa".
 
Mas recentemente, o mesmo Tremonti não viu com maus olhos a possibilidade de a China comprar títulos da dívida italiana em um momento em que a Itália teve de captar recursos no mercado com juros bem mais altos do que os habituais.
 
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, que negociou o plano europeu de ajuda à Grécia e preside atualmente o G20, assegurou que a independência da Europa não estaria ameaçada com a ajuda da China à crise na zona do euro.
 
Grécia
 
A cúpula do G20 em Cannes, que deveria aprofundar a discussão sobre a ajuda dos emergentes à Europa, acabou sendo colocada em um cenário de incertezas por causa do anúncio surpresa da Grécia de convocar um referendo sobre o pacote de socorro europeu.
 
A ajuda prevê o corte de 50% da dívida grega em poder dos bancos e o reforço do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Segundo alternativas em discussão, a China poderia injetar recursos justamente nesse fundo, estimados entre 50 bilhões e 100 bilhões de euros.
 
A China possui reservas internacionais colossais, da ordem de US$ 3,2 trilhões. O país já detém, segundo estimativas de economistas, US$ 500 bilhões em títulos da dívida de países europeus, como a Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha.
 
Fonte: Agência Brasil

O "ar fresco" das redes sociais

Por Paulo Salvador, na Rede Brasil Atual:

O jornalista e videomaker canadense Jesse Freeston protagonizou uma das apresentações mais comentadas entre os participantes do Primeiro Internacional de Blogueiros, encerrado neste sábado (29), em Foz do Iguaçu (PR). O ativista pelos direitos humanos, que nos últimos tempos vem atuando em Honduras apresentou um vídeo de sua autoria em que retrata o país depois do golpe de estado que tirou o presidente eleito Manuel Zelaya do poder e o papel desempenhado pelas elites do país, tendo como fiel parceira parte da mídia nativa.

Antes da exibição, Freeston contou que aprendeu a olhar o mundo do ponto de vista dos menos favorecidos a partir de leituras da obra do educador brasileiro Paulo Freire. "Minha palavra preferida em português é conscientização, que tirei do Paulo Freire (e que ele afirma ser se autor preferido) mas não tem tradução na língua inglesa, os tradutores precisam de duas páginas para explicá-la, mas ainda assim fica difícil de entender."

O ativista também disse que resolveu participar do Encontro de Blogueiros, apesar de não ser autor de nenhum blogue, por achar que é no hemisfério sul que encontrou ecos para o seu pensamento sobre democracia, acesso à informação e participação popular.

"Sou 'infiltrado', não sou blogueiro, faço vídeos, esta é a minha primeira viagem à América do Sul e estou muito feliz, porque os brasileiros têm sido importante para a minha ideologia pessoal. Vim de Montreal e lá temos também uma ocupação. Essa palavra também não tem tradução na língua inglesa, mas aprendemos com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). O mundo hoje tem muitas ocupações. Nós, do norte, aprendemos o processo de democracia e participação com o exemplo de Porto Alegre (referindo-se ao Fórum Social Mundial) e agora estamos praticando na realidade, em assembleias. É um processo parecido com o efeito do inverno, que mata a terra e depois vem o ar fresco. Agora são milhares de pessoas que abrem os olhos e recebem o ar fresco."

Freeston ressaltou a importância da blogosfera e das novas mídias, mas lembrou que é preciso que o ativismo saia das telas dos computadores e tomem as ruas para efetivamente chegar a um resultado transformador da sociedade. "O ciberativismo se realiza no mundo real e só pode melhorar o mundo virtual. O ciberativismo não tem sentido sozinho, é como se tivéssemos ciberalimentação - não se come virtualmente. No meu país tem uma cibercomunidade de 20 milhões de pessoas, mas não serve para nada, enquanto as ocupações é que geram grandes movimentos."

O raciocínio de Freeston durante sua apresentação incluiu ainda o alerta do que, na verdade, está por trás das maquininhas com potencial para promover uma verdadeira revolução da sociedade e de que é preciso saber que a luta por um outro mundo se faz também fora das telas dos computadores."Essas máquinas funcionam como cocaína. Você encontra pessoas chapadas de cocaína e eles pensam que são os mais importantes da sala, mas a triste realidade é que se deixamos de tuitar ninguém vai sentir saudade. Hoje (em dia) dedico uma hora por dia (a atualizar posts e mensagens nas redes sociais) com controle, com alarmes (para avisar a hora de parar). Sou viciado em ar fresco".

Folha: mais uma falha com a história

Luciano Rezende *

O editorial do jornal Folha de São Paulo, publicado no dia de finados, foi de matar. Pela primeira vez evocaram a dialética para, de forma antidialética, atacar o PCdoB.

Como inimigos da democracia, partem para o insulto e para a desqualificação de um Partido que ousou lutar contra a tal “ditabranda” que eles (família Frias) apoiaram diretamente no Brasil. Liberdade de ideias só da boca para fora e quando os convém, pois jamais deram uma nota de rodapé que fosse para saudar as inúmeras realizações e êxitos alcançados pelo Ministério do Esporte com a colaboração dos comunistas.

Acaso fossem honestos mencionariam ao menos que com o PCdoB à frente da pasta, o país logrou poder sediar os dois mais importantes eventos do planeta (Copa do Mundo e Olimpíadas) afora os jogos Panamericanos ocorridos no Rio. Elogiar o legado que esses eventos representam ao país, com ingresso de divisas imensamente maior ao que o Ministério dispõe, seria pedir demais. Logo eles que, através de seus “calunistas”, tentam incutir na sociedade a ideia de uma estúpida contradição entre eventos esportivos e investimentos em saúde, educação e segurança. Ressente-se de que os governos neoliberais passados foram incapazes até mesmo de promover uma conotação social ao esporte como elemento inclusivo da população.

O editorial defende abertamente a exclusão do PCdoB do governo. Justamente a Folha, que tanto condena o tal “hegemonismo” petista, reclama agora que a pasta do Esporte continue com um aliado histórico. Será que esperavam que Dilma convidasse o PSDB, DEM ou PPS para dar continuidade à exitosa política desportiva inaugurada com Agnelo Queiroz e continuada por Orlando Silva? Outros ministros foram substituídos e nem por isso a Folha cobrou pela troca de partidos, mas com o PCdoB é diferente.

Com o tom provocativo que lhe é peculiar, a Folha afirma que se Orlando fosse inocente não haveria a necessidade de a “presidente Dilma Rousseff tê-lo afastado nem dado posse a Rebelo”. Quanta hipocrisia! Orlando de fato deveria continuar e apenas foi afastado por que a imprensa fez de tudo para derrubá-lo fazendo o uso de todo seu arsenal de calúnias e difamações, podando qualquer mecanismo de julgamento mais imparcial pelos órgãos competentes. Infelizmente o governo cedeu mais uma vez às pressões golpistas e desestabilizadoras da Folha e congêneres.

Mas como lembra o pesquisador Fábio Palácio, não basta atacar o PCdoB no presente. Urge desconstruir seu passado. E é aí que a Folha solta o verbo e discorre sobre a “saga de erros históricos” dos comunistas.

A história da Folha é a das classes dominantes. Nesse roteiro associam o Partido ao “ditador” Stálin e ao “tirano” Mao Tsé-tung. Só faltou dizerem que foi Stálin que ordenou o lançamento das bombas atômicas em civis inocentes no Japão praticamente rendido na segunda Grande Guerra. Desconhecem o fato de que o marxismo não faz política na abstração, mas se baseia na análise científica dos fatos. Publicamente o Partido reconhece abertamente as limitações, equívocos e erros praticados durante os 29 anos em que Stálin esteve à frente da URSS e o faz se nenhum constrangimento.

Ocorre que também não se pode abrir mão de valorizar o extraordinário papel desempenhado pela URSS como principal inimiga do nazifascismo e tampouco é razoável renunciar aos incríveis êxitos alcançados pela URSS nos campos social, tecnológico, econômico, cultural, desportivo etc.

Hoje, embora a Folha seja incapaz de noticiar, a Rússia capitalista do primeiro-ministro “democrata” Vladimir Putin é a primeira no mundo no número de doenças psiquiátricas, no número de suicídios entre pessoas da terceira idade, no número de suicídios entre crianças e adolescentes, no número de crianças abandonadas pelos seus pais, no número de abortos e de mortalidade materna, no número de divórcios e de filhos nascidos fora do casamento, no consumo de bebidas alcoólicas e na venda de álcool de alta gradação, no número de mortes em consequência do consumo de álcool e do tabaco (na Europa), no consumo de tabaco, no número de crianças que fumam, no crescimento do número de fumantes, no número de mortes ocasionadas por doenças cardiovasculares, no número de acidentes de trânsito, no número de catástrofes aéreas (segundo dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo – IATA – o número de acidentes aéreos na Rússia supera em 13 vezes a média mundial). A Rússia capitalista hoje detém o primeiro lugar em perda absoluta de população, o primeiro lugar em relação à taxa de crescimento de multimilionários, o primeiro lugar em importação de automóveis da China e em importação de carne de canguru da Austrália, o primeiro posto em volume de gás desperdiçado (são queimados sem nenhum proveito mais de 50 bilhões de metros cúbicos de gás), o primeiro lugar em reservas de sal – sendo que quase a metade do sal consumido na alimentação é importado – e também é o primeiro lugar no número de exportação de escravos para o mercado de tráfico humano internacional. Nenhum país socialista apresenta esses índices.

O editorial continua seus ataques aos comunistas considerando como “delírio revolucionário” a opção do PCdoB por resistir à ditadura militar nas matas do Araguaia. Normal, pois não tiveram o prazer de ver suas kombis carregadas de comunistas do PCdoB para o DOI-CODI.

Não pertence à história do PCdoB o apoio a ditaduras. Esse é o papel reservado aos que defendem, por meio de suas penas, as guerras e intervenções externas tais como ocorrem agora na Líbia, Afeganistão e Iraque.

Se a Folha tem vergonha de sua história, os comunistas jamais renunciarão ao seu passado. O PCdoB valoriza sua épica existência de quase nove décadas sem nenhuma reserva em se fazer abertamente a autocrítica de seus erros, que certamente ocorreram e ocorrerão. Mas jamais se penitenciará pelo fato de ter traído a confiança do povo brasileiro.

Se no passado os comunistas foram levados a pegar em armas e se embrenharem nas matas do Araguaia oferecendo suas vidas em defesa da democracia, hoje o posto de luta que muitos comunistas são chamados é no governo da presidente Dilma para fazer avançar as conquistas progressistas. Isso não é trocar “ideologia por migalhas”, mas reforçar a ideologia em uma nova trincheira de lutas que se apresenta. E é justamente isso que a Folha teme.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Professor do Instituto Federal de Alagoas.

7 bilhões ameaçam a Terra?

Editorial do Vermelho

No momento em que o mundo alcança a marca de sete bilhões de habitantes (em 31 de outubro), o fantasma de Thomas Robert Malthus anda à solta outra vez. A imensa maioria dos comentaristas faz uma relação imediata entre o tamanho da população e a disponibilidade de alimentos, os mais argutos chegam a comentar o modelo de desenvolvimento dominante, e a conclusão mais comum diz que a Terra chegou a seus limites e que não cabe mais gente no planeta.

O argumento de Malthus já causou alarme quando foi publicado, em 1798 – e a Terra não tinha alcançado, ainda, a marca de um bilhão de habitantes. A produção de alimentos cresce mais lentamente do que a população e vai chegar um momento em que faltarão alimentos para todos, dizia ele. Foi muito criticado já em seu tempo. David Ricardo, um dos fundadores da economia clássica, rejeitou aqueles argumentos como não científicos. Karl Marx foi mais duro na crítica e considerou a argumentação de Malthus fantasiosa, falsa e pueril.

Mesmo assim, ela atravessou o tempo e hoje, mais de duzentos anos passados, ganha a força de uma ideologia que parece comprovada pelo crescimento da população e pelo fato de existir, no mundo, quase um bilhão de famintos.

A Terra chegou mesmo a seu limite? Esta é uma pergunta legítima. Em seu desenvolvimento os seres humanos são vítimas cegas e passivas de condições naturais? Esta é outra questão que merece reflexão.

A crítica marxista do argumento de Malthus enfatizou que, tratando-se de seres humanos, as condições naturais precisam ser consideradas no quadro do desenvolvimento cultural e histórico. As relações que os seres humanos estabelecem entre si na apropriação, produção e distribuição dos bens necessários à vida condicionam sua relação com a natureza.

A maioria dos raciocínios divulgados supõe que o desenvolvimento humano segue uma linha reta e unívoca levando à repetição, no futuro, das mesmas condições atuais. Daí os resultados catastróficos que apresentam. Supõe, em primeiro lugar, a permanência da mesma hegemonia capitalista de hoje, com seus padrões de acumulação e reprodução do capital, mantendo inalteradas suas imposições de produção e consumo. É uma base frágil para previsões de logo prazo!

A base do catastrofismo está ancorada na tese de que o desenvolvimento mundial vai conservar e repetir o mesmo padrão de consumo perdulário que ocorre hoje nos países ricos. Atualmente, por exemplo, o consumo de petróleo nos EUA corresponde a 10 litros por habitante, o dobro do europeu (5 litros) e muito acima do chinês, que é de 0,8 litros. Os países ricos consomem quatro vezes mais energia do que a China ou doze vezes mais do que a América Latina. Em se tratando de alimentos, a diferença é escandalosa, como indicam os dados sobre o consumo de carne. Em 2007 cada norte-americano consumiu 127 kg, quase dez vezes mais do que os haitianos ou senegaleses, com 13 kg; ou quase 20 vezes mais do que os ruandeses, com seus meros seis kg no ano.

Estas diferenças não são “naturais” mas geradas pela forma como a produção e o consumo estão organizados. Na chamada crise de alimentos de 2007, a revista Times reproduziu um comentário significativo de Josette Sheeran, do Programa Mundial de Alimentos. “Nós vemos comida nas prateleiras, mas as pessoas são incapazes de comprá-la,” disse ela pondo o dedo na ferida. O grande problema dos alimentos no mundo não é o excesso de gente mas a subordinação de sua produção e comercialização aos grandes interesses financeiros e especulativos. Quase todos os alimentos estão submetidos ao mecanismo conhecido como mercado futuro; os especuladores compram safras que muitas vezes ainda nem foram plantadas para ganhar jogando com as variações dos preços no futuro, e os preços disparam quando mais capitalistas entram nesse jogo, disputando os ganhos previstos em apostas de crescimento (especulativo) dos preços.

Outro aspecto é a especulação com os estoques, como noticiou a revista Times em 2009: “quando os preços das safras sobem, manter o estoque para a próxima venda pode gerar lucros mais altos do que vender para satisfazer a demanda atual. Ou se os preços divergem em diferentes partes do mundo, o estoque pode ser transferido para o mercado mais lucrativo”.

A especulação não faz parte, evidentemente, das condições naturais – elas estão ligadas à ganância e à busca de lucros máximos e incessantes cujo resultado é a fome gerada não pela escassez mas pelo desemprego e pela pobreza.

Nesse sentido, tem razão o diretor-geral do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf, quando disse, em 2009, que a segurança alimentar é “uma questão de prioridade diante das necessidades humanas fundamentais”. A fome resulta de “decisões fundamentadas em motivações voltadas ao ganho material, em detrimento dos referenciais éticos”, num mundo desigual onde “um número restrito de pessoas enriquece cada vez mais enquanto a maioria da população empobrece”, embora existam os “meios econômicos suficientes, tecnologias eficazes e recursos naturais e humanos para eliminar definitivamente a fome no mundo".

A farsa de Malthus é uma ideologia atualizada e repetida à exaustão. Ela esconde a defesa da manutenção do sistema capitalista e sua imposição de ganhos crescentes. O dogma dessa farsa é uma sociedade fixa e estática, cujas condições se repetem ao longo das gerações. Mas, ao contrário, a sociedade humana muda ao longo do tempo, altera a forma de organização da vida, da produção e do consumo e acena, para o futuro, para novos passos civilizatórios para atender às necessidades de cada um dos seres humanos. Nesse sentido, não é a Terra que esgotou suas possiblidades, mas a forma como a vida está organizada hoje, sob as imposições do modo de produção capitalista e dos especuladores que o comandam. É o capitalismo que chegou a seus limites e exige a ultrapassagem por uma forma social superior.

Love story: o Pentágono e a Primavera Árabe

Quem tenha acreditado que a Primavera Árabe tomaria o Golfo Pérsico e aquelas terras conhecidas antigamente como Arabia Felix[1] tem hoje muitos motivos para afundar em tristeza.


Por Pepe Escobar, no Asia Times Online


A contrarrevolução árabe está mais forte que nunca – comandada pela Casa de Saud e suas monarquias aliadas do Clube Contrarrevolucionário do Golfo (CCG), conhecido oficialmente como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). E seu mais precioso aliado é o Pentágono.

O New York Times oficializou a coisa, repetindo discurso dos especialistas da Casa Branca/Pentágono. Considerando-se que o NYT não é exatamente um ícone da credibilidade jornalística desde que, em 2002/2003, publicou como matéria de capa aquelas estrondosas mentiras sobre o arsenal atômico e/ou armas de destruição em massa que haveria no Iraque e as relações carnais que haveria entre o Iraque e a al-Qaeda, a fala dos especialistas tem de ser traduzida.

A crescente militarização do Golfo Pérsico contrarrevolucionário – que se dá sobretudo pelo aumento no número de coturnos no solo do Kuwait, e mais navios de combate – está sendo vendida como “resposta a um colapso da segurança no Iraque ou a um confronto militar com o Irã”.[2]

Observe-se que as duas ‘respostas’ são pura futurologia e desejo. As fontes marciais do NYT insistem: “a retirada [saída dos EUA, do Iraque] pode deixar instabilidade”. O fato é que o governo de Nuri al-Maliki em Bagdá efetivamente pôs os EUA para fora de lá (o Pentágono queria deixar pelo menos 20 mil pares de coturnos no solo iraquiano, depois do fim de 2011).

Daí a necessidade de rearranjar a novilíngua do Comando Central do Pentágono [Pentagon Central Command (Centcom)], como se houvesse um Plano B, uma nova grande “arquitetura da segurança” para o Golfo Pérsico, já engarrafado de aviões e navios de guerra e até de mísseis de defesa, tudo vendido como se fosse mero “marcar presença na região, pós-Iraque”.

Quanto à “ameaça de um Irã beligerante”, interesses bem precisos – partes do complexo industrial-militar, todo o Partido Republicano, o lobby pró-Israel, a maior parte das corporações de mídia – pedem, há anos, um ataque ao Irã.

O major-general Karl R Horst, chefe do estado-maior do Centcom, é grande fã do “empenho em construir capacidades parceiras e parceiros capazes” (traduzindo: “ou vai, ou racha”). Horst vendeu ao NYT o aumento de poder de fogo no Golfo Pérsico como se fosse doce estratégia hollywodiana, tipo “de volta para o futuro”, focada em “deslocamentos menores, mas de melhores capacidades, e treinamento de parcerias com militares regionais”.

Traduzindo: muitas forças especiais, muitos aviões-robôs comandados à distância, os drones armados, e uma inflação das tais “parcerias” de que o Pentágono e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, Otan, tanto gostam. Isso é vendido como “modos mais eficientes para deslocar tropas e maximizar a cooperação com parceiros regionais”; ou como o melhor modo para “expandir relações de segurança”, sobretudo quando haverá “acentuado decréscimo no número de analistas de segurança designados para a região” (traduzindo: os do lençol na cabeça que façam o trabalho pesado).

Também ajuda, que o Catar e os Emirados Árabes Unidos (EAU) provaram seu ilimitado amor pela Otan na guerra da Líbia (enquanto o Bahrain e os EAU garantem os coturnos no solo, no Afeganistão). Essa prontidão árabe para satisfazer os patrões vai um passo além do mantra padrão (“os EUA não abandonarão seus compromissos no Golfo Pérsico”).

Resumo da ópera: pensem nisso tudo com o Clube Contrarrevolucionário do Golfo (CCG), também conhecido como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), lá implantado como um anexo de fato, da Otan.

Por trás da “arquitetura da segurança”

Lá, longe, no Tadjiquistão – por onde andou examinando a não-proliferação da Primavera Árabe na Ásia Central – a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton encorajou o que imediatamente foi vazado para o NYT como “robusta presença continuada” numa região que “deve ser liberta de qualquer interferência externa para que persevere num caminho para a democracia”.[3]

Quer dizer que... maior militarização do Golfo Pérsico é resposta contra a interferência externa de EUA/Arábia Saudita que atrapalham o curso para a democracia? Não, não pode ser. Alguém aí terá de reescrever o script.

Todo esse cenário já era previsível desde quando Washington fechou negócio com Riad para consolidar a contrarrevolução árabe: você nos dá o voto da Liga Árabe para derrubarmos Muamar Kadafi; e nós deixamos você em paz para fazer o que quiser no Golfo Pérsico (ver “Exposed: The US-Saudi”, Asia Times Online,2/4/2011em
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MD02Ak01.html).

Em seguida, a Casa de Saud invadiu o Bahrain; o Catar pôs-se a treinar os ‘rebeldes’ líbios da Otan em seu próprio território, ao mesmo tempo em que enviava forças especiais catarenses para a Líbia. E, agora, aí está: uma “aliança de segurança multilateral, mais forte”2 entre o Clube Contrarrevolucionário do Golfo (ou Conselho de Cooperação do Golfo), CCG, e o Pentágono.

Senadores norte-americanos perdidos no espaço, a repetir que a retirada dos EUA do Iraque será interpretada “como vitória estratégica dos nossos inimigos no Oriente Médio”[4], é business, como sempre.

Mas coisa muito diferente é ver o NYT fazendo papel de bobos ¬– ou, de fato, tratando os leitores como idiotas – e engolindo a ideia, da propaganda saudita, segundo a qual “o Irã é a mais grave ameaça” que preocupa(ria) todos os países do CCG, “além do próprio Iraque”. É como se o jornal fosse editado em Riad.

Mas a verdade é que toda a política externa do governo Barack Obama para o Oriente Médio parece mesmo editada em Riad. Basta ver as grandes empresas de mídia curvadas até o chão para beijar a barra da túnica do novo príncipe coroado (o primeiro, na linha sucessória) da Casa de Saud, príncipe Nayef bin Abdul Aziz.

Nayef, 78 anos, sempre apoiado pelo nec plus ultra do medievalismo e da contrarrevolução, maldita Primavera Árabe, é, em pessoa, o Inquisidor-mor da Casa de Saud. Desde 1975 comanda o aparelho de segurança no Ministério do Interior, o qual, com a Guarda Nacional treinada nos EUA, fiel ao frágil rei Abdullah, 87 anos, são os dois corpos mais bem armados da Arábia Saudita.

Nayef é o Darth Vader de uma força paramilitar de 130 mil homens, de toda a polícia local e nacional, da alfândega, da imigração, da guarda costeira, da guarda de fronteira e da temida polícia religiosa. A resposta de seu ministério à Primavera Árabe foi pancadaria sem parar. Todos os suspeitos de algum dia ter tentado iniciar uma manifestação política, para nem falar em movimento político, estão presos. O que inclui a rapaziada que distribuiu vídeos por YouTube.

Há pelo menos 20 mil presos políticos em prisões sauditas. Desde abril, é crime “ameaçar a segurança nacional” ou “insultar o Islã”. Nayef foi responsável pela imprecisão do texto da lei e tudo que isso implica. Quem se meter a tentar “Occupy Riad” ou “Occupy Jeddah” será decapitado.

E, para seus incontáveis fãs em Washington, que se emocionam com seus 36 anos de currículo ‘no contraterrorismo’, Nayef é um “conservador pragmático”. Virou título honorífico, desde que se leu a expressão em telegrama secreto, de 2009, ao Departamento de Estado dos EUA, revelado por WikiLeaks[5].

Não surpreende que Nayef seja amado em Washington. Santíssima Trindade, para ele, é Washington e Riad unidos pela pélvis: odeia o Irã e todos os xiitas (inclusive os xiitas sauditas); e é uma vida dedicada a combater a al-Qaeda.

Ninguém fala do ódio visceral que nutre por todos os direitos da mulher e por todos os direitos democráticos. É onde entra, utilíssimo, o rótulo de “conservador nas questões sociais”. No início da Primavera Árabe, Nayef declarou que os tunisianos eram “franceses, basicamente”. Dos habitantes da cidade do Cairo, disse que não passavam, todos, de “urbanos desavergonhados” [origiginal: “louche urbanites”]. Os únicos verdadeiros árabes eram os sauditas: democracia, para os sauditas (ou é o que a Casa de Saud pensa, por todos) é coisa para maricas.

Na política interna da Casa de Saud, aquele reino de intrigas palacianas, de machões solitários dos desertos que amam pintar os bigodes de negro-cor-da-asa-da-graúna, a principal oposição a Nayef não vem de seus irmãos, os poderosos “sete Sudayri”, que já são cinco (depois da morte do rei Fahd e, recentemente, do príncipe Sultan), batizados com o nome da tribo da mãe, Hassa, esposa favorita de Ibn Saud.

Gerontocracia é o nome do jogo: as condições de saúde dos irmãos Bandar, Musaid e Mishaal são precaríssimas. Quanto ao irmão Salman, governador de Riad, gosta de posar de jornalista: é dono do jornal Asharq al-Awsat.

Os principais opositores de Nayef são os sobrinhos de Ibn Saud, começando pelo matreiro ex-embaixador em Washington, Bandar bin Sultan, também conhecido como “Bandar Bush”; o príncipe Talal, pai do bilionário príncipe al-Waleed; o vice-ministro da Defesa Khaled bin Sultan; e o príncipe Turki al-Faisal, ex-chefe da inteligência nos anos 1980s e ex-amigão de Osama bin Laden.

Mas nenhum desses ameaçará Nayef; o que interessa à Casa de Saud é que a dinastia sobreviva. Com o rei Abdullah já às vésperas de reunir-se ao Criador, o Pentágono não poderia encontrar parceiro regional mais confiável: Nayef, o Inquisidor-mor.

Em breve, a Otan reinará sobre todo o Mediterrâneo, lago da Otan. O Africom está implantando-se cada vez mais fundo, e fundo, na África. O Centcom reina no Golfo Persa, com todo o CCG em fila. Democracia é coisa para maricas. Não há business como o business da “arquitetura da segurança”.
Notas
[1] Ptolomeu referiu-se à região como Eudaimon Arabia (gr.), em latim Arabia Felix, “feliz Arábia” [NTs].
[2] NYT, 29/10/2011, Thom Shanker e Steven Lee Myers, “U.S. Planning Troop Buildup in Gulf After Exit From Iraq”, em http://www.nytimes.com/2011/10/30/world/middleeast/united-states-plans-post-iraq-troop-increase-in-persian-gulf.html?_r=1&pagewanted=all
[3] The South Asian Times, “Clinton to Iran: Stay off Iraq”, em http://www.thesouthasiantimes.info/content/clinton-iran-stay-iraq
[4] Senador John McCain, 21/10/2011, em Politico, em http://www.politico.com/politico44/perm/1011/respectfully_yours_3c6ac763-0157-4884-8c9d-bc4c8bc926c1.html
[5] “... mas, mais acuradamente, se pode descrevê-lo como um conservador pragmático, convencido de que segurança e estabilidade são imperativos para preservar o reino saudita e garantir prosperidade aos cidadãos sauditas” (trecho do telegrama 09RIYADH1402, 23/10/2009, em http://www.cablegatesearch.net/cable.php?id=09RIYADH1402).

Viver entre os 1%

Por Michael Moore | Nova York
 
Amigos,
 
Há 22 anos, que se completam nesta terça-feira, estava com um grupo de operários, estudantes e desempregados no centro da cidade onde nasci, Flint, Michigan, para anunciar que o estúdio Warner Bros, de Hollywood, comprara os direitos de distribuição do meu primeiro filme, “Roger & Me”. Um jornalista perguntou: “Por quanto vendeu?”
 
“Três milhões de dólares” – respondi com orgulho. Houve um grito de admiração, do pessoal dos sindicatos que me cercava. Nunca acontecera, nunca, que alguém da classe trabalhadora de Flint (ou de lugar algum) tivesse recebido tanto dinheiro, a menos que um dos nossos roubasse um banco ou, por sorte, ganhasse o grande prêmio da loteria de Michigan. 
 
Naquele dia ensolarado de novembro de 1989, foi como se eu tivesse ganho o grande prêmio da loteria – e o pessoal com quem eu vivia e lutava em Michigan ficou eufórico com o meu sucesso. Foi como se um de nós, finalmente, tivesse conseguido, tivesse chegado lá, como se a sorte finalmente nos tivesse sorrido. O dia acabou em festa. Quando se é trabalhador, de família de trabalhadores, todos cuidam de todos, e quando um se dá bem, ou outros vibram de orgulho – não só pelo que conseguiu ter sucesso, mas porque, de algum modo, um de nós venceu, derrotou o sistema brutal contra todos, sem mercê, que comanda um jogo cujas regras são distorcidas contra nós.
 
Nós conhecíamos as regras, e as regras diziam que nós, ratos das fábricas da cidade, nunca conseguíamos fazer cinema, ou aparecer em entrevistas na televisão ou conseguíamos fazer-nos ouvir em palanque nacional. A nossa parte deveria ser ficar de bico calado, cabeça baixa, e voltar ao trabalho. E, como que por milagre, um de nós escapara dali, estava a ser ouvido e visto por milhões de pessoas e estava ‘cheio de massa’ – santa mãe de deus, preparem-se! Um palanque e muito dinheiro... agora, sim, é que os de cima vão ver!
 
Naquele momento, eu sobrevivia com o subsídio de desemprego, 98 dólares por semana. Saúde pública. O meu carro morrera em abril: sete meses sem carro. Os amigos convidavam-me para jantar e sempre pagavam a conta antes que chegasse à mesa, para me poupar ao vexame de não poder dividi-la.
 
E então, de repente, lá estava eu montado em três milhões de dólares. O que eu faria do dinheiro? Muitos rapazes de terno e gravata apareceram com montes de sugestões, e logo vi que, quem não tivesse forte sentido de responsabilidade social, seria facilmente arrastado pela via do “eu-eu” e muito rapidamente esqueceria a via do “nós-nós”.
 
Em 1989, então, tomei decisões fáceis:
 
1. Primeiro de tudo, pagar todos os meus impostos. Disse ao sujeito que fez a declaração de rendimentos, que não declarasse nenhuma dedução além da hipoteca; e que pagasse todos os impostos federais, estaduais e municipais. Com muita honra, paguei quase um milhão de dólares pelo privilégio de ser norte-americano, cidadão deste grande país.
 
2. Os 2 milhões que sobraram, decidi dividir pelo padrão que, uma vez, o cantor e activista Harry Chapin me ensinou, sobre como ele próprio vivia: “Um para mim, um para o companheiro”. Então, peguei metade do dinheiro – e criei uma fundação para distribuir o dinheiro.
 
3. O milhão que sobrou, foi usado assim: paguei todas as minhas dívidas, algumas que eu devia aos meus melhores amigos e vários parentes; comprei um frigorífico para os meus pais; criei fundos para pagar a universidade das sobrinhas e sobrinhos; ajudei a reconstruir uma igreja de negros destruída num incêndio, lá em Flint; distribuí mil perus no Dia de Ação de Graças; comprei equipamento de filmagem e mandei para o Vietnã (a minha ação pessoal, para reparar parte do mal que fizemos àquele país, que nós destruímos); compro, todos os anos, 10 mil brinquedos, que dou a Toys for Tots no Natal; e comprei para mim uma moto Honda, fabricada nos EUA, e um apartamento hipotecado, em Nova York.
 
4. O que sobrou, depositei numa conta de poupança simples, que paga juros baixos. Tomei a decisão de jamais comprar ações. Nunca entendi o cassino chamado Bolsa de Valores de Nova York, nem acredito em investir num sistema com o qual não concordo.
 
5. Sempre entendi que o conceito do dinheiro que gera dinheiro criara uma classe de gente gananciosa, preguiçosa, que nada produz além de miséria e medo para os pobres. Eles inventaram meios de comprar empresas menores, para imediatamente as fechar. Inventaram esquemas para jogar com as poupanças e reformas dos pobres, como se o dinheiro dos outros fosse dinheiro deles. Exigiram que as empresas sempre registassem lucros (o que as empresas só conseguiram porque despediram milhares de trabalhadores e acabaram com os serviços de saúde pública para os que ainda tinham empregos). Decidi que, se ia afinal ‘ganhar a vida’, teria de ganhá-la com o meu trabalho, o meu suor, as minhas ideias, a minha criatividade. Eu produziria produtos tangíveis, algo que pudesse ser partilhado com todos ou de que todos gostassem, como entretenimento, ou do qual pudessem aprender alguma coisa. O meu trabalho, sim, criaria empregos, bons empregos, com salários decentes e todos os benefícios de assistência médica.
 
Continuei a fazer filmes, a produzir séries de televisão e a escrever livros. Nunca iniciei um projecto pensando “quanto dinheiro posso ganhar com isso?”. Nunca deixei que o dinheiro fosse a força que me fizesse fazer qualquer coisa. Fiz, simplesmente, exatamente o que queria fazer. Essa atitude ajuda a manter honesto o meu trabalho – e, acho, ao mesmo tempo, que resultou em milhões de pessoas que compram bilhetes para assistir aos meus filmes, assistem aos programas que produzo e compram os meus livros.
 
E isso, precisamente, enlouqueceu a direita. Como é possível que alguém da esquerda tenha tanta audiência no ‘grande público’?! Não pode ser! Não era para acontecer (Noam Chomsky, infelizmente, não vai aparecer no Today View de hoje; e Howard Zinn, espantosamente, só chegou à lista dos mais vendidos do New York Times depois de morto). Assim opera a máquina dos meios de comunicação. Está regulada para que ninguém jamais ouça falar dos que, se pudessem, mudariam todo o sistema, para coisa muito melhor. Só liberais sem personalidade, que vivem de exigir cautela e concessões e reformas lentas, aparecem com os nomes impressos nas páginas de editoriais dos jornais ou nos programas da televisão aos domingos.
 
Eu, de algum modo, encontrei uma brecha na muralha e meti-me por ali. Sinto-me abençoado, podendo viver como vivo – e não ajo como se tudo fosse garantido para sempre. Acredito nas lições que aprendi numa escola católica: que se tens sucesso, maior é a tua responsabilidade por quem não tenha a mesma sorte. “Os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.” Meio comunista, eu sei, mas a ideia é que a família humana existe para partilhar com justiça as riquezas da terra, para que os filhos de Deus passem por esta vida com menos sofrimento.
 
Dei-me bem – para autor de documentários, dei-me super bem. Isso, também, faz enlouquecer os conservadores. “Você está rico por causa do capitalismo!” – gritam. Hummm... Não. Não assistiram às aulas de Economia I? O capitalismo é um sistema, um esquema ‘pirâmide’ que explora a vasta maioria, para que uns poucos, no topo, enriqueçam cada vez mais. Ganhei o meu dinheiro à moda antiga, honestamente, fabricando produtos, coisas. Nuns anos, ganho uma montanha de dinheiro, noutros anos, como o ano passado, não tenho trabalho (nada de filme, nada de livro); então, ganho muito menos. “Como é que você diz que defende os pobres, se você é rico, exatamente o contrário de ser pobre?!” É o mesmo argumento de quem diz que, “Você nunca fez sexo com outro homem! Como pode ser a favor do casamento entre dois homens?!"
 
Penso como pensava aquele Congresso só de homens que votou a favor do voto para as mulheres, ou como os muitos brancos que foram às ruas, marchar com Martin Luther Ling, Jr. (E lá vem a direita, aos gritos, ao longo da história: “Hei! Você não é negro! Você nem foi linchado! Por que está a favor dos negros?!”). Essa desconexão impede que os Republicanos entendam por que alguém dá o próprio tempo ou o próprio dinheiro para ajudar quem tenha menos sorte. É coisa que o cérebro da direita não consegue processar. “Kanye West ganha milhões! O que está a fazer lá, em Occupy Wall Street?!”. Exatamente – lá está, exigindo que aumentem os impostos a ele mesmo. Isso, para a direita, é definição de loucura. Todo o resto do mundo somos muito gratos que gente como ele se tenha levantado, ainda que – e sobretudo porque – é gente que se levantou contra os seus interesses pessoais financeiros. É precisamente a atitude que a Bíblia, que aqueles conservadores tanto exaltam por aí, exige de todos os ricos.
 
Naquele dia distante, em novembro de 1989, quando vendi o meu primeiro filme, um grande amigo meu disse o seguinte: “Eles cometeram um erro muito grave, ao entregar tanto dinheiro a um sujeito como tu. Essa massa fará de ti um homem perigosíssimo. É prova do acerto do velho dito popular: ‘Capitalista é o sujeito que te vende a corda para enforcar a ele mesmo, se achar que, na venda, pode ganhar algum dinheiro.”
 
Fonte: Opera Mundi

Na UNESCO, Palestina vence Israel de goleada

Do total de 173 países presentes, 107 votaram a favor, 14 contra

Baby Siqueira Abrão
de Ramallah (Palestina)


Representante palestino na 32ª. Assembleia Geral da UNESCO (órgão da
ONU para a educação, a ciência e a cultura) - Foto: UNESCO

A data de 31 de outubro de 2011 vai entrar para o calendário de comemorações da Palestina como o dia em que o país tornou-se, pela primeira vez, Estado-membro de uma agência da ONU. A 32ª. Assembleia Geral da UNESCO (órgão da ONU para a educação, a ciência e a cultura) votou pela admissão do país como membro pleno – desde 1974 a Palestina era apenas membro observador da entidade.

Essa vitória, porém, não fará diferença nenhuma em relação ao pleito que Mahmoud Abbas, presidente da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e da Autoridade Palestina, levou ao Conselho de Segurança da ONU em 23 de setembro, solicitando o reconhecimento do país como Estado-membro da organização, com plenos direitos. Mas mostra uma mudança significativa na antiga “coesão” política do mundo. Antes, as concessões à pressão conjunta de Estados Unidos e Israel sobre os demais países eram maiores.

Com milhões de indignados nas ruas do mundo, a maioria deles pró-palestinos e críticos dos sionistas, apontados como vilões não apenas dos direitos humanos mas também da crise financeira que vai solapando direitos civis conquistados com muita luta, alguns governos parecem ter perdido o medo. O da França, por exemplo, deu seu voto à Palestina, contrariando anos de aliança e submissão a Israel e Estados Unidos. Até a Grã-Bretanha e a Itália, parceiras de longa data dos EUA e dos sionistas, dessa vez se abstiveram. Do total de 173 países presentes, 107 votaram a favor, 14 contra e houve 52 abstenções, que não contam no cômputo final. A Palestina precisava de 81 votos para se tornar membro pleno da UNESCO. Recebeu 26 a mais do que o necessário.

Israel e EUA perdem poder

A repercussão do resultado da Assembleia da UNESCO indica uma leitura política do fato. Celebra-se, na verdade, a queda de poder de dois países cujos argumentos resumem-se à retórica falaciosa, às armas e à força bruta. “Trata-se do triunfo do espírito humano diante da intimidação”, comemorou Hanan Ashrawi, porta-voz da Palestina durante o processo conhecido como Tratado de Madri (1991) e até hoje figura importante no panorama político do país.
Luisa Morgantini, ex-vice-presidente do Parlamento Europeu e porta-voz da Associazione per la Pace [Associação pela Paz], da Itália, foi na mesma direção. “Esse resultado mostra que a maioria dos países já conseguiu escapar ao domínio dos EUA e não abandonará os palestinos ao poder militar e midiático israelense”, afirmou ela. “Esses países acreditam no direito à liberdade e à autodeterminação e querem que a Palestina também exerça esse direito, que é universal.”

Universal mas não muito, de acordo com Estados Unidos, Israel e Alemanha, os grandes perdedores desse jogo. Para esses países, a Palestina deve permanecer como está até que os sionistas tomem todo o seu território para fazer a Grande Israel, como foi planejado desde o início do movimento, no século XIX. Mas, como também aponta o resultado na UNESCO, o uso político de textos religiosos, a deturpação de uma simbologia importante para boa parte da população mundial e a manipulação da fé para alcançar a satisfação do apetite financeiro de alguns grupos já não enganam quase ninguém. Diante dessa mudança de postura, o relatório da CIA, a agência de inteligência estadunidense, segundo o qual Israel se autodestruirá em 20 anos (em 19, porque o documento é de 2010), ganha até ares de presságio.

Mas não é. Trata-se do resultado de anos de esforço dos palestinos, que, mesmo na contracorrente da propaganda sionista na grande mídia, mesmo sem poder econômico e militar, conseguiram se fazer ouvir no mundo inteiro. E o apoio da sociedade civil internacional a sua luta não para de crescer. Na intifada que agita a população do planeta – quem não sai à rua acompanha e apoia os acontecimentos de várias outras maneiras –, o caso palestino é citado e discutido como símbolo da resistência a uma força não apenas local.

A espoliação operada pelo capitalismo financeiro é apontada como responsável por aquilo que acontece com os palestinos e pela progressiva perda de direitos dos cidadãos de todo o mundo, como mostram os slogans e os textos produzidos pelos diversos movimentos populares, resultado de estudos e debates em praça pública. Num processo que quer redefinir os conceitos de democracia e liberdade, retirando-os do lugar-comum da retórica dos poderosos, o espaço para países que usam a linguagem da ameaça militar, como Estados Unidos e Israel, é cada vez menor.

Mas, mesmo desacreditados, eles falam grosso. Continuam querendo decidir o que é melhor para os palestinos – a velha história de “paz pela negociação”, que até agora só beneficiou os sionistas, aos quais a paz nunca interessou – e fazem deles alvos de agressão contínua. Segundo o jornal israelense Haaretz, na mesma segunda-feira em que a Palestina conquistou o status de membro pleno da UNESCO, por exemplo, o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyhau, anunciou reunião com seu gabinete, composto por oito ministros, para o dia seguinte, a fim de “discutir a possibilidade de impor sanções aos palestinos.

Já existem várias propostas nesse sentido, ainda de acordo com o Haaretz: aumentar o número das colônias ilegais em terras palestinas, restringir a transferência de impostos coletados na Palestina e retirar o status VIP do alto escalão palestino, impedindo-o de passar por checkpoints sem ser incomodado. Sem falar, claro, na “terceirização” da violência, hoje, literalmente, também nas mãos e nas armas dos colonos, que perseguem e ferem os palestinos, além de destruir suas plantações e transformar suas vidas num pesadelo à luz do dia. O objetivo, além de tomar terras, fontes e poços de água, é minar a economia dos vilarejos. Só as milhares de oliveiras devastadas pelos colonos judeus deram, na colheita deste ano, em outubro, um prejuízo de cerca de U$ 500 mil aos palestinos. A maioria das famílias agricultoras vive o ano todo com o dinheiro da venda da colheita. Quem compra? Israel, ao preço que seu mercado determinar.

Palestina, patrimônio da humanidade

Os sionistas temem, além da progressiva perda de poder proveniente de suas ações contra os palestinos e do isolamento causado por seu hábito de desdenhar a legislação internacional e as resoluções da ONU, aquilo que a Palestina pode conseguir como membro pleno da UNESCO. Para Abdelfattah Abusrour, fundador e presidente da Sociedade Cultural e Teatral Alrowaad, do campo de refugiados de Aida, em Belém, e professor doutor da Universidade de Belém, “esse reconhecimento da Palestina como Estado poderá impedir que Israel continue a destruir o país, confiscando terras e erguendo construções em cidades históricas como Belém, El-Khalil (Hebron), Jerusalém oriental, Jericó”.

Ele explica que os palestinos podem pedir que suas cidades sejam consideradas Patrimônio da Humanidade, evitando sua descaracterização, a devastação de seus bens culturais e históricos e, mais importante, reconhecendo-as como parte da Palestina. Será um golpe duro nas ambições dos sionistas. “Claro que nada disso acontecerá da noite para o dia”, continua Abdelfattah. “Mas o reconhecimento da comunidade internacional, no caso da UNESCO, torna-a corresponsável pela defesa da população de um Estado que é membro pleno e que é ocupado e agredido por outro Estado. É um primeiro passo para a imposição de sanções a Israel, a fim de obrigá-lo a respeitar os palestinos e a legislação internacional”, completa ele.

A italiana Luisa Morgantini faz a mesma avaliação. “A Palestina pode reivindicar o título de Patrimônio da Humanidade para grande parte dos locais da Cisjordânia e de Gaza”, afirma ela. “Um dos primeiros pontos deve ser a cidade velha de Hebron, hoje refém de centenas de colonos fanáticos que já destruíram partes importantes dessa herança cultural da humanidade.”

Caso a Palestina dê mais esse passo, boa parte de seu território estará a salvo da sanha sionista. “Isso não vai acabar com a ocupação, assim como uma possível aprovação do país como membro pleno da ONU não porá fim ao roubo de terras, de água, da vida, mas é um avanço importante, há muito tempo devido à Palestina”, diz Luisa Morgantini. “É hora de Israel ser responsabilizado pelas contínuas violações ao direito internacional. Somente o fim da ocupação garantirá justiça e paz aos palestinos”, finaliza ela, anunciando que a Associazione per la Pace já iniciou mobilização para pressionar os governos dos países europeus a “fazer prevalecer o direito das pessoas sobre os interesses das alianças geopolíticas”. “Só sossegaremos quando eles derem seu voto ao reconhecimento da Palestina como Estado-membro pleno da ONU”, acrescenta ela.

A UNESCO é a primeira agência da ONU à qual a OLP solicitou reconhecimento como membro pleno. A próxima será a OMS, a Organização Mundial da Saúde, de acordo com Fathi Abu Moghli, titular da pasta da Saúde. É assim, devagar e insistentemente, que os palestinos vão vencendo, no campo diplomático, a tecnologia militar, as ameaças e a violência cotidiana que os sionistas de Israel lhes impõem.

Fonte: Brasil de Fato

Dias de extraordinária transparência

A convivência nunca harmoniosa entre democracia e capitalismo avança para um estágio de antagonismo explícito na crise das finanças desreguladas. As marcas se sucedem a desmentir os teórico da endogamia entre produção de mercadoria e de cidadania; entre livres mercados e liberdade humana.

A estaca desta 3ª feira, porém, espetou um ponto de contradição indissimulável, quando o primeiro ministro Yorgos Papandreu acenou com uma consulta popular sobre planos de ajuste ortodoxo até agora sancionados à revelia da sociedade grega. Deu-se então um streap-tease histórico: o poder coercitivo invisível das finanças revelou as avantajadas angulações de uma lógica que reduz a Grécia a um protetorado, sob o julgo do capital financeiro.

Banqueiros e lideranças do euro foram ao ponto e à mídia obsequiosa: e dispararam recados ameaçadores a Atenas. Seu nervosismo derruba o biombo da generosidade que cercou o anúncio de um 'desconto' de 50% da dívida do país. A dimensão insuportavelmente espoliativa do programa que vem sendo imposto à Grécia custa mais que o 'default administrado'. Mesmo porque, a propaganda é enganosa: trata-se de uma operação contábil de salvação de bancos, não da economia ou da sociedade. Segundo o Financial Times, os 50% referem-se à dívida privada, não ao passivo total. Sobretudo, porém, segundo o FT, o 'hair cut' de 100 bilhões de euros seria rebatido por duas operações cujo custo recairá de novo nas costas do povo grego. Cerca de 30 bilhões de euros seriam emprestados pela troika (FMI, BCE e CE) aos credores estrangeiros para mitigar suas perdas; outros 30 bi de euros dariam um cala-boca na banca privada grega. Enfim, mais uma troca de dívida privada por dívida pública que, neste caso, reduz o 'desconto' oferecido a Atenas de 100 bi para 40 bi sobre uma dívida total da ordem de 350 bi de euros.

São concessões insuficiente para refrear taxas de suicídio que disputam o ranking de velocidade com índices de desemprego e pobreza. O verdadeiro
'hair cut' em marcha, assim, continuaria a ter como alvo o escalpo de uma população martirizada há mais de dois anos pela austeridade ortodoxa. Execrado, como deve ser, num eventual referendo esse arranjo descredenciaria a receita e os 'chefs' da gororoba indigesta em outras praças e urnas. Os mercados farejaram o desastre e despencaram nesta 3ª feira (leia a reportagem do correspondente em Berlim, Flávio Aguiar).

Para coroar o festival de desnudamento, o partido socialista de Papandreu rebelou-se contra a idéia de ouvir os cidadãos sobre o destino do país. Por fim, na 4ª feira, coube ao vice-chanceler alemão, Guido Westerwelle, arrematar verbalizar a transparência dos dias que corremno melhor estilo germânico: "O plano de resgate europeu para a Grécia não admite discussão",sentenciou herr Westerwelle.

Quando a realidade dispensa metáforas com essa desenvoltura é porque vivemos tempos extraordinários. A Grécia é o berço da democracia aristocrática que percorreu uma longa trajetória, séculos de lutas, massacres e revoluções para que os direitos políticos fossem compartilhados pela plebe rude. No Brasil, analfabetos só chegaram às urnas a partir de 1988; até hoje há quem lamente o mal passo responsável, na visão de certas elites, pela ascensão de Lula ao poder.

A crise do neoliberalismo, porém, evidencia a ainda insuficiente eficácia desses avanços. Emparedada entre o imobilismo da esquerda e a supremacia das finanças desreguladas, a democracia viu-se reduzida a uma liberdade desprovida de conteúdo econômico e social. O curto circuito causado pelo gesto de Papandreu ilustra - a exemplo do que tem demonstrado as ruas - a distância que precisa ser vencida para que a coação econômica não se sobreponha mais ao efetivo poder democrático.

Fonte: Editorial Carta Maior

Diário de Shangai (II): Advertem sobre a necessidade da China diversificar seu comércio com a América Latina

Por Emir Sader, em seu Blog

A China deveria diversificar suas relações comerciais e os seus parceiros na América Latina e o Caribe para fortalecer a relação de cooperação Sul-Sul em meio ao aprofundamento da crise financeira, segundo um especialista, publica o diário China Daily. Osvaldo Rosales, diretor da Divisão de Integração e Comércio Internacional da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), afirma que a China pode substituir a Europa como o segundo maior parceiro da America Latina, mas seu comércio está concentrado em uns poucos países e em alguns poucos produtos.

Rosales diz que na região a China tem suas relações mais ativas com o Brasil, o Chile e a Argentina. As exportações da América Latina para a China são principalmente de cobre e soja, que somam 30 e 12% respectivamente do total.

A crise financeira internacional aprofundou a distância na redução da renda per capita entre os países em desenvolvimento e as economias avançadas e o centro de gravidade da economia global se deslocou para as economias dos países emergentes como o Brasil, a Rússia, a India, a China e a África do Sul, segundo ele.

“Reforçar os vínculos Sul-Sul é importante para resistir diante da crise”, afirma ele, acrescentando que as exportações para os EUA e a União Europeia em 2009 diminuíram em 26% e em 29%, enquanto para a China aumentaram 11%.

Ele afirmou que uma sólida relação Sul-Sul ajudaria a salvaguardar contra o impacto da crise financeira internacional e a implementar a capacidade das economias para se recuperarem.

A China é o pais mais populoso do mundo, mas possui apenas 8% das terras aráveis. Há assim um grande potencial para o consumo de alimentos na China.

Chen Yuanting, um pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Sociais, afirmou que a China deveria diversificar seus investimentos na América Latina, levando em conta plenamente as diferenças econômicas, sociais e culturais de cada país. “Uma política unilateral não beneficiaria as relações bilaterais futuras”, disse Chen.

Diário de Shangai (I) - O problema mais crítico do G20: substituir o dólar

Por Emir Sader, em seu Blog

Em artigo publicado no diário China Daily desta quarta-feira, o diretor do Instituto de Estudos Europeus da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Jiang Shixue, afirma que, sem um mecanismo estabelecido de implementação das suas decisões, o G-20 tem limitado suas funções a discussões entre os líderes, resultando em documentos sem decisões práticas. “O G20 deveria ter um secretariado permanente e tornar seus documento obrigatórios para seus membros”, propõe Shixue.

“A legitimidade do G20 é também colocada em questão por muitos, conforme a grande maioria dos países é excluída do grupo”, diz ele. Os membros atuais respondem por 90% do PIB total do mundo, mas nem todos concordam com sua representatividade. “ “Claro que um aumento do numero dos membros do grupo poderiam dificultar sua eficiência, mas essa implementação é necessária.”

Critica também ele o protecionismo que as grandes potências tendem a impor: “Os países em desenvolvimento são inegavelmente vítimas do protecionismo comercial. Assim, o G20 deveria usar sua influência para garantir que a Rodada de Doha concretize seus objetivos.”

Até que ele chega ao que considera o problema central: “Enquanto o G20 está enfocando numerosos problemas, o mais crítico é como entender as causas fundamentais dos desequilíbrios econômicos globais e quais os meios para tratar com eles.” “O G20 chegou a um consenso sobre a necessidade e a importância de promover reformas no sistema monetário internacional. No entanto, devido ao forte peso monopólico do dólar, a reforma do sistema monetário internacional permaneceu em conversações, sem ações concretas.”

“Seria bom se o G20, baseado nos critérios informados pelo FMI, adaptasse a “cesta” de moedas do seu Special Drawing Rights (SDR).” O que significa substituir o dólar por uma cesta em que entrariam varias moedas.

(O China Daily pode ser acessado em:
www.chinadaily.com)

O câncer de Lula e o ódio das elites

Por Francisco Bicudo, no Blog do Chico:

Nem bem a notícia sobre o câncer de laringe de Lula havia sido dada, na manhã do último sábado, e as redes sociais e os espaços para comentários de leitores em diversos sites e portais já tinham sido lamentavelmente transformados em esgoto fedorento, tamanha a quantidade de falas torpes e abjetas que começaram a ser postadas. Não vou aqui reproduzi-las, para não oferecer ainda mais espaço e visibilidade gratuitos para o rancor e a ignorância (entendida precisamente como falta de informação ou de argumentos), mas o que veio à tona, de forma efusiva, foram comemorações e regojizos, a agradecer a doença do ex-presidente e a desejar a ele vida curta, dentre tantas outras barbaridades.

O movimento foi tão brutal e desumano (às vezes penso mesmo se o ser humano merece ser chamado de Homo sapiens, aquele que pensa e sistematiza ideias com a razão...) que chegou a incomodar gente como o jornalista Gilberto Dimenstein, que, longe de ser um esquerdista (e de quem discordo na imensa maioria das vezes), apressou-se em publicar na WEB um texto onde reconhecia ter sentido "um misto de vergonha e enjoo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula. Fossem apenas algumas dezenas, não me daria o trabalho de comentar. O fato é que foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo". Tais ativistas de sofá, muitas vezes protegidos por anonimato e perfis fakes (quanta decência e coragem...), aproveitam-se de um drama humano para travar luta política, transformada ainda em guerra suja e lamacenta, da pior espécie, sem escrúpulos.

Para Francisco Fonseca, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP), essa reação corresponde mais uma vez, e de forma cristalina, à ojeriza que as elites sempre manifestaram pela figura de Lula e por aquilo que ele representa - e os adeptos de tal tese encontraram na doença dele mais uma janela para a publicização desse rancor. "Não aceitam que um operário, retirante nordestino, sem a escolaridade formal tenha chegado à Presidência da República. Sempre que podem, buscam revanche. É disso que se trata. Claro que o governo Lula teve inúmeros problemas, mas também registrou avanços inegáveis. O Brasil mudou, para melhor. Mas as elites abandonam a discussão política e investem num forte preconceito social, de classe", avalia o pesquisador, em entrevista exclusiva ao Blog.

No limite, o que as elites explicitam é por tabela uma visão limitada e utilitarista da própria ideia de democracia, já que um dos principais feitos das duas eleições de Lula foi justamente mostrar que a democracia brasileira vale para todos. Como bem lembra o jornalista Mino Carta, estamos afinal a falar de um segmento privilegiado e egoísta da sociedade, que sofre de "umbiguismo" crônico, de uma das elites mais arcaicas e retrógradas do planeta, que tem saudades da Casa Grande e defende ferozmente uma democracia para 20%, sem o povo a incomodar.

O professor da FGV/SP (também autor do livro "O consenso forjado", editora Hucitec, 2005, que discute o papel da grande mídia na consolidação da agenda neoliberal no Brasil) lembra também que, em termos políticos, o Brasil vive, desde o início dos anos 1990, a polarização ideológica entre PT e PSDB, que de alguma maneira reflete a oposição entre pobres e ricos. "É a divisão de classes traduzida em partidos, e o PSDB tem bandeiras fortemente elitistas, que vão aparecer e se manifestar publicamente nessas situações, como já havia ocorrido inclusive na campanha presidencial do ano passado, quando a candidatura de José Serra flertou perigosamente com temas obscuros e de natureza privada", confirma.

Preconceito e ignorância se manifestaram também de forma igualmente asquerosa na campanha "Lula, vá se tratar no SUS", veiculada nas redes - e duramente criticada até mesmo pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem essa postura é uma espécie de "recalque, um equívoco que ele não endossa". Ora, quando tiveram graves problemas de saúde, Sergio Motta, Roberto Marinho e Ruth Cardoso buscaram tratamento em modernos hospitais privados (Albert Einstein, Samaritano (RJ) e Sírio-Libanês, respectivamente). Orestes Quércia também buscou o Sírio, onde também estiveram internados Romeu Tuma e José de Alencar. Mario Covas foi atendido pelo sistema particular. E não coloco em questão as escolhas deles, fizeram as opções que mais acharam adequadas. É legítimo - e legal. Mas, assim como quem não quer nada, só por curiosidade mesmo, pergunto aos que defendem a campanha "Lula, faça o tratamento no SUS": o mesmo deveria ter valido para todos os outros aqui citados? A postura parece confirmar o preconceito e o ódio de classe: para quem pertence à elite, tudo bem, essa escolha é "natural", sem gritarias ou inconformismos. Já para o operário, que vem da plebe... "O argumento é novamente seletivo", destaca Fonseca.

Outra questão: quem bate no peito e vocifera que Lula deve se tratar no SUS defende também com convicção e honestidade que o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Gilberto Kassab devam oficialmente renunciar a carros particulares e a helicópteros para se deslocar pela cidade de São Paulo apenas de metrô e de ônibus, respectivamente? Avaliem por gentileza a encruzilhada: porque busca tratamento em hospitais privados, Lula é "incoerente"; caso escolhesse o SUS, seria acusado de 'tirar vaga de quem realmente precisa'. E aí? Como faz? Para mim, é muito claro: é ódio de classe. Para estes, é melhor deixar o ex-presidente sem atendimento mesmo.

Aliás, novamente, e sempre como curiosidade: por que o alvo dessa campanha tão "nobre, republicana e cívica" é apenas o ex-presidente Lula? Em artigo publicado na Agência Carta Maior, a jornalista Maria Inês Nassif escreve que "a obsessão da elite brasileira em tentar desqualificar Lula é quase patológica. E a compulsão por tentar aproveitar todos os momentos, inclusive dos mais dramáticos do ponto de vista pessoal, para fragilizá-lo, constrange quem tem um mínimo de bom senso. (...) Até na política as regras de boas maneiras devem prevalecer". E Paulo Moreira Leite, da revista Época, uma das raras vozes lúcidas que resta na mídia carcomida (mas que mostra que ainda há espaço para bom jornalismo na grande imprensa), chama a campanha de "hipocrisia" e lembra que "ironicamente, os mesmos adversários que impediram a manutenção de verbas para a saúde pública agora querem que o presidente se trate pelo SUS".

O jornalismo, aliás, merece um parágrafo à parte nessa análise. Foi estarrecedor perceber que, menos de meia hora depois da confirmação do câncer, rádios e emissoras de TV, principalmente, já estavam a reverberar o mórbido cenário "pós-Lula" - além obviamente de muitos colunistas aproveitarem a oportunidade para reforçar o fato de o tumor ser "na garganta" (nas entrelinhas, torcendo mesmo para que a voz de Lula silencie), o resultado de uma vida desregrada e regada a goles (com associação nem sempre sutil com o alcoolismo) e a cigarrilhas. O jornalista Luis Nassif lembra que, não por acaso, em grande medida o ódio contra o ex-presidente Lula vem sendo estimulado por órgãos de imprensa - e por seus colunistas e especialistas.

"São expressões mais acalentadas do elitismo de que falamos. A revista Veja é hoje a representante máxima e assumida da extrema-direita. Seus jornalistas são na verdade ideólogos, aquilo que o (Antonio) Gramsci (pensador italiano, 1891-1927) chamaria de intelectuais orgânicos. Meu palpite é que falam para uma audiência cada vez mais restrita, para guetos, para essas classes médias conservadoras", avalia Fonseca. Para ele, não há como não pensar em reforma da mídia. "Todo poder tem de ser controlado, democraticamente. É preciso seguir o exemplo da Argentina e combater, por exemplo, a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Não há democracia com concentração midiática", define.

E antes que as patrulhas reacionárias entrem em campo, uniformizadas e armadas até os dentes: não estou endeusando o ex-presidente Lula. Aqueles que acompanham o Blog conhecem bem as divergências (muitas delas de fundo) e críticas que tenho à chamada "Era Lula", quando avançamos, inegavelmente, mas quando também muitas vezes despolitizamos o debate e nos permitimos mover por messianismos, deixando portanto de avançar muito mais, em temas e áreas cruciais e prioritárias. Mas meus estranhamentos com o ex-presidente e com os dois governos dele são dessa natureza: política. E assim serão tratados, democraticamente, com argumentos, de forma civilizada e respeitosa.

Neste momento, o que tenho sinceramente a dizer é: força, Lula! Estamos torcendo por sua pronta recuperação!