sexta-feira, 20 de maio de 2011

Coincidência de mandatos para simplificar a baratear o processo eleitoral

Sempre que se discute o tema da reforma do sistema político e eleitoral brasileiro, a coincidência geral das eleições é lembrada como uma medida que pode propiciar uma grande contribuição ao propósito de reduzir os custos das campanhas políticas e eleitorais.

Com efeito, nos termos da vigente legislação eleitoral, os candidatos, os partidos, o Estado e a sociedade são chamados, no curto período de dois anos, a repetir todo um procedimento de disputa que importa em despesas exorbitantes.

Após o período eleitoral, são recorrentes as reclamações de candidatos que se dizem desencantados em disputar uma nova eleição devido às exigências financeiras a que são obrigados a cumprir sob pena da inviabilização da conquista de um mandato eletivo.

Tais reclamações se tornam ainda mais alarmantes da parte de candidatos ou partidos menos aquinhoados de recursos financeiros, os quais entram numa eleição para enfrentarem uma luta desigual, o que enfraquece o sistema democrático brasileiro.
Tudo isso envolve gastos, que são custeados pelo poder público, candidatos, partidos e pela sociedade, mediante impostos ou por meio de contribuições aos agentes desse processo.

Ora, a propósito do tema tão relevante que é o dos custos das campanhas eleitorais, tem-se como saída a realização de um só pleito (eleições gerais), para a escolha através do voto direto e secreto de todos os cargos eletivos, sejam eles do Executivo ou do Legislativo, a nível federal, estadual ou municipal.

Esse processo iria contribuir, sem dúvida alguma, não só para a redução dos custos das campanhas, envolvendo partidos e candidatos, como facilitaria à Justiça Eleitoral a organização dos pleitos, com menor carga de trabalho, podendo vir a planejar em um período maior a execução de suas atividades. Ademais, com essa providência a Justiça Eleitoral alcançará uma considerável diminuição dos gastos públicos, o que é bom para um país como o Brasil, que possui ainda tantas desigualdades e desafios a vencer.

Nesse sentido, apresentei ao Senado Federal, com o apoio de 65 senadores e senadoras, uma Proposta de Emenda à Constituição fixando eleições gerais para o ano de 2018, com coincidência de mandatos.

Pela proposta, em 2018 cada eleitor votará ao mesmo tempo para presidente, governador, senador, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador.

Se a PEC for promulgada, o mandato dos prefeitos e vereadores eleitos em 2012 será de quatro anos. No entanto, para haver a coincidência em 2018, o mandato dos prefeitos e vereadores eleitos em 2016 será apenas de dois anos.  De 2018 em diante, o mandato para os cargos eletivos terá a duração de quatro anos, permitida a reeleição para os cargos de presidente, governadores e prefeitos apenas uma vez.

A coincidência de mandatos eletivos vai baratear os custos das campanhas eleitorais, reduzir as despesas da Justiça Eleitoral e destravar projetos da administração pública em todos os níveis - da União, dos estados e dos municípios.

No ano das eleições, o lançamento de novos projetos de obras fica travado pela legislação, voltando à normalidade somente no ano seguinte. Em quatro anos, temos quase dois anos perdidos, fora os gastos gerais de campanhas com a Justiça Eleitoral, partidos e candidatos. É um dispêndio financeiro que poderá ser evitado, transferindo o que for economizado para obras estruturantes e para as áreas sociais, visando reduzir as desigualdades e a exclusão.

Pela PEC, de acordo com a legislação eleitoral em vigor, o eleitor poderá votar até seis vezes, dependendo se há uma ou duas vagas para o Senado. Ao invés de digitar seis números, o eleitor vai digitar mais dois, um para prefeito municipal e outro para vereador. Com a urna eletrônica, os eleitores não terão qualquer dificuldade para votar.

Se a proposta de lista preordenada for mesmo adotada, a facilidade será ainda muito maior, uma vez que o eleitor só vai digitar o número do partido, onde está o nome do candidato de sua preferência a presidente, governador, prefeito, deputado federal, estadual e vereador.

É preciso deixar claro que esta PEC não altera a duração dos mandatos do presidente da República, nem dos governadores, que será de quatro anos, com direito a uma reeleição, conforme estabelece a

Constituição. Já os prefeitos, continuarão com mandato de quatro anos, com direito a reeleição, sendo que apenas os que forem eleitos em 2016 terão um mandato de dois anos, para que aconteça a coincidência de mandatos em 2018. A partir deste ano, todos os cargos executivos terão um mandato de quatro anos.

Por Antonio Carlos Valadares
Senador da República de Sergipe

Duas espécies humanas

Há quem decrete o fim da classe operária, com a exacerbada corrida tecnológica, que vem substituindo os braços humanos na produção industrial. A expressão pode até se desusar, e de certa forma já está sendo abandonada. Mas o problema é de outra natureza. O mundo não se divide entre os trabalhadores manuais e os outros, mas sim entre os assalariados e os donos do capital. Isso em uma visão ligeira do problema, porque todo trabalho humano é, ao mesmo tempo, manual e intelectual. Quem opera uma máquina, ainda que o faça mediante um ordenador eletrônico, usa ao mesmo tempo as mãos e o cérebro.

Mais ainda: toda a evolução do homem se deve a essa óbvia associação entre o pensamento e a ação. Por isso mesmo, o filósofo Agostinho da Silva, um dos mais inquietantes pensadores do século 20, diz que o homem não nasceu para trabalhar, e sim para criar. Os marxistas definem essa diferença, ao identificar, no artífice do passado, o criador, uma vez que ele dominava todo o processo de fabricação, e uma peça não era exatamente igual à outra. Na produção industrial moderna, em que cada trabalhador executa – durante a jornada, meses, e quase sempre por muitos anos, quando não toda a vida ativa – a mesma tarefa, fazendo peças separadas, que serão montadas depois, só há realmente trabalho.

Trabalho vem do latim tripalium, que era um instrumento de suplício no mundo romano. O trabalho sempre se associou ao sacrifício, e não ao prazer. A criação, ao contrário, tem uma expressão lúdica. O marceneiro que faz um armário, partindo de sua própria imaginação e desenho, é um criador. Até mesmo o lenhador, que escolhe na floresta a árvore a abater, é de certa forma um criador. Mas o operário que lixa 500 peças por dia ou aperta parafusos (hoje os robôs o substituem) na linha de montagem, como no belíssimo filme de Chaplin, Tempos Modernos, é um homem submetido ao suplício permanente. Na visão magistral de Marx, o trabalhador de hoje é o "complemento vivo de um organismo morto".

Os operadores que usam o teclado e "interagem" com a tela não têm apenas seu movimento manual determinado pela máquina, mas também sua mente. Como os bancários, que lidam com milhões alheios durante o dia, eles não conseguem dormir em paz: uns sonham com cifras, outros com bytes. A grande tragédia dos trabalhadores modernos, submetidos às exigências da tecnologia, é se sentirem peças isoladas, exatamente iguais às outras. Não tendo de intervir com sua inteligência, e estando submetidos às tensões de cada minuto, são facilmente substituídos pelos robôs, cuja programação é obedecida sem que as emoções os perturbem.

Um escritor paulista – e conhecido empresário –, Nelson Palma Travassos, achava que as máquinas seriam a redenção do homem moderno, e substituiriam os escravos da Antiguidade, libertando-o para o exercício livre da inteligência – desde que esses robôs fossem de propriedade do Estado, que distribuiria os bens produzidos com equidade a toda a população. A tecnologia não está a serviço dos homens. Está a serviço dos ricos, que a usam, sobretudo na transferência instantânea de capitais, roubando dos depositantes e dos acionistas, enfim, de todos, porque o Estado, ou seja, o povo, arca com o prejuízo. Só há duas classes sociais, a dos ricos e a dos pobres.

Durante muito tempo, ricos eram os que detinham os meios físicos de produção, isto é, as terras, as máquinas, enfim, o capital produtivo. O liberalismo novo, com a globalização da economia, mudou o eixo da razão. Hoje, são os bancos que dominam todo o processo. E os bancos não são administrados – salvo exceções – pelos acionistas, mas sim por executivos tais como os que vimos nos escândalos recentes de Wall Street.

Observadores atentos, como o financista Paul B. Farrell, comentarista do Wall Street Journal, mostram que a desigualdade social nos Estados Unidos é hoje maior do que em 1929, quando se iniciou a Grande Depressão, e que, se os ricos não pagarem pesados impostos que permitam melhor distribuição da renda, os pobres, não só ali, mas no mundo inteiro, se sublevarão. É uma questão de vida e morte.

Fonte: Mauro Santayana - Brasil de Fato

A Rússia e a china desafiam a OTAN

 A intervenção ocidental na Líbia poderia ser apenas a ponta do iceberg, e o que está em desenvolvimento poderá constituir uma geoestratégia orientada no sentido de perpetuar a dominação histórica do Ocidente sobre o Médio Oriente na era posterior à Guerra Fria. E interligado com este processo está o precedente extremamente preocupante de uma acção militar da NATO sem um mandato específico da ONU.

Esperava-se que as consultas do Ministro do Estrangeiros chinês Yang Jiechi em Moscovo, no decurso do fim-de-semana, preparassem a visita do presidente Hu Jintao à Rússia no próximo mês. Mas acontece que, afinal, se revestiram de um carácter de imensa importância para a segurança internacional.

Os continuados esforços russo-chineses para "coordenar" a sua posição sobre temas regionais e internacionais evoluíram para um nível qualitativamente novo no que diz respeito à situação em desenvolvimento no Médio Oriente.

A agência oficial de notícias russa utilizou uma expressão pouco usual –"estreita cooperação"- para caracterizar o novo modelo a que conduziu a sua coordenação de políticas regionais. Isto tenderá a colocar perante um forte desafio a agenda unilateralista do Ocidente no Médio Oriente.

A visita de Hu à Rússia tem lugar, em princípio, para assistir de 16 a 18 de Junho ao desenrolar do Fórum Económico Internacional, que o Kremlin está cuidadosamente a coreografar como um acontecimento anual no estilo de um "Davos da Rússia". Ambos os países estão muito entusiasmados face à possibilidade de a visita de Hu constituir um momento crucial na cooperação energética entre China e Rússia.

O gigante russo da energia, Gasprom, espera bombear anualmente para a China 30.000 milhões de metros cúbicos de gás natural até 2015, e as negociações sobre os preços estão numa etapa avançada. Os funcionários chineses sustentam que as negociações, agora paradas, se concluíram com um acordo por ocasião da chegada de Hu à Rússia.

Naturalmente, quando a economia importante de mais rápido crescimento no mundo e o maior exportador de energia do mundo chegam a um acordo, o assunto tem maior alcance do que um acordo de cooperação bilateral. Haverá inquietação na Europa, que tem sido historicamente o principal mercado da Rússia para a exportação de energia, devido ao facto de que surja um "competidor" a Oriente e que o negócio energético do Ocidente com a Rússia possa ter a China como "sócio comanditário". Esta mudança de paradigma potencia uma transferência das tensões Este-oeste acerca do Médio Oriente.

Posição idêntica

O Médio Oriente o Norte de África acabaram por ser o tema central das conversações em Moscovo de Yang com o seu anfitrião Sergei Lavrov. A Rússia e a China decidiram trabalhar juntas para enfrentar os problemas que decorrem da agitação no Médio Oriente e no Norte de África. Disse Lavrov: "Acordámos em coordenar as nossas iniciativas utilizando as capacidades de ambos os Estados com o fim de ajudar à estabilização mais rápida que for possível e à prevenção de mais consequências negativas imprevisíveis na zona".

Lavrov disse que a Rússia e a China têm uma "posição idêntica" e que "qualquer nação deveria determinar o seu futuro de forma independente, sem interferência externa". É presumível que os dois países tenham agora acordado uma posição comum de oposição a qualquer iniciativa da NATO no sentido de realizar uma operação terrestre na Líbia.

Até agora, a posição russa tem sido de que Moscovo não aceitará que o Conselho de Segurança da ONU atribua mandato à NATO para uma operação terrestre sem uma "posição claramente expressa" de aprovação desse mandato por parte da Liga Árabe e da União Africana (da qual a Líbia faz parte).

Existe, evidentemente, um "défice de confiança" neste caso, que se torna cada dia mais inultrapassável a menos que a NATO decida um cessar-fogo imediato na Líbia. Dito em poucas palavras, a Rússia já não confia em que os EUA e os seus aliados da NATO sejam transparentes acerca das suas intenções no que diz respeito à líbia e ao Médio Oriente. Há alguns dias Lavrov falou longamente sobre a Líbia em entrevista ao canal de televisão russo Tsentr. Exprimiu grande frustração face à ambiguidade e aos subterfúgios com que o Ocidente interpreta unilateralmente a Resolução 1973 da ONU, de modo a fazer praticamente tudo o que lhe apetece.

Nessa entrevista Lavrov revelou: "Chegam-nos relatórios acerca da preparação de uma operação terrestre [na Líbia] que sugerem que os planos correspondentes estão em desenvolvimento na NATO e na UE". Deu a entender publicamente que Moscovo suspeita de que o plano dos EUA seria evitar a necessidade de um contacto com o Conselho de Segurança para obter mandato para operações terrestres da NATO na Líbia e, em vez disso, pressionar o secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon no sentido de obter de que este "solicite" à aliança ocidental a disponibilização de escoltas para a missão humanitária da ONU, utilizando essa "solicitação" como cobertura para dar início a operações terrestres.

A posição pública da Rússia e da China impediria os funcionários do secretariado de Ban Ki-Moon de facilitarem sub-repticiamente, por portas travessas, uma operação terrestre da NATO. Ban visitou Moscovo recentemente e alguns relatos russos sugeriram que "levou uma descompostura" pela forma como dirige a organização mundial. Um perito comentador moscovita escreveu com contundente sarcasmo:

Há muitas maneiras de dizer politicamente a um convidado, por conta própria e por conta dos próprios parceiros internacionais: "Não estamos muito satisfeitos com o seu desempenho, estimado senhor Ban". É usual que nem sequer sejam necessárias palavras nestes casos. É óbvio que o secretário-geral aprecia o romantismo revolucionário das guerras civis e que apoia os combatentes pela liberdade em geral. Em resultado disto, aparece com frequência ao lado dos arqui-liberais da Europa e dos EUA.

Todavia, o secretário-geral da ONU não deveria adoptar posições políticas extremas, e muito menos deveria alinhar com a minoria dos Estados membros da ONU no que diz respeito a este tema, como fez nos casos da Líbia e da Costa do Marfim. Não é para isso que foi eleito. A questão não reside em obrigar o senhor Ban a mudar de posição ou de convicções, mas em procurar que ajuste ligeiramente a sua visão no sentido de uma maior neutralidade.

Moscovo e Pequim parecem encarar o denominado Grupo de Contacto Líbia (formado por 22 países e seis organizações internacionais) com muitas reservas. Referindo-se à decisão de grupo, na sua reunião de Roma na 5ª feira passada, de disponibilizar de imediato um fundo temporário de 250 milhões de dólares como ajuda aos rebeldes líbios, Lavrov afirmou de forma cáustica que o grupo "intensifica os seus esforços no sentido de desempenhar um papel dirigente na definição da política da comunidade internacional em relação à Líbia", e advertiu de que deveria evitar "tentar substituir-se ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou tomar partido por uma das partes".

Converteu-se em motivo de inquietação para Moscovo e Pequim que o grupo de contacto evolua gradualmente para um verdadeiro processo regional, marginalizando a ONU, com a finalidade de formatar o levantamento árabe em moldes que se ajustem às estratégias ocidentais. O grupo de Estados do Conselho de Cooperação do Golfo (e da Liga Árabe) que está presente no grupo de contacto permite que o Ocidente proclame que o processo constitui uma voz colectiva de opinião regional. (Ironicamente, a França convidou a Rússia a unir-se ao grupo de contacto).

Ponta do iceberg
Na conferência de imprensa com Yang em Moscovo na passada 6ª feira, Lavrov foi directo ao essencial: "O grupo de contacto estabeleceu-se por sua conta. E agora arroga-se a responsabilidade pela política da comunidade internacional em relação à Líbia. E não apenas em relação à Líbia, temos ouvido apelos a que este grupo decida o que fazer em outros Estados da região". O que preocupa a Rússia no imediato é que o grupo de contacto poderia estar-se deslocando em direcção à Síria no sentido de realizar também nesse país uma mudança de regime.

A China tem sido até agora muito diplomática no que diz respeito ao tema da Líbia e tem deixado à Rússia o papel de por em respeito o gato ocidental, mas começa a tornar-se cada dia mais eloquente. Yang foi bastante directo na conferência de imprensa em Moscovo na sua crítica à intervenção ocidental na Líbia. Há apenas três semanas o Diário do Povo comentou que a guerra na Líbia estava em ponto morto; o regime de Muhamar Khadafi tinha mostrado a sua resistência e a oposição líbia foi sobrestimada pelo Ocidente. Comentou o jornal.

"A guerra líbia converteu-se numa situação delicada para o Ocidente. Primeiro, o Ocidente não pode permitir-se a guerra, económica e estrategicamente… A guerra sai demasiado cara aos países europeus e aos EUA, que ainda não saíram completamente da crise económica. Quanto mais tempo dure a guerra, mais os países do Ocidente se verão em desvantagem.

"Segundo, o Ocidente vai deparar-se com muitos problemas militares e legais… Se o Ocidente prossegue o seu envolvimento será visto como tendo optado por uma das partes… No que diz respeito às operações militares, os países ocidentais vão ter que enviar forças terrestres para depor Khadafi… Isso vai muito para além do âmbito da autoridade das Nações Unidas, e é provável que repita os erros da Guerra no Iraque… Numa palavra, a solução militar para o problema da Líbia chegou ao limite e há que colocar a solução política na agenda."

As conversações de Yang em Moscovo significam que Pequim já se deu conta que o Ocidente está determinado em aguentar, custe o que custar, a delicada situação, fazer com que se "tranquilize" seja a que preço for e depois consumir os resultados sem compartilhar com ninguém. Por conseguinte, parece haver uma revisão da posição chinesa e uma aproximação à da Rússia (a Rússia tem sido muito mais abertamente crítica em relação à intervenção ocidental na Líbia).

Moscovo poderia ter incentivado Pequim a perceber o que se avizinha. Mas o argumento decisivo parece ser o crescente sentimento de intranquilidade em relação ao que está em causa. A intervenção ocidental na Líbia poderia ser apenas a ponta do iceberg, e o que está em desenvolvimento poderá constituir uma geoestratégia orientada no sentido de perpetuar a dominação histórica do Ocidente sobre o Médio Oriente na era posterior à Guerra Fria. E interligado com este processo está o precedente extremamente preocupante de uma acção militar da NATO sem um mandato específico da ONU.

Desde então, Lavrov e Yang participaram em Astana numa conferência de ministros de Negócios Estrangeiros da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) que negociará a agenda para uma cimeira do organismo regional a ter lugar na capital cazaque em 15 de Junho. A grande questão é se o acordo russo-chinês sobre "estreita cooperação" em relação aos temas do Médio Oriente e o Norte de África irá converter-se em posição comum da SCO. Parece que a probabilidade de que tal suceda é elevada.

Fonte: M. K. Bhadrakumar
O embaixador M. K. Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Exerceu funções na extinta União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão, Kuwait e Turquia
Fonte: http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/ME10Ag01.html, no ODiario.info

No Norte da África, mídia radical gerou debate amplo e global, analisa especialista

O poder de influência de centenas de grupos populares em redes sociais que, com um discurso de contraposição ao status quo reinante em determinados países e regiões, contribuíram para momentos de transformação social, chamou a atenção do mundo. Na Tunísia e no Egito, o período anterior à queda dos governantes foi marcado por manifestações nas ruas, mas também por demonstrações no Twitter, Facebook e outros espaços na Internet.

Para Juarez Xavier, pesquisador de mídias radicais e professor de jornalismo na Unesp (Universidade Estadual Paulista), as mídias radicais são fundamentais para entender os processos de mobilização pelo mundo. Em entrevista ao Opera Mundi, o professor ressaltou que as ações populares tanto no Norte da África, como o trabalho de grafiteiros, em São Paulo ou em Nova York, são exemplos da importância e das possibilidades presentes nas mídias radicais.

"Algumas circunstâncias, principalmente aquelas que levam a um ponto de aglutinação de uma crise, pode fazer com que a mídia radical, compartilhada apenas pelo grupo que a produz, gere um debate amplo e global que atinja vários setores da sociedade", afirmou Xavier.

Como podemos definir o conceito de "mídias radicais"?

Mídia radical é toda aquela mídia que se opõe ao status quo. O que significa isso? É a mídia que questiona a forma de organização -- seja ela política, econômica, social ou cultural -- do Estado. Ela se distingue da mídia popular pelo caráter questionador, pois em alguns casos as organizações populares são conservadoras em relação a estrutura do Estado.

Mídia radical, portanto, é uma mídia que obrigatoriamente apresenta um posicionamento contrário a uma forma hegemônica de organização da sociedade. Ela se contrapõe a forma do Estado exercer sua concentração de violência, cultura, poder ou renda.

Sendo assim, é possível dizer que toda mídia radical tem um caráter revolucionário?

Revolucionário no sentido de mudar uma determinada ordem, nem sempre de esquerda. Por exemplo, a Kun Klux Klan, nos Estados Unidos, poderia ser enquadrada dentro dessa definição geral de mídia radical. Eles expressam o descontentamento com uma forma de organização do Estado, de um determinado padrão da sociedade norte-americana.

O que se percebe é que a mídia radical, na maioria dos casos, tem características de ser contra o capital. Você encontra organizações de mídias na África ou na América Latina com claras características anti-capitalistas. As mídias radicais, em países ou em regiões mais empobrecidas possuem traços que podem se enquadrar no viés político mais à esquerda. Isso acontece porque existem mais países no quais a predominância de organização do Estado é pautada pelo capital.

No Sudão, houve uma série de ações políticas punitivas contra as populações nativas islâmicas. Em resposta, esses grupos marginalizados passaram a lançar mão de vários recursos culturais, que se caracterizam como uma mídia radical. Começaram a valorizar e a se organizar inspirados na cultura tradicional; o uso do vestuário tradicional ganhou mais importância porque era uma forma de se opor à orientação do Estado; o resgate das músicas, poemas, grandes narrativas que rememoravam suas tradições ancestrais.

Manifestações de oposição a estruturas políticas do Estado que são pautadas nas formas tradicionais de organização desses povos. Nós classificamos as ferramentas utilizadas nesse exemplo como analógicas.

Há, também, grupos que usam tecnologias digitais. Utilizando a rede mundial de computadores, celulares, smartphones e outros diversos recursos tecnológicos à disposição. A África tem mostrado um grande número de possibilidades de visualização tanto das manifestações tradicionais como das de mídia digital.

No Brasil, há diversos grupos que têm usado esses mecanismos. A musicalidade do rap tem servido como instrumento de mídia radical. Há um grupo, em São Paulo, chamado "OPNI" (Objetos Pixadores Não-Identificados) que trabalha com intervenção urbana, usando o graffiti como instrumento de mídia radical.

É possível afirmar que o que define uma mídia como radical é a forma como ela utiliza as ferramentas de comunicação?

Não é propriamente a ferramenta que caracteriza a mídia radical, mas o conteúdo da ferramenta. Por exemplo, quando você usa Facebook, Orkut ou Twitter como uma forma de oposição sistemática ao governo, ela assume essa característica radical. A ferramenta em si potencializa a possibilidade, em especial as ferramentas digitais.

O professor Milton Santos, em um certo período, falava sobre a importância dessa familiaridade tecnológica e das possibilidades que elas criariam. Parte desses setores marginalizados, contra-hegemônicos, se apoderaram dessa tecnologia e reinventaram o conteúdo, então o que caracteriza mais a mídia radical não é propriamente o instrumento, mas a possibilidade de alteração do conteúdo. Dessa forma, pode-se chamar o impresso de mídia radical, desde que o conteúdo seja divergente, pode ser o eletrônico ou digital caso tenham esse mesmo caráter discordante.

Mas há casos em que a ferramenta tem mais importância?

Em algumas situações, o meio acaba sendo mais importante do que o conteúdo, em casos de repressão muito acentuada. Na Argentina, o exemplo das Mães da Praça de Maio. O que caracteriza o discurso delas? Um lenço na cabeça.

Então a mídia radical não precisa ter um meio de comunicação tradicional?

As mídias radicais usam, além dos canais tradicionais de comunicação, os "novos meios" de comunicação. As roupas dos meninos do hip-hop e dos punks têm um discurso. Em alguns casos, a mensagem que é passada pela roupa é determinada pelo contexto. É o caso das jovens mulheres que vivem em países islâmicos, onde algumas usam calça jeans para se contrapor a uma política do Estado. A simples utilização de uma calça tem uma característica radical desde que esteja sustentado em um movimento de ação política de oposição ao status quo.

Como é a estruturação desse grupos? Eles possuem objetivos definidos ou alguma forma de hierarquização?

Fundamentalmente, eles se dividem em dois níveis. Um deles seria o "modelo bolchevique": em um Estado muito fechado a tendência é que os grupos de mídia radical se organizem de forma centralizada, verticalizada, clandestina e com níveis hierárquicos muito bem definidos. Nesses casos, as pessoas envolvidas nesse processo de produção sabem que a qualquer momento um deles pode ser preso e isso pode significar o fim do projeto. Por isso, às vezes, a pessoa que passa a orientação não é conhecida.

Em outras situações, você tem experiências de mídias radicais opostas. É uma forma de organização praticamente anárquica, horizontal, sem lideranças e a forma de produção de conteúdo é mais coletiva, mais colaborativa.

A mídia radical se organiza de acordo com o contexto político, econômico e social no qual ela está inserida. Se for um ambiente muito fechado, ela tende a assumir a característica "bolchevique". Mas se o espaço for mais democrático, ela tende a ser mais anárquica, colaborativa e, em alguns casos, com fóruns democráticos de decisão sobre como a mensagem será transmitida. Esse tipo de mídia se adapta à situação circundante.

Em uma de suas palestras você contou do caso de um grafiteiro que lhe disse: "O graffiti é a minha CNN".

Eu ouvi essa frase nos EUA. Lá os grupos de hip-hop possuem os quatro elementos - para alguns são cinco - entre eles o graffiti. Esses elementos têm a função de comunicar a opinião desses grupos divergentes com a comunidade. Muitos desses grupos usam o graffiti como uma forma de plataforma midiática, produzem conteúdo com um forte posicionamento político. Eu ouvi essa frase de um integrante de um grupo formado por jovens negros que luta contra o racismo. O graffiti que eles faziam, a mensagem que eles propunham, era frontalmente contra as diversas formas de manifestação de preconceito nos EUA.

Outros grupos têm feito isso pelo mundo afora, o graffiti tem assumido essa característica de funcionar como um veículo de comunicação de grupos divergentes. Quanto mais ele assume essa característica de funcionar como canal de diálogo para os grupos subalternos, mais ele assume e age como uma mídia radical informativa.

Esse menino foi muito feliz ao utilizar essa expressão. O graffiti é uma "nova CNN" porque é a forma como esses grupos usam para se comunicar e deixar claro o posicionamento contra-hegemônico que compartilham entre si.

A mídia radical tem a capacidade de produzir uma discussão que inclua toda a sociedade?

Nem sempre ela atinge a esfera pública global O que mais tem caracterizado a mídia radical é que ela tem constituído uma esfera pública radical, com um circuito de espaço que pode ser territorial, social, ou político no qual as suas ideias são discutidas e debatidas.
Às vezes, ela não atinge a esfera pública global, exceto em momentos de crise, mas ela gera a discussão entre os participantes desse grupos alternativos, que dependendo da forma de ruptura com a instituição do Estado ela pode ou não assumir características de esfera pública global.

No caso da Revolução Russa, no início de 1917, existia o Pravda que tinha um público pequeno, radical, quando estoura a Revolução, em Outubro, ele já é um jornal que atinge a esfera pública nacional. A crise se aglutinou de tal forma que o Pravda se tornou uma plataforma de contestação do governo czarista.

O que nós vimos agora no Norte da África, no Egito, em especial. Havia ali uma comunicação digital, muito pontual, que era uma esfera pública radical e alternativa e que com o passar do tempo e intensificação do conflito, passou a contaminar a esfera pública global. Ou seja, aquilo que era uma esfera parcial transformou-se em uma esfera pública ampla, a qual passou a influenciar a todos os principais pontos centrais da sociedade egípcia e criou uma situação de constrangimento para o governo Mubarak.

Algumas circunstâncias, principalmente aquelas que levam a um ponto de aglutinação de uma crise, pode fazer com que a mídia radical, compartilhada apenas pelo grupo que a produz, gere um debate amplo e global que atinja vários setores da sociedade.
 
Por Paulo Pastor Monteiro | Redação Ópera Mundi

EUA reajustam política intervencionista no Oriente Médio

Em discurso pronunciado no começo da tarde desta quinta-feira (19), o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou as linhas gerais da reprogramação política que a diplomacia norte-americana deverá empregar em relação ao Oriente Médio. O reajuste se dá após a administração ter avaliado a política anterior como fracassada, depois do levante praticado pelos povos árabes contra regimes opressores aliados dos Estados Unidos na região.

Em um discurso no Departamento de Estado, em Washington, Obama utilizou como pretexto para anunciar a nova política a retórica de que o futuro dos Estados Unidos "está ligado ao Oriente Médio e o norte da África" por aspectos econômicos, históricos, de segurança e de "destino".

O pronunciamento desta quinta-feira marca uma nova fase do intervencionismo imperialista no mundo árabe e muçulmano, após Obama declarar a morte de Osama bin Laden, o líder da al-Qaida, a "rede terrorista" criada pela CIA para lutar contra a ocupação soviética no Afeganistão na década de 1980, e no meio de um levante popular pró-democracia em vários países da região.

Desde o início dos protestos, ainda no fim do ano passado, Obama é alvo de protestos e críticas pela incoerente posição que assumiu em relação a aliados históricos, como o Barein e o Iêmen. Os regimes destes países praticaram crimes contra a humanidade e não foram alvo de sanções ou quaisquer ameaças, como as que têm sido feitas contra a Líbia – que vive uma agressão quase sem limites por parte do braço armado do imperialismo, a Otan – e a Síria, cujo presidente foi recém-lançado na lista de pessoas sancionadas pelo governo dos Estados Unidos.

No discurso, o presidente norte-americano anunciou medidas de ajuda a países da região. Obama disse que os Estados Unidos pediram ao Banco Mundial e ao FMI que apresentem um plano para a "estabilização" e a "modernização" das economias da Tunísia e do Egito.

Anunciou também um pacote de ajuda econômica ao Egito que inclui US$ 1 bilhão em alívio de dívidas e US$ 1 bilhão em empréstimos.

Recuo tático


Em relação à questão palestina, Obama anunciou pela primeira vez que as fronteiras entre Israel e um futuro Estado palestino devem se basear naquelas de 1967. Em contrapartida, afirmou que deseja ver um Estado palestino desarmado, cuja segurança dependerá, pelo que indica em suas palavras, do atual ocupante e agressor.

"As fronteiras de Israel e Palestina deveriam se basear naquelas de 1967, com trocas mútuas e acertadas, de forma que fronteiras seguras e reconhecidas sejam estabelecidas nos dois Estados", disse Obama em um discurso longo sobre o Oriente Médio.

"A retirada completa e em etapas das forças militares israelenses deve ser coordenada com a pretensão da responsabilidade de segurança palestina em um estado soberano e não militarizado", acrescentou. "A duração deste período de transição precisa ser acertada e a efetividade de arranjos de segurança precisa ser demonstrada", concluiu.

A declaração reflete um recuo tático na retórica norte-americana e uma vitória da resistência e dos movimentos de solidariedade aos palestinos. Os EUA defendiam até hoje que a demanda palestina pelos territórios ocupados deveria ser "reconciliada" com a intenção de Israel em contar com "um Estado judeu de fronteiras seguras".

Ao mesmo tempo, Obama dispara pequenos torpedos, quando anuncia que "os esforços palestinos para não legitimar Israel fracassarão" e quando desqualifica o esforço atual dos governantes palestinos ao dizer que "atos simbólicos na ONU" não criarão um "Estado independente". Obama refere-se à intenção da Autoridade Nacional Palestina de obter o reconhecimento do Estado palestino na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro próximo.

Indo além, Obama ressaltou várias vezes que a "segurança" de Israel é uma prioridade dos EUA, mesmo assim, o discurso certamente será criticado por Israel, cujo primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, visitará em breve a Casa Branca.

A retórica de Israel é afirmar que as fronteiras do Estado palestino devem ser definidas "através de negociação", mas na prática o estado israelense tem aumentado a colonização nos espaços ocupados, além de ignorar sanções e resoluções da ONU contra a construção de novas colônias na Cisjordânia ou contra a construção do chamado Muro da Vergonha, que separa israelenses de palestinos e rouba mais territórios dos últimos.

Além de torpedear as últimas ações do governo palestino, Obama ainda decretou que não haverá diálogo com o Movimento de Resistência Islâmico (Hamas). A realização no início do mês de um acordo entre 13 movimentos políticos e militares palestinos, no Cairo, irritou profundamente os governos de Israel e dos Estados Unidos, que veem a unidade palestina como uma trava às pretensões imperialistas na região.

Contra os inimigos, a lei
Sem mudar o discurso de ocasiões passadas, Obama condenou o que chamou de "violência do regime da Síria" contra os supostos manifestantes oposicionistas e fez ameaças ao presidente do país, Bashar al-Assad, dizendo que ele deve "liderar a mudança" ou "sair do caminho". Caso Assad não inicie um diálogo verdadeiro com os oposicionistas, "continuará sendo questionado de dentro e pressionado de fora", ameaçou.

O Departamento do Tesouro dos EUA anunciou na quarta-feira a imposição de sanções contra Al-Assad e outros seis funcionários do governo sírio. Essas sanções também foram seguidas por pedidos de ações semelhantes em países como Alemanha e Suíça e aumentaram as especulações sobre nova pressão internacional pela derrubada do presidente sírio.

Rússia e China condenaram as sanções, afirmando que elas não contribuirão para a estabilidade da região. A Síria afirmou que as medidas "não vão afetar a postura síria" em referência à atuação das forças de segurança na repressão ao que o governo do país chama de "ações incitadas por grupos armados terroristas".

A Síria denuncia também que as sanções são mais um elo da cadeia de pressões das distintas administrações americanas contra o país e acrescenta que, em última instância, as sanções servem aos interesses israelenses.
A Síria acusou também a administração Obama de aplicar a política de um peso e duas medidas, ao fazer propaganda contra a morte de supostas vítimas dos protestos no país, ao mesmo tempo que é responsável pela morte de dezenas de civis no Afeganistão, no Paquistão, no Iraque e na Líbia. Além disso, os sírios responsabilizam também a administração Obama por omissão em relação às ações criminosas das forças armadas de ocupação israelenses contra os palestinos, que só nesta semana mataram mais de 20 manifestantes no chamado Dia da Nakba.

Vermelho, com agências

ARTIGOS

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Gilberto Carvalho: é difícil fixar metas de reforma agrária em 2011
Interlocutor principal dos movimentos sociais, ministro da Secretaria Geral da Presidência diz que o governo não tem dinheiro para fixar metas de assentamento este ano. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Carvalho fala sobre a reforma agrária possível para um governo com aliados ruralistas, a 'disputa de rumos' da gestão Dilma, a necessidade de os movimentos 'não se apelegarem' e a diferença de Dilma e Lula na área de direitos humanos.

BRASÍLIA – A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) realiza nesta semana (dias 17/05 e 18/05) o Grito da Terra 2011, mobilização de camponeses em Brasília que reivindica reforma agrária, entre outras coisas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já havia cobrado, no mês passado, mais desapropriações, com seu Abril Vermelho. No começo de maio, em coluna que publica toda semana em jornais brasileiros, a presidenta Dilma Rousseff disse que “acredita na reforma agrária, que democratiza o acesso à terra”.

Mas, embora pretenda continuar com a política de desapropriações, como afirma a presidenta, o foco das ações do governo no campo este ano será apoiar assentados e acampados. Interlocutor de Dilma com os movimentos sociais, o chefe da Secretaria Geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, diz que, depois do cortes de R$ 50 bilhões no orçamento deste ano, falta dinheiro para o Planalto comprometer-se a assentar sem terra em 2011. “O governo ainda não tem uma posição firmada de metas de reforma agrária”, declara.

Nesta segunda parte de entrevista exclusiva à Carta Maior, o ministro fala sobre a reforma agrária possível para uma administração que conta com aliados ruralistas; os rumos de um governo considerado “em disputa” por entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE); e a diferença que as biografias de Dilma e do ex-presidente Lula impõem ao governo na área de direitos humanos.

Você aponta a experiência sindical do ex-presidente Lula como algo que leva o Planalto da gestão Dilma a ter uma relação diferente com os movimentos sociais. O que mais que você diria que a diferença de estilo entre os dois faz com que o governo também seja outro?


Gilberto Carvalho – É o apreço fortíssimo à questão dos direitos humanos. O presidente Lula vinha do movimento sindical, vinha de uma disputa pela partilha dos bens. Eu sempre digo que a cabeça do Lula é a cabeça de um metalúrgico que se ampliou muito na dimensão do mundo. Mas o núcleo central permanece assim: a felicidade do Lula é quando o país tem crescimento com distribuição de renda. Outros temas entraram na cabeça dele, mas não são o núcleo central. Enquanto que a Dilma tem uma outra história. Se, para ela, é importante manter essa linha, também são importantes temas que a vida dela evidenciou como importantes, como os direitos humanos. Ela tem uma sensibilidade para esse tema, que já foi mostrada, que é muito forte forte, muito explítica.

Dentro da sua clientela de movimentos sociais, temos dois atores, CUT e UNE, que acham que o governo Dilma, a exemplo do governo Lula, é um governo de disputa de rumos. Concorda? Estamos vendo o governo ir para que rumo?
Gilberto Carvalho
– O rumo do coração e da cabeça da presidenta não está em disputa. Se tem alguém com convicções nesse mundo, chama-se Dilma Rousseff. Ela tem impresisonante nitidez do que deseja e persegue esses objetivos. Claro que num governo de uma frente, que fez alianças, é natural que haja disputas de espaços. E aí eu diria que essa disputa não está concluída ainda. O governo não está montado na sua totalidade. Desse ponto de vista, concordo que há disputas. Agora, o rumo central é muito claro: consolidar o processo de crescimento do país com consistência e com distribuição de renda. E essa bandeira inequívoca que a presidenta abraçou, do combate à miséria, que está expresso inclusive no slogan do governo (País rico é país sem pobreza), ele dá muito conforto ético para a gente, de que não se titubeará na perseguição desse objetivo.

Outro segmento importante dos movimentos que dialogam com a Secretaria Geral são os sem terra. Qual a pauta o governo para eles? Vai haver mesa permanente de negociação também?
Gilberto Carvalho – Hoje acontece uma coisa estranha. Você consegue juntar na mesma mesa as seis, sete centrais urbanas para discutir, ainda que haja divergências. Mas, no caso do campo, não. Você tem o MST, a Contag, o MLST, a Fetraf, a Via Campesina, e a relação entre eles é um pouco dificíl, por histórias, por divergências. Não temos conseguido fazer reuniões conjuntas. Por isso, nos comprometemos com cada entidade a fazer pelo menos uma reunião a cada dois meses. Eles já apresentaram pautas agora em abril, porque a Contag tem o Grito da Terra, o MST teve o Abril Vermelho, a Fetraf também já nos trouxe a pauta dela. Nesse momento, estamos negociando questões como reforma agrária, apoio à agricultura familiar, temas ambientais que eles hoje batem fortemente, financiamento da pequena produção e do escoamento da produção, formas cooperativadas. Vai ser tenso porque, evidentemente, não vamos conseguir atender tudo.

É possível fazer reforma agrária levando em conta que a bancada ruralista continua tendo peso, como mostra na votação do Código Florestal, e parece agora estar aglutinada em torno do PMDB, que tem o ministro da Agricultura e o vice-presidente da República?
Gilberto Carvalho – Para todo mundo que senta nessa mesa, tenho dito que esse governo é aberto para conversa, que não quer ficar só na conversa, não adianta ficar só na conversa, tem que ter resultado. Então, a nossa relação tem que ser muito fraterna, franca e transparente mas, ao mesmo tempo, não tem como não ser tensa. Porque governo é datado, governo começa e termina, governo tem limites da correlação de forças no parlamento, da correlação de forças na aliança que compôs, limitações institucionas, questões que não podemos ultrapassar, por exemplo, quando se ocupa uma sede do Incra, não tem o que negociar, a legalidade nós temos que manter. E o movimento não tem data, tem utopia, não pode se apelegar, não pode conceder, tem que brigar pelos seus objtetivos. Então, essa relação não tem como não ser tensa. Mas tem que ser madura. O movimento tem que compreender o que o governo pode fazer. E o governo tem compreender que tem se empenhar ao máximo para vencer a bucrocarcia e um monte de coisas para as coisas acontecerem. Com o campo é assim.

O que o governo vai fazer na reforma agrária, então?

Gilberto Carvalho – Para ser bem transparente, nós não temos no governo ainda uma posição firmada de metas da reforma agrária. É evidente que o governo vai continuar o processo. A presidenta Dilma tem clareza na cabeça de que é fundamental evitar a favelização rural nos assentamentos, então, ela encomendou ao MDA (ministério do Desenvolvimento Agrário) e à ministra Tereza (Campelo, do Desenvolvimento Social), no programa de combate à miséria, medidas muito fortes nesse aspecto, para viabilizar os assentamentos já realizados e impedir que eles se tornem contrapropaganda da reforma agrária. O que não significa que não haverá aquisição de terra. Mas nós ainda estamos definindo esse orçamento.

Os sem-terra reivindicam cem mil assentamentos por ano...

Gilberto Carvalho - Acho difícil que a gente atenda, pelo menos nesse primeiro ano, essa reinvindicação. No entanto, posso dizer que há uma grande sensibilidade do governo para com os acampados. Então, eu diria que se a gente conseguisse estabelecer um acordo para atender essas famílias que estão embaixo da lona há tanto tempo - claro, com a devida análise e qualificação de cada família dessa -, seria eticamente uma coisa muito interessante para o governo. Eu, internamente, quero batalhar por isso. Agora, não posso assumir como uma bandeira definida, por causa da questão orçamentária. Mas sinto na presidenta muita sensibilidade para essas questões.
André Barrocal - Carta maior

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Dez transnacionais secretas controlam matérias-primas

Como é possível que no século 21 ainda existam empresas "secretas" e/ou piratas, que se dão ao luxo de não ter ações nas bolsas de valores, mas que gozam de todas as vantagens do "livre mercado", incluindo operações suspeitas em paraísos fiscais. Pode manter-se "secreta" a atividade dessas dez transnacionais "gigantes" que controlam os alimentos e a energia, usados como "armas de destruição maciça" contra a maioria do gênero humano? O jornal The Daily Telegraph revelou a identidade oculta das principais 10 transacionadoras globais de petróleo e matérias primas.
Zheng Fengtian, professor da Escola de Economia Agrária da Universidade Renmin, na China (Global Times, 13/4/11), fustiga "o monopólio dos cereais que o Ocidente exerce" e a "manipulação deliberada dos preços pelos especuladores internacionais" graças à desregulação de que gozam em Wall Street e na City, assim como nos paraísos fiscais (nomeadamente a Suíça): "não podemos depender apenas dos Estados Unidos (EUA) para resolver a crise alimentar global" nem das "quatro (sic) gigantes (sic) transnacionais".

Não especifica quais, mas os leitores podem consultar os meus artigos sobre o "cartel anglo-saxão da guerra alimentar" e o seu "meganegócio" (Radar Geopolítico; Contralínea, 30/1/11).
Fengtian adota a velha tese de Bajo la Lupa sobre a "guerra alimentar" que trava Washington para submeter o mundo: "no passado (sic), os EUA aproveitaram as vantagens do seu papel dominante no mercado global de alimentos para adotá-los como arma (¡supersic!) política".

Atos
O mundo anglo-saxão cacareja vaziamente sobre a transparência e a prestação de contas, enquanto oculta simultaneamente as suas "10 gigantes (sic) transnacionais secretas (¡supersic!)" que "controlam a comercialização dos hidrocarbonetos e das matérias primas", segundo The Daily Telegraph (15/4/11). Como se não bastassem as depredadoras transnacionais (BP, Tepco, Schlumberger/Transocean, etc.) que estabelecem suas cotações desapiedadamente na bolsa!

Para além dos tenebrosos grupos da plutocracia – como o grupo texano Carlyle (ligado ao nepotismo dos Bush) e o inimputável Blackstone Group (controlado por Peter G. Petersen e Stephen A. Schwarzman, cujas façanhas remontam ao macabro recebimento dos seguros das Torres Gémeas do 11/9) – The Daily Telegraph revela a identidade oculta das "principais 10 transacionadoras globais de petróleo e matérias primas":

1. Vitol Group: sede em Genebra e Roterdan, com resultados de 195 mil milhões de dólares na comercialização de hidrocarbonetos; a primeira petrolífera a exportar com pontualidade da região controlada pelos rebeldes na Líbia.

2. Glencore Intl.: sede em Baar (Suíça), com resultados por 145 bilhões de dólares em metais, minerais, produtos agrícolas e de energia; fundada pelo israelo-belga-espanhol Marc Rich; acusada pela CIA (¡supersic!) de subornar governantes; controla 34 por cento da mineira global suíço-britânica Xstrata; apostou na subida do trigo durante a seca russa (The Financial Times, 24/4/11); o banqueiro Nat Rothschild "recomendou" o seu polêmico novo director Simon Murray (The Daily Telegraph, 23/4/11); destaca a circularidade financeira do binômio Rotshchild-Rich.

3. Cargill: sede em Minneapolis, Minnesota, com resultados por 108 bilhões de dólares em agronegócios, carnes, biocombustíveis, aço e sal; severamente criticada pela desflorestação, contaminação de todo o gênero (incluindo a alimentar) e abusos contra os direitos humanos.

4. Koch Industries: sede em Wichita, Kansas, com resultados por 100 bilhões de dólares em refinação e transporte de petróleo, petroquímicos, papel, etc.; empresa familiar (a segunda mais importante nos EUA depois da Cargill) manejada pelos irmãos ultraconservadores David e Charles Koch, que financiam o Tea Party.

5. Trafigura: sede em Genebra, com resultados por 79,200 bilhões de dólares em petróleo cru, comercialização de metais; depredadora tóxica em África; provém da separação de várias empresas do israelo-belga-espanhol Marc Rich.

6. Gunvor Intl.: sede em Amsterdã e Genebra, com resultados por 65 bilhões de dólares em petróleo, eletricidade e carvão.

7. Archer Daniels Midland Co.: sede em Decatur, Illinois, com resultados por 62 bilhões de dólares em milho, trigo, cacau; listada na Bolsa de Nova Iorque; atuação escandalosa e processada por contaminação reiterada; beneficiou com os subsídios agrícolas do governo dos EUA.

8. Noble Group: sede em Hong Kong, com resultados por 56 700 bilhões de dólares em açúcar brasileiro e carvão australiano; sólidos laços com a HSBC e a polêmica empresa contabilística Pricewaterhouse Coopers; cotada no Índice Strait Times (Singapura).

9. Mercuria Energy Group: sede em Genebra, com resultados de 46 bilhões de dólares em petróleo e gás.

10. Bunge: sede em White Plains, Nova Iorque, com resultados de 45,7 bilhões de dólares em cereais, soja, açúcar, etanol e fertilizantes; multada nos EUA por emissões contaminantes.

The Daily Telegraph adiciona surpreendentemente como "menção especial" a Phibro, hoje subsidiária da Occidental Petroleum Corporation (Oxy): sede em Westport (Connecticut), com 10 por cento dos resultados do banco Citigroup em 2007 em petróleo, gás, metais e cereais, onde iniciou a sua "aprendizagem" o israelo-belga-espanhol Marc Rich.

Das 11 transnacionais piratas, cinco pertencem aos EUA, três à Suíça (notável paraíso fiscal bancário), duas são suíço-holandesas e uma é de Hong Kong (ligada à Grã-Bretanha). Se as 11 fossem cotadas na bolsa colocar-se-iam da posição sete até à 156 na classificação da Fortune Global 500. Sem penetrar na genealogia dos seus testa-de-ferro e verdadeiros donos, destaca-se a nefasta sombra do israelo-belga-espanhol Marc Rich em três empresas piratas: Glencore Intl., Trafigura e Phibro.

O israelo-belga-espanhol Marc Rich merece uma menção honrosa e com uma biografia mafiosa revela quiçá uma das razões do hermetismo das "gigantes" transnacionais que não estão cotadas nas bolsas e que movimentam nocivamente verdadeiras fortunas sem o menor escrutínio governamental ou cidadão. Será mera causalidade que Rich apareça em três das "secretas" 11 empresas "gigantes" que especulam na penumbra com os preços dos alimentos, hidrocarbonetos e metais?

Marc Rich, perseguido por evasão fiscal nos EUA (logo perdoado, polemicamente, por Clinton), foi denunciado como "espião da Mossad israelense" (Niles Latham, New York Post, 5/2/01) e "lavador de dinheiro" das mafias (The Washington Times, 21/6/02).

O investigador William Engdahl expôs há 15 anos "a rede financeira secreta (¡supersic!)" por trás dos banqueiros escravagistas Rothschild, o megaespeculador "filantropo" George Soros e Marc Rich. Cada vez se afirma mais o papel determinante de Israel na lavagem de dinheiro global (ver Bajo la Lupa, 20/4/11).

Conclusão
Como pode uma transnacional "gigante" passar sem ser detectada na época da antiterrorista "segurança interna"? Será possível que no século 21 ainda existam empresas "secretas" e/ou piratas, que se dão ao luxo de não se cotar nas bolsas, mas que gozam de todas as vantagens do "livre mercado", incluindo operações suspeitas em paraísos fiscais.

São "gigantes secretos" e/ou "clandestinos" tolerados pelo sistema anglo-saxão e seus mafiosos paraísos fiscais? Pode manter-se "secreta" a atividade dessas transnacionais "gigantes" que controlam os alimentos e a energia, usados como "armas de destruição maciça" contra a maioria do gênero humano?

Por Alfredo Jalife-Rahme
Do La Jornada

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Cobertura internacional, novos desafios
Como as novas tecnologias como a internet, o celular, a câmera de vídeo ou as redes sociais estão afetando a cobertura internacional e as rotinas de trabalho dos correspondentes? E as agências internacionais de notícias? Elas ainda controlam ou "manipulam" as notícias que recebemos sobre o mundo? E por que os latino-americanos preferem notícias de fora da região, cobrem pouco a América Latina e ignoram o Brasil?
Estas foram algumas das questões levantadas no seminário "A cobertura internacional e seus novos desafios" que ocorreu na terça-feira (10/5) na Universidade Metodista do Estado de São Pulo. O evento teve a presença do professor Oliver Boyd-Barret, do editor internacional do Jornal da Globo Pedro Aguiar, do correspondente da Globo Roberto Bournier e contou com a mediação do professor Sebastião Squirra, professor da Metodista e referência brasileira nos estudos sobre telejornalismo.
Afinal, quais são os tais novos desafios para o noticiário internacional? As novas tecnologias digitais estariam conseguindo mudar um cenário de hegemonia e controle das agências internacionais a serviço do velho imperialismo?
Para buscar respostas, viajei de ônibus durante duas noites, de Florianópolis para São Paulo. Foram 12 horas para ir e mais 12 horas para voltar sem pausa ou descanso. Não é só o jornalismo internacional que enfrenta períodos de "vacas magras". Isso me fez lembrar de outros tempos, trabalhando para a Globo na Europa. Alguns jovens e inexperientes jornalistas, com orçamento de alguns poucos dólares, se propunham a cobrir o mundo para os nossos telejornais. O que não fazemos e enfrentamos para entender um mundo que muda? Mas valeu a pena.
Perguntas e respostas
Para quem não conhece alguns dos principais participantes do seminário, o professor Boyd-Barret, por exemplo, é a maior autoridade mundial sobre o tema "agências de notícias". Ele escreveu um livro em 1980 que até hoje ainda é considerado o "estado da arte", a referência acadêmica sobre o poder das Big Four, as quatro grandes agências internacionais: The International News Agencies (ed. Sage, Londres, 1980). Leitura indispensável para quem deseja entender por que o fluxo de notícias internacionais se concentra no primeiro mundo. Ou para analisar como o controle do noticiário internacional pelas grandes agências de notícia ainda é fundamental para a manutenção do "poder" nos EUA e na Europa. Afinal, quem controla as notícias sobre o mundo controla o mundo.
Além de discutir os novos desafios para a cobertura internacional, o professor Boyd-Barett também apresentou suas pesquisas mais recentes sobre canais de notícias 24 horas e os contrafluxos hegemônicos. Ou seja, como alguns veículos noticiosos estariam tentando quebrar o monopólio das grandes agências internacionais. O professor britânico discutiu o papel da rede al-Jazira no contexto da globalização midiática e apresentou os últimos resultados de estudos comparativos sobre o conteúdo dos canais de notícias CNN em espanhol, Telesur (Venezuela) e NTN24 (Colômbia).
E este foi o momento mais significativo do seminário. Segundo a pesquisa do professor Boyd-Barret, a América Latina ainda prefere notícias sobre o que acontece fora da América Latina. Os canais pesquisados transmitem algumas notícias sobre a região, mas praticamente "ignoram" o Brasil. Todos os presentes ficaram incomodados, mas ninguém parecia realmente surpreso. Há muitos anos, apesar dos milhões gastos pelo governo para construir e divulgar a imagem do Brasil como potência internacional emergente, os latino-americanos insistem em nos ignorar.
O professor Squirra fez levantou algumas hipóteses durante as discussões: seria por causa da nossa língua, do nosso histórico isolamento, ou seria devido ao controle do fluxo de notícias pelas agências internacionais? Seria por preconceito ou por alguma outra razão ainda desconhecida? As respostas são importantes, necessárias e demandam novas pesquisas, novos seminários.
Um cenário centralizado e desigual
A origem das agências de notícias remonta ao período de expansão do capitalismo, o auge dos Estados-nação na Europa, o consumo crescente da imprensa e a inclusão das novas tecnologias de comunicação da época. Não por acaso, as primeiras agências apareceram em países com interesses coloniais. Mas, assim como a utilização de novas tecnologias pelas grandes empresas jornalísticas de hoje, as agências nasceram para "reduzir" custos.
As agências surgiram em meados do século 19, com a fundação da primeira agência, a Havas, em 1835. Sediada em Paris, a Havas enviava as principais informações e notícias do exterior por telegramas para os jornais, que pagavam por esse serviço. Em 1851, um sócio de Havas, o alemão naturalizado britânico Julius Reuter, deixou a empresa para fundar uma nova agência em Londres, a Reuters. A Reuters existe até hoje, enquanto a Havas acabaria se tornando a atual Agence France-Presse (AFP).
Nos EUA, durante a guerra civil americana, os maiores jornais de Nova York se juntaram para formar a Associated Press e enviar correspondentes para o campo de batalha. A AP manteve um monopólio nos EUA por mais de meio século, até que em 1907 foi fundada a agência United Press. Dois anos depois, criou-se a International News Service. Estas duas se fundiram em 1958 para criar a United Press International (UPI), também existente até hoje.
Durante muitos anos, trabalhei para algumas das principais agências de notícias para TV, como a UPITN e a WTN, como correspondente no Brasil. Conheço de perto as rotinas profissionais e, principalmente, o poder dessas empresas para controlar o fluxo de notícias internacionais. Até hoje, não é fácil incluir notícias sobre o nosso país em uma cobertura internacional dominada pelos eventos no primeiro mundo, no Oriente Médio e, cada vez mais, na Ásia (China e Japão). Como dizia um editor da WTN direto do seu assento de poder em Nova York: "Notícias do Brasil? É sempre a mesma coisa. Quando não é seca, é enchente!"
É difícil escapar de um controle jornalístico que privilegia o desastre e as más notícias do Terceiro Mundo. O cenário da cobertura internacional é centralizado e desigual e foi construído através dos anos para manter essa centralização e desigualdade. Enquanto isso, não recebemos notícias da África ou da América Latina e qualquer show de Lady Gaga (sic) tem repercussão mundial.
América Latina para brasileiros
Coube ao jovem jornalista Pedro Aguiar, mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e editor internacional do Jornal da Globo, explicar e comentar casos específicos de agências que ousaram desafiar a hegemonia no fluxo de informações. Ele relatou suas pesquisas sobre o projeto da Unesco com os países não-alinhados durante os anos 1970, quando tentaram quebrar o monopólio das agências internacionais e o processo de centralização de notícias em Londres e Nova York.
Não é necessário dizer que o projeto, apesar de sua importância e relevância, não deu certo. Os países hegemônicos ameaçaram se retirar da Unesco, o projeto morreu e as agências continuam poderosas. Pedro aproveitou para relembrar aos participantes do seminário que, apesar de todas as suas promessas e benefícios, as novas tecnologias não têm o potencial libertador necessário para reverter esse cenário de controle e poder. "Mas podemos, sim, fazer uma apropriação contra-hegemônica dessas tecnologias", concluiu.
A excelente apresentação de Pedro Aguiar foi um dos melhores momentos do seminário. Aproveito para recomendar o seu livro Jornalismo Internacional em Redes, editado pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro em 2008 (ver aqui).
Mas nem todas as apresentações e discussões durante o seminário foram sobre o poder das agências de notícias. Roberto Bournier, jornalista experiente com longa trajetória na Globo, relatou em detalhes suas próprias experiências na América Latina. Em fevereiro de 2004, Bournier tornou-se o primeiro correspondente fixo da TV Globo em Buenos Aires. Ele enfrentou o grande desafio de mostrar a América Latina para os brasileiros. Como vimos, isto não é tarefa fácil.
Vale a pena
Ele cobriu diversos eventos ocorridos na América Latina, como o plebiscito de revogação do mandato do presidente venezuelano Hugo Chávez, em dezembro de 2004, e a eleição do presidente boliviano Evo Morales, em dezembro de 2005. Mais recentemente, participou do dramático resgate dos mineiros chilenos ao vivo, via internet, diretamente do deserto de Atacama, no Chile. Seu relato sobre as dificuldades que teve de enfrentar foi impressionante. Centenas de correspondentes de todo o mundo aglomerados no meio do nada tendo que enviar notícias o tempo todo. Seu relato foi um bom exemplo dos novos desafios da cobertura internacional em tempos de muitas notícias e poucos recursos.
Mas, além de tentar convencer os telespectadores da importância dos temas latino-americanos, o grande desafio de Burnier durante seu período como correspondente em Buenos Aires foi colocar em prática um projeto inovador da Rede Globo. Trata-se de um programa que permite o envio de reportagens pela internet sem necessidade de aluguel de satélite. Uma verdadeira revolução que auxilia os correspondentes a cobertura internacional em um novo cenário de competitividade, dificuldades e "vacas cada vez mais magras".
Para cobrir o resgate de mineiros para a Globo, Bournier não teve que andar de ônibus durante 24 horas quase seguidas. Mas as dificuldades também eram enormes. Ou seja, não é por falta de recursos, de tecnologia, de pautas ou, o mais importante, falta de interesse do público que a cobertura internacional enfrenta tantos problemas e desafios. O que falta mesmo é garra, vontade de mostrar o mundo, apesar de toda as dificuldades. Ou seja, deixe de sonhar com a profissão de correspondente internacional e comece a agir.
Pare de ler este artigo, pegue um ônibus, ou de preferência um avião, e tente ser você mesmo um correspondente da era digital.
Sinceramente? Apesar dos desafios e dificuldades, vale a pena.
Fonte: Alberto Brasil - OI

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Cantanhêde atiça a “massa cheirosa”

Eliane Cantanhêde, uma das principais colunistas da FSP (Folha Serra Presidente), sempre teve “laços afetivos” com o alto tucanato. Durante a chamada crise do “mensalão do PT”, em 2005/2006, ela foi uma das vozes mais estridentes contra o presidente Lula. Já na campanha eleitoral do ano passado, ela mostrou todo o seu entusiasmo militante com a candidatura de José Serra ao estrelar um vídeo, toda faceira, no qual elogiava a “massa cheirosa” do PSDB.

Confirmada a vitória de Dilma Rousseff, a “calunista” da Folha parecia que havia abandonado seu ativismo tucano. Até andou elogiando a presidenta, tentando colocar uma cunha entre ela, agora uma “estadista”, e o ex-presidente Lula, “o populista”. Mas a trégua durou pouco. Com o episódio envolvendo o ministro Antonio Palocci, que exige rigorosa apuração sobre o seu acelerado enriquecimento, Cantanhêde voltou à carga com o seu oposicionismo.

“Fim da lua de mel”

O alvo dos seus ataques não é nem Palocci, que continua sendo um homem de confiança do “deus-mercado” e dos barões da mídia. O alvo, sem meias palavras, é a própria presidenta Dilma Rousseff. Na sua coluna de ontem (18), ela não esconde sua paixão oposicionista. Já no título, ela é taxativa: “Fim da lua de mel”. Para ela, acabou-se a trégua – que tinha objetivos marotos - e é hora da oposição demotucana intensificar as críticas ao novo governo.

“Apesar de haver, sim, boa vontade com o início do governo e reconhecimento à discrição e à seriedade da nova presidente, ninguém pode ignorar que o aumento vertiginoso do patrimônio de Antonio Palocci é de deixar qualquer um tonto, principalmente a própria Dilma, já que ele é, nada mais nada menos, chefe da Casa Civil e o ministro mais importante do governo”, afirma Cantanhêde. Para ela, o episódio atinge todo o governo e não apenas o ministro!

Nova líder da oposição

Diante do escândalo, Cantanhêde só lamenta que os “dois principais nomes nacionais tucanos ficam, ora, ora, em cima do muro. José Serra, candidato derrotado por Dilma em 2010, minimizou o boom imobiliário de Palocci, meio na linha ‘deixem o homem trabalhar’. Aécio Neves, provável candidato contra Dilma (ou Lula) em 2014, pede ‘serenidade" em tom ostensivamente governista e diz que não entra em processos de ‘desestabilização do governo’… Cá pra nós, com uma oposição como essa, para que Dilma precisa de uma base aliada tão robusta?”

Deste jeito, Cantanhêde deixará de escrever suas colunas diárias na Folha e vai virar líder da oposição demotucana. Seu discurso inflamado visa exatamente animar e atiçar a “massa cheirosa” do PSDB e também do DEM e do PPS – partidos que andam meio caidinhos, com desfiliações massivas e violentas brigas internas.

Altamiro Borges

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Mudanças no seguro-desemprego

No final do ano passado, a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região - Amatra IV foi surpreendida por novas normas anunciadas pelo Ministério do Trabalho contra o que seriam “pagamentos indevidos” de seguro-desemprego.
Acima de tudo devemos destacar que o seguro-desemprego é um direito do trabalhador assegurado na Constituição Federal, para minimizar os efeitos do desemprego involuntário.
Pois bem, me parece louvável que haja uma fiscalização para que não seja pago a quem, de fato, não teria direito a recebê-lo. No entanto, a exigência de que o trabalhador submeta-se a vaga que lhe é indicada sob pena de perder o direito ao recebimento das parcelas é uma condicionante que não encontra respaldo legal.
Para que serve o seguro-desemprego? São cinco – no máximo seis – parcelas que têm por objetivo dar tempo para que trabalhador tenha tranquilidade de buscar um novo espaço no mercado, sendo-lhe permitida sua subsistência e de quem dele dependa economicamente.
A criação do benefício já veio acompanhada de critérios para sua liberação
que, por si só, contribuem para que não haja abuso nas suas liberações: o empregado deve ter sido dispensado sem justa causa; tem que estar desempregado, quando do requerimento do benefício; ter recebido salários consecutivos no período de 6 meses anteriores à data de demissão. A sociedade ocidental avançou ao Estado de bem-estar social. No Brasil, essa concepção ainda não alcançou os níveis de países do hemisfério norte. Tanto é assim, que o seguro-desemprego existe em toda a Europa Ocidental em condições bem mais vantajosas ao trabalhador.
A questão do desemprego e do retorno do trabalhador ao mercado de trabalho
é um debate que não deve ser feito prioritariamente pela óptica da culpa do trabalhador, como assim querem fazer crer os neoconservadores, pós crise de setembro de 2008. Os gastos estatais com as salvaguardas ao mercado financeiro e imobiliário não podem ser compensados com a supressão de
direitos já incorporados no patrimônio jurídico do trabalhador. Devem ser cobrados a quem os deu causa. O Estado brasileiro sequer chegou ao Estado de bem-estar social e já pretende-se ombrear ao conservadorismo lógico-pragmático.
Falando abertamente. Se a burocracia estatal se dá ao direito de duvidar da idoneidade do trabalhador e achar que ele está se aproveitando do benefício para “tirar umas férias remuneradas”, nos cabe o direito de duvidar das intenções das novas medidas. Não seriam elas, uma forma de reduzir o acesso ao benefício, “para fazer caixa”? Afinal, pressionado por uma oferta de trabalho sob a pena de perder o seguro-desemprego e ainda ficar desempregado, o trabalhador pode acabar aceitando uma vaga, mesmo que sem o perfil para a atividade. Nesse caso, pode acontecer dele não passar no período de experiência no novo emprego. Na prática, o Ministério do Trabalho fez a sua parte e lava as mãos se o trabalhador não teve “capacidade” de garantir a vaga que lhe foi indicada. Livra-se de pagar o seguro-desemprego.
O melhor seria que houvesse uma política estatal de incentivo à formalização do emprego e de regulamentação da garantia contra a despedida imotivada. Tais medidas aumentariam as fontes de custeio dos programas sociais e diminuiria sobremaneira a rotatividade de trabalhadores no mercado de trabalho.

Por Marcos fagundes Salamão - Agência Sindical

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Interesses corporativos de megaempresas radicalizam o cerco sobre o Rio

O senso comum, moldado por uma campanha midiática envolvendo governos, meios de comunicação e instituições privadas com diferentes interesses, acredita que o Rio de Janeiro esteja passando por um momento auspicioso de sua história.
A escolha da cidade como palco de megaeventos como as Olimpíadas de 2016, dentre outros, permitiu que uma campanha de promoção da cidade ganhasse corpo e respaldou o poder público a assumir um conjunto de obras públicas e intervenções urbanas, com o objetivo de preparar a cidade para o que seria uma nova era.
Além dos Jogos Olímpicos, a cidade do Rio irá sediar, a partir desse ano de 2011, os Jogos Mundiais Militares; a Conferência Mundial do Meio Ambiente – a Rio +20 (em 2012); a Copa das Confederações (2013); e jogos, incluindo a partida final, da Copa do Mundo de 2014. Neste ano de 2011 haverá também a realização de mais uma edição do Rock in Rio.
Este cronograma de megaeventos tem sido usado pelos poderes públicos para uma série de mudanças urbanísticas e a execução de obras e projetos de enorme impacto sócio-econômico. Justifica-se todo e qualquer plano a partir da necessidade emergencial de atendimento às exigências de órgãos como a FIFA ou o COI (Comitê Olímpico Internacional), ou também pela necessidade de respostas a um processo de estagnação ou esvaziamento econômico, que teria predominado na região metropolitana do Rio desde meados dos anos 70.
Uma dessas respostas, com grande repercussão midiática, foi, por exemplo, a ocupação militar, com tropas das Forças Armadas, de regiões de moradia popular, conhecidas como integrantes do chamado Complexo do Alemão. Conjunto variado de favelas que se estendem por vários bairros da zona norte da cidade, essas áreas teriam se transformado em "territórios livres", sob comando do crime organizado. Visão simplória que abstrai que esse processo jamais poderia ter se dado sem a omissão do Estado e por uma absoluta conivência e/ou ação direta de integrantes da Polícia Militar do Rio de Janeiro e de outros segmentos do que deveria ser a estrutura de segurança pública.
Para quem conhece a cidade do Rio, esta é uma verdade insofismável: não há um ponto sequer de venda de drogas ilícitas, em áreas populares, que não funcione sem o conhecimento e algum tipo de relação com policiais, inclusive no abastecimento do incrível arsenal de armas e munição existente nesses locais. Esta resposta no campo da segurança pública é vista como medida preliminar às demais iniciativas previstas como essenciais à transformação da cidade em palco de megaeventos e oportunidades de negócios, sob o comando de corporações internacionais.
Outro exemplo dessas iniciativas foi a criação do Projeto Porto Maravilha, conjunto de ações urbanísticas e financeiras que formalmente visam promover a requalificação urbana e o desenvolvimento da região portuária da cidade, através de uma PPP – Parceria Público-Privada - entre a prefeitura e um consórcio de construtoras. Trata-se de uma terceirização de parte do território urbano, com o consórcio passando a administrar e explorar economicamente a região, situada no centro da cidade e com muitas áreas de moradia popular, que hoje vivem as incertezas de um projeto que pretende transformar essa área sob um ponto de vista estritamente empresarial.
Mas o mais grave vai se dando em torno das questionáveis obras exigidas pela FIFA e pelo COI. Somente na dita reforma do Maracanã, que havia recentemente passado por outra abrangente reforma, para a realização dos Jogos Pan-Americanos, há uma previsão, inicial, de gastos de R$ 700 milhões. A referência ao Pan, neste aspecto, deve ser lembrada como um alerta. Com uma estimativa inicial de gastos de R$ 400 milhões, incluindo os Jogos Parapan-Americanos, ao final da história a fatura chegou à astronômica cifra de R$ 4 bilhões. Ah, e as últimas informações dão conta de que a reforma do ex-maior do mundo deve chegar ao bilhão de reais.
Essas cifras financeiras procuram ser justificadas pela possibilidade de vantagens, o dito legado, deixadas por esses eventos para as cidades que os sediem. No caso do Pan, no Rio, além de um conjunto de elefantes brancos – equipamentos esportivos em total ociosidade –, talvez uma das poucas heranças positivas deixadas para a cidade fora justamente a reforma do Maracanã, agora em escombros...
O Rio experimenta, também, polêmicos projetos, desvinculados dos megaeventos, mas, paradoxalmente, em flagrante contradição com as ditas vocações da cidade e com o próprio simbolismo de qualquer atividade ou preocupação vinculada ao esporte ou ao meio ambiente.
O principal desses projetos, junto com a instalação do pólo petroquímico, em Itaboraí, é a implantação e funcionamento da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), no bairro de Santa Cruz, na zona oeste da cidade, e junto à baía de Sepetiba, santuário ecológico e região de turismo.
A CSA é uma unidade siderúrgica de uma cadeia produtiva que começa no Brasil e vai se concluir na Alemanha e nos EUA. Produz placas de aço plano, exportadas diretamente para duas outras unidades situadas nesses países, onde são produzidos os chamados laminados, de maior valor agregado. A parte da produção sabidamente de maior impacto energético e ambiental fica, portanto, por aqui, enquanto o filé mignon da produção – e do faturamento da cadeia – vai para os americanos e alemães.
Já em funcionamento, a siderúrgica foi multada por mais de uma vez, por conta das emissões de fuligem e outras agressões ao meio-ambiente e à saúde da população. Com um processo de licenciamento provisório, o Ministério Público Estadual recomenda a não concessão da licença ambiental definitiva. O pleno funcionamento da usina irá elevar em quase 80% as emissões totais de gás carbônico na região metropolitana do Rio.
A CSA é uma associação da Vale com a ThissenKrupp alemã. A Vale, por sua vez, tem como principais controladores fundos de pensão – à frente a Previ, dos trabalhadores do Banco do Brasil – e o BNDESPar. O BNDES financiou o projeto, rejeitado anteriormente pelo Chile e pelo estado do Maranhão, com R$ 1,5 bilhão e juros subsidiados. Estado e município garantiram isenções fiscais e, desse modo, evidencia-se como o propalado sucesso da privatização dependeu, na sua origem, e depende no seu presente, dos capitais estatais e paraestatais.
A Previ também - junto com a Funcef, dos trabalhadores da Caixa Econômica Federal, a Petros, dos funcionários da Petrobrás, e a construtora OAS - controla a Invepar, hoje concessionária do Metrô do Rio.
Do serviço atual do Metrô, não se pode falar que é o pior da cidade, por conta da concorrência desleal dos péssimos serviços de trens e barcas. Mas, mais uma vez, acena-se que com a realização dos megaeventos... "O Rio dará a volta por cima".
O problema é responder "para cima de quem?"
Os moradores de Santa Cruz, por exemplo, que já sofrem diretamente a violência diária da CSA, nesta semana foram informados que o governo do estado, a prefeitura do Rio e a CEDAE acertaram a privatização dos serviços de esgoto de uma região de 21 bairros, onde eles se incluem. Envolve uma população predominantemente de baixa renda, correspondendo a cerca de 30% da população da cidade. A justificativa, incrivelmente, é a falta de recursos para os investimentos necessários para a ampliação da rede de tratamento, no contexto do esbanjamento de recursos públicos nos questionáveis projetos para a Copa e para as Olimpíadas. E o anúncio dessa medida foi feito no mesmo dia em que era divulgado que a prefeitura da cidade financiaria, com R$ 2 milhões, show do ex-beatle Paul McCartney.
Mas, para fechar o cerco oficial da cidade pelos interesses corporativos das megaempresas, acaba de ser concluída – ao menos ao gosto das autoridades competentes – a tentativa de desestruturação de um dos trabalhos mais importantes de questionamento legal ao Estado, e apoio político e jurídico à população atingida em seus direitos.
Com a onda de desapropriações e remoções existentes na cidade, por conta das intervenções sempre justificadas pela relevância e urgência de obras, o Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado se transformou em uma trincheira de resistência legal de milhares de cidadãos que lá encontravam amparo. Com uma atuação em permanente diálogo com as comunidades sob risco, o Núcleo nos últimos anos ganhou experiência de trabalho na luta contra a exclusão social, e credibilidade e confiança da população. Contudo, justamente por essas razões, mudanças foram operadas pela direção geral da Defensoria, com o afastamento dos defensores que nesse tempo deram consistência ao trabalho desenvolvido pelo Núcleo, e, para finalizar o desmonte, com a demissão sumária de todos os estagiários que lá trabalhavam.
Com o controle absoluto da situação, a aliança que une FIFA, COI, governos federal, estadual e municipal, construtoras, multinacionais e oportunistas de toda a sorte – do mundo empresarial ao partidário - vê o seu caminho aberto. O objetivo maior é a radicalização dos propósitos de privatização, em larga escala, do poder público, de espaços públicos e dos recursos públicos. Em um curto espaço de tempo. É o Rio sob ataque. E o Rio, lembramos, é a expressão, para o mundo, do Brasil.
Ao final dessa história, como já ocorrido com os Jogos Pan-Americanos, e com o que acontece na Grécia, após a badalação das Olimpíadas em Atenas, a conta a ser paga ficará nas costas do povo, hoje excluído, mal tratado e desrespeitado em seus elementares direitos.
Por Paulo Passarinho
Economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro
Correiro da Cidadania

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Morte de Bin Laden incita inúmeros questionamentos ignorados pela mídia brasileira

Após 10 anos de espera mundial, os EUA anunciaram o desfecho da caça ao terrorista mais célebre do século, Osama Bin Laden. Depois da comoção e festejo nacionais dos americanos, que imediatamente após a confirmação da morte do ex-líder da Al-Qaeda ocuparam a frente da Casa Branca, não faltaram desencontros nas versões que descreviam como a missão havia sido cumprida.
Os próprios algozes do saudita chegaram a contar a mesma história com distintos desdobramentos. E mais uma vez podemos testemunhar outro deprimente espetáculo de subserviência da mídia brasileira, que volta a reverberar tudo que sai de Washington com pouco ou nenhum questionamento, transformando opiniões de agentes de governo e da CIA em manchetes definitivas – a Folha de S. Paulo desta sexta, 6, é exemplar disso.
Questionar e desconfiar, sinônimos de jornalismo
Após o mundo se dar conta da produção de mentiras em escala industrial do governo Bush para invadir e saquear o Iraque, o que já significou cerca de 1 milhão de mortes, aqueles que praticam o jornalismo com a exigida ética da profissão não têm sequer o direito de reproduzir acriticamente o que diz o departamento de Estado e o aparato militar estadunidenses.
Mas infelizmente é esse o tipo de análise que continua a predominar nos principais e mais lidos jornais do país. Numa guerra ao terror empreendida por um governo belicista como poucos na história, repleta de obscuridades e ilegalidades que se revelaram ao longo do tempo (como as prisões clandestinas em Guantánamo e Abu Ghraib, locais em que o Direito Internacional passou ao largo), enormes interrogações do público permanecem longe de qualquer elucidação.
Aliás, nossos monopólios midiáticos chegaram ao cúmulo de publicar que as informações do paradeiro de Bin Laden teriam sido obtidas em Guantánamo, uma (pouco) sutil justificação das brutalidades estadunidenses nessas intoleráveis masmorras.
Mas o ponto fácil de atacar é outro e não faltam acusações de acobertamento do serviço de inteligência e setores do governo paquistanês a Bin Laden, algo evidente demais diante do fato de que o ex-líder da Al-Qaeda estava instalado em uma toda peculiar fortaleza, a escassos 50 quilômetros da capital Islamabad e a menos de cinco de uma base militar.
E como os próprios americanos já acusam seus ‘parceiros’ abertamente dessa traição, o país sul-asiático já é o alvo preferido, o que serve para justificar mais "combate ao terror" à moda e métodos americanos, além de operações que violam a soberania territorial dos países. Tal exemplo se verifica na Líbia, onde os ataques da OTAN estão claramente indo além da orientação da resolução 1973 da ONU, que estabelece apenas uma zona de exclusão aérea, e não a licença para matar a esmo, atingindo inclusive objetivos não militares.
Basta olhar para a própria operação, que segundo os americanos não podia ser informada aos paquistaneses, pois estes tratariam de alertar Osama, para já se ter ciência da rede de mentiras construída pelos ianques, que escolhem a dedo quem são os parceiros e inimigos na "guerra ao terror", permitindo que regimes ultra-corruptos, como o paquistanês, mantenham tranquilamente seu arsenal nuclear e tentem vaga no Conselho de Segurança da ONU, enquanto outro, como o Irã, onde os grupos extremistas não são relevantes, não podem nem pensar nisso.
Justo agora?
Há muitas outras perguntas que insistem em não calar a respeito do fim de Osama Bin Laden. A mídia deliberadamente produtora de mentiras, capitaneada por Veja e Globo, não pensa assim, claro. Para eles, o que sai da boca da Casa Branca é palavra definitiva e não se questiona absolutamente nada, tanto em relação à legalidade da operação como às nada paranóicas teorias de que a existência do mentor do 11 de setembro chegava a ser conveniente.
Fica difícil defender o Direito Internacional numa operação de caça a quem comandou um bárbaro atentado que vitimou 3 mil inocentes, basicamente trabalhadores comuns. No entanto, o mesmo tem ocorrido na Líbia, além de o serviço secreto israelense burlar a soberania de diversos países para praticar seu terrorismo de Estado, como se viu ano passado em Dubai, no assassinato de um líder do Hamas, perpetrado por agentes israelenses com passaportes falsos de outras nações.
E aí se encontra o primeiro nó. Estados Unidos e Israel são exatamente os dois únicos países de relevância internacional a não reconhecerem a legitimidade do Tribunal Penal Internacional, cuja incumbência principal é investigar, julgar e punir crimes de guerra, constante e inegavelmente praticados em profusão por ambos nas últimas décadas.
Assim continuam, e pelo jeito continuarão, violando livremente a soberania alheia, o que pode provocar injustiças gritantes – que o digam os massacrados palestinos, sob ocupação de cunho nazista. Além disso, beira o ridículo não emparedar os ianques a respeito da negação de imagens cabais, sob a risível desculpa de sepultamento marítimo em respeito à liturgia islâmica da morte. Fora o fato mencionado pela jornalista Elaine Tavares: a perigosíssima legalização do crime de vingança, de faroeste.
Política interna
É evidente que Obama, farsesco Prêmio Nobel da paz em uma semana de mandato, busca capitalizar a façanha entre o público interno, visando às imprevisíveis eleições do ano que vem, quando os fundamentalistas de mercado do Partido Republicano e seus asseclas reacionários do Tea Party podem retomar o poder e voltar a espalhar o medo por todos os quadrantes com seus discursos raivosos.
Mergulhados numa pobreza social que não se via desde a Grande Depressão, a maioria da população norte-americana já se encontra em estado de franca desilusão com o primeiro mandatário negro de Washington. Com o sucesso na captura e assassinato de Osama, a população carente de empregos e saúde, além de endividada, pode dar novo voto de confiança ao presidente, que após concluir a missão iniciada por Bush poderia canalizar recursos que têm servido às guerras para as necessidades internas.
E a partir disso fica impossível não fazer outra indagação, que se refere diretamente à prometida retirada das tropas do Afeganistão. A única justificativa contrária à retirada era encontrar o dono da montanha Tora Bora, localizada em Jalalabad, que, no entanto, foi finalmente abatido no "parceiro" Paquistão – ao que tudo indica, lar de Bin Laden há alguns anos.
Dessa forma, iniciar-se-á a tão propalada volta para casa das tropas estadunidenses? Ou como bem lembra o jornalista ocidental mais especializado em Oriente Médio e Ásia, Robert Fisk, "a morte de Bin Laden no Paquistão é irrelevante diante da primavera árabe de revoltas e lutas por democracia"? Afinal, é muito claro que os levantes desses países não ocorrem sob a égide do terrorismo ou fundamentalismo.
Política externa
Será que os americanos não podem pensar exatamente o mesmo e começarem a preparar o terreno para novos empreendimentos militares? Já está claro que o complexo industrial-militar do maior império já constituído pela humanidade tem a guerra em sua agenda econômica e dela até dependem as contas nacionais. Estima-se que os gastos militares dos EUA já estejam na casa do trilhão de dólares anuais, o que evidencia a necessidade de muitos negócios e empreitadas militares para dar vazão a tamanha produção e estoque armamentistas.
No mais, sabe-se que o Afeganistão é um território instável, tribal, conflagrado, cujo governo tem níveis de confiabilidade similares ao paquistanês. Devastado e sem infra-estrutura, não é exatamente o que se pode chamar de poço de riquezas a serem extraídas. Apesar da recente descoberta de reservas minerais prodigiosas, como de lítio e nióbio, sua exploração lucrativa demandaria no mínimo mais 10 anos de ocupação, para que se desenvolva a inexistente capacidade de exploração de tais recursos.
Enquanto isso, uma onda de revoltas populares com potencial e encaminhamento imprevisíveis explode por todo o Oriente Médio, arrastando-se por um cordão que envolve mais de 20 países, uma região que tem um peso geoestratégico incomparavelmente superior ao afegão. Além de ser fonte da maior parte do petróleo consumido pelas grandes potências, que em troca sustentam e financiam dezenas de ditaduras na região. Como se não bastasse, teme-se profundamente uma configuração política que isole Israel.
Perguntas que não calarão
Dessa forma, diante dos custos cada vez mais exorbitantes dos empreendimentos militares, não terão os americanos calculado que Bin Laden já não era mais uma muleta necessária? Que talvez agora seja mais conveniente começar a abandonar o Afeganistão sob desculpas de que "não foi possível implantar a democracia, pois são muito selvagens", tal como rotulam o mundo islâmico desde sempre? E a partir disso, quem sabe, não será o caso de concentrar esforços nos países médio-orientais e norte-africanos em chamas? Não será também conveniente voltar a levantar a lebre do terrorismo e associá-lo às revoltas de alguns desses países?
São todas perguntas óbvias diante da dimensão global que a última década concedeu à doutrina Bush-Dick Cheney de ‘guerra ao terror’ e também do ritmo incessante com que os Estados Unidos criam pré-condições de marginalização de governos inimigos, de modo a iniciar a justificação de sanções internacionais, nova ocupação e conflito armado. E são todas perguntas que o jornalismo brasileiro parece ter preguiça de fazer.
Mas isso já acontece na Líbia, onde as tropas da OTAN estão em nova operação de suposta libertação de povo oprimido, quando na verdade sabemos, como destacou o jornalista Milton Temer, que "onde países como França, Inglaterra e EUA põem os pés, não se pode estar tramando uma revolução popular e realmente democrática".
Outros governos instáveis, de povos divididos, também estão cada vez mais na berlinda, por sinal, cometendo atrocidades muito maiores que os últimos integrantes da lista negra ianque, como, por exemplo, a intocável Arábia Saudita, o Bahrein, a Jordânia, o Iêmen, todos beneficiários de bilionárias ajudas militares dos países centrais, tal como eram (são), aliás, Egito e Tunísia.
Não teria chegado a hora de se livrar de uma vez por todas de Bin Laden e escrever novos roteiros para a famigerada "guerra ao terror"? Por outro lado, nunca irá se questionar quem é mais terrorista e assassino?
Gabriel Brito - CC