terça-feira, 25 de outubro de 2011

É preciso estancar a sangreira

Por Mauro Santayana
 
Diante da imagem de Kadafi trucidado, e dos aplausos de Mrs. Clinton e de dirigentes franceses, ao ver o homem seminu e ensanguentado, recorro a um testemunho indireto de Henri Beyle – o grande Stendhal, autor de Le Rouge e le Noir – de um episódio de seu tempo.
 
Beyle foi oficial de cavalaria e secretariou Napoleão por algum tempo. Em 1816, em Milão, Beyle ficou conhecendo dois viajantes ingleses, o poeta Lord Byron e o jovem deputado whig John Hobhouse. Coube a Hobhouse relatar o encontro, no qual Beyle impressionou a todos os circunstantes, narrando fatos da vida de Napoleão. São vários, mas o que nos interessa ocorreu logo depois da volta do general a Paris, em seguida à derrota em Moscou. Durante uma reunião do Conselho de Estado, da qual Beyle foi o relator, descobriu-se que Talleyrand havia escrito três cartas a Luís de Bourbon, que restauraria, dois anos mais tarde, o trono.

As cartas, que se iniciavam com o reconhecimento de vassalagem, no uso do pronome “Sire”, revelavam que o bispo já conspirava contra o Imperador. Os membros do Conselho decidiram que Talleyrand devia ser castigado com rigor – ou seja, condenado à morte. Só um homem, e com a autoridade de “arquichanceler” do Império, Cambacérès, se opôs, com voz firme: Comment? toujours de sang? Napoleão, que estava deprimido com as cenas de seus soldados mortos no campo de batalha, ficou em silêncio.

O sangue que se verteu no século passado devia ter bastado, mas não bastou. Iniciamos este novo milênio com muito sangue e a promessa de novas carnificinas. O cinismo dos que exultam agora com a morte de Kadafi, ao que tudo indica linchado pelos seus inimigos, após a captura, dá engulhos aos homens justos. Os que levaram a ONU a aprovar os bombardeios brutais da OTAN contra a população líbia haviam sido, até pouco tempo antes, parceiros do coronel na exploração de seu petróleo, indiferentes a que houvesse ou não liberdade naquele país.

Mas Kadafi não era apenas o ditador megalômano, que vivia no luxo de seus palácios e que promovia festas suntuosas para o jet-set internacional. Ele fizera radical redistribuição de renda em seu país, mediante uma política social exemplar, com a criação de universidades gratuitas, a construção de hospitais modernos e com a assistência à saúde universal e gratuita. Quanto à repressão, ele não foi muito diferente da Arábia Saudita e de outros governos da região, e foi muito menos obscurantista para com as mulheres do que os sauditas.

Apesar das cenas horripilantes de Sirte, que fazem lembrar as de Saddam Hussein aprisionado e, mais tarde, enforcado, além das usuais que chegam da África, há sinais de que os homens começam a sentir nojo de tanto sangue. É alentador, apesar de tudo, que o governo de Israel tenha aceitado acordo com os palestinos, para a troca de prisioneiros. É também alentador que os bascos hajam renunciado à luta armada e preferido o combate político em busca de sua independência. E é bom ver as multidões reunidas, em paz, em todos os paises do mundo, contra os ladrões do sistema financeiro internacional – não obstante a violência, de iniciativa de agentes provocadores, como ocorreu em Roma,e a costumeira brutalidade policial, na Grécia, na Grã Bretanha e nos Estados Unidos.

Há, sem dúvida, os que sentem a volúpia do cheiro de sangue, associado à voracidade do saqueio. A reação atual dos povos provavelmente interrompa essa ânsia predadora dessas elites européias e norte-americanas – exasperadas pela maior crise econômica dos últimos oitenta anos e ávidas de garantir-se o suprimento de energia de que necessitam e a preços aviltados.

É preciso estancar a sangueira. O fato de que sempre tenha havido guerras não significa que devemos aceitá-las entre as nações e entre facções políticas internas. Como mostra a História, o recurso às armas tem sido iniciativa dos mais fortes, e diante dele só cabe a resistência, com todos os sacrifícios.

No fundo das disputas há sempre os grandes interesses econômicos, que se nutrem do trabalho semi-escravo dos povos periféricos, como se nutriram grandes firmas alemãs, ao usar judeus, eslavos e comunistas, como escravos, em aliança com Hitler.

A frase é um lugar comum, mas só o óbvio é portador da razão: os que trabalham e sofrem só querem a paz, para que usufruam da vida com seus amigos, seus vizinhos, suas famílias.

O odor do sangue é semelhante ao odor do dinheiro, e excita os assassinos para que trucidem e se rejubilem com a morte – como se rejubilaram ontem, diante do corpo humilhado de Kadafi, a Secretária de Estado dos Estados Unidos e os arrogantes franceses. Há três dias, em Trípoli, a senhora Clinton disse a estudantes líbios, que esperava que Kadafi fosse logo capturado ou morto. Nem Condoleeza Rice, nem Madeleine Albright seriam capazes de tamanho desprezo pelos direitos de qualquer homem a um julgamento justo. Esse direito lhe foi negado pelas hordas excitadas por Washington e Paris, com a cumplicidade das Nações Unidas – e garantidas pelas armas da OTAN.

Não que Kadafi tenha sido santo: era um homem insano, e tão insano que acreditou, realmente, que os americanos, italianos e franceses, quando o lisonjeavam, estavam sendo sinceros.

Fonte: Vi o Mundo, originalmente publicado no Blog de Mauro Santayana

Falha detona a covardia da Folha

Do blog Desculpe a Nossa Falha:

O dono da Folha, Otávio Frias Filho, acaba de soltar uma nota assinada por ele, pelo editor-executivo Sérgio Dávila e pelo secretário de redação Vinicius Mota desqualificando a audiência pública de quarta-feira sobre a censura que ele está promovendo, dizendo que o assunto é “superado”, chamando o deputado federal que propôs a audiência de “desinformado” e afirmando que nosso antigo blog, censurado pela Folha, “não é independente” e estaria a serviço do Partido dos Trabalhadores.

Para sustentar seu argumento, Otávio lembra que trabalhei para a Prefeitura de São Paulo durante a gestão Marta Suplicy (2001-2004). No pé desse post, reproduzo a nota enviada pelo dono do jornal à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. E abaixo respondemos aos ataques do “Jornal do Futuro” e corrigimos algumas inverdades:

- Diferentemente do que a Folha afirma, o assunto não é “matéria superada”. A decisão a que Otavio Frias se refere é em primeira instância. Conforme o próprio jornal noticiou, cabe recurso em 2ª instância e, posteriormente, aos tribunais superiores de Brasília;

- Sobre a afirmação do jornal de que a Falha não se tratava de paródia, do blog ser “parasitário” e do endereço ser “virtualmente idêntico”, vamos fazer como os executivos da Folha e evocar a sentença proferida pelo juiz Gustavo Coube de Carvalho, da 29ª Vara Cível:

TRECHO 1) “O discurso do réu circunscreve-se nos limites da paródia, estando o conteúdo crítico do website, inclusive a utilização de imagens, logomarcas e excertos do jornal da autora, abrigado pelo direito de livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, previsto nos arts. 5º, IV, e 220, caput, da Constituição Federal”.

TRECHO 2) “No presente caso, a possibilidade de confusão não existe, pois a paródia é revelada, inteiramente, já pelo nome de domínio. O trocadilho anuncia, ao mesmo tempo, que se trata de uma sátira, e quem é objeto dela. Nem mesmo um ´tolo apressado´ seria levado a crer tratar-se de página de qualquer forma vinculada oficialmente ao jornal da autora, pois a paródia, anunciada pelo nome de domínio, é reiterada pelo conteúdo do website”.

TRECHO 3) “dadas as posições das letras “A” e “O” no teclado QWERTY, tradicionalmente utilizado nos computadores pessoais e demais eletrônicos por meio dos quais a internet é acessada, fica afastada qualquer possibilidade de typosquatting, modalidade de cybersquatting em que o usuário, por simples erro de digitação, acaba por acessar website diverso do pretendido. Pelo nome de domínio registrado pelo autor e conteúdo crítico do website correspondente, portanto, não há que se falar em violação dos direitos de marca da autora”.

TRECHO 4) “Descabida, ainda, a imposição, ao réu, do dever genérico e permanente de se abster de utilizar de imagens, logomarcas e excertos do jornal da autora, o que equivaleria a proibi-lo de parodiar o jornal, caracterizando indevida limitação ao direito de livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação previsto nos arts. 5º, IV, e 220, caput, da Constituição Federal”



- Enfim, o juiz recusou todos os argumentos da Folha e só manteve o site fora do ar por causa de um link e uma oferta de assinaturas da Carta Capital, o que configuraria uma ameaça comercial ao jornal. Sobre isso, a revista divulgou uma nota esclarecedora que pode ser lida aqui.

- Sobre a recusa em participar da audiência pública no Congresso e a certeza que o jornal tem de sua posição, cabe perguntar: por que então nenhum representante veio a público defender essa posição? E por que o jornal não manda um representante a Brasília para esclarecer a questão de uma vez por todas? Como diz o ditado, quem não deve, não teme.

- Não é verdade que o jornal era satirizado apenas quando falava de administrações petistas, e temos diversos exemplos à disposição da Folha ou de quem se interessar.

- De fato trabalhei na Secretaria de Governo da gestão Marta Suplicy, entre meados de 2001 e 2004. Tenho quase 17 anos de carreira, e por 3 anos e meio, trabalhei com a gestão municipal capitaneada pelo PT. Todos os outros 14 anos de minha vida profissional estive no mercado (Abril, Trip e Grupo Folha, entre outros). É o suficiente para o jornal utilizar-se de sua conhecida tática de desqualificação do interlocutor, acusando-o de estar “a serviço” de algum partido –friso ainda que não sou nem nunca fui filiado a partido algum.

- Sobre a afirmação final de que não é sátira, o juiz discorda. Nós também. Toda blogosfera brasileira também (desafiamos o jornal a achar um único blog a seu favor). A Organização Repórteres sem Fronteiras tampouco concorda. Os humoristas Claudio Manoel e Marcelo Tas (ambos notoriamente grandes críticos do PT) também não concordam com a Folha, como demonstram em vídeos no nosso site. Gilberto Gil também não concorda com Frias, nem Julian Assange ou os órgãos internacionais que noticiaram o caso (Financial Times e Wired, entre outros).

- Sobre sermos ou não independentes, reafirmo e desafio publicamente o jornal a provar o contrário: eu e meu irmão vivemos do nosso salário. Desde sempre. Não temos departamento jurídico, assessoria de imprensa, nada. Criamos o site por acreditar que a Folha merecia ser criticada porque não diz a verdade quando afirma ser imparcial e apartidária. E agora sabemos que também não é sincera quando afirma defender liberdade de expressão total e irrestrita.

Respeitosamente, Mário e Lino Bocchini

Reforma política tem que ser debate de gente grande

Eleger a política, entendida como o sistema representativo constituído pelo voto direto, secreto e livre, como o ente corrupto por excelência da nossa tenra democracia, é desservir a democracia. Todas as instituições estão em xeque quando a sociedade se propõe a fazer um debate mais amplo sobre as distorções do sistema.

Em 1971, durante o período mais sombrio da ditadura militar, o do governo Emílio Garrastazu Médici, foi promulgada a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, a de número 5682. Condizente com a ideia "revolucionária" que levou ao golpe de 1964, de que a política democrática era intrinsicamente corrupta e os políticos, desonestos por princípio, foram definidas regras financeiras muito rígidas para os partidos. Teoricamente, foi instituído o financiamento público: as únicas duas legendas com direito a funcionamento legal, o MDB e a Arena, mantinham os partidos com um fundo composto por multas e penalidades aplicadas no decurso das eleições, recursos orçamentários e doações particulares (desde que destinadas a todo o fundo, e não a partido político). Nem o partido, nem o candidato, podiam receber recursos diretamente de empresas públicas ou privadas, ou de entidades de classe ou sindicais.

A distribuição era feita de uma forma que favorecia francamente o partido do governo, a Arena, enquanto a legenda não despencou ladeira abaixo, junto com o "milagre econômico" e a popularidade dos governos militares: 80% dos recursos eram distribuídos proporcionalmente ao número de cadeiras na Câmara dos Deputados e apenas 20% divididos igualmente entre os dois partidos.

A lei foi mantida após o fim do bipartidarismo, em 1979. E foram essas as regras que comandaram as primeiras eleições presidenciais diretas do período democrático, em 1989. Sem a possibilidade de financiamento privado legal, apeado num partido de ocasião, o PRN, e portanto sem grande participação no fundo público, e disposto a vencer com a ajuda das novíssimas técnicas de marketing político, o então governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello, usou outros instrumentos. Dois anos depois, a CPI do PC Farias, o nome do tesoureiro de sua campanha e intermediário das conversas entre primeiro o candidato, depois o poder público, e os financiadores de campanha, chegaria à conclusão de que havia sido inaugurado, junto com o voto secreto e direto para presidente, o caixa dois de campanha.

A conclusão, após o processo de impeachment do presidente Collor, em 1992, era a de que a impossibilidade de financiamento privado de campanha acabou por estimular o financiamento eleitoral por debaixo dos panos.

Em 1995, a Lei 9096 alterou a anterior. Criou um fundo partidário, instituindo recursos orçamentários correspondentes a R$ 0,35 por eleitor inscrito (valor de 1995), também levando em conta os critérios de composição da bancada da Câmara Federal: 99% do fundo é, até hoje, distribuído de acordo com a bancada federal dos partidos; 1% é dividido igualmente entre todos os partidos. Além disso, a lei permitiu que os partidos e candidatos recebessem diretamente doações de pessoas físicas ou jurídicas, desde que os recursos fossem declarados à Justiça Eleitoral.

Dezesseis anos e vários escândalos depois, a discussão sobre o financiamento de campanha torna-se o centro do debate, novamente como a solução para todos os problemas do sistema político brasileiro. O financiamento público, de fato, democratiza as condições de disputa eleitoral, mas se for tomado separadamente, sem que se leve em conta as outras variáveis de nosso sistema político, corre o risco de ser responsabilizado, daqui a alguns anos, por outros desmandos políticos.

O fundo público de campanha é uma solução democrática para o problema, desde que o financiamento privado não seja visto exclusivamente como único problema da política brasileira, e os partidos políticos como os grandes responsáveis por todos os seus males. Segundo as crenças pré e pós-redemocratização, os partidos são, em princípio, os agentes da corrupção.

A ideia de que todo político, porque eleito, é corrupto, é uma demonização, uma quase caricatura. Para a média da opinião pública, o político é aquele que, em princípio, achaca empresários bem-intencionados, que são obrigados a comprar a boa vontade de governos futuros, contribuindo para as campanhas. Não existe a ideia de que corruptos e corruptores são parte do mesmo sistema político.

Se as empresas usam caixa dois para financiar campanhas, é por duas razões: primeiro, porque dispõem de caixa dois; segundo, para não ficarem expostas futuramente, quando tiverem interesses atendidos pelo governo, ou assumidos por um parlamentar. A primeira coisa a se considerar, num sistema político com financiamento público, é que as instituições devem coibir caixa dois das empresas, sob pena de manterem o caixa dois dos partidos (além, é lógico, de provocar evasão fiscal e de divisas). Os mesmos partidos que combatem com violência o financiamento público de campanha foram os mesmos que lutaram com a mesma virulência contra a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), um instrumento importante de controle do caixa das empresas, sob o argumento de que o país não aguentava pagar mais impostos. Se fosse mantida, a CPMF teria feito muito mais pelo sistema político, por dar instrumentos de controle de empresas e partidos, do que todas as medidas punitivas que foram tomadas ao longo de muitos escândalos, que acabam virando letra morta por conta das dificuldades de apuração dos delitos. Os instrumentos de controle do Estado sobre a renda das empresas - e portanto arrecadação de impostos - é fundamental nesse debate.

Outro tema que entra timidamente no debate da reforma política é a forma de distribuição desses recursos. Da forma como tradicionalmente é dividido o fundo partidário no país, as legendas maiores são as mais beneficiados pelos recursos. Um partido pequeno, com um nome competitivo mas com poucos deputados na bancada federal, terá certamente dificuldades de ter um candidato a presidente, por exemplo, se for instituído um fundo público exclusivo para campanha sem que se altere as regras de distribuição dos recursos - a não ser que lance mão de recursos de caixa dois. Da mesma forma, uma legenda em crescimento terá condições limitadas à sua participação no fundo para aumentar a sua bancada federal - e, assim, sua participação no fundo.

Atualmente, os partidos de direita têm condições privilegiadas de captação de dinheiro privado para as eleições, inclusive para as eleições parlamentares. Os partidos com maiores chances de vitória também. Caso seja instituído o financiamento público de campanha, sem que se altere as regras de distribuição de recursos, os partidos maiores sempre começarão a disputa eleitoral em condições privilegiadas.

Para que as chances de corromper e ser corrompido se reduzam, o sistema político jamais deve ser olhado como um ente que paira acima das demais instituições e dos demais setores da sociedade. Devem ser pensadas soluções que reduzam o poder corruptor das empresas e aumentem o poder de fiscalização da sociedade e das instituições públicas sobre o poder econômico privado e os eleitos, e também sobre as instituições que mediam esta relação, os partidos politicos. As instituições de controle e fiscalização devem ter agilidade. A Justiça deve julgar e condenar.

Eleger a política, entendida como o sistema representativo constituído pelo voto direto, secreto e livre, como o ente corrupto por excelência da nossa tenra democracia, é desservir a democracia. Na democracia, cada poder tem que assumir o seu papel: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. E todas as instituições estão em xeque quando a sociedade se propõe a fazer um debate mais amplo sobre as distorções do sistema. Não consta que as instituições de controle não sujeitas ao voto estejam em melhor situação do que as definidas pela escolha popular.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

Cristina Kirchner ganhou com maior porcentagem desde 1983

A chapa Cristina-Boudou ganhou as eleições presidenciais argentinas pela inédita diferença de 53 a 17%. Arrasou na província de Buenos Aires e ganhou em todos os grandes centros urbanos, menos Rosário e Vicente López. O radicalismo não conseguiu vencer em Mendoza. O socialista Binner foi o segundo. Segunda colocada em 2007, Eloisa Carrió, ficou em último, atrás do trotskista Altamira. O artigo é de Martín Granovsky, do Página/12.

Desde ontem os dois maiores países da região estão no mesmo patamar político: o modelo sulamericano de reforma com inclusão que já havia conquistado um terceiro turno no Brasil ganhou seu terceiro mandato na Argentina nas mãos de Cristina Fernández de Kirchner. A presidenta conseguiu não só a reeleição como também a consolidação de sua liderança política à frente de uma aliança social e política heterogênea que a brindou com o maior triunfo da história argentina. Cristina só ficou atrás, em votos, do resultado obtido por Juan Perón em 1952 e 1973. Até ontem, o segundo era Raúl Alfonsin, que obteve 52% dos votos em 1983.

Elisa Carrió, maior crítica individual do kirchnerismo, ficou em último lugar, atrás da Frente de Esquerda encabeçada por Jorge Altamira. “Encabeçamos a resistência a Cristina Kirchner e seu projeto mentiroso e mau para a nação”, disse Carrió, observando que a liderança da oposição passou pelos votos a Hermes Binner. Ricardo Alfonsín perdeu o segundo lugar que havia conquistado nas primárias de 14 de agosto e foi derrotado inclusive na sua terra, Chascomús.

À noite, Cristina se deu o prazer de dançar Arde a cidade na Praça de Maio, a poucos metros de onde, há quase um ano, foi velador Néstor Kirchner. Antes, fez uma saudação não recomendada para melancólicos: “Quero agradecer a essa multidão de jovens argentinos que voltou a recuperar a Praça de Maio. Esse é um momento histórico superador daqueles momentos. Porque essa praça foi palco de momentos de alegria, mas também de desencontros e enfrentamentos. Eu quero celebrar o fato de essa juventude vir para a praça e levantar as bandeiras com alegria e não com ódio”. E, em tom de chefe política, fez uma recomendação:

“Peço que se organizem nas frentes sociais, nas frentes estudantis, para defender a pátria e os interesses dos mais fracos, para que ninguém possa retirar deles o que já conseguimos”.

A intensidade da onda eleitoral pode ser medida através de um triunfo em particular: em Mendoza, a província dos radicais Julio Cobos e Roberto Iglesias, Cristina ganhou por mais de 50% e garantiu a vitória do candidato peronista no distrito. Também indicou que, do ponto de vista político, está cicatrizada a crise política da resolução 125 (objeto do conflito com o setor ruralista em 2008). E presidenta ganhou também outros dois grandes distritos: Santa Fé e Córdoba. Nestes dois distritos, a Frente Ampla Progressista (FAP) foi a segunda força. Em Santa Fé, Binner ficou muito próximo de Cristina, mas não conseguiu ganhar no território que hoje governa.

Diferentemente de 2007, a presidenta ganhou em todos os grandes centros urbanos da Argentina, menos Rosário: Cidade Autônoma de Buenos Aires, Mendoza, Bahía Blanca, Mar del Plata e Córdoba. É uma das razões pelas quais obteve uns 10% a mais de votos. Entre as capitais, o kirchnerismo recuperou Rio Gallegos. E, obviamente, arrasou na região metropolitana da capital. Em Matanza, Cristina obteve uma vitória de 67 a 10, em Florencio Varela, de 73 a 7. A nota distinta na Grande Buenos Aires foi dada por Jorge Macri. O primo do chefe do governo portenho arrebatou Vicente López de Enrique “O Japonês” García, um radical aliado do governo. Com a derrota de García e a anterior do radicalismo rionegrino, o radical aliado do governo nacional que ficou em posição mais sólida foi o governador de Santiago do Estero, Gerardo Zamora.

E diferentemente de 2009, ganhou a província de Buenos Aires. O ganhador naquele ano, frente a Néstor Kirchner, Francisco de Narvázes, ontem conseguiu um longínquo segundo lugar atrás de Daniel Scioli. O governador conseguiu a reeleição por uma margem superior a obtida por Eduardo Duhalde quando este foi reeleito em 1995. Em seu discurso do Hotel Intercontinental, às dez horas da noite, Cristina agradeceu duas vezes à “querida província de Buenos Aires”. Scioli foi legitimado outra vez, ganhando força na corrida para 2015. Agradeceu in memoriam a Néstor Kirchner e, em seu discurso, não só mencionou Cristina, como também “o companheiro Gabriel Mariotto (vice), que sem dúvida alguma vai me ajudar a fazer muitos gols na província”. Uma nova figura cresce também na construção política futura do oficialismo: a do ministro da Economia Amado Boudou, desde ontem vice-presidente eleito.

No mesmo discurso de domingo à noite, Cristina disse: “Eu não quero mais nada”. Explicou que já foi eleita como primeira mulher à presidência e reeleita para o mesmo cargo. Foi um modo de afirmar que não buscará uma nova reeleição em 2015. O que não significa que abrirá mão do posto de liderança política: “Por compreensão histórica e por vontade popular contem comigo para aprofundar esse projeto de país”.

O tom presidencial do discurso foi de convocatória para “os 40 milhões de argentinos”.

A referência aos grandes meios de comunicação foi elíptica e dirigida, na verdade, aos dirigentes políticos. Quando Cristina resgatou a figura de Kirchner disse que o fazia como companheira de militância e não como viúva e que estava recordando “um quadro político”. Foi então que destacou a importância da “vontade, e não do voluntarismo, unida à convicção” e disse que era preciso terminar com o hábito de “pedir permissão a alguém para ver o que se pode dizer em troca de ganhar cinco minutos mais ou algumas linhas”. “O importante”, acrescentou a presidenta, “é saber ler os olhos de milhões de argentinos, porque aí é que estão as coisas que faltam e também o quanto foi feito desde 2003”.

Diante de enormes imagens do próprio Kirchner, de Eva e de Perón, a presidenta agradeceu aos argentinos, a todos os partidos e, logo em seguida, aos sulamericanos. Falou “desta região, nossa casa”.

Contou que a presidenta brasileira, “a companheira Dilma Rousseff”, lhe dirigiu “palavras muito doces”. Foi “um telefonema amigo, regional, solidário, fraternal”. Também mencionou os nomes de Pepe (Mujica), Hugo (Chávez) e Juan Manuel (Santos). Explicou que o presidente da Colômbia “sempre a faz lembrar de Néstor”, uma referência à mediação de Kirchner e da Unasul na relação entre Colômbia e Venezuela em agosto do ano passado. O chileno Sebastian Piñera foi vaiado pelo auditório, ainda que não tanto como Julio Cobos e Mauricio Macri. Nos três casos, Cristina pediu que a vaia fosse interrompida. “Miudezas não”, disse. “Na vitória, temos que ser grandes. Generosos. E mais gratos que nunca”.

A figura de Kirchner apareceu mais uma vez. “Hoje é um dia especial e os sentimentos se misturam”, disse Cristina antes de abraçar seu filho Máximo. E contou: “Quero falar sinceramente. Em 2009, se ele não tivesse se colocado na linha de frente, nossa derrota na província de Buenos Aires teria um efeito terrível. Esse homem colocou tudo e um pouco mais. Jogava-se cada instante por inteiro como se fosse a última vez”.

A heterogeneidade da coalizão de governo, confirmada e ampliada ontem em torno da liderança de Cristina, abarca uma ampla gama que em sua extremidade direita inclui governadores eleitos ou reeleitos como o ex-funcionário de inteligência de Duhalde, Carlos Sorio, o ex-sócio do escritório que defende o Engenho Ledesma, Eduardo Fellner, e o governador de uma província com assassinatos policiais ainda não resolvidos, como Gildo Insfrán.

A novidade é que o próprio peronismo e essa coalizão política tem na presidenta uma liderança nítida. Se antes da primárias, Cristina pode definir candidaturas distritais, o desafio que pareceu encarar no mencionado discurso da Praça de Maio foi a articulação de um movimento que quer avançar também para além das fileiras do peronista. Por exemplo, em Morón, com 55% dos votos apurados, Novo Encontro, de Martín Sabattella (que obteve 6% em nível provincial), ganhou e segue como primeira força.

“Não discutamos mais os fatos, mas sim como fazer para que a situação melhore”, foi ontem uma das consignas da presidenta.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

A morte de Kadafi pode ser queima de arquivo

Por Pedro Estevam Serrano - Opera mundi

A morte do ditador Muamar Kadafi põe fim, indiscutivelmente, a um período histórico da nação líbia. A esperança do mundo é que daí nasça um período de paz e democracia para este povo já tão sofrido.

Kadafi é um líder que não deixa saudades. Um terrorista de Estado, exemplo fácil de ser lembrado em sala de aula para ilustrar as formas de se usar o poder para cometer crimes lesa-humanidade.

Entretanto, o grau de civilização de um sociedade é medido pela forma como trata seus culpados. E, convenhamos, a morte de Kadafi, na forma como ocorreu, em meio a um tratamento indigno, degradante e cruel com o prisioneiro (como registraram as imagens divulgadas) foi o retrato de uma governabilidade global que cada vez mais se aproxima em métodos do mais rasteiro banditismo.
Se as forças internacionais, agindo como força policial e não como Forças Armadas, optaram, corretamente ou não, ao arrepio da soberania do povo líbio, por intervir militarmente no conflito civil daquele país, por evidente haveriam de se responsabilizar pelo tratamento jurídica e humanamente adequado dos prisioneiros que de alguma forma contribuíram para com seu aprisionamento.

Com a sofisticação dos instrumentos tecnológicos que dispõem os serviços de inteligência das nações envolvidas nas operações é difícil acreditar que tudo tenha ocorrido ao mero acaso, como declarou o comandante das tropas insurretas líbias — que aprisionaram Kadafi. Mais improvável ainda é supor que o descontrole tenha sido tanto ao ponto de o referido comandante presente no local não ter conseguido controlar seus subordinados.

Para convalidar as suspeitas, cito a indesculpável decisão do atual governo líbio de vedar qualquer exumação ou perícia no corpo (decisão mais tarde revista).

Da mesma forma que ocorreu na morte do terrorista Bin Laden, não apenas direitos humanos fundamentais do prisioneiro foram desconsiderados, mas suprimiu-se algo que seria de todo interesse público: o legítimo processo junto ao Tribunal Penal Internacional.
No caso de Kadafi a situação é mais instigante. Kadafi foi chefe de Estado por décadas. Durante este período contou com o apoio, suporte ou tolerância de Estados ocidentais às atrocidades que praticou.

Seria de toda importância para a opinião publica global ouvir seus depoimentos na Corte Penal Internacional. As culpas de Kaddafi são conhecidas e evidentes, mas não as de seus parceiros em diferentes momentos históricos. Certamente lideres de países ocidentais de diferentes matizes ideológicas ao menos teriam suas biografias maculadas.

Por conta deste evidente e relevante interesse político em eliminar Kadafi é que a utilização da expressão “queima de arquivo”, jargão usado para designar o homicídio de testemunha ou comparsa para evitar seu depoimento, me parece adequada ao menos como suspeita a ser verificada com relação à morte do prisioneiro.

Diversos autores contemporâneos já têm apontado como as forças armadas dos Estados nacionais das nações ocidentais, em especial as de primeiro mundo, vêm se transformando paulatinamente, de forças de defesa territorial e da soberania de países em força policial a serviço de uma governabilidade global que tem mais feição Schimittiana que liberal, insubmissa que é a qualquer regra de direito.

Ocorre que nos casos das mortes de Bin Laden e Kadafi vemos estas forças se degradando até mesmo do já degradado papel de força policial global para adotar atitudes de verdadeiro banditismo, “queimando arquivos” às abertas e sem qualquer contestação dos órgãos da mídia comercial.

Diga-se, estes terroristas mortos não deixam saudades, mas a ausência de seus depoimentos perante uma corte internacional, no devido processo legal, que certamente os condenariam, deixa um vácuo histórico insuscetível de reparação, além da evidente agressão aos direitos fundamentais do homem perpetrada por nações que se dizem civilizadas.


*Pedro Estevam Serrano é advogado, sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault advogados associados, mestre e doutor em direito do Estado pela PUC-SP. Artigo originalmente publicado no site Última Instância.

PT e PSD são os partidos que mais cresceram

Os partidos com maior número de filiados são pela ordem: PMDB (2.420.327); PT (1.566.208); PP (1.436.670); PSDB (1.410.917); PDT (1.212.531); e PTB (1.203.825); e DEM (1.124.069). PT foi o que mais cresceu em seis meses

PT e PSD são os partidos que mais cresceram
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir de informações dos partidos políticos, existem 15.381.121 eleitores filiados a uma das 29 agremiações em todo o Brasil.

Desse total de filiados, a grande maioria está concentrada em sete partidos, somando 10.374.547. São eles: PMDB (2.420.327); PT (1.566.208); PP (1.436.670); PSDB (1.410.917); PDT (1.212.531); e PTB (1.203.825); e DEM (1.124.069).

O prazo para que os partidos informassem a lista de filiados terminou no dia 14 de outubro. Essa atualização é determinada pela Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995 – artigo 19), segundo a qual todo mês de abril e outubro de cada ano as agremiações devem atualizar junto à Justiça Eleitoral os dados de seus filiados. Os números mais recentes mostram que, nesse intervalo de seis meses entre abril e outubro, 1.885.618 pessoas se filiaram a algum partido.

Em nível nacional, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi a agremiação que teve maior número de novas filiações no período: 155.715 eleitores. Com 149.586 inscrições, o recém-criado Partido Social Democrático (PSD) foi o segundo partido com maior número de novas filiações.

O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) atingiu a terceira colocação, com 146.665 filiações no período. Última legenda a obter registro no TSE, o Partido Pátria Livre (PPL) alcançou 12.372 filiações.

Já os eleitores que optaram por se desvincular de partidos políticos nos últimos seis meses somaram 560.476. O partido que registrou maior número de desfiliações foi o PMDB, com 86.243 baixas nesse período. Em seguida aparece o PSDB, com 59.962 desfiliações e logo após o PT, com 49.722.

Consultas

Por meio do sistema Filiaweb, disponível no Portal do TSE, os internautas já podem realizar consultas sobre a situação partidária de uma determinada pessoa, seja para gerar certidão de filiação partidária - positiva ou negativa –, ou ainda para ter acesso a informações sobre os filiados a agremiação partidária por estado brasileiro.

Fonte: O Povo Online

“Primavera” de sangue na Líbia

Editorial do Vermelho

A Líbia de Muamar Kadafi não era uma democracia à maneira ocidental. Entretanto, o regime instalado em 1969 com a queda da monarquia dirigida por Idris I e a inauguração de uma república árabe autodeclarada popular e socialista, tinha inegáveis aspectos progressistas. De início, expulsou tropas estrangeiras estacionadas no país e nacionalizou o petróleo, bancos e empresas estrangeiras, ganhando a inimizade perene do imperialismo.

Depois, foi um regime controverso mas que incorporou conquistas democráticas e modernizantes fundamentais. Promoveu o afastamento entre Estado e religião, declarando-se um estado laico, e criou as condições que tornaram o povo líbio um dos mais prósperos do continente africano. Em 2010, a renda per capita era de US$ 15 mil, o país tinha um IDH elevado de 0,755, sendo o de número 53 no ranking mundial (o Brasil, com 0,699, estava em 73º lugar), a esperança de vida ao nascer era de 74 anos (no Brasil era de 72,4), a mortalidade infantil era de 18 para cada mil bebês nascidos vivos (no Brasil é de 20), e a taxa de alfabetização 84,2%, uma das mais altas no Oriente Médio.

A agressão imperialista, instrumentalizada pelos ataques da Otan em apoio às forças rebeldes desde março deste ano, empurrou a Líbia de volta à barbárie. Fortaleceu o radicalismo religioso que agora, depois do assassinato de Muamar Kadafi, proclama o fim do estado laico, impõe a xaria, a lei islâmica, e mancha de sangue aquilo que foi anunciado, ao mundo, como uma “primavera” dos povos.

O que ocorreu na Líbia foi um retorno ao passado mais tenebroso. As tropas a serviço do imperialismo destruíram a república iniciada em 1969 e assassinaram o presidente. E não se deram sequer ao disfarce de um julgamento fraudulento como o realizado no Iraque e que levou à execução de Sadam Hussein em 2006.

Quando as milícias monitoradas pela Otan entraram na cidade líbia de Sirte, no dia 20, elas sumariamente lincharam Muamar Kadafi e seu filho Mutassim. Nesta segunda-feira (24), divulgou-se a informação sobre o massacre de antigos partidários de Kadafi – foram encontrados 53 corpos no hotel Mahaari, em Sirte, com indicação de terem sido executados depois de detidos. Alguns estavam com as mãos atadas atrás das costas quando foram executados.

A sequência de horror na Líbia desmascara a hipocrisia do imperialismo. O presidente Barack Obama e a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, comemoraram o assassinato do líder líbio e apoiaram o início da “democracia” de sangue que garante os interesses geopolíticos dos EUA na região e promete a volta do petróleo líbio às empresas que haviam sido expulsas, há quatro décadas, por Kadafi. O mesmo fizeram os governantes das potências europeias agressoras.

Outra autoridade do imperialismo, o secretário de Defesa britânico, Philip Hammond, pareceu mais realista em suas declarações e defendeu a apuração daquele crime pelas autoridades que usurparam o poder na Líbia, para – disse ele – “reconstruir e limpar a sua reputação".

Como se isso fosse possível. O apoio dado a milícias rebeldes que, sem a intervenção estrangeira, não teriam a menor chance de sucesso, já havia sido um crime do imperialismo. Crime que foi ficando cada vez mais evidente na medida em que se dava a conhecer o caráter atrasado, bárbaro, dos defensores líbios da “democracia” pró-EUA. E que revelou toda sua crueza com os linchamentos ocorridos em Sirte, transformando a “primavera” líbia numa primavera de sangue.

PM diz não ter provas que incriminem Orlando Silva

O policial militar João Dias Ferreira disse hoje (24) que não possui nenhuma prova do envolvimento do ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB), e de seu antecessor, Agnelo Queiroz (PT), no suposto esquema de desvios de recursos públicos do Ministério. João Dias afirmou categoricamente que não gravou diálogos de Orlando Silva e que não há nada que o incrimine. "Em nenhuma delas [das gravações] tem a voz do ministro".



As declarações foram dadas quando o policial militar prestou novo depoimento e entregou à Polícia Federal (PF) um aparelho de telefone celular contendo 13 gravações de conversas dele com membros do Ministério do Esporte. Segundo ele, nos diálogos seria possível identificar a intenção de fraudar prestações de contas dos convênios que firmou com a pasta.

O acusador também levou quatro ofícios emitidos pelo Ministério que, segundo ele, contêm “informações contraditórias" sobre a fiscalização dos repasses de verbas da pasta a entidades conveniadas. O material envolveria assessores da cúpula do ministério. Mas, até o momento, segundo a PF, não há qualquer comprovação da participação do ministro Orlando Silva no suposto esquema.

O celular foi encaminhado para perícia e os resultados devem ser divulgados na próxima semana, segundo a PF. Em seu novo depoimento, nada mais foi acrescentado nas investigações. Ele continua afirmando que está sendo “ameaçado e perseguido” por conta das denúncias que apresentou à revista Veja, que publicou matéria na edição da semana passada somente baseada na entrevista feita com João Dias. No entanto, negou proteção especial.

O policial, que deve depor a uma comissão da Câmara dos Deputados nos próximos dias, acusou o ministro do Esporte, Orlando Silva, de integrar um esquema de desvio de verbas públicas do programa Segundo Tempo.

Nova reportagem sem provas

Na edição desta semana, a revista Veja transcreveu um diálogo que teria ocorrido em abril de 2008, entre João Dias e dois servidores do Ministério do Esporte. Na transcrição do semanário, eles combinam o envio de um documento à Polícia Militar desmentindo supostas irregularidades na execução de convênios firmados entre a pasta e ONGs controladas pelo policial.

Em
nota divulgada neste sábado (22), o Ministério do Esporte questionou a apresentação da conversa transcrita pela revista da editora Abril. Segundo o texto, a pasta pedirá à PF para incorporar a gravação à investigação em andamento sobre o suposto esquema de desvio.

"A manipulação começa já na abertura da reportagem. A revista faz uma montagem e cola sobre uma foto do ministro a frase entre aspas: 'A coisa fugiu do controle', declaração que o ministro nunca fez", diz um trecho da nota.

Há pouco, o ministério divulgou
nova nota informando que o "secretário-executivo do Ministério do Esporte, Waldemar de Souza, constituiu nesta segunda-feira, 24 de outubro, uma Comissão de Sindicância para investigar acusações publicadas pela revista Veja, nas páginas 88, 89 e 90 da sua edição número 2240, de suposto envolvimento de servidores do Ministério em irregularidades administrativas".

Fonte: Vermelho, com agências

O esforço para alimentar crise sem provas contra Orlando

O nome do ministro do Esporte, Orlando Silva, praticamente desapareceu da Veja desta semana como pivô da crise. Depois de terem dito até que ele recebia pacotes e caixas de dinheiro na garagem do Ministério, mudaram o foco do noticiário.

Por José Dirceu


Como não apareceram até agora as provas do soldado ongueiro PM de Brasília, João Dias, contra o ministro, o centro do noticiário desta edição de agora da revista é a história de que assessores seus - não ele - instruíram o soldado sobre como se livrar e não ser descoberto nas falcatruas que teria cometido com dinheiro público em suas ONGs.

Veja fala de gravações dessas instruções de assessores do ministro. Sobre elas, o Ministério do Esporte emitiu nota em que esclarece que esses diálogos de servidores da pasta são uma "suposta gravação que cita supostos trechos, partes de frases, palavras isoladas, com o intuíto claro de induzir os leitores".

O ministério adianta, ainda, que vai pedir à Polícia Federal (PF) que as "supostas gravações" sejam incorporadas à investigação sobre o caso e que "adotará os procedimentos cabíveis para apurar eventuais responsabilidades de servidores". Mas, como sempre, o material da revista terminou pautando os jornais do fim de semana até esta 2ª feira.

Macartismo com força total

Até porque eles não têm fatos novos para prosseguir na campanha denuncista contra o governo. O Estadão aproveitou para dar praticamente uma edição inteira da (editoria de) Política contra o PCdoB, falando de um "esporteduto" da legenda. Nada menos que oito matérias ontem, mais inúmeras hoje. Macartismo, ranço puro contra um partido comunista.

Ranço ao PCdoB que eles, aliás, ignoravam até poucos dias atrás. Não davam ao partido a menor atenção, haviam-no esquecido. Mas, agora, aproveitam a situação de aliado da legenda para exteriorizar esse anticomunismo, ótimo para eles irem na linha que querem contra o governo.

O jornalão da família Mesquita traz até uma matéria de seu correspondente em Zurique (Suíça) que nunca escreve sobre política interna brasileira, dizendo que o ex-presidente Lula mandou o ministro Orlando "resistir" e a presidente Dilma Rousseff não teve condições de demiti-lo.

Temor de "crise" na FIFA vem de um velho conhecido

Afirmar isso é desconhecer quão ciosa a presidente Dilma é da sua autoridade e a forma como atua o ex-presidente da República desde que deixou o cargo dia 1º de janeiro deste ano. O correspondente do Estadão diz em sua matéria, inclusive, que a FIFA teme uma crise em relação à Copa de 2014 no Brasil.

Só que fundamenta esse raciocínio e vê essa "crise" a partir de declarações de Jerome Valcke, secretário geral da entidade. É isso mesmo que vocês leram e perceberam: Valcke é o mesmo que sempre teve posição cética e crítica em relação ao Brasil. É o gerador das grandes manchetes negativas, tão ao gosto da mídia brasileira, de que os nossos estádios não vão ficar prontos para a Copa, tampouco as demais obras ficarão, de que nada vai andar, nem funcionar...

Fonte: Blog do Zé Dirceu

Fascismo: entre a ficção e a realidade

Por Francisco Bicudo, em seu blog:

Por conta de uma aula em que conversei com os alunos sobre o avanços da extrema-direita nos Estados Unidos e na Europa, acabei revendo o filme "A Onda" (2008, dirigido por Dennis Gansel, 106 minutos de duração). A narrativa já tinha me impressionado à época de seu lançamento (lembro-me que, ao final da trama, um aperto na garganta, fiquei em silêncio por algumas horas, remoendo os acontecimentos nela retratados).

Torna-se ainda mais incômoda e impactante, se considerarmos as mudanças planetárias e as crises vividas nos últimos três anos e o consequente surgimento e a consolidação de movimentos fundamentalistas como o Tea Party estadunidense e as ações intolerantes patrocinadas por governos e agrupamentos políticos conservadores em diversos países europeus. "A Onda" permite ainda identificar registros de discursos e práticas fascistas que infelizmente reverberam com contornos cada vez mais nítidos também no Brasil.

A história começa com um professor de ensino médio na Alemanha bastante desinteressado de sua profissão e desgostoso de suas aulas, que fica ainda mais frustrado quando é informado pela direção do colégio onde leciona que será o responsável por trabalhar em sala o tema "Autocracia" (seu desejo confesso era discutir "Anarquia"). Na outra ponta, encontrará alunos tão acomodados quanto perdidos, para quem estudar tornou-se uma tarefa sem importância ou significados. Para eles, a escola é sinônimo de obrigação enfadonha, um espaço chato e por quem manifestam solene desdém. Há uma cena ilustrativa dessa postura: em uma festa, dois jovens conversam e admitem: "a gente só quer diversão. Contra o que vamos nos revoltar? A falta de perspectivas é a marca da nossa geração".

O debate em classe começa como reflexo dessa dupla negação - um professor sem vontade e um grupo de alunos que só faz chacotas. Burocraticamente, o educador lança a pergunta: o que é autocracia? Continua: corremos risco de reviver na Alemanha um governo com poderes ilimitados? Resposta pronta dos estudantes, ligados no piloto-automático: claro que não, é impossível, aprendemos com o nazismo, estamos além disso, nossa democracia é sólida. Mas, quando cita os pilares fundadores de um regime autoritário - vigilância, disciplina, nacionalismo extremado, liderança, controle - e apresenta as condições sociais que favorecem o surgimento de tais experiências políticas - desemprego, inflação -, o professor percebe que o grupo sai do estado de letargia e começa a debater, com entusiasmo. A isca tinha sido mordida. O professor percebe de imediato o que havia conseguido. Sugere dez minutos de intervalo. Pensa, andando de um lado para outro. A caixa de Pandora estava aberta.

Na volta à sala, os alunos encontram as mesas rigorosamente alinhadas e ordenadas em fileiras. Duplas tinha sido formadas - na imensa maioria das vezes, eram estudantes que não se suportavam. "Somos um grupo. É preciso pensar coletivamente. Um vai ajudar o outro. Espírito de equipe", justifica o educador. Mais uma ordem: ninguém fala sem autorização do professor (eleito pela turma o líder da equipe). Para falar, é preciso estar em pé, sempre. Ao final da aula, os olhos dos jovens brilham. Havia agora um rumo, um farol a seguir, unidade. "Foi uma energia estranha, que pegou todo mundo", comentaram em casa.

O que se segue é a construção da identidade do grupo, os laços de pertencimento: marchas (o som dos sapatos sincronizados e ritmados batendo no chão da sala de aula é ensurdecedor; inevitável não lembrar das apresentações e dos desfiles militares nazistas), uniformes (todos de camisetas brancas e calças jeans), valores e código de conduta, gestos e saudações, símbolos visuais e, claro, o nome do movimento - "A Onda". Para disseminar a ideologia, recorrem às novas tecnologias e às redes sociais (de certa forma, o filme antecipa o potencial de mobilização que mais tarde internet e celulares viriam a desempenhar).

Surgem os confrontos de rua com grupos anarquistas. Adesivos de A Onda são grudados em carros, nas vitrines de lojas, bancos e supermercados. Invadem a cidade. Na calada da noite, sem temer a polícia, um aluno escala os andaimes da prefeitura em reforma e, no topo do edifício, desenha uma gigantesca onda estilizada (assumida como o símbolo do grupo). Não há mais limites para o movimento, consolida-se a sensação de que são invencíveis, de que tudo podem e está ao alcance deles.

O professor, o líder (o führer?), conquista finalmente não apenas o respeito, mas a reverência e admiração de seus comandados. Manipula para tirar vantagem e aproveita os dias de fama, já que o projeto que desenvolve com os estudantes é elogiado até mesmo pela direção da escola. Sim, há quem perceba que "a Onda se transformou em algo muito estranho". As duas alunas são imediatamente ignoradas, excluídas e perseguidas pelos adeptos do movimento, que cresce sem parar, conquistando inclusive o apoio de crianças.

As cenas finais são arrebatadoras - lentamente, a porta se abre e o professor-líder entra em um auditório lotado pelos camisas-brancas de A Onda. Ele lê trechos de textos e impressões produzidas pelos próprios alunos a respeito do movimento, que afirmam que "saímos do tédio, alcançamos significados para nossas vidas, somos todos iguais, temos ideais pelos quais lutar". O espetáculo lembra as gigantescas manifestações nazistas - em clima de histeria coletiva, em êxtase, a plateia explode em gritos e aplausos de aprovação a um contundente discurso anti-globalização do professor, que vocifera: "Podemos tudo. Podemos escrever a história. A Onda é a resposta". Ele pára, repentinamente. E surpreende: "pois acabou. Não há mais A Onda. Fomos longe demais. Recriamos o fascismo". Arrependido, pede desculpas. Mas era tarde demais. A Onda tinha saído de seu controle. Não lhe pertencia mais.

Importante lembrar que tudo isso acontece em apenas uma semana - é o que basta para o professor conseguir despertar o sentimento reacionário adormecido e chocar o ovo da serpente. Certamente não há modelos prontos e a simples transposição para a realidade seria um exercício intelectual reducionista, mas o filme é fonte de inspiração e referência obrigatória para refletir sobre o fundamentalismo, o racismo, a aversão aos imigrantes, o nacionalismo exacerbado que representa a negação de todos os diferentes, o ódio aos homossexuais, a intolerância e os preconceitos de todas as naturezas - discursos e práticas que se amplificam perigosamente nos Estados Unidos (onde o Tea Party defende que o Estado obedeça a preceitos bíblicos), em países europeus (proibição de uso de véus islâmicos na França, restrições aos imigrantes africanos na Itália, atirador norueguês a rechaçar e condenar o multiculturalismo) e também no Brasil (onde nem mesmo a economia em expansão e a estabilidade política conseguem mascarar suásticas pintadas nos muros de escolas, violência contra casais de homossexuais e ojeriza a negros e nordestinos).

E para quem acha que há exageros em minhas preocupações, que não há mesmo mais espaço para experiências fascistas no mundo (era o que os jovens de A Onda defendiam no início da história, não?), cumpre destacar que o filme é baseado em uma experiência real, ocorrida em uma escola de Palo Alto, na Califórnia, em 1967.

RBS e a estratégia da desinformação

Por Marco Aurélio Weissheimer, no sítio Carta Maior:

No dia 21 outubro, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) promoveram, em Porto Alegre, um seminário para discutir liberdade de imprensa e Poder Judiciário. O convite para o encontro partiu da ANJ que já promoveu um debate similar junto ao Supremo Tribunal Federal. Os interesses temáticos envolvidos no debate não eram exatamente os mesmos. Enquanto que a ANJ e as suas empresas afiliadas estavam mais interessadas em debater a liberdade de imprensa contra ideias de regulação e limite, a Ajuris queria debater também outros temas, como a ameaça que os monopólios de comunicação representam para a liberdade de imprensa e de expressão.

O jornal Zero Hora, do Grupo RBS (e filiado a ANJ) publicou no sábado (24/10/2011) uma matéria de uma página sobre o encontro. Intitulada “A defesa do direito de informar”, a matéria destacou as falas favoráveis à agenda da ANJ – como as da presidente da associação, Judith Brito, e do vice-presidente Institucional e Jurídico da RBS, Paulo Tonet – e omitiu a parte do debate que tratou do tema dos monopólios de comunicação.

Na mesma edição, o jornal publicou um editorial furioso contra o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, acusando-o de querer censurar o jornalismo investigativo (Ver matéria: Tarso rechaça editorial da RBS e diz que empresa manipulou conteúdo de conferência). No mesmo editorial, o jornal Zero Hora apresentou-se como porta-voz da “imprensa livre e independente” e afirmou que “a credibilidade é a sua principal credencial”.

Agora, dois dias depois de o governador gaúcho acusar a RBS de ter manipulado o conteúdo de uma conferência que proferiu no Ministério Público do RS, omitindo uma parte que não interessava à construção da tese sobre a “censura ao jornalismo investigativo”, mais uma autoridade, desta vez o presidente da Ajuris, João Ricardo dos Santos Costa, vem a público criticar uma cobertura da RBS, neste caso, sobre o evento promovido em conjunto com a ANJ. A omissão da parte do debate relacionada ao tema do monopólio incomodou o presidente da Associação de Juízes.

“Esse é um caso paradigmático: em um evento promovido para discutir a liberdade de imprensa, a própria imprensa comete um atentado à liberdade de imprensa ao omitir um dos principais temas do evento que era a discussão sobre os monopólios de comunicação”, disse João Ricardo dos Santos Costa em entrevista à Carta Maior.

Na entrevista, o presidente da Ajuris defende, citando Chomsky, que “o maior obstáculo à liberdade de imprensa e de expressão são os monopólios das empresas de comunicação”. A “credibilidade” reivindicada pela RBS no editorial citado não suporta, aparentemente, apresentar a voz de quem pensa diferente dela. “O comportamento do jornal em questão ao veicular a notícia suprimindo um dos temas mais importantes do debate, que é a questão dos monopólios, mostra justamente a necessidade daquilo que estamos defendendo”, destaca o magistrado.

Qual foi o objetivo do seminário sobre Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário e quais foram os principais temas debatidos no encontro realizado dia 21 de outubro em Porto Alegre?

A Ajuris foi procurada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) para promover um evento com o objetivo de debater liberdade de imprensa e o Poder Judiciário. A relação se justifica pelo grande número de questões que chegam ao Judiciário envolvendo a atividade jornalística. Essas questões envolvem, muitas vezes, decisões que limitam a divulgação de certas matérias. Pois bem, fomos procurados para fazer esse debate que gira em torno de dois valores constitucionais: a liberdade de expressão e a independência do Judiciário. Para alguns haveria um aparente conflito entre esses dois princípios. Nós nos dispomos, então, a construir por meio do debate o que significa a convivência desses dois valores em sociedade democrática. Esse foi o grande desafio que esse evento pretendia enfrentar.

Há duas posições veementes neste debate. De um lado há aqueles que não admitem nenhum tipo de cerceamento à informação; de outro, há aqueles que não admitem qualquer tipo de restrição ao trabalho do Judiciário. Do ponto de vista constitucional, cabe ao Judiciário solucionar todos os conflitos, inclusive os que envolvem a imprensa. A imprensa não está fora das regulações judiciais. Há um embate muito forte entre essas duas posições. Se, de um lado, a ANJ buscou explorar o tema da liberdade de imprensa sob a ótica da atividade judicial, nós buscamos fazer um debate sobre a questão constitucional da liberdade de imprensa, no que diz respeito à distribuição de concessões aos veículos de comunicação.

Por que a Ajuris decidiu abordar o tema da liberdade de imprensa sob essa ótica?

Chomsky tem dito que o maior obstáculo à liberdade de imprensa e de expressão são os monopólios das empresas de comunicação. Não só ele, aliás. Vários pensadores contemporâneos dizem a mesma coisa. Para nós, esse é o cerne da questão. Hoje não há pluralidade, não há apropriação social da informação. O que existe é o interesse econômico que prepondera. Os editoriais são muito mais voltados aos negócios. Hoje mesmo, o editorial de um jornal local [Zero Hora/RBS] expressa preocupação com a vitória de Cristina Kirchner na Argentina dizendo que seria um governo populista que teria explorado o luto [pela morte de Néstor Kirchner] para se reeleger.

Há toda uma preocupação sobre o que representa esse governo para os negócios das empresas de comunicação, em especial no que diz respeito ao conflito entre o governo argentino e o grupo Clarín. A sociedade brasileira só tem conhecimento do lado da empresa de comunicação. A visão do governo argentino sobre esse tema nunca foi exposta aqui no Brasil.

E aí vem uma questão fundamental relacionada à liberdade de imprensa. O problema não é o que os meios de comunicação veiculam, mas sim o que omitem. Esse é o grande problema a ser superado.

E esse tema foi debatido no seminário?

No nosso evento, eu lembro de uma fala do deputado Miro Teixeira. Ele disse que a história da censura envolve o cerceamento de grandes pensadores da humanidade, como Descartes, Locke, Maquiavel, Montesquieu, entre outros. Citou isso para exemplificar os danos sociais dessa censura. Mas hoje o que nós observamos é que os grandes pensadores contemporâneos são cerceados não pelos censores que existiam antigamente, mas pelos próprios detentores dos meios de comunicação. Os grandes meios de comunicação não veiculam, não debatem hoje os grandes pensadores da humanidade. Nomes como Amartya Sen, Noam Chomsky, Hobsbwan, entre outros, não têm suas ideias discutidas na mídia, não são procurados para se manifestar sobre as grandes questões sociais. Não são chamados pela grande mídia para dar sua opinião e o que acaba prevalecendo é o interesse do capital financeiro, que é aquele que não vai pagar a conta da crise.

Eu dou esse exemplo para demonstrar a gravidade do problema representado por esse monopólio, esse interesse econômico preponderante sobre o direito à informação. Esse interesse diz incessantemente para a sociedade que a única saída para superar a crise atual é por meio do sacrifício dos mais pobres e dos setores médios da população. Não se toca na questão do sacrifício do setor financeiro. Este setor não pode ter prejuízo. Quem vai ter prejuízo é a sociedade como um todo, mesmo que isso atinja direitos fundamentais das pessoas.

Então, esse debate sobre a democratização dos meios de comunicação é extremamente importante e deve começar a ser feito de forma transparente para que a sociedade se aproprie do que realmente está acontecendo e que possa ter autonomia em suas decisões e mesmo influenciar a classe política que hoje está entregue aos grandes financiadores de campanha que são os mesmos que fornecem a informação enlatada que estamos recebendo. Nós, da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, estamos propondo esse debate para a sociedade.

Esse debate que o senhor relatou não apareceu na cobertura midiática do encontro pelo grupo RBS, que participou do mesmo. O jornal Zero Hora dedicou uma página ao encontro, com uma matéria intitulada “A defesa do direito de informar”, sem fazer nenhuma menção a essa parte do debate envolvendo os temas do monopólio e da democratização dos meios de comunicação. Como é que a Ajuris, que propôs esse debate, recebe esse tipo de cobertura?

O comportamento do jornal em questão ao veicular a notícia suprimindo um dos temas mais importantes do debate, que é a questão dos monopólios, mostra justamente a necessidade daquilo que estamos defendendo. É como eu disse antes: o problema maior é aquilo que é omitido, aquilo que não é revelado. Esse é um caso paradigmático: em um evento promovido para discutir a liberdade de imprensa, a própria imprensa comete um atentado à liberdade de imprensa ao omitir um dos principais temas do evento que era a discussão sobre os monopólios de comunicação. Nós não vamos nos omitir em tratar desse assunto por mais dolorido que ele possa ser. É evidente que não é um assunto que deva ser banalizado. Ele é o mais importante de todos. Estamos tratando de pluralidade de pensamento.

No debate, o deputado federal Miro Teixeira defendeu que a liberdade de imprensa é um direito absoluto. Qual sua opinião sobre isso?

Eu compartilho a ideia de que não há nenhum direito absoluto, não pode haver. Neste contexto de monopólio, menos ainda. Liberdade absoluta de imprensa em um contexto onde sequer a Constituição Federal é cumprida. no sentido de proibir a existência de monopólios. É algo completamente daninho à democracia. Outra coisa com a qual eu também não concordo , envolvendo esse debate, é a afirmação do ministro Marco Aurélio Buzzi (do Superior Tribunal de Justiça) de que nós temos liberdade até para matar. Nós não temos liberdade para matar. Não vejo, dentro da nossa organização jurídica e de sociedade, que tenhamos liberdade para matar. Do fato de, no Código Penal brasileiro, “matar alguém...pena de tanto a tanto” aparecer como uma expressão afirmativa, não se segue o direito de matar. Nós não podemos matar e não podemos violar o Direito. Não temos essa liberdade. Não temos a liberdade de tirar a liberdade das outras pessoas. O direito individual não chega a esse radicalismo que se pretende com essa afirmação de que a liberdade de imprensa é um direito absoluto.

A ANJ realizou recentemente, no Supremo Tribunal Federal (STF), um seminário semelhante a este realizado no Rio Grande do Sul. Há, portanto, uma óbvia preocupação com a posição do Poder Judiciário neste debate. Qual é, na sua avaliação, o papel do Judiciário neste contexto?

O fato de se debater, em primeiro lugar, é um grande caminho para amadurecer esses institutos que, aparentemente, estão colidindo, na sociedade. É lógico que o Judiciário, nesta e em outras grandes questões da sociedade brasileira, tem sido provocado a se pronunciar. Muito pela ineficiência do Poder Legislativo. O STF tem decidido sobre questões que o Legislativo se mostra incapaz de resolver: união homoafetiva, aborto, demarcação de terras indígenas, células-tronco, entre outros. A pressão envolvendo esses temas está vindo para cima do Judiciário. E o Judiciário, por sua formatação de autonomia e independência, ele se mostra menos vulnerável a pressões. Decidir é da essência do Poder Judiciário, desagradando um dos lados em litígio.

Quando esse lado é muito poderoso, os danos à instituição podem ser pesados. Numa decisão, por exemplo, que contraria os interesses de um monopólio de comunicação, esse monopólio joga todo esse seu poder para atingir a credibilidade do Judiciário como instituição. Creio que aí aparece um outro grande debate que deve ser feito sobre até que ponto esse tipo de postura não corrói a nossa democracia.