segunda-feira, 19 de setembro de 2011

“A Copa é no Brasil, mas não é para os brasileiros”

Para o jornalista Jorge Kajuru, a Copa do Mundo de 2014 no Brasil é um evento para turistas. E quem vai pagar a conta é o brasileiro

Danilo Augusto

Jorge Kajuru - Foto: Reprodução
 
O Brasil será sede da Copa do Mundo de 2014. Desde 2007, quando o país foi escolhido como sede do mundial, vários questionamentos surgiram em torno desse evento.
Em entrevista a Radioagência NP – parceira do Brasil de Fato – o jornalista Jorge Kajuru afirma que o país tem plenas condições e estrutura para realização do evento. Porém, relata que o problema da Copa ser no Brasil está relacionado “à crise moral dos representantes.” Ele critica o financiamento através de dinheiro público do BNDES no evento e pede mais postura da presidenta Dilma sobre o tema. Para Kajuru, a Copa é no Brasil, mas não é para os brasileiros. E acrescenta: “É uma Copa para turistas. Quem vai pagar a conta é o brasileiro, vai sair do imposto”.
Conhecido por sua coragem de enfrentar os cartolas do futebol, Kajuru também detalha a relação entre a Federação Internacional de Futebol (Fifa) e o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, a qual ele descreve como “ladrões públicos do futebol mundial.” O jornalista também acusa a Rede Globo. “O Ricardo Teixeira também é intocável pela proteção da Rede Globo de Televisão”. Segundo ele, a emissora é sócia em negócios envolvendo futebol, principalmente, monopólio e exclusividade de transmissões. Leia a seguir a entrevista.

O Brasil será sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Como você avalia a realização deste evento em nosso país?
Jorge Kajuru – Não sou contra a Copa do Mundo no Brasil. O país tem condições e estrutura. O problema da Copa ser aqui não é estrutural, e sim, de crise moral. Vão roubar de nós brasileiros, pagadores de impostos, porque sairá de forma pública a maior parte do dinheiro gasto na Copa do Mundo. O governo federal, em pleno o governo do presidente Lula, teve que assinar um documento no qual a Fifa ganhará todo o dinheiro da Copa sem pagar qualquer centavo de tributos. A Fifa aceitou o Brasil como sede da Copa tendo essa condição como base de negócio. Todo dinheiro faturado aqui ela (Fifa) vai levar para a Suíça e fazer a divisão entre os ladrões públicos do futebol mundial.

Você já declarou que vai torcer contra a seleção brasileira na Copa. Por quê?
Vou torcer contra o Brasil na Copa de 2014. Também vou rezar para que na final o Brasil esteja, e que, exatamente na final, o Brasil perca de forma vergonhosa. E que haja, no Maracanã, com o segundo maracanasso, um linchamento público verbal contra a fi gura do senhor Ricardo Teixeira. O estádio inteiro em eco para que ele criasse vergonha na cara e deixasse a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e também o Brasil, e se juntasse ao seu bando e quadrilha lá da Suíça.

A realização da Copa demanda um investimento financeiro muito alto. Grande parte vem por meio do financiamento do BNDES. Você é a favor de financiamento público em um evento, que como você disse, terá o lucro dividido em meios privados?
A Copa é no Brasil, mas não é para os brasileiros. É uma Copa para turistas. Quem vai pagar a conta é o brasileiro, vai sair do imposto. O BNDES já colocou R$ 4,8 bi na Copa. Até 2014 pode dobrar esse valor. O mais grave é que quando foi definido o Brasil como sede da Copa, fi cou estabelecido de forma pública, para todos os brasileiros – nas palavras do então presidente Lula e do Ricardo Teixeira – que não se gastaria nenhum centavo público para Copa do Mundo, que todas as despesas seriam privadas. O governo e o Ricardo Teixeira mentiram, foram canalhas.

E como você avalia o papel da presidenta Dilma neste processo?
O que ela disse foi o mais grave. A presidente Dilma afirmou que não poderia divulgar os valores fi nanceiros gastos pelo governo até 2014, que eram informações sigilosas. Isso é revoltante. Qualquer brasileiro minimamente sério, qualquer jornalista minimamente descente e qualquer veículo de comunicação minimamente ético teriam que cobrar da presidente essa postura lamentável. Não pode gastar dinheiro público e não informar e divulgar para onde foi.


Manifestantes pedem saída de Ricardo Teixeira na avenida Paulista
Foto: Guilherme Zocchio
Recentemente, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, recebeu uma série de acusações. Mesmo assim, ele continua impune. Por que essas acusações não surtem efeito internacionalmente, dentro da Fifa?
O Ricardo Teixeira é blindado porque ele faz parte da quadrilha da Fifa. Ele é intocável porque é sócio do Joseph Blatter [presidente da Fifa] e protegido por João Havelange, presidente de honra da Fifa e dono da máfia do futebol internacional. Havelange e Ricardo Teixeira são donos da Traffic – a empresa que detêm os direitos internacionais de venda de transmissão de futebol para veículos de comunicação do mundo inteiro. A Traffic não é do jornalista Jota Ávila. O Jota é “laranja” do Havelange e do Ricardo, a imprensa esportiva sabe disso é ignora de forma vergonhosa.

E no âmbito nacional, por que nada acontece?
Primeiro porque o povo brasileiro não tem coragem de protestar. O povo brasileiro é uma decepção no que se refere a protesto contra coisas públicas horríveis. Ninguém tem coragem de falar isso, falar isso é brigar com o povo, mas não faço média com o povo. Amo o povo porque é a maior celebridade deste país, é feliz recebendo um salário mínimo de R$ 600. Mas não vou dizer que o povo tem cultura de protesto. O Ricardo Teixeira também é intocável pela proteção da Rede Globo de Televisão. A Globo é sócia em negócios envolvendo futebol, principalmente monopólio e exclusividade de transmissões. Isso se chama ditadura da audiência.

Mas a Globo não vende direitos de transmissão para a Bandeirantes?
A Band não paga pelos direitos de transmissão. Ela é presenteada pela Rede Globo desde que, editorialmente, cumpra as mesmas regras da Globo para com o Ricardo Teixeira.

Muitas pessoas defendem que a CBF teria uma melhor gestão se as eleições fossem mais democrática, com participação popular. Você concorda com essa proposta?
Tudo isso não passa de uma fantasia neste Brasil dirigido e presidido por quem é. O PT fará com que a CBF se perpetue com esses mesmos canalhas que estão lá. Embora o ex-presidente Lula – nas eleições de 2002 – tenha prometido que tiraria o Ricardo do comando do futebol brasileiro e que abriria a caixa da CBF. Foi mentira dele. No primeiro mês de governo ele já era melhor amigo do Teixeira. Ninguém é amigo do Teixeira sem que financeiramente tenha nenhum benefício. Portanto, o PT como partido político deve ter ganhado muita grana do futebol brasileiro – da CBF. É um sonho essa história de eleição direta, do povo votando.

E qual a participação das federações, dos clubes e da Rede Globo nesse processo de permanência do Ricardo Teixeira dentro da CBF?
As federações são Ricardo Teixeira. Já nos clubes isso não acontece mais. Na última votação para escolher o presidente do Clube dos 13, a CBF e a Rede Globo tomaram uma derrota vergonhosa. Eles queriam uma vitória do Cleber Leite contra o Fábio Koff. E como isso não aconteceu, o São Paulo foi punido, o Morumbi foi punido e não será sede de abertura da Copa do Mundo. O Ricardo Teixeira, ao lado do seu amigo Andrés Sanchez – presidente do Corinthians – não quiseram. Se o país fosse sério, Andrés e Ricardo Teixeira estariam presos. É por isso que agora a Rede Globo quer tirar o Fábio Koff do comando dos 13 e ameaça acabar com o Clube e montar uma Liga Nacional para mandar mais ainda no futebol brasileiro.

Recentemente, a Rede Record entrou na disputa com a Globo para transmitir jogos do campeonato Brasileiro. Essa quebra de monopólio seria boa para o futebol?
Não existe nenhuma diferença na maneira em que Record e Rede Globo cresceram e se transformaram em império. A Globo nasceu de um escândalo chamado Time Life e a Record se transformou em império com dinheiro de fiéis. Acrescente, além do monopólio, a expressão ditadura de audiência. Mesmo não havendo diferença, também na parte editorial, é preciso reconhecer que a proposta da Record é três vezes maior. E ainda, a Record garantia que o jogo, em sua grade de programação, seria às 20h e não às 22h. Hoje, ainda temos que esperar a novela acabar para começar um jogo. Pior, esses jogos acabam meia noite ou 1h quando já não tem mais transporte público. Isso é um absurdo, um crime. Tudo ficou na mesma e seja o que Deus quiser.

Qual o papel da Rede Globo e dos veículos de comunicação no Brasil para que essas mazelas do futebol se perpetuem?
O papel da Globo é somente o dinheiro. Quanto ao papel dos demais veículos de comunicação deveria ser o jornalismo. A imprensa foi feita para servir o povo, e não se servir do povo. E o que acontece com a maior parte da imprensa, nesta questão que estamos debatendo aqui, é que a imprensa está se servindo do povo. São raras as exceções que não fazem isso, como a ESPN, o jornal o Lance. Também existem alguns jornalistas independentes, como o Juca Kfouri. Poucos veículos ousam falar de Ricardo Teixeira. O problema é que as grandes empresas brasileiras também são amigas do senhor Teixeira. E são todas calhordas quanto Ricardo Teixeira essas grandes agências de publicidade, esse monopólio de grandes empresas que só anunciam em veículos que não praticam o jornalismo esportivo independente, investigativo, sério e decente. É mais que uma máfia, é um cartel.

Muitas pessoas te classificam como um pessimista e inimigo do futebol. Você realmente gosta deste esporte?
Tem pessoas que me consideram um crítico, um louco, um do contra e um pessimista. Eu amo o futebol nas quatro linhas. Quem não vai gostar de um drible do Neymar [Santos Futebol Clube]? Uma bela jogada e um passe de calcanhar do jogador Ganso [Santos Futebol Clube] e do Lucas [São Paulo Futebol Clube]? Ninguém vai me fazer deixar de gostar, de ver e de falar bem do bom futebol. Vou defender e aplaudir jogadores e treinadores acima da média. Agora não queiram que eu dê uma entrevista e que deixe de falar em relação a essa escumalha que comanda o futebol brasileiro. Se eu não denunciasse isso eu não seria um jornalista, e sim, um picareta e assessor do Ricardo Teixeira. Mas o futebol dentro de campo é minha paixão e alegria. (Ouça o áudio desta entrevista na Radioagência NP)

Jorge Reis da Costa – conhecido como Jorge Kajuru – é jornalista esportivo, radialista e apresentador de televisão

Repressão contra as drogas provocou aumento da população carcerária feminina na América Latina

A maioria dessas mulheres, presas por envolvimento com o tráfico, é pobre e trabalha como “mula” para sustentar a família
19/09/2011

Daniella Jinkings
Agência Brasil



A repressão contra as drogas provocou nos últimos anos um aumento significativo da população carcerária, principalmente a feminina, em toda a América Latina. A maioria dessas mulheres, presas por envolvimento com o tráfico de drogas, é pobre e trabalha como “mula” (pessoa que transporta drogas entre países) para sustentar a família.

De acordo com a deputada da Assembleia Nacional do Equador, María Paula Romo Rodríguez, o crescimento das mulheres envolvidas com tráfico ocorreu principalmente na última década. No México, 44% das mulheres encarceradas foram presas por participação no tráfico de entorpecentes. No Equador, esse número chega a 80%.

No Brasil, o tráfico de drogas é o segundo maior motivo de prisão de mulheres. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, das 28,1 mil mulheres em privação de liberdade, 14,6 mil foram presas por tráfico de entorpecentes. A legislação brasileira prevê pena de 5 a 15 anos de reclusão e multa de R$ 500 a R$ 1,5 mil para traficantes. Os usuários podem ser advertidos, prestar serviços comunitários ou participar de um curso educativo.

“A distorção que essa guerra contra as drogas provocou nos sistemas penitenciários da região e o foco dessa guerra têm como suas principais vítimas as mulheres pobres de nossos países”, disse María Paula durante a 3ª Conferência Latino-Americana sobre Política de Drogas, na Cidade do México.

Para ela, os governos deveriam dar oportunidade econômica para as mulheres, além de revisar o sistema penal. “O combate deveria focar na parte mais alta do tráfico, que são os chefes. Prender essas mulheres não muda a realidade do tráfico de drogas em nenhum país.”

A deputada ainda criticou as “políticas errôneas, que saturam as cadeias, bem como as penas desproporcionais, essencialmente contra pessoas que ocupam o degrau mais baixo do tráfico, chamadas mulas”.

Ela citou como exemplo os casos de jovens mães que carregaram pequenas quantidades de drogas e receberam sentenças de até 18 anos de prisão. “Estamos cuidando do caso de uma mulher de 75 anos condenada a 8 anos de prisão por posse de 22 gramas de maconha", destacou.

Ela acrescentou ainda que em 2008, 40% da população prisional do Equador foi libertada após a sanção de uma lei de anistia para redução da pena daqueles que foram presos com menos de dois quilos de drogas. Porém, em 2009, alguns setores políticos do país voltaram a discutir políticas mais duras de repressão.

Nas últimas duas décadas, com o aumento do consumo na América Latina, foi registrado também aumento da violência na região. "Podemos dizer que a guerra contra as drogas não atingiu os objetivos para o qual foi levantada, as plantações não foram erradicadas, o tráfico não foi controlado, muito menos a redução do consumo na região.”

O risco bancário chinês

Enquanto os olhares se concentram na Europa, a China está tomando precauções para evitar turbulências financeiras em uma economia que cresceu mais de 10% ano nos últimos 30 anos. A vulnerabilidade do sistema não se limita ao setor imobiliário. Em Beijing, há preocupação com a dívida em nível municipal e provincial, lastro do gigantesco pacote de estímulo que o governo pôs em marcha logo após o estouro financeiro de 2008. O artigo é de Marcelo Justo.

Os bancos europeus são a ponta de lança de uma crise que pode empalidecer a de 2008. Enquanto os olhares se concentram na Europa, a China está tomando precauções para evitar turbulências financeiras em uma economia que cresceu mais de 10% ano nos últimos 30 anos. A vulnerabilidade do sistema não se limita ao setor imobiliário. Em Beijing, há preocupação com a dívida em nível municipal e provincial, lastro do gigantesco pacote de estímulo que o governo pôs em marcha logo após o estouro financeiro de 2008.

O governo comunista, hipersensível ao impacto político da economia, apertou o cinto do setor financeiro muito mais que a Europa e os Estados Unidos. Entre outubro do ano passado e junho deste ano, o Banco Central da China elevou mensalmente os requisitos do capital bancário. Se as regras pós-Lehman Brothers, de Basil III, que regem a banca internacional, exigem que as entidades financeiras tenham uma base de capital de 3% em relação a seus ativos, a China exige 4%. Se o Ocidente estendeu até 2015 o prazo para a adoção de novos requisitos regulatórios, a China quer tudo pronto em 2013. A China tem uma vantagem adicional para implantar essas medidas: o sistema financeiro está, majoritariamente, nas mãos do Estado. Na direção dos bancos, há membros do Partido Comunista encarregados de vigiar que as diretrizes do governo sejam cumpridas.

A cabeça de um peixe apodrecido
O regulador chefe do sistema bancário chinês, Liu Mingkang, é uma peça fundamental neste sistema de controle. Liu explica sua estratégia com frases e refrões coloridos. Um de seus favoritos é: “O peixe começa a cheirar mal pela cabeça”. Este “peixe” – como quase tudo na China – é gigantesco. Com uma população de mais de 1,3 bilhões de pessoas, a China tem 202 mil agências com um valor total de mais de 6 trilhões de dólares.

As agências classificadoras de risco ocidentais, que depois do fiasco de 2008 se tornaram mais papistas que o papa, alertaram que o principal risco que a China enfrenta está nos empréstimos no superaquecido setor imobiliário. A chefe da Fitch na China, Charlene Lu, advertiu em agosto que esse setor é mais complicado e imprevisível que o da dívida estatal. “ O mercado imobiliário penetra toda a economia de maneira que torna impossível isolar o problema e solucioná-lo com uma massiva injeção de dinheiro”, assinalou Lu.

Com a acelerada liberalização das duas últimas décadas e um nível populacional que desafia qualquer cálculo, a China tem vivido uma bolha imobiliária que levou a uma triplicação dos preços da propriedade entre 2005 e 2009. O relaxamento creditício posterior à quebra do Lehman Brothers aprofundou esse processo. O setor não só foi importante fator de crescimento por seu impacto multiplicador na economia (produção de aço, cimento, etc.) como também se constituiu em uma importante fonte de financiamento estatal.

Os donos da terra
Os municípios e as províncias são os donos da terra. Enquanto tal, são parte interessada na dinâmica imobiliária. O contínuo aumento do preço da propriedade permite-lhes obter maiores vantagens da venda para financiar projetos de infraestrutura.

Esses interesses criados em nível local são confrontados pelo governo central que quer manter fechada a caixa de pandora imobiliária. Beijing impôs um aumento das taxas hipotecárias, fortes restrições à aquisição de um segundo imóvel e impostos sobre a propriedade residencial que estão resfriando o mercado. A China Index Academy avalia que o preço da propriedade em agosto em 10 cidades caiu em média 0,41%, ainda que nas principais cidades (Beijing, Canton), tenha registrado um aumento de 0,6%. A estimativa é que os preços caiam cerca de 10% nos próximos 12 meses.

O êxito desta estratégia não está livre de perigos. É difícil valorar o impacto que este enfrentamento terá sobre o setor da construção. Entre as grandes construtoras, as estatais têm a melhor avaliação creditícia, enquanto que alguns gigantes privados, como Greentown China Holding Ltda., viram suas vendas sofrerem uma queda de aproximadamente 2,6 bilhões de dólares. Essas perdas são uma amostra das dificuldades da parceria imobiliária-financeira para sair ordenadamente da febre especulativa dos últimos anos.

O outro risco
O outro pé do risco financeiro chinês é o setor provincial e municipal. Em julho, a Academia de Ciências Sociais da China e o Ministério de Finanças publicaram um informe onde alertavam sobre o perigo de uma crise da dívida como a que afeta hoje a União Europeia, Estados Unidos e Japão. O informe estimava que este risco era real, mas no “longo prazo”. Ainda assim, o primeiro ministro Wen Jiabao ordenou aos governos locais que adotassem medidas para conter este risco no “longo prazo”.

Em setembro, uma auditoria estatal calculou que a dívida total dos governos locais era de 1,6 trilhões de dólares. Na maioria dos locais, estava em torno de 25 a 38% do PIB, mas em alguns lugares, como em Hawai China, a província-ilha do Sul, superava 45%. Ao publicar essas cifras, o governo insistiu que as dívidas eram administráveis e muito abaixo dos níveis da dívida acumulados pelos países da Europa ou pelos Estados Unidos. Alguns analistas observaram que, em vários casos, as dívidas eram maior que o esperado e provocavam o temor sobre a presença de buracos negros nas finanças estatais.

O temor é duplo. Com a crise mundial como pano de fundo, o governo busca um ajuste gradual com um impacto difícil de prever para uma economia acostumada a um ritmo descomunal de crescimento. Por enquanto, trata-se de um esfriamento “a la China” (crescimento de 9% ao invés de 10% para este ano com perspectivas de uma queda para 8% em 2012), mas em meio aos temores globais ninguém pode descartar uma abrupta queda que leve a defaults com impacto direto no setor bancário.

Não resta dúvida que esse risco chinês é o que a economia mundial menos necessita hoje. Alguns analistas, como o economista Nouriel Roubini, da Stern School, consideram que cedo ou tarde a China sofrerá uma “aterrisagem forçada”. “Nenhum país pode investir 50% de seu Produto Interno Bruto sem exceder sua capacidade produtiva. Em 2013, com toda probabilidade, a economia chinesa terá que fazer uma aterrisagem forçada”, disse Roubini recentemente. Vindo de quem alertou sobre os perigos que pairavam sobre a economia mundial muito antes de 2008, é um prognóstico digno de se levar em conta, mas é preciso não esquecer que a China, por seu próprio peso, desafiou a lei da gravidade em mais de uma oportunidade nas últimas décadas.

Tradução: Katarina Peixoto

As lambanças do fascista Berlusconi

Por Altamiro Borges

O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, está cada vez mais isolado. Alguns analistas chegam a prever a sua queda para breve. As escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, que investiga os casos de corrupção e as orgias do seu reinado, têm ridicularizado o bufão fascista. Berlusconi só conta com a cumplicidade de parte da imprensa, já que é o principal imperador midiático do país.

Novos trechos das escutas telefônicas foram divulgados na semana passada. Em uma das transcrições, o premiê afirma a uma das jovens convidadas para as suas festanças que ele é “presidente do governo em seus momentos livres”. Noutro trecho, ele chama a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, de “bunduda incomível”. As transcrições causaram alvoroço em toda a Europa.

Aumento da pressão pela renúncia

A Itália, governada nos “tempos livres” por Berlusconi, afunda na crise econômica, que aumenta o desemprego e a miséria social. Diante do colapso, Berlusconi impôs um projeto de “austeridade fiscal” que penaliza ainda mais os trabalhadores e visa salvar os agiotas financeiros e as mega-corporações. A sua popularidade, já maculada pela corrupção e orgias, despencou mais ainda!

No início de setembro, a principal central sindical do país, Cgil, promoveu uma greve geral que paralisou os transportes e órgãos públicos. Com o agravamento da crise econômica e as novas revelações sobre as lambanças do primeiro-ministro, agora as três principais centrais do país discutem a convocação de uma greve geral unitária. Elas exigem a demissão de Berlusconi, “o merda”.

“Vou embora deste país de merda”

Dias antes do protesto da Cgil, outra transcrição de escutas telefônicas havia mostrado a falta de caráter do direitista. “Dentro de alguns meses vou embora deste país de merda”, disse Berlusconi numa conversa com seu amigo Valter Lavitola, diretor e editor do jornal Avanti. O bate-papo entre os dois barões da mídia foi grampeado com autorização da Procuradoria de Nápoles.

Agora, com as novas transcrições, até os partidos centristas da Itália exigem a sua renúncia. “A Itália, com seus graves problemas, não pode permitir um Executivo que governa em seus 'momentos livres'. Berlusconi tem que apresentar sua demissão”, defende Davide Zoggia, do Partido Democrata.

Já o secretário da União da Democracia Cristã e de Centro (UDC), Lorenzo Cesa, afirma que o primeiro-ministro “tem que mostrar um gesto de generosidade e renunciar de seu cargo”. Gianfranco Fini, ex-aliado de Berlusconi e líder da sigla Futuro e Liberdade para a Itália (FLI), também engrossou o caldo. “O bom senso tem que prevalecer na maioria governista. Não se pode seguir assim, por isso é preciso tomar a decisão de criar um novo governo”. A situação do bravateiro midiático é tenebrosa.

Uma potência ambiental

Por Eduardo Bomfim - Vermelho


Nos últimos tempos o Brasil ganhou uma expressão que procura caracterizar o seu futuro, a sua vocação econômica: uma potência ambiental. E essa máxima assumiu tal dimensão na sociedade, em alguns segmentos políticos, setores da intelectualidade, que fica parecendo algo inquestionável, um determinismo da natureza e da própria História.

No entanto, é preciso observar bem de perto o que realmente significa esse prognóstico “inquestionável” e quem o vem divulgando maciçamente a nível global e no Brasil como se fosse uma corrida contra o tempo para se conquistar os corações e as mentes da opinião pública mundial, especialmente do povo brasileiro.

Em primeiro lugar é importante ressaltar que o nosso País já é efetivamente uma potência ambiental, porque tem mais de 60% do seu território com cobertura original, sem falar dos diversos tipos de áreas de proteção públicas e privadas, com preservação integral ou de uso sustentável.

O que não acontece com as nações do primeiro mundo porque elas ou não possuem reservas legais ou se as possuem, são absurdamente ridículas, mesmo se comparadas proporcionalmente aos seus respectivos territórios.

Para realmente se entender o que está por trás dessa nova alcunha ao País é sempre importante reafirmar o que significa o complexo militar-industrial-midiático hegemônico, instrumento intervencionista e de dominação dos interesses norte-americanos no planeta.

Ele produziu nas últimas décadas essa agenda global que dita as regras de comportamentos dos indivíduos e das nações, uniformizando o lucro do mercado global, perverteu a noção dos direitos humanos, adulterou as ciências, o princípio da soberania das nações pela soberania limitada, e busca fragmentar as lutas populares através do chamado multiculturalismo.

Essa tese sobre a nossa “prioritária vocação ambiental” oculta o objetivo imperial de impedir o pleno desenvolvimento socioeconômico nacional.

É o que diz o estudo sobre estratégia norte-americana: Brasil Global e as Relações EUA-Brasil. Que propõe, nas entrelinhas, o controle sobre nossas regiões ricas em recursos naturais e energéticos, frear o nosso crescimento populacional, dificultar o desenvolvimento tecnológico do País.

O Brasil, potência ambiental de fato, precisa cuidar com urgência do desenvolvimento científico e tecnológico, da industrialização diversificada, do mercado interno, mais empregos formais e avanços sociais estruturais. E da sua defesa nacional. Porque o cenário de um mundo agredido, em chamas, e em convulsão financeira está à vista, para quem deseja enxergar.

Uma medida que merece o apoio da classe trabalhadora

A CTB e demais centrais sindicais não têm poupado críticas à política econômica do governo, que mantém a economia nacional prisioneira dos juros altos, câmbio flutuante e superávit primário. Mas também não negamos nosso apoio às medidas orientadas para um caminho justo, que contemplam as demandas da nossa classe trabalhadora e estão em sintonia com os interesses nacionais.
Por Wagner Gomes*


É o caso da elevação do Imposto sobre Produtos Importados (IPI) para carros que não sejam provenientes do Mercosul ou do México. Além de automóveis de passeio, a medida atinge caminhões, camionetes e veículos comerciais leves, ficando livres do ônus as empresas que realizam investimentos em tecnologia no Brasil e usam pelo menos 65% de componentes nacionais na fabricação dos carros.

O objetivo do governo é proteger a produção local e, por extensão, o emprego. Monopolizado por um pequeno grupo de multinacionais, o ramo automobilístico anda concedendo férias coletivas aos operários, que têm razões de sobra para temer demissões em massa. A experiência nos ensina que, em época de crise, quem mais sofre é a classe trabalhadora, seja com o desemprego, o rebaixamento dos salários ou a supressão de direitos. Em 2008 vivemos um processo parecido.

Mas a indústria automobilística ainda não foi afetada diretamente pelo aprofundamento da crise na Europa e nos Estados Unidos. O comércio de automóveis não recuou e ainda cresce. Porém, o mercado interno vem sendo cada vez mais abastecido por importações, que avançaram 112,4% entre janeiro a agosto deste ano.

O ambiente de crise, marcado pela contração do consumo nos países mais ricos, acirrou a concorrência internacional e as multinacionais aqui instaladas estão perdendo terreno para montadoras estrangeiras, sobretudo chinesas, e operando com excesso de estoques. A concessão de férias coletivas foi a primeira providência para adequar a produção à demanda. O passo seguinte, pela lógica capitalista que orienta as empresas privadas, seria a demissão.

A elevação do IPI, que pode significar um aumento de 30% no preço final do veículo importado, tende a resgatar e mesmo ampliar a participação das empresas instaladas no Brasil no mercado doméstico. Esperamos que, com isto, o risco de desemprego no ramo seja afastado e os operários possam trabalhar sem temer o facão.

A CTB defende, com as demais centrais, que medidas do gênero, que beneficiam em primeiro lugar as grandes empresas, devem ser necessariamente condicionadas a contrapartidas sociais como a estabilidade no emprego, redução da jornada sem redução de salários e novas contratações.

No caso da indústria automobilística é o caso de exigir também a redução ou mesmo retenção das remessas de lucros e dividendos ao exterior, de modo que o investimento do excedente extraído em nosso país pelas multinacionais do ramo seja obrigatoriamente realizado em atividades locais, servindo ao crescimento do PIB e do emprego e priorizando o desenvolvimento e transferência de tecnologia.

*Presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)

A primavera dos direitos humanos

Por Emir Sader, em seu Blog

Com a apresentação do projeto da Comissão da Verdade no próximo dia 21 começa a primavera dos direitos humanos no Brasil.

O golpe de 1964 interrompeu brutalmente o desenvolvimento democrático do país e a ditadura militar que foi instaurada se apropriou violentamente do Estado brasileiro e impôs à sociedade um regime de terror durante mais de duas décadas. Foi o momento mais terrível da história do Brasil desde o término da escravidão.

Foram perpetrados os crimes mais brutais, valendo-se do aparato de Estado contra a democracia, contra o povo, contra sua cultura, contra toda forma de liberdade conquistada ao longo do tempo. A ditadura militar foi um regime que modificou profundamente a história do Brasil, destruindo tudo o que havia de democrático no país, realizando uma política econômica de concentração de renda, de exclusão social e de desnacionalização da economia. Foi o pior regime que o Brasil já conheceu, o que mais violou os direitos humanos no país.

Na sua fase final, a ditadura decretou uma anistia que a favorecia, amalgamando vencidos e vencedores, verdugos e vítimas, apagando da história do país todas as violações que a ditadura havia cometido. Com isso, além da impunidade dos agentes do terror da ditadura, impediu que se apurasse tudo o que foi feito, buscando apagar aquele período da memória dos brasileiros.

A ditadura militar se esgotou, mas conseguiu controlar a transição, com a eleição do primeiro presidente civil pelo Colégio Eleitoral e com a manutenção da anistia imposta pelo velho regime e não decidida democraticamente pela cidadania.

Nesta semana, a secretária dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, entregará ao presidente da Câmara dos Deputados o projeto da Comissão da Verdade. O Congresso vota no dia 21, dia do começo da primavera, o projeto que permitirá à sociedade brasileira apurar a verdade, sobretudo o que aconteceu naquele momento de domínio da ditadura sobre a democracia, do terror sobre a liberdade, da força sobre a razão.

Esse é o espaço que a sociedade brasileira consegue para passar a limpo e, só depois de ter satisfeito seu justo direito ao conhecimento de tudo o que ocorreu, virar essa triste página da nossa história. Todos os que estão comprometidos com essa busca, - goste-se ou nao da forma particular que é possível hoje a busca da verdade -, tem que mobilizar toda sua energia, para que triunfe, finalmente, a verdade e vivamos, finalmente, a primavera dos direitos humanos no Brasil.

América Latina, mundo de droga

Estudo da Comissão Mundial para Políticas Antidrogas mostra que "guerra às drogas" iniciada há quatro décadas pelo então presidente dos EUA, Richard Nixon, é um fracasso rotundo, contundente e irremediável. Bilhões de dólares e milhares de vidas mais tarde, a produção, o comércio e o uso das drogas ilegais continua crescendo a todo vapor. O maior mercado consumidor é os Estados Unidos, que consome anualmente cerca de 165 toneladas de cocaína. A América Latina entra com a produção e os mortos. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Um estudo recente realizado pela Comissão Mundial para Políticas Antidrogas, que conta com o aval da ONU, chegou a uma conclusão óbvia, mas nem por isso menos eloqüente: o que o mundo anda fazendo para combater o uso de drogas ilegais, a tal "guerra às drogas" iniciada há quatro décadas pelo presidente norte-americano Richard Nixon, é um fracasso rotundo, contundente e irremediável. E a razão de terem chegado a essa conclusão é simples: bilhões de dólares e milhares de vidas mais tarde, a produção, o comércio e o uso das drogas ilegais continua crescendo a todo vapor. Aliás, cresce tanto que hoje em dia cocaína e heroína custam muito menos do que custavam há vinte anos.

Calcula-se que existam no mundo 270 milhões de usuários de drogas. Um Brasil e meio. Uma população 27 vezes maior que a de Portugal, quatro vezes e meia maior que a da França, seis vezes maior que a colombiana. Enfim, um número de pessoas que, reunidas, formaria o quarto país mais populoso do mundo.

O maior mercado consumidor é os Estados Unidos, que consome anualmente, segundo os cálculos mais fiáveis, cerca de 165 toneladas de cocaína. Em segundo lugar, mas avançando rapidamente, vem a Europa, que consome cerca de 124 toneladas anuais. Esses dois mercados são abastecidos basicamente pela produção latino-americana de cocaína, mais especificamente da região andina, ou seja, Bolívia, Peru, Colômbia e, em medida quase insignificante, Equador. A maior parte do que chega aos Estados Unidos passa pelo México, onde, aliás, se consome 17 toneladas anuais, deixando o Canadá, com suas 14 toneladas, para trás.

Para a Europa, outras rotas são mais utilizadas, levando a cocaína latino-americana via África do Sul e, em muito menor medida, através do Brasil.
Para a América Latina, esse mundo de droga produzida e negociada tornou-se um problema que em alguns países ameaça escapar de controle. Sabe-se bem da convulsão enfrentada pelo México, fala-se de como a Colômbia pouco a pouco procura voltar aos eixos, mas pouco ou nada se fala do que acontece nos países da América Central. Lá, pelo menos três países – El Salvador, Honduras e Guatemala – que mal se recompõem do flagelo de prolongadas guerras civis correm o gravíssimo risco de se tornarem vítimas terminais do crime organizado pelo narcotráfico.

Se economias aparentemente prósperas, se países que vivem tempos de bonança, enfrentam a ameaça de poderes paralelos formados pelos grandes cartéis de drogas, o que dizer de países pequenos, que mal cicatrizam as chagas de um passado recente? Vale recordar um estudo do Banco Mundial, indicando que, na América Central, o custo do crime e da violência corresponde a 8% do PIB da região.

Muito se menciona a Colômbia como exemplo bem sucedido da luta contra o tráfico de drogas. Um exame mais sereno e meticuloso mostra que a realidade não é bem essa. Diminuiu, e muito, a violência, é verdade. Mata-se e morre-se hoje menos do que há dez ou quinze anos. O volume de drogas exportadas, porém, permaneceu praticamente inalterado. Uma série de fatores que são impossíveis de se reproduzir em outros países funcionou na Colômbia, que, além de drogas, exportou o caos – basta ver o que acontecia há dez ou quinze anos no México e na América Central, e o que acontece agora. Ou seja, cura-se aqui enquanto feridas são abertas ali e acolá.

Resta ver, além do mais, que medidas os Estados Unidos pretendem tomar para impedir o fluxo de armas para os países exportadores de drogas. De cada dez armas aprendidas no México, sete saíram dos Estados Unidos. O governo colombiano detectou e apreendeu vários carregamentos de armas de pequeno calibre – revólveres, pistolas – despachados dos Estados Unidos pelo correio.

A questão é vasta e profunda, mas até agora não conseguiu levar a trilha alguma que seja capaz de encaminhar, se não para uma solução, ao menos para um paliativo eficaz. E nesse mercado em franca expansão, nessa festança macabra, enquanto norte-americanos e europeus continuam pondo os usuários, os latino-americanos continuam pondo as drogas e os mortos. Na Colômbia, perdeu-se a conta. No México, pelo menos 42 mil nos últimos cinco anos, e caminha-se rápido para a marca dos 50 mil.

Na América Latina, os produtores e exportadores de drogas são empresários bem sucedidos, sem dúvida. Lucram cada vez mais, e mostram que sabem defender seus interesses, não importa ao custo de quantas vidas.

Pena que esses latino-americanos, empreendedores bem sucedidos, tenham preferido manter seus negócios em nossas comarcas. Bem que poderiam seguir o exemplo dos plantadores de maconha na Califórnia. Lá, os empreendedores locais conseguiram um feito notável: hoje em dia, a maconha é o mais bem sucedido cultivo em todo o estado. Rende cerca de 14 bilhões de dólares por ano. Plantam, processam, comercializam – e nenhum latino-americano morre por causa deles.

O fascismo nosso de cada dia

Outrora temíamos a volta do fascismo. Hoje, vivemos às vésperas da lei de Gerson ser erigida em capítulo primeiro das constituições de “Estados democráticos”

Alipio Freire* - Brasil de Fato

Segundo Jean-Paul Sartre, não é o torturador que faz a tortura, mas a prática da tortura que faz o torturador. Concordando, afirmamos: não é o fascista que faz o fascismo. São as práticas fascistas que fazem os fascistas.

Outrora temíamos a volta do fascismo. Hoje, vivemos às vésperas da lei de Gerson ser erigida (oficialmente) em capítulo primeiro das constituições de “Estados democráticos”, e da impunidade das elites e dos agentes do seu Estado ser transformada em jurisprudência. Oficiosamente, o mundo já parece funcionar assim.

A naturalização dos massacres dos mais pobres por agentes do Estado ou milícias privadas; a convivência promíscua com a corrupção; a flexibilização do conceito de tortura e defi nição de “circunstâncias” em que ela pode/deve ser utilizada; os poderes das Repúblicas controlados e exercidos pelos dossiês (chantagens); a delação premiada como estatuto legal; o medo e o pânico como alavancas da paz social; mecanismos de controle dos indivíduos em nome da sua segurança pessoal, como câmeras e gravadores espalhados por toda parte, muitas vezes com o apelo cínico e patético: “sorria, você está sendo filmado” (e muitos sorriem); a valorização das pessoas pelo que são capazes de consumir; a vida pública e a vida privada mercantilizadas como espetáculo; a substituição do conceito de autodeterminação dos povos pelo de “soberania relativa”, implicando invasões, guerras e destruições de povos em nome da democracia e da paz internacional; o acobertamento das disputas de mercados e de classes, por “guerras religiosas”; o moralismo cada vez mais torto e hipócrita a serviço de escândalos capazes de vender jornais, revistas, programas de tv, rádio, etc.; o silêncio da grande maioria dos que mais sabem; enfim, a banalização do mal.

A lista é infinita.

Ou seja, as práticas fascistas estão instaladas no dia-a-dia.

Agora, só falta um pouco mais de prática intensiva desses valores para que os quadros do fascismo emerjam viçosos e despojados de qualquer conveniência.

E eles estão se formando: na direita e na esquerda.

Alipio Freire é jornalista e escritor.

Histórias do 11 de setembro: 1973, 2001, 2011

Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Adital

11 de setembro de 1973: eu era frade franciscano e estudante de Teologia da PUCRS, em Porto Alegre. Era noviço, para não dizer cru, na política e na militância. Mas desde os tempos de Seminário escrevia poemas, que publicava no Caderno de Sábado do Correio do Povo, então maior jornal gaúcho. E cuidava do Mural da Teologia, onde se penduravam textos, artigos e tudo que interessava aos estudantes. Era uma das formas de comunicação da época. Homenageei o presidente Salvador Allende do Chile, ‘suicidado’ pela ditadura de Pinochet, com um poema lido no Mural pelos estudantes de outros cursos da PUC que tinham aulas no mesmo prédio, entre os quais o estudante de economia João Pedro Stédile. Conhecemo-nos e formamos, com sucesso, um grupo para mudar o movimento estudantil conservador da Universidade.

Allende foi ‘suicidado’ por um golpe militar monitorado e apoiado pelos EUA, em tempos de ditaduras em vários países da América do Sul, inclusive no Brasil. Enterrou-se a democracia por décadas, muitos foram assassinados, como Víctor Jara no Estádio nacional chileno, outros exilados, tantos perseguidos.

11 de setembro de 2001: eu estava reunido numa sala de hotel em Porto Alegre com a Executiva do PT gaúcho, do qual era vice-presidente. De repente, chega a notícia. Um atentado, ou algo parecido, em Nova York: um avião ‘furou’ uma das torres gêmeas. Nosso anti-americanismo latente logo imaginou um ataque ao imperialismo americano. Mais um pouco e nova notícia: outro avião choca-se com a outra torre. Ficamos todos atordoados, sem entender nada, corremos para a frente da televisão, e a reunião transformou-se em análise de conjuntura internacional.

O neoliberalismo, patrocinado pelos EUA, começava a mostrar seus primeiros sinais de esgotamento, queda e crise. Durante décadas, o mercado foi santificado, também no Brasil, o Estado tornou-se mínimo, o desemprego espalhou-se pelo mundo, fome e miséria crescentes, a década perdida – anos 80 - e a década desperdiçada – anos 90.

11 de setembro de 2011: Estou na Presidência da Republica –quem diria!- há longos oito anos e meio. O povo está nas ruas. Os estudantes protestam no Chile contra as conseqüências da ditadura e do neoliberalismo. Os jovens e as multidões se mobilizam na Europa contra os governos e exigem mudanças, exigem que os jovens e trabalhadores não paguem, mais uma vez, por uma crise não feita por eles, mas fruto e resultado dos tempos neoliberais patrocinados pelos Estados Unidos da América e demais países desenvolvidos. Os EUA, mergulhados na crise, na pobreza e no desemprego, não sabem como sair do Afeganistão e do Iraque, onde promoveram guerras e mortes em nome da democracia. Décadas de neoliberalismo levaram à maior crise do capitalismo mundial desde 1930. A hegemonia e a ‘pax’ americanas, que sustentaram ditaduras em vez da democracia e o mercado financeiro em vez do Estado e da sociedade no mundo inteiro, sofrem crescente questionamento.

4 décadas e muitas perguntas no ar. O que será do mundo e do planeta em crise econômica, ambiental e de valores? Qual o papel do Brasil e da América Latina, agora em tempos de democracia e de mudanças? E os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China -, mais a África do Sul, hoje citados como salvadores da pátria pelos países ricos e pelo capital financeiro? E o futuro da democracia? Qual projeto de desenvolvimento promoverá a igualdade e a justiça, preservará o meio ambiente?

A crise pode parir a mudança e o novo, um projeto de desenvolvimento e de sociedade com participação da sociedade civil, não regulado pelo mercado financeiro, ambientalmente sustentável, recolocando no centro da vida e da economia valores como fraternidade, fazer coletivo, partilha e solidariedade.

Não há mais um único patrão no mundo, para decretar golpes e promover ditaduras, para impor a mercadoria-dinheiro e o lucro como objetivo máximo e quase único na vida e na sociedade. O desafio está posto para militantes, intelectuais, lutadoras/es sociais, pensadoras/es e sonhadoras/es que todas e todos somos e continuaremos a ser.

Em dezesseis de setembro de dois mil e onze.

Debate na ONU sobre o Estado Palestino

Por Antonio Martins, no sítio Outras Palavras:

À medida que se aproxima o início (na próxima terça-feira, 20/9) de uma nova sessão da Assembleia Geral da ONU, estão se tornando mais claros os contornos da resolução que poderá levar ao reconhecimento do Estado Palestino. Ontem, prosseguiram em Nova York as reuniões de bastidores que podem definir a provável votação nos próximos dias.


O presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, confirmou que reivindicará, em discurso previsto para a própria terça, o reconhecimento pleno do Estado. Tal hipótese, porém, parece no momento de difícil concretização. Este passo exige concordância do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde cinco países têm direito de veto: Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França.

Washington, que tem Israel como aliado estratégico no Oriente Médio e cuja política interna é fortemente suscetível a um poderoso lobby da direita israelense, já anunciou que vetará o reconhecimento integral.

Ainda assim, uma espécie de “Plano B” palestino está tirando o sono do governo israelense. Ele consiste em requerer, da própria Assembleia Geral, a condição de “Estado não-associado”. Uma resolução neste sentido não pode ser vetada pelo Conselho de Segurança. Se alçada a este status, a Palestina estará equiparada, por exemplo, ao Vaticano.

Além disso, conquistará o direito de participar de todas as Comissões e Convênios da ONU e — ainda mais importante — o de recorrer à Corte Penal Internacional (de Haia), que pode ser acionada apenas por Estados. A base para uma ação contra Israel está clara. Telaviv poderia ser acusada de crime de guerra, por establecer colônias no que será considerado, a partir de um provável voto favorável, território de outro Estado.

O professor de Direito Internacional Youval Shany, ligado ao think-tank Israel Democracy Institute, favorável a uma nova relação entre seu país e os árabes, explicou sem reservas o significado deste passo. Segundo ele, os governantes israelenses poderão ver-se isolados da comunidade internacional, “como um Muamar Gaddafi”, cuja ordem de captura foi emitida pela Corte Penal Internacional.

Brasil é 72° em investimento na saúde

Por André Barrocal e Maria Inês Nassif, no sítio Carta Maior:

O Brasil ocupa a 72ª posição no ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS) de investimento em saúde, quando a lista é feita com base na despesa estatal por habitante. Os diversos governos gastam, juntos, uma média anual de US$ 317 por pessoa, segundo a última pesquisa da OMS, com dados relativos a 2008.
O desempenho brasileiro é 40% mais baixo do que a média internacional (US$ 517). A liderança do ranking de 193 países pertence a Noruega e Mônaco, cujas despesas anuais (US$ 6,2 mil por habitante) são vinte vezes maiores do que as brasileiras.

Apesar de o Brasil possuir a maior economia da América do Sul, três países do continente se saem melhor: Argentina, Uruguai e Chile.

No chamado G-20, grupo que reúne os países (desenvolvidos e em desenvolvimento) mais ricos do mundo, o desempenho do Brasil, no gasto por habitante, também não é dos melhores. Está na 15ª posição - ganha de África do Sul, China, México, Índia e Indonésia.

O baixo gasto estatal por habitante tem sido um dos argumentos usados pelo governo federal para defender a criação de fonte de recursos extras para a saúde – um novo imposto ou a elevação de um já existente.

Além de o Brasil ter uma na saúde uma performance internacional aquém do poderia de sua economia - é o sétimo maior produto interno bruto (PIB) mundial -, o governo também considera o gasto per capita diminuto, na comparação com a medicina privada.

As despesas a partir de convênios particulares movimentam mais do que o dobro das finanças do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é gratuito e atende os 190 milhões de brasileiros. Os planos privados beneficiam um quarto da população brasileira.

Nesta quarta-feira (14/09), a presidenta Dilma Rousseff defendeu a ampliação dos recursos para a saúde, usando o argumento do gasto por habitante, durante entrevista depois de um evento.

“O setor público gasta duas vezes e meia a menos do que o setor privado na área de saúde. Isso significa uma coisa que nós todos temos de ter consciência: se você quiser um sistema universal de saúde, gratuito e de qualidade, nós vamos ter de colocar dinheiro na saúde e colocar gestão na área de saúde, as duas coisas”, afirmou.

“O dado é dramático”, disse à Carta Maior o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão. “As famílias de classe média gastam cerca duas vezes aquilo que o SUS gasta para prover serviços de muita maior abrangência. Há uma disseminação de planos privados de cobertura insuficiente”, completou.

“Fico feliz que a presidente Dilma tenha aludido ao fato de que a saúde suplementar tem um orçamento que é 2,4 vezes superior ao do SUS. Esse é um parâmetro que deve ser considerado”, afirmou à Carta Maior Januário Montone, secretário de Saúde da prefeitura de São Paulo que apoia a criação de um novo imposto para a saúde.