quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Projetos no Congresso podem deixar o Brasil com 40 Estados e Territórios

Se todos os projetos para redivisão da Federação que tramitam no Congresso Nacional fossem aprovados, o Brasil contaria com 40 Estados e Territórios, segundo informações da Câmara dos Deputados. O país é hoje formado por 26 Estados e o Distrito Federal.



Além dos projetos de criação dos Estados de Tapajós e Carajás,rejeitados pelos paraenses em plebiscitio no domingo, o Congresso discute a divisão do Piauí, do Maranhão, da Bahia, de Minas Gerais, além do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Amazonas.

Um dos projetos mais avançados é o que cria o Estado de Gurgueia, cujo plebiscito já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (dependendo de votação no Plenário, antes de seguir para o Senado).

A nova unidade incluiria mais de 50% do território do Piauí. A capital seria instalada no município de Alvorada de Gurgueia, cuja população em 2010 era de 5.050 habitantes, segundo o Censo do IBGE. Um dos grandes defensores do projeto foi o ex-senador Mão Santa (PMDB-PI).

Outro projeto, apresentado em 2001 na Câmara dos Deputados, prevê a consulta popular sobre a instalação do Estado do Maranhão do Sul. A proposta também aguarda votação do Plenário.

Além desses dois casos, há projetos para a criação do Estado de São Francisco, no oeste da Bahia, e do Triângulo, na região do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais.

Mato Grosso também pode ser retalhado, já que há projetos para criação dos Estados de Mato Grosso do Norte e Araguaia, e do Território do Pantanal, ao sul.


Tocantins

Boa parte dos defensores desses projetos usa como argumento o "sucesso" do Estado de Tocantins, desmembrado de Goiás em 1988.

Antes um território desolado no norte de Goiás, hoje o Tocantins é considerado uma das fronteiras agrícolas do país. A capital, Palmas, foi construída especialmente para abrigar o governo do novo Estado.

"O Tocantins é realmente um exemplo (de sucesso)", diz Marco Antonio Teixeira, professor de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo."Mas não se pode negligenciar o fato que o Estado tem sido dominado há muito tempo pela família Siqueira Campos", diz.

No quarto mandato como governador de Tocantins, José Wilson Siqueira Campos chegou a fazer greve de fome quando liderava a criação do Estado, nascido com a Constituição de 1988.

Outro projeto que poderia ser viável é o que prevê a criação do Estado do Triângulo, "que é uma região desenvolvida, com arrecadação alta (de impostos)", diz Teixeira.


Territórios

Além de projetos para novos Estados, cuja criação depende de consulta popular antes de seguir para discussão no Congresso Nacional, na Câmara tramitam vários projetos para desmembramento dos atuais Estados em Territórios Federais.

Diferente dos Estados, que possuem autonomia administrativa e são entes da Federação, os Territórios são administrados diretamente pela União, não possuindo sistema judicial próprio nem Assembleia Legislativa.

Na Câmara tramitam projetos para criação dos Territórios de Rio Negro, Solimões e Juruá, todos no Amazonas, além do Oiapoque, em Roraima, e o de Pantanal, entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Os últimos Territórios brasileiros foram extintos na Constituição de 1988, quando foram transformados nos Estados de Roraima e Amapá. Na ocasião, o antigo Território de Fernando de Noronha foi incorporado por Pernambuco.


'Interesses políticos'

Os interesses de grupos políticos locais na infinidade de cargos abertos na nova administração, nas dezenas de cadeiras da nova Assembleia Legislativa, nas três vagas no Senado e nas pelo menos oito vagas de deputado federal (número mínimo da representação estadual na Câmara) são, em muitos casos, o principal motivo a impulsionar a criação de novos Estados, segundo especialistas.

"Via de regra esses projetos são motivados para atender planos de divisão de poder dentro do Estado", diz Teixeira.

Opinião parecida à do geógrafo Antonio José de Araújo Ferreira, da Universidade Federal do Maranhão. "O risco é ocorrer o mesmo que aconteceu com o grande número de municípios criados na década de 1990.

A maior parte hoje depende do Fundo de Participação de Estados e Municípios e não tem viabilidade econômica, não conseguem atender sozinhos as demandas da sociedade", diz Ferreira.

Para o professor, a criação de territórios e até mesmo regiões metropolitanas poderia aproximar o governo de populações que vivem em regiões desoladas.

"Mesmo assim, é preciso ver essas alternativas com muita cautela. No caso das regiões metropolitanas, muitas existem na prática só no papel, porque não há uma integração de verdade entre os municípios na coordenação de políticas públicas", diz.


Fonte: BBC Brasil

O exercício da hegemonia

Eduardo Bomfim - Vermelho


O historiador Eric Hobsbawm em recente ensaio sobre o pensamento do revolucionário e intelectual italiano Antonio Gramsci, morto em 1937 vítima do regime fascista de Mussolini, apresenta-nos a versão sobre o conceito de Estado e hegemonia desse grande pensador marxista.

Segundo ele Gramsci considerava o Estado como um amálgama entre instituições coercitivas e hegemônicas e que uma classe dominante não conta somente com o Poder coercitivo e a autoridade mas com o consentimento que deriva da liderança intelectual e moral.

Porque para se tornar hegemônica uma classe deve transcender a organização econômico-corporativa. De tudo isso podemos extrair lições da atual crise capitalista mundial e a hegemonia do capital financeiro global através das legiões armadas dos Estados Unidos, o onipresente império da época contemporânea.

Cujo domínio, imposto e muito assimilado, surgiu de vários fatores determinantes onde se destaca o aparato ideológico-cultural, difundido por um poderoso complexo multimidiático de abrangência planetária.

Outro dos mais importantes recursos para a atual dominação imperial em escala jamais conquistada por algum império na História da humanidade tem sido a chamada "governança global" que se efetivou através de um conceito especial a Gramsci, a edificação do "consenso".

São leis e valores infligidos às nações, aos povos pela "nova ordem mundial" de tal forma que eles parecem naturais e comuns aos indivíduos, às sociedades. Isso fez com que o processo de maximização do lucro e a minimização dos custos globais do Capital tenham se realizado.

A profunda dependência econômica das Nações Unidas, e dos seus vários organismo internacionais, aos recursos financeiros dos Estados Unidos facilitou em muito a consecução dessa almejada "governança global".

E não é por outra razão que o ex-chanceler do governo Lula, Celso Amorim, declarou que é fundamental a reestruturação da ONU sob novas bases condizentes com a emergência de novos atores de uma realidade geopolítica mundial em intensa transição.

Já no Brasil o papel da coerção, hegemonia e os "consensos" estabelecidos pela elites monopolistas externas e internas tem conflitado nos últimos dez anos com o poder institucional.

Daí a intensa pressão, o cerco do capital financeiro, da "nova ordem mundial", sobre os dois últimos presidentes eleitos pelo voto secreto, popular, e os seus respectivos governos.

Aécio e serra fuzilam Amaury Ribeiro

Por Altamiro Borges


Aécio Neves e José Serra estão em guerra no PSDB. As bicadas são sangrentas e penas voam para todos os lados. Mas, diante das pesadas e documentadas denúncias apresentadas por Amaury Ribeiro no best-seller “A privataria tucana”, ele decidiram unificar o discurso. Os tucanos, inclusive, deixaram de lado o seu passado de litígios – o “Pó pára, Aécio”, os arapongas e outras facadas e traições!


“Lixo é lixo”, confessa Serra


Segundo a Agência Estado, finalmente Serra decidiu opinar sobre o livro – que já vendeu 30 mil exemplares. E, como sempre, ele abusou da truculência e da arrogância. “Vou comentar o que sobre lixo? Lixo é lixo”, disparou o presidenciável derrotado. De lixo ele deve entender. No livro, ele e seus familiares – filha, cunhado e outros – aparecem mentidos em várias sujeiras, como desvio de recursos da privatização das estatais, lavagem de dinheiro e quebra de sigilo telefônico.

Já o senador Aécio Neves classificou a obra como “literatura menor”. Como relata o próprio Amaury Ribeiro, a sua pesquisa sobre as maracutaias do tucano paulista foi deflagrada a partir de “informações dignas de todo o crédito transmitidas pela assessoria do governo mineiro ao jornal Estado de Minas que, aliás, nunca negou a sua condição de aecista de corpo alma [página 24]”. Quem, então, é “menor”? O livro, com farta documentação, ou o fingido ex-governador de Minas Gerais?

O que há para comemorar depois de Durban?

Editorial de vermelho


O tema da conferência climática da ONU que terminou em Durban (África do Sul) no domingo – a COP-17 – eram as mudanças climáticas e as medidas que os países precisariam acordar entre si para mitigar as emissões de gases do efeito estufa, na esperança de conter o chamado aquecimento global dentro de limites toleráveis.

Mas o que foi mesmo que se discutiu naquele encontro, que transcorreu entre os dias 28 de novembro e 11 de dezembro, sendo a mais longa conferência climática já realizada? Muitos reclamaram que não foram os aspectos científicos da mudança climática, destacando-se entre estes o indiano Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, sigla em inglês do Painel Intergovernamental para Alterações Climáticas.

Tudo indica, a avaliar pela reação de ONGs ambientalistas como o Greenpeace e WWF, que as questões ambientais também não foram consideradas com o grau de exigência requerido por estas organizações (que sempre enfatizam os aspectos “verdes” e mobilizam seus militantes, mundo afora, contra medidas favoráveis ao desenvolvimento, em nome da preservação ambiental).

Eles saíram de Durban reclamando do resultado, que consideraram um retrocesso.Os governos e os diplomatas comemoraram os resultados. Afinal foi seu esforço que garantiu a sobrevida ao Protocolo de Quioto, o único tratado internacional vigente sobre questões ambientais e cujo enterro em Durban era proclamado em todos os quadrantes nos dias que antecederam a conferência. Mas foi salvo a que custo? Esta é uma indagação crucial.

O resultado final de Durban acena com o compromisso futuro (é necessário ressaltar) de os países chegarem a um acordo que tenha “força legal” para todos, usando a expressão cunhada pelo negociador brasileiro e que foi a tábua de salvação da declaração final daquela conferência.

Na prática, ficou tudo como está – o Protocolo de Quioto prorrogado, a renegociação de sua segunda fase postergada para além de 2013, entrando em vigor em 2017 ou 2020.

É importante prestar atenção nesta última data: ela assinalava o limite, nas previsões mais catastrofistas, para a concretização das contenções nas emissões de gases do efeito estufa tidas como necessárias para conter o aquecimento dentro do máximo de 2ºC e, assim, assegurar um aquecimento “aceitável”.

Contudo, o acerto de Durban prevê para aquele ano não essa concretização, mas o início da tomada das medidas consideradas necessárias para chegar a ela. Muitos cientistas veem nisso o risco de um futuro ainda mais quente em decorrência desse adiamento.

No espaço de nove anos entre 2011 e 2020, o mundo assistirá, com certeza, a mais do que mudanças climáticas – verá alterações sociais e políticas que se anunciam dramáticas e profundas, desenhando uma correlação de forças mundial muito diferente daquela que se conhece hoje em consequência da dinâmica da crise econômica mundial e, em sua esteira, da redistribuição do poder e riqueza entre as nações.

Daí talvez decorra aquilo que foi certamente discutido com mais afinco em Durban – os aspectos financeiros ligados à atividade ambiental, fortalecidos com o Protocolo de Quioto, que poderiam significar sérias dificuldades para o hoje florescente mercado de carbono, que se tornou um ambiente de investimento financeiro altamente cobiçado.

Há também o Fundo Verde, outro campo de investimentos que ainda não angariou os recursos prometidos (US$ 100 bilhões ao ano!) nem encontrou a definição institucional que dê aos investidores a “segurança jurídica” que garanta o retorno de suas aplicações. A grande discussão, neste ponto, é a busca da definição sobre quem vai comandar este fundo multibilionário.

Os EUA e os países ricos querem que seja gerido pelo Banco Mundial, reforçando o poder desta agência sobre os países que receberem aqueles recursos – os de sempre, as nações pobres do chamado Terceiro Mundo que, para serem “beneficiadas” por recursos estrangeiros, seriam constrangidas – como sempre foram – a abrir mão de sua soberania nacional e de projetos autônomos de desenvolvimento.

Os países em desenvolvimento, por sua vez, querem que o gerente do Fundo Verde seja a própria Convenção do Clima da ONU. Este impasse talvez seja a melhor explicação para o fato de o Fundo Verde, aprovado em Copenhague (em 2009) e em Cancún (em 2010) ainda não sair do papel e não ter dinheiro para investir.

De toda forma, a grande novidade – ou êxito, como queiram – de Durban foi fixar um calendário cuja referência é o distante ano de 2020. Para o grau de ameaça alardeado nos últimos tempos, quando o planeta tem sido descrito como à beira da catástrofe climática, é pouco. De Durban não saíram decisões concretas, mas declarações de intenção.

E a Europa se foi. Para onde mesmo?

Por Flávio Aguiar - Opera mundi


A maneira mais simples – e também a mais simplória – de interpretar o que aconteceu na última cúpula da União Européia, na semana passada, em Bruxelas, é dizer: “o Reino Unido está isolado”.

Não está. Em primeiro lugar, os Estados Unidos não vão deixar sua parceria preferencial (antiga metrópole) abandonada. Em segundo lugar, a opção do governo conservador de David Cameron é perfeitamente compreensível: jamais ele iria colocar sob a supervisão de Bruxelas (quer dizer, de Berlim e da França) a City londrina, seu centro financeiro. Um “Occupy Londres” dessa natureza é impensável. Em terceiro lugar, a situação da Europa continental é tão complicada quanto a britânica.

A imposição das balizas germânicas para gerir a crise provocou inúmeras frinchas e rachaduras – inclusive dentro da própria Alemanha. Hungria, Suécia e República Tcheca aderiram, mas condicionalmente a consultas a seus parlamentos. Os outros países também estarão sujeitos a consultas semelhantes. Até a Alemanha, cuja Suprema Corte determinou que qualquer acordo internacional dessa natureza deve ser submetido ao Bundestag.

A Dinamarca e outros países da UE, mas não da Zona do Euro, se submeteram, mas “rezingando”, como se diz no pampa. Mesmo nessa Zona as “adesões” não se deram sem “refugos”, para dizer o mínimo. Na própria França, este é o caso. A França (quer dizer, o governo de Sarkozy) nunca escondeu que prefere um “clube seleto” para decidir as políticas da moeda euro a essa colcha de retalhos em que a Zona do Euro acabou se transformando. Porém também não quer ver seu sistema bancário escrutinado por Bruxelas – ou seja – Berlim.

A hegemonia conservadora que rege o Consenso (ou a Corte) de Bruxelas não gosta de ser lembrada que deve olhar para os povos cujos destinos dirige: prefere dirigi-los sem vê-los. Mas desta feita uma coisa está cada vez mais evidente: o modo autocrático de gerir a crise gerou Europa afora mais ressentimentos do que reconhecimento. Um novo movimento semelhante ao de 1848, que momentaneamente implodiu a Europa da Santa Aliança restauradora, pode estar em preparo. Mas como naquela ocasião, quem pode acabar “levando” esse descontentamento é a direita, não a esquerda. Como, aliás, naquela ocasião, o próprio Marx previu.

Na Alemanha, as pesquisas de opinião revelam uma divisão: a última, feita pelo jornal sensacionalista Bild, mostra que metade do eleitorado acha que o país estaria melhor sem a UE, e que metade acha que não. O resultado (pelo menos na versão em que li) é impreciso, porque esse “eleitorado” é tratado “em bloco”: não se sabe que grupos apóiam o que, que faixa etária, classes sociais, regiões, etc. Mas de qualquer modo, é um sintoma das perplexidades cotidianas em que se navega por aqui.

O mais difícil de enfrentar, porém, é a falta de perspectivas, de alternativas. Há um consenso plúmbeo de que as coisas como estão são inevitáveis. Romper com a filosofia da austeridade? Impensável. Fazer o Banco Central Europeu comprar a dívida italiana ou a espanhola, ou outras menores, como a portuguesa ou a irlandesa? Impensável, porque isso seria “dar dinheiro para os indisciplinados”. A grega, então, nem se fala. Já basta o setor privado ter arcado com parte do prejuízo provocado por aqueles “irresponsáveis”.

Nos países em estado crítico, por sua vez, predomina um ressentimento cru antialemão. Na Grécia, muitos manifestantes carregam cartazes com efígies da chanceler Ângela Merkel envolta em suásticas, ou então com um capacete do exército alemão da I Guerra Mundial. Em termos de Europa, essas coisas nada têm de engraçadas. Além de um equívoco político de grandes proporções (e aqui não vai nenhuma apologia da política conservadora do governo alemão), manifestações como essa são sintoma de um desarrazoado ressentimento que acaba jogando água no moinho das direitas. Isso mostra que, por debaixo dos acordos de cúpula, grassa uma carência de propostas positivas para fazer os países enfrentarem a crise com criatividade.

O novo acordo de Bruxelas fez apenas jogar as opções decisivas para diante. Em março haverá uma reavaliação das cifras necessárias para o fundo de estabilização da moeda. O que isso quer dizer? Que, em março, Sarkozy e outros governantes vão continuar pressionando para que o Banco Central Europeu emita letras resgatáveis e intervenha no mercado comprando títulos das dívidas italiana e espanhola. E que o BCE vai continuar resistindo, a menos que a chanceler Merkel autorize o movimento. Até lá, a renovação das letras vincendas de Espanha e Itália – as de longo prazo – continuará altíssima, porque continuará a existência de dúvidas quanto à capacidade de serem honradas pelos devedores. E assim por diante.

Só haverá um fim para essa novela: ela está contida numa simples frase, mas essa sim, nada simplória.

"Só a volta a uma política de crescimento pode resolver os problemas da dívida dos países europeus e dos Estados Unidos".

Quem disse isso? Paul Krugman? Joseph Steglitz? Ricardo Carneiro? Saul Leblon? Lá no fim da lista, Flávio Aguiar? Não, embora todos eles (nós) pudéssemos ter dito.

Foi a companheira Christine Lagarde, diretora-presidenta do FMI, em visita ao Brasil, vejam só.

O tempora o mores.

A nova etapa dos movimentos globais

Por Immanuel Wallerstein
Fonte: Outras Palavras


Durante os protestos na praça Tahrir em novembro de 2011, Mohamed Ali, de 20 anos, respondeu a um repórter que lhe perguntou por que estava ali: “Nós queremos justiça social. Nada mais. É o mínimo que merecemos”.


A primeira rodada de movimentos tomou múltiplas formas ao redor do mundo – a chamada Primavera Árabe, os movimentos que se espalharam por um grande número de países: Oxi, na Grécia, na Grécia; os indignados na Espanha; os protestos estudantis, no Chile; Occupy nos Estados Unidos e muitos outros.


Foram um sucesso fantástico. O grau de êxito pode ser medido pelo artigo extraordinário, escrito pelo ex-secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers no Financial Times em 21 de novembro, com o título “Desigualdade não pode mais ser mantida à distância com as ideias de costume”. Esse nunca foi um tema usual dos artigos de Lawrence Summers.


No texto, ele faz duas afirmações notáveis, considerando que foi um dos arquitetos da política econômica mundial dos últimos vinte anos, que nos colocou na crise em que o mundo se encontra hoje. A primeira é que houve mudanças fundamentais nas estruturas econômicas do mundo. Summers diz que “a mais importante é o forte crescimento nos ganhos de mercado para uma pequena minoria de cidadãos, em relação ao que pode ganhar a maioria dos cidadãos.”


A segunda afirmação diz respeito a dois tipos de reações do público a essa realidade: a dos manifestantes e a de quem é firmemente contra eles. Summers se diz contrário à “polarização” – que, segundo ele, os manifestantes estão tentando promover. Mas em seguida, acrescenta: “ao mesmo tempo, estão ainda mais errados aqueles que rapidamente rotulam como deslocada, ou produto da luta de classes, qualquer expressão de crítica à crescente desigualdade”.


O que o artigo de Summers indica não é que ele tenha se tornado um expoente da mudança social radical – longe disso – mas que está preocupado com o impacto político dos movimentos de justiça social ao redor do mundo, especialmente no que ele chama de mundo industrializado. Eu chamo isso de sucesso dos movimentos globais de justiça social.


A resposta a esse sucesso tem sido algumas pequenas concessões em alguns lugares mas, ao mesmo tempo, um crescimento de repressão. Nos Estados Unidos e no Canadá, tem havido um desalojamento sistemático das “ocupações”. A quase simultaneidade das ações políticas parece indicar algum nível de coordenação. No Egito, o exército tem resistido a qualquer diminuição de seu poder. Políticas de austeridade foram impostas a Grécia e Itália pela Alemanha e França.


A história, no entanto, está longe de seu final. Os movimentos estão desenvolvendo sua segunda onda. Os manifestantes que reocuparam a praça Tahrir e estão tratando o marechal Tantawi, chefe da junta militar provisória egípcia, com o mesmo desprezo que trataram Hosni Mubarak. Em Portugal, uma greve geral de um dia paralisou todo o sistema de transportes. Um anúncio de greve na Grã-Bretanha, em protesto contra os cortes reduziu o tráfego no aeroporto de Heathrow em 50%.


Na Grécia, o governo tentou pressionar aposentados pobres impondo um novo tributo nas contas de eletricidade dessas pessoas e ameaçando corte de energia caso as contas não fossem pagas. Há resistência organizada. Eletricistas locais estão ligando novamente a energia, contando com a inabilidade das reduzidas equipes municipais do governo em aplicar a lei. É uma tática que tem sido usada com sucesso no subúrbio de Soweto, em Johannesburgo, há uma década.


Nos Estados Unidos e no Canadá, o movimento de ocupação se espalhou dos centros das cidades para os câmpus universitários. E os “ocupantes” estão discutindo locais alternativos para ocupar, durante os meses de inverno. A rebelião estudantil no Chile espalhou-se para as escolas secundárias.


Duas coisas devem ser notadas na presente situação. A primeira é que os sindicatos – como parte e resultado – tornaram-se bem mais militantes, e muito mais abertos à ideia de que devem ser participantes ativos no movimento de justiça social ao redor do mundo. Isso é verdade no Mundo Árabe, na Europa, na América do Norte, no sul da África e até na China.


A segunda coisa a notar é o grau em que os movimentos são capazes de manter, em toda a parte, a ênfase em uma estratégia horizontal. Eles não são estruturas burocráticas, mas coalizões de vários grupos, organizações, setores da população. Eles ainda se esforçam para debater continuamente suas táticas e prioridades, e resistem a se tornar excludentes. Isso é sempre fácil? É claro que não. Isso funciona melhor que reconstruir um novo movimento vertical, com clara liderança e disciplina coletiva? Até agora tem, de fato funcionado melhor.


Tradução: Daniela Frabasile

Mais capitalismo verde. Um balanço da cúpula do clima, em Durban

Josep Maria Antentas y Esther Vivas
Josep: professor de sociologia da Univ. Autónoma de Barcelona. Esther: membro do Centro de Estudos sobre Mov. Sociais (CEMS)-Universidad Pompeu Fabra. Ambos militam em Izquierda Anticapitalista e em Revolta Global Esquerra Anticapitalista
Adital
Tradução: ADITAL


Salva-se aos mercados e não ao clima. Dessa forma, poderíamos resumir o que constata a recém concluída 17ª Conferência das Partes (COP17) das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em Durban, África do Sul, celebrada de 28 de novembro e 10 de dezembro de 2011. A rápida resposta que governos e instituições internacionais deram à crise econômica em 2008, resgatando bancos privados com dinheiro público contrasta com o imobilismo ante a mudança climática. Apesar de que isso não nos deveria surpreender. Tanto em um caso, quanto no outro, ganham os mesmos: os mercados e seus governos cúmplices.


Na Cúpula do Clima de Durban, foram dois os temas centrais: o futuro do Protocolo de Kyoto, que será concluído em 2012, e a capacidade para estabelecer mecanismos na redução de emissões; e a execução do Fundo Verde para o Clima, aprovado na Cúpula anterior, em Cancún, com o objetivo teórico de apoiar aos países pobres na mitigação e na adaptação à mudança climática.


Após Durban, podemos afirmar que um segundo período do Protocolo de Kyoto ficou vazio de conteúdo: se transfere uma ação real para 2020 e se rechaça qualquer tipo de instrumento que obrigue à redução de emissões. Assim quiseram os representantes dos países mais contaminantes com os Estados Unidos à cabeça, advogando por um acordo de reduções voluntárias e rechaçando qualquer tipo de mecanismo vinculante. Porém, se o protocolo de Kyoto já era insuficiente e, se aplicado, evitava somente 0,1ºC de aquecimento global, agora vamos de mal a pior.

Em torno ao Fundo Verde para o Clima, se em um primeiro momento os países ricos se comprometeram a contribuir com 30 bilhões de dólares em 2012 e 100 bilhões anuais para 2020, cifras que, de toda forma, são consideradas insuficientes, a procedência desses fundos públicos ficou por ser determinada enquanto abrem as portas ao investimento privado e à gestão do Banco Mundial. Como algumas organizações sociais assinalaram, trata-se de uma estratégia para "converter o Fundo Verde para o Clima em um Fundo Empresarial Cobiçoso”. Uma vez mais se pretende fazer negócio com o clima e com a contaminação do meio ambiente.


Outro exemplo dessa mercantilização do clima tem sido o aval da ONU à captura e armazenamento de CO2 como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que não pretende reduzir as emissões e que aprofundaria a crise ambiental, especialmente nos países do Sul, candidatos a futuros cemitérios de CO2.


Assim, os resultados da Cúpula apontam a mais capitalismo verde. Como indicava o ativista e intelectual sul-africano Patrick Bond: "A tendência a mercantilizar a natureza converteu-se no ponto de vista filosófico dominante na governança mundial do meio ambiente”. Em Durban, repete-se o roteiro de Cúpulas anteriores, como a de Cancún 2010, Copenhague 2009..., onde os interesses das grandes multinacionais, das instituições internacionais e das elites financeiras, tanto do Norte quanto do Sul se antepõem às necessidades coletivas dos povos e ao futuro do planeta.


Em Durban estava em jogo nosso futuro; porém, também nosso presente. Os estragos causados pela mudança climática já estão dando seus efeitos: liberação de milhões de toneladas de metano do Ártico, um gás 20 vezes mais potente do que o CO2 desde o ponto de vista do aquecimento atmosférico; derretimento dos glaciares e das mantas de gelo que aumenta o nível do mar. São efeitos que incrementam o número de migrações forçadas. Se em 1995 havia ao redor de 25 milhões de migrnates climáticos, hoje essa cifra dobrou para 50 milhões, e em 2050 poderia ascender a entre 200 milhões e um bilhão de desalojados.


Tudo indica que caminhamos rumo ao aquecimento global descontrolado superior aos 2ºC e que poderia rondar os 4ºC no final do século, o que, provavelmente, segundo os cientistas, desencadearia impactos não manejáveis, como a subida de vários metros do nível do mar. Não podemos esperar até 2020 para começar a tomar medidas reais.


Porém, frente à falta de vontade política para acabar com a mudança climática, as resistências não calam. E emulando a Occupy Wall Street e a onda de indignação que percorre a Europa e o mundo, vários ativistas e movimentos sociais encontram-se diariamente em um fórum a poucos metros do centro de convenções oficiais, sob o lema "Occupy COP17”. Esse ponto de encontro tem reunido desde mulheres camponesas que lutam por seus direitos até representantes oficiais de pequenos Estados insulares, como As Seychelles, Granada ou Nauru, ameaçados pela subida iminente do nível do mar, passando por ativistas contra a dívida externa que reclamam o reconhecimento e a restituição de uma dívida ecológica do Norte com relação ao Sul.


O movimento pela justiça climática assinala como, frente à mercantilização da natureza e dos bens comuns, é necessário antepor nossas vidas e o planeta. O capitalismo tem se mostrado incapaz de dar resposta ao caminho sem saída para o qual a sua lógica produtivista, de curto prazo e depredadora nos conduziu. Se não queremos que o clima mude, temos que mudar radicalmente esse sistema. Porém, os resultados de Durban apontam em outra direção. O reconhecido ativista ecologista nigeriano Nnimmo Bassey deixou tudo bem claro com essas palavras: "Essa Cúpula ampliou o apartheid climático, onde o 1% mais rico do mundo decidiu que é aceitável sacrificar os 99% restantes”

Fatos em foco


A Controladoria Geral da União apurou e concluiu que os desvios de recursos públicos no Ministério da Agricultura, na gestão de Wagner Rossi (PMDBSP), chegaram a R$ 228 milhões

Por Hamilton Octavio de Souza - Brasil de Fato

Oportunidades
A verdade precisa ser dita: a presidenta Dilma Rousseff tem muito a agradecer a grande imprensa empresarial de direita, que denunciou irregularidades e pediu a cabeça de vários integrantes do governo. Graças a isso, ela teve a chance de trocar sete ministros em um ano e de melhorar a composição do ministério. Se fosse contar com a fiscalização da mídia chapa-branca, não teria mudado nada. A conivência é fatal!


Privatização
Estudo do Conselho Federal de Medicina escancara a escandalosa distribuição dos médicos pelo Brasil e especialmente entre os que prestam serviço no setor público e no setor privado. Na média nacional existem dois médicos para cada mil usuários do setor público, contra oito médicos para cada mil usuários do setor privado. Em alguns estados existem 12 vezes mais médicos no setor privado do que no setor público – que é utilizado por 90% da população.


Precariedade
O município de São Paulo, considerado o mais rico e poderoso do Brasil, necessita hoje de 180 mil vagas em creches públicas para famílias de baixa renda. Esse número vem crescendo ano a ano, nas várias gestões do PSDB, DEM e PSD. A fila por vaga pode demorar até dois anos – e muitas mães, que precisam trabalhar, acabam deixando seus filhos pequenos trancados em casa, com vizinhos ou em creches improvisadas. Uma calamidade social.

Crime federal
Não é brincadeira não. A Controladoria Geral da União apurou e concluiu que os desvios de recursos públicos no Ministério da Agricultura, na gestão de Wagner Rossi (PMDBSP), chegaram a R$ 228 milhões, a maior parte com pagamentos sem contrapartida ou superfaturamento para empresas de fachada ligadas ao ministro e seus assessores. Perguntas básicas: O dinheiro será devolvido? O que vai acontecer com o ladrão?


Farra mundial
Todo mundo sabe que a Copa de 2014 – além das obras do PAC e outras negociatas em andamento – é um celeiro de transferência de recursos públicos para grupos privados. Em Cuiabá (MT), autoridades estaduais e empresários espertos inventaram a construção de mais uma obra para o Mundial de Futebol: é uma linha de veículo leve sobre trilhos, que vai custar mais R$ 700 milhões aos bolsos do povo. Fácil, né?


Luta heróica
No dia 5 de dezembro comemora-se o centenário de nascimento do político baiano Carlos Marighella, que foi deputado pelo Partido Comunista Brasileiro, fundador da Ação Libertadora Nacional e assassinado pela Ditadura Militar, em 1969, numa emboscada preparada por agentes do DOPS na Alameda Casa Branca, em São Paulo. Dedicou a vida à defesa da liberdade e de melhores condições de vida para o povo brasileiro.


Retrocesso
Garoto de ouro do petismo, indicado pelo ex-presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal, o advogado Dias Toffoli mantém – desde que assumiu – uma sequência de votos típicos do mais puro conservadorismo. Agora votou contra o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que permite ao Estado fiscalizar a programação imprópria para crianças nas emissoras de TV. A grande mídia burguesa comemorou o voto do ministro.


Responsabilidade
O ataque contínuo dos grileiros, latifundiários e dos ruralistas do agronegócio contra os índios é obra direta do governo federal – a quem compete fazer a demarcação das reservas e dar proteção aos povos indígenas – e do Poder Judiciário, que tem deliberadamente protelado, em várias instâncias, os processos de demarcação. Os responsáveis pelo genocídio têm nome e endereço. Não estão nem aí com o faroeste porque as mortes são do outro lado.


Esquerda avança
Depois de mais de dez anos de domínio da direita, o Sindicato dos Economistas de Minas Gerais será dirigido agora por uma chapa de coalizão da esquerda e centro esquerda, encabeçada pelo economista João Baptista Santiago Neto. A vitória histórica aconteceu nas eleições do dia 30 de novembro e animou as forças de esquerda a acirrar a luta contra a direita encastelada em outras entidades da categoria. Avante!

A mídia não sabe o que fazer com a "privataria tucana"

Um curioso espírito de ordem unida baixou sobre a Rede Globo, a Editora Abril, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e outros. Ninguém fura o bloqueio da mudez, numa sinistra brincadeira de “vaca amarela” entre senhores e senhoras respeitáveis. Como ficarão as listas dos mais vendidos, escancaradas por jornais e revistas? Ignorarão o fato de o livro ter esgotado 15 mil exemplares em 48 horas?


Gilberto Maringoni*


Há uma batata quente na agenda nacional. A mídia e o PSDB ainda não sabem o que fazer com A privataria tucana, de Amaury Ribeiro Jr. A cúpula do PT também ignora solenemente o assunto, assim como suas principais lideranças. O presidente da legenda, Rui Falcão, vai mais longe: abriu processo contra o autor da obra, por se sentir atingido em uma história na qual teria passado informações à revista Veja. O objetivo seria alimentar intrigas internas, durante a campanha presidencial de 2010. A frente mídia-PSDB-PT pareceria surreal meses atrás.

Três parlamentares petistas, no entanto, usaram a tribuna da Câmara, nesta segunda, para falar do livro. São eles Paulo Pimenta (RS), Claudio Puty (PA) e Amaury Teixeira (BA). O delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) começa a colher assinaturas para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os temas denunciados no livro. Já o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) indagou: "Nenhum jornalão comentou o procuradíssimo livro A privataria tucana. Reportagens sobre corrupção têm critérios seletivos?

”O silêncio dos coniventes

O silêncio maior, evidentemente, fica com os meios de comunicação. Desde o início da semana passada, quando a obra foi para as livrarias, um manto de silêncio se abateu sobre jornais, revistas e TVs, com a honrosa exceção de CartaCapital.

As grandes empresas de mídia adoram posar de campeãs da liberdade de expressão. Acusam seus adversários – aqueles que se batem por uma regulamentação da atividade de comunicação no Brasil – de desejarem a volta da censura ao Brasil.

O mutismo sobre o lançamento mais importante do ano deve ser chamado de que? De liberdade de decidir o que ocultar? De excesso de cuidado na edição?

Um curioso espírito de ordem unida baixou sobre a Rede Globo, a Editora Abril, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e outros. Ninguém fura o bloqueio da mudez, numa sinistra brincadeira de “vaca amarela” entre senhores e senhoras respeitáveis. Que acordo foi selado entre os grandes meios para que uma das grandes pautas do ano fosse um não tema, um não-fato, algo inexistente para grande parte do público?

Comissão da verdade

Privatização é um tema sensível em toda a América Latina. No Brasil, uma pesquisa de 2007, realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo Instituto Ipsos detectou que 62% da população era contra a venda de patrimônio público. Nas eleições de 2006, o assunto foi decisivo para a vitória de Lula (PT) sobre Geraldo Alckmin (PSDB).

Que a imprensa discorde do conteúdo do livro, apesar da farta documentação, tudo bem. Mas a obra é, em si, um fato jornalístico. Revela as vísceras de um processo que está a merecer também uma comissão da verdade, para que o país tome ciência das reais motivações de um dos maiores processos de transferência patrimonial da História.

Como ficarão as listas dos mais vendidos, escancaradas por jornais e revistas? Ignorarão o fato de o livro ter esgotado 15 mil exemplares em 48 horas?

O expediente não é inédito. Há 12 anos, outra investigação sobre o mesmo tema – o clássico O Brasil privatizado, de Aloysio Biondi – alcançou a formidável marca de 170 mil exemplares vendidos. Nenhuma lista publicou o feito. O pretexto: foram vendas diretas, feitas por sindicatos e entidades populares, através de livreiros autônomos. O que valeria na contagem seriam livrarias comerciais.

E agora? A privataria tucana faz ótima carreira nas grandes livrarias e magazines virtuais.

Deu no New York Times

O cartunista Henfil (1944-1988) costumava dizer, nos anos 1970, que só se poderia ter certeza de algo que saísse no New York Times. Notícias sobre prisões, torturas, crise econômica no Brasil não eram estampadas pela mídia local, submetida a rígida censura. Mas dava no NYT. Aliás, esse era o título de seu único longa metragem, Tanga: deu no New York Times, de 1987. Era a história de um ditador caribenho que tomava conhecimento dos fatos do mundo através do único exemplar do jornal enviado ao seu país. As informações eram sonegadas ao restante da população.

Hoje quem sonega informação no Brasil é a própria grande mídia, numa espécie de censura privada. O título do filme do Henfil poderia ser atualizado para “Deu na internet”. As redes virtuais furaram um bloqueio que parecia inexpugnável. E deixam a mídia bem mal na foto...

*Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

A nova capital do gerúndio e os sem futuro

As Filipinas estão rapidamente assumindo a liderança na oferta de mão-de-obra barata para os gigantescos call centers globais, cuja meca original era a Índia. Reportagem do New York Times informa que um atendente de telemarketing nos EUA ganha um salário inicial de US$ 2 mil por mês, contra US$ 250 na Índia e US$ 300 no caso dos filipinos. A vantagem destes seria o inglês, com sotaque mais familiar aos ouvidos norte-americanos do que a pronúncia britânica dos indianos. Além disso, a reportagem observa que os filipinos comem hambúguer, ah, sim, e acompanham o campeonato da liga norte-americana de basquete. Isso teve ter influência nos neurônios da linguagem. Nesta 2ª feira, em várias cidades portuárias norte-americanas, de Oakland a Seatle, milhares de indignados tentaram paralisar os trabalhos de embarque e desembarque de mercadorias, em protestos contra o que identificam como o circuito de espoliação dos ' modernos barões ladrões'. O tratamento carinhoso dispensado pelos 'ocupa portos' aos 1% que controlam a economia, a política e as finanças dos EUA revela um salto de consciência. Na convocação para o assalto aos portos (http://www.occupytheports.com/), os indignados acusam a plutocracia ianque de transferir fábricas, empregos e serviços para o exterior, ao mesmo tempo em que importa mercadorias a preços inferiores, reduzindo salários e receitas públicas, com impacto regressivo nos orçamentos de saúde e educação. O esvaziamento dos cinturões industriais nos EUA e alhures, realocados para zonas de baixo custo laboral, equilibrou-se politicamente enquanto durou a farra do crédito ilimitado, cuja saturação levou à crise das subprimes com os desdobramentos em curso na desordem financeira global. A mágica intentada pelo conservadorismo agora, de um lado a outro do Atlântico, é preservar o modelo original substituindo a pata do crédito pelo porrete do arrocho fiscal. A resistência social tem seu flanco justamente na perda de peso das fábricas e concentrações operárias. O 'ocupa portos' ensaiado nesta 2ª feira é uma tentativa de identificar um novo locus capaz de paralisar o sistema econômico. A lógica desse aprendizado é: se no século XX os trabalhadores interrompiam a linha de montagem para paralisar a cidade, agora é necessário paralisar a cidade (seus centros de distribuição e decisão) para colapsar a economia. A ver.
(Carta Maior; 4ª feira; 14/12/ 2011)

O Brasil e os tempos de crise

Por Mauro Santayana, em seu blog:


Sarkozy teme que a Europa exploda, e quer uma solução urgente para o problema econômico do continente. O Tratado de Roma, de março de 1957, envelheceu. As confederações, e a Europa Unida é uma delas, têm a vigência das circunstâncias, amarradas ao perigo ou à esperança, mas se dissolvem quando um estado ou um grupo de estados pretendem nelas exercer a hegemonia. Assim ocorreu com a Confederação de Delos, que havia unido o mundo grego contra os persas. Ela sucumbiu diante do imperialismo ateniense, que levou à Guerra do Peloponeso. A definitiva dissolução ocorreu com a invasão de Filipe da Macedônia, em 378 a.C. – e a Grécia, também nisso, foi um modelo de todas as confederações e impérios do Ocidente.

O mundo chegou a essa exasperação da crise por falta de estadistas. Chegamos a uma situação na qual Ângela Merkel e Sarkozy resolvem ditar o comportamento dos demais países da Europa, e encontram o contraponto de um velho rival histórico, a Inglaterra – também sob o poder nominal de outro governante medíocre, David Cameron. Todos eles estão fazendo de conta, porque quem está mandando não são eles: é o quase senhor do mundo, o Goldman Sachs Bank que, neste momento, exerce o poder de fato e de direito na Itália, com Mário Monti; na Grécia, com Lucas Papademos; e dirige a economia de todo o continente, mediante o Banco Central Europeu, com Mário Draghi. Todos os três são empregados do Goldman.

Houve, ontem, importante encontro no Itamaraty, promovido pelo Embaixador Gilberto Sabóia, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, para discutir a atualidade das relações internacionais. Foram convidadas personalidades do mundo acadêmico, para tratar do assunto, sob o foco da crise política e econômica mundial. Na parte da manhã, que se concentrou nas relações diplomáticas e no estado político do mundo, intervieram os professores Carlos Milani, da Uerj; João Daniel de Almeida, da Universidade Cândido Mendes; Alcides da Costa Vaz e José Flávio Saraiva, da UNB. Na parte da tarde, dedicada aos aspectos econômicos da crise, falaram Antonio Correa de Lacerda, da PUC, de São Paulo; Antonio Jorge Ramalho Rocha, da UNB; Ricardo de Medeiros Carneiro, da Unicamp, e Márcio Pochmann, presidente do IPEA. Mas, mesmo as análises econômicas foram, como é natural, conduzidas pelas preocupações políticas.

A conclusão de quase todos os expositores é preocupante: temos que mobilizar a nação inteira, a fim de nos confrontar com o futuro em que todos os cenários de catástrofe são prováveis – entre eles os da guerra em prazo curto ou, se dela escaparmos, de nova configuração do poder que não nos serve – se a inteligência do mundo não optar pelo multilateralismo e a autodeterminação dos povos, como regra para a arbitragem dos conflitos.

O problema atual se iniciou com o fim da guerra fria, quando a desregulamentação transferiu para o poder financeiro as decisões políticas, com o esvaziamento dos estados nacionais. Para se ter uma idéia, o mercado de capitais, sob o domínio dos grandes bancos, movimenta hoje de 5 a 6 vezes o PIB mundial – e o de derivativos é também alucinante: seu volume é equivalente a 435 trilhões de dólares, ou seja cerca de 30 vezes o PIB dos Estados Unidos. As instituições criadas com o fim da 2ª Guerra Mundial perderam seu sentido, a partir do Acordo de Bretton Woods, que deixou de existir no momento em que se abandonou o padrão ouro como garantia do dólar norte-americano, por decisão unilateral de Washington. Isso trouxe, na definição de um dos participantes, tempestade de dólares sem lastro sobre o mundo.

A desregulamentação - com o fim do Welfare State - permitiu o desatino, de que hoje todos os povos são vítimas, entregues à voracidade do poder financeiro. Um poder financeiro ( e essa é a opinião do colunista, não do encontro) dominado por criminosos, como os já identificados de Wall Street, entre eles o ex-senador por Nova Iorque e ex-governador de Nova Jersey - depois de ter sido presidente do Goldman Sachs - Jon Corzine, que ontem pediu desculpas aos clientes de sua corretora MF Global. Diz não saber aonde foram parar mais de um bilhão de dólares dos recursos de seus clientes, que ele administrava.

As perspectivas não animam. No melhor dos cenários, como apontou o professor Medeiros Carneiro, a China e os Estados Unidos, em parceria, assumem o condomínio do mundo. No pior dos cenários, o futuro, como vem sendo, será decidido pelas armas.

De um modo geral todos concordaram que nós, brasileiros, temos agido no caminho certo. Mas ainda é pouco: é necessário investir pesado na educação. Temos muitas universidades e muitos alunos, mas, com a exceção dos centros de excelência das universidades públicas, a qualidade do ensino é lastimável. Como assinalou Pochmann, só temos 5% dos jovens na idade própria freqüentando as universidades, enquanto no Vietnã – massacrado e arrasado pelos norte-americanos – essa relação é de 34%. Como sabemos, o problema é de base: a educação elementar, no Brasil, é das piores do mundo.

Pochmann demonstrou que as grandes corporações associadas ao capital financeiro, dominam hoje o mundo: os ativos dessas grandes empresas transnacionais correspondem a 47% do PIB mundial. Não se subordinam aos estados nacionais: os estados nacionais é que se subordinam aos seus interesses.

O Embaixador Baena Soares, que moderou o encontro da manhã, lamentou a ausência da imprensa, em dois encontros internacionais ocorridos recentemente em Manaus, um deles entre todos os paises que compartilham da soberania amazônica. Em tom bem humorado, lamentou que Lady Gaga ali não estivesse, para atrair todos os grandes meios de comunicação. No encontro de ontem, no Itamaraty, estava presente um atento jornalista chinês, o que não deixa de ser uma advertência.