quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os untadores e o Código Florestal

Faço, logo de início, uma pergunta retórica: quem leu a proposta de novo Código Florestal aprovada pela Câmara de Deputados por 410 (!) votos a favor e 63 contrários? Ao acompanhar o intenso debate de viés catastrófico na mídia sobre o novo código, fiz o óbvio: procurei na internet o texto do que fora aprovado para procurar a razão de tanto deus-me-acuda-que-o-mundo-está-acabando.

Por Anselmo Pessoa Neto*

Li todo o projeto de lei Nº 1.876-C de 1999 procurando encontrar ali o artigo ou parágrafo que anistiava os desmatadores; o artigo ou parágrafo que retirasse dos proprietários a obrigação de manter as APPs - áreas de preservação permanente - e, pasmem, não existe nada que permita tais leituras, pelo contrário, a proposta procura abarcar, de forma extremamente detalhada, as situações diversas e para cada uma delas aponta uma solução resultante da análise da situação concreta mais a intervenção dos órgãos de proteção ambiental afeitos à demanda.

Como de gente mal-intencionada, comprada ou irresponsável não se pode cobrar brio, sugiro ao leitor honesto que faça a coisa razoável: procure também ler a proposta de lei do novo Código Florestal. Porém, gostaria de discutir como a "peste" da fofoca se espalha, como reputações são "queimadas" e de como isso não é uma novidade na sociedade dos homens. Por isto comecei citando Alessandro Manzoni e o seu clássico universal: Os noivos ( I promessi sposi , no original). Os capítulos 31 e 32 desta obra-prima da literatura universal são dedicados ao argumento de como uma verdade, considerada falsamente como desagradável, pode ser escamoteada. Ali se pode ver como a ignorância, os interesses mais contraditórios e irresponsáveis se juntam em um objetivo comum: caluniar e espalhar a "boa" mentira. Os portadores de mentira, em regra, querem ser amados. E nada mais adequado para suprir essa carência de afeto, nos dias de hoje, do que se colocar como amante da natureza. Que a carência de afeto esteja envolta em questões econômicas e científicas da maior gravidade, pouco importa para os pedintes de reconhecimento, eles querem ser maria-vai-com-as-outras.

Pouco importa saber que a recente posição de força econômica do Brasil no mundo se deve em larga medida à pujança de sua agropecuária, pouco importa saber ou desconfiar que os países ditos centrais jogam com todas as peças do tabuleiro, inclusive com as crenças populares e as mistificações como, por exemplo, de que se deve multar indiscriminadamente quem desmatou, mesmo que o tenha feito por força de lei, por falta de lei, por exorbitância da lei ou pela prática de crime ambiental. Mas a ignorância, só em alguns casos de boa fé, vai mais longe, ela chega a insinuar que seria possível dar de comer desde à superpopulação de animais domésticos até a explosão demográfica humana que a ciência propiciou, sem desmatamento! Como se a casa em que esses mistificadores moram não tivesse sido em algum momento uma mata, como se fosse possível tomar banho quente sem que para isso algum tipo de energia, nos limites tecnológicos do presente, fosse necessário, como se o reino da natureza fosse uma arcádia, como se houvesse de fato existido na história a Idade de Ouro (mais sobre a Idade de Ouro se pode conferir no ótimo Woody Allen de Meia Noite em Paris , ou no excepcional ensaio de Raymond William, O campo e a Cidade ), como se Darwin não tivesse razão ao observar que: "Contemplando a face da natureza resplandecente de alegria, vemos com frequência superabundância de alimentos; mas não vemos, ou esquecemos, que os pássaros que cantam ociosos ao nosso redor vivem em sua maioria de insetos ou sementes e estão assim constantemente destruindo vida; esquecemos com que abundância são destruídos estes cantores, seus ovos e seus filhotes pelas aves e mamíferos rapaces".

A voz do povo, em Manzoni, não queria ver, ou não podia ver por causa de seu compromisso com suas próprias mentiras, mistificações e fantasias, que era a peste que grassava e que, sobretudo, um dado da realidade não é possível de ser suprimido pelo discurso caridoso, aparentemente correto, mas que, na verdade - como sempre acabará por se revelar - é o próprio fel destilado. À pergunta se não existiam vozes que se levantassem contra a desinformação generalizada ao tempo da peste em Milão, Manzonzi responde afirmativamente: "O bom senso existia, mas calado, com medo do senso comum".

Para não tirar do leitor que quer ter a sua opinião o dever de ir à fonte para, de forma autônoma, fazer a sua interpretação do projeto de lei sobre o novo Código Florestal que ora tramitará no Senado, adianto que o que esses desmatadores da verdade colocam sub judice é um procedimento já consolidado na legislação brasileira, em especial pelo Ministério Público: o princípio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O TAC, ou suspensão da multa, como está na proposta do novo Código Florestal, nada mais é que, depois de provada a ilegalidade, o implicado na transgressão ter a chance de reparar o dano causado a alguém ou, no caso, à natureza. A reparação do dano, ou, onde for o caso, o replantio da vegetação nativa, não seria mais salutar do que multar e, ao mesmo tempo, obrigar o replantio e, como consequência, quebrar o produtor e forçá-lo a vender a sua terra? Do ponto de vista da preservação ambiental e da produção agropecuária, não seria o TAC a melhor solução para ambas as causas? Não, diz o lobby dos interesses escusos abrigados em ONGs internacionais e dos ingênuos de boa fé. Na verdade, eles não acreditam no procedimento legal que mimetiza o TAC. Por isso querem uma lei acima da lei: a multa indiscriminada que, inevitavelmente, caso houvesse governo que conseguisse aplicá-la, deixaria o Brasil na condição de importador de alimentos dos Estados Unidos e da Europa.


* Anselmo Pessoa Neto é pró-reitor de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Goiás

Fonte: O Popular

Nem a ortodoxia confia mais nas suas criaturas

 

Governantes e autoridades financeiras da União Européia rangeram e rugiram diante da decisão da agencia de risco Moody's, que reduziu a classificação dos títulos da dívida portuguesa para a categoria ‘junk’ (lixo). Lisboa acaba de obter um socorro de 78 bilhões de euros, em três anos, em troca de um pacote de ajuste. A exemplo do que faz a Grécia, a auto-imolação lusa inclui demissões, cortes de gastos em áreas essenciais, aumento de impostos e privatização, inclusive da tevê pública portuguesa. Inútil. O veredito da Moody’s baseia-se na constatação de que o sacrifício não será suficiente porque não é viável. O artigo é de Saul Leblon.

A longa agonia do arcabouço ideológico neoliberal registrou mais um espasmo pedagógico.

Na terça-feira (5) governantes e autoridades financeiras da União Européia rangeram e rugiram diante da decisão da agencia de risco Moody's, que reduziu a classificação dos títulos da dívida portuguesa para a categoria ‘junk’ (lixo).

Lisboa acaba de obter um socorro de 78 bilhões de euros, em três anos, em troca de um pacote de ajuste que o próprio primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, direitista assumido, admite ser um gigantesco contrato de recessão com o futuro. A exemplo do que faz a Grécia, a auto-imolação lusa inclui demissões, cortes de gastos em áreas essenciais, aumento de impostos e privatização, inclusive da tevê pública portuguesa.

Inútil. O veredito da Moody’s baseia-se na constatação de que o sacrifício não será suficiente porque não é viável.

A sentença coloca sob suspeição e risco todo o esforço na mesma direção implementado pela troika --Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o FMI-- para evitar o desmonte financeiro da UE, trincado verticalmente pelo pré-calote da Grécia, a quebra da Islândia, o descrédito crescente na solvência das dívidas soberanas da Espanha, Itália, Bélgica etc.

As interações estruturais nessa engrenagem avariada não tardaram a dar razão ao pânico desencadeado pelo rebaixamento da dívida portuguesa.

Vinte e quatro horas após o disparo da Moody’s, ações dos bancos espanhóis, que detém mais de 50% da dívida externa portuguesa, desabaram.

O efeito contágio atingiu também a dívida soberana da Espanha obrigando Madri a elevar os juros pagos aos seus credores ao nível mais alto dos últimos três e jurar de pés juntos: ‘Nãos somos Portugal; não somos a Grécia.

O rastilho derrubou as bolsas de Milão, Frankfurt, Paris, Londres, Atenas e Dublin na quarta-feira, deixando claro o abraço de afogados que tais ‘imprevistos’ desencadeiam. E continuarão a desencadear.

Mas o episódio português ilustra, sobretudo, os paradoxos típicos dos crepúsculos históricos. À falta de novos protagonistas --e de novos projetos--, criaturas e criadores do capítulo agonizante se desentendem nos seus próprios termos.

É assim que se deve interpretar a reação contrariada da dama de ferro prussiana, a chanceler alemã Ângela Merkel, diante da decisão da Moody’s.

“É importante que a troika não permita que lhe retirem a capacidade de avaliação”, disse Merkel referindo-se à estratégia definida pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia e pelo FMI para os resgates de países em dificuldades financeiras, casos da Grécia e de Portugal.

O que Ângela Merkel está exigindo, no fundo, é que os entes sagrados do neoliberalismo devolvam aos Estados –portanto à soberania da política-- o poder de comandar o destino da sociedade e da economia.

Bem mais enfático – a refletir a sua extração à esquerda da chanceler - o diretor da Agência das Nações Unidas para o Comércio Mundial e o Desenvolvimento (UNCTAD), Heiner Flassbeck, ex-secretário de Estado das Finanças alemão, disparou: “As agências de rating deviam limitar-se a avaliar empresas, não deveriam avaliar Estados”. Thomas Straubhaar, presidente do Instituto de Economia Mundial, de Hamburgo, foi lapidar: “A política foi monopolizada nas mãos de um punhado de institutos de avaliação”.

Nada como uma crise após a outra para iluminar as distorções da história.

No auge da glória neoliberal, nos anos 80/90 e até meados de 2000, as agencias de risco figuravam como uma espécie de mensageiro divino.

Investidas de poderes para emitir julgamentos sumários quanto a salvação ou o sacrifício das criaturas históricas, determinavam a sorte e os azares de bancos, empresas, governos e Nações. Direta ou indiretamente, todos eram instados a vergar suas vontades ao implacável torniquete indutor das avaliações de risco.

Uma espécie de ectoplasma da autorregulação num tempo em que tudo o que exalasse a soberania política ou planejamento público era picado e salgado na sarjeta do anacronismo obscurantista, as agências de risco reinavam incontestáveis nesse tempo.

Estavam acima da lei e da ordem; da urna e da Constituição. Acima da própria democracia.

Sobretudo a santíssima trindade representada pela Standard & Poor's, a Moody's e a Fitch – que determinavam, e ainda detém, 90% do poder de consagrar o que presta e o que não presta no universo da economia mundial— expressavam o próprio espírito dos mercados, avessos a qualquer outro princípio ou ética que não a mobilidade irrestrita dos capitais.

Na mídia nativa, vanguardeira das boas causas do ramo, colunistas da gema ortodoxa vociferavam –ainda o fazem , com m,enor audiência, é certo-- contra afrontas do governo Lula aos princípios desse poder ubíquo.

O argumento final irrespondível como irrespondíveis são as sentenças divinas, invariavelmente brandia a ameaça de uma punição no ‘rating’, a tábua sagrada de classificação do ‘risco–país’ das ditas agências.

Erigiu-se assim um círculo de ferro formado pela supremacia dos mercados financeiros desregulados, as agencias de risco e os centuriões vigilantes da mídia, associados à malta de consultores genuflexos.

Uma espécie de poder mundial opaco, mas contundente, vigiava e punia, À semelhança do panóptico de Foulcaut cuidava de assegurar que instituições, governos, empresas, mas também partidos —inclusive os de esquerda— se auto-vigiassem renunciando às transgressões ao credo neoliberal, um processo ao mesmo tempo repressivo e auto-adestrável.

Uma instituição de cooperação internacional, ou um banco privado, ou ainda um fundo de investimento, jamais poderiam –e ainda não podem-- investir num país ou num projeto público ou privado que não tivesse o ‘OK’ das agências de risco. Era o vigia oculto do panóptico a condicionar projetos e agendas desde o seu nascimento. Nenhuma surpresa assim que o debate estratégico e mesmo certos vocábulos –‘ projeto de desenvolvimento’, ‘socialismo’, ‘soberania’, estatização’ e, claro, ‘comunismo’ - tenham sido extirpados da vida política nesse período. Menos surpresa ainda que um vazio intelectual vertiginoso tenha se instaurado na vida interna dos partidos, inclusive do PT brasileiro ao longo desse ciclo e de maneira progressiva até cristalizar o silêncio atual.

O interdito desse poder supracional tinha força suficiente para humilhar presidentes eleitos, obrigando-os a picar e engolir programas de governo sancionados nas urnas, caso afrontassem dogmas sagrados dos mercados.

Essa capa de inviolabilidade sagrada começou a esgarçar-se antes da crise mundial.

Em dezembro de 2001, por exemplo, a Enron, a sétima maior empresa dos EUA, gigante do setor de energia fortemente beneficiada pela desregulação nessa área, ruiu escandalosamente. A soterrá-la, uma montanha de práticas fraudulentas, avaliações falsas de ativos, transações simuladas entre diretores e investidores e milhões de dólares embolsados por uma verdadeira gangue de experts do jogo financeiro leve, livre e solto.

Nenhuma agencia de risco advertiu nem antecipou aos investidores incautos que havia uma mazorca em curso dentro de uma das maiores empresas de energia do mundo.

Auditores ‘independentes’,como a Arthur Andersen, haviam aprovado as contas da Enron pouco antes do rombo de US$ 13 bilhões derrubar as bolsas em todo o planeta.

Assim, de tropeço em tropeço, omissão e omissão, a santíssima trindade das agencias veria sua aura perder brilho crescente até se tornar um buraco negro no auge da crise mundial, em 2007/2008/2009.

Quando o banco Lehamann Brothers quebrou em setembro de 2008, dando a largada para a maior crise do capitalismo desde 1929, seus papéis desfrutavam de avaliação AAA pelas criteriosas agencias de risco.

Um mês depois do Lehamann Brothers quebraria a Islândia.

Até quase a véspera do naufrágio, a mesma Moody’s que agora esfaqueia a direita portuguesa pelas costas –ou lhe desfecha ‘um murro no estômago’, no dizer do desabrido primeiro-ministro conservador, Pedro Passos Coelho - emprestava às finanças islandesas o carimbo de um triplo A: segurança, rentabilidade e solidez.

Na farra das subprimes nos EUA, papéis de créditos podres fatiados e ‘inseridos’ em pacotes de investimento tóxicos tiveram igualmente um lubrificante eficaz na chancela das agencias de risco, para escorregarem goela abaixo de fundos espertos e investidores crédulos mundo afora.

O resultado desse intercurso é conhecido, embora ainda inconcluso.

A colisão que se assiste agora entre agencias e a ortodoxia da troika do euro configura os esgares de uma época que teima em não terminar. Seu crepúsculo não será revertido com remendos para salvaguardar povos e nações dos riscos embutidos na ação das agencias de risco.

Num ato falho, como vimos acima, a chanceler alemã Ângela Merkel, cobrou que os entes criados pelos livres mercados não usurpem a prerrogativa estatal de ditar os rumos da sociedade.

Devolver à política a soberania das decisões sobre a liberdade humana e o destino do desenvolvimento, porém, não é algo que se possa fazer de forma compartimentada e estanque.

O que a chanceler não parece entender, porque não pode ou não quer, é que a mesma prerrogativa vale para a sociedade grega, por exemplo, 75% dela contrária ao esmagamento ortodoxo que a troika afrontada agora pela Moody’s quer impor ao país, com o apoio de uma Parlamento-zumbi, a contrapelo da praça Sintagma. É ali, a exemplo de outras praças e ruas do mundo, que a multidão revitaliza o único poder capaz de se opor à ditadura dos mercado, das agencias e do dinheiro: a democracia participativa.

Juventude atrás das grades: A realidade dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil

Na data em que se comemora 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o atendimento socioeducativo continua a ser um dos maiores desafios da consolidação de uma política consistente de Direitos Humanos no Brasil

Especialistas alertam que os programas voltados às medidas socioeducativas em meio aberto também precisam de mais investimentos

No próximo dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 21 anos. No entanto, alguns desafios ainda persistem no longo processo de defesa e garantia dos direitos de crianças e adolescentes brasileiros. Um desses desafios está na consolidação de uma política pública consistente de direitos humanos voltada para meninos e meninas em cumprimento de medidas socioeducativas.

Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei aponta que em 2010 existiam no Brasil 12.041 adolescentes cumprindo medida de internação, o que representa um crescimento de 4,5% em relação ao ano anterior, seguidos de 3.934 em internação provisória e 1.728 em cumprimento de semiliberdade.

Além do grande número de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, a pesquisa, coordenada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), revela a existência de jovens que não deveriam estar em regime de internação, pois seus casos contradizem ou não preenchem os requisitos constantes do artigo 122 do ECA, responsável por apontar os casos em que a medida de internação poderá ser aplicada.

A Constituição Federal determina que as crianças e os adolescentes recebam tratamento prioritário por parte do Estado e da sociedade em geral. As determinações entre os artigos 112 e 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (http://www.andi.org.br/infancia-e-juventude/legislacao/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente), em vigor desde 1990, reafirmam a necessidade de oferecer atenção diferenciada a essa parcela da população quando envolvidas em atos infracionais.

Apesar dos avanços registrados nas últimas décadas, o Brasil ainda convive com graves violações de direitos nas unidades de internação socioeducativa. É fundamental avançar na definição de uma política de atendimento que garanta estruturas, procedimentos e recursos humanos e orçamentários adequados em todas as fases do processo, desde a prevenção, a captura, o julgamento e a ressocialização.
Levantamentos do Conselho Nacional de Justiça (http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/pj-medida-justa) apontam ocorrência de graves violações de direitos nas unidades de atendimento, como ameaça à integridade física, violência psicológica, maus-tratos e tortura, além de negligência relacionada ao estado de saúde dos adolescentes. Há ainda denúncias de jovens privados de liberdade em locais inadequados, como delegacias, presídios e cadeias.

A estrutura das unidades continua, portanto, a ser uma questão relevante. A rede física atual, segundo o levantamento da SDH/PR, está composta por 435 unidades, sendo 305 para atendimento exclusivo de programas. A situação de precariedade é séria em muitas instalações, sendo mais evidente na região Nordeste onde os estados do Ceará, Paraíba e Pernambuco apresentam superlotação com taxas acima da capacidade em 67,81%, 38,21% e 64,17%, respectivamente.

A internação não deve ser a principal medida

Segundo o advogado e presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, Ariel de Castro, as medidas socioeducativas de maneira geral são mal aplicadas no Brasil, havendo uma tendência excessiva à internação dos adolescentes, mesmo em casos de atos infracionais cometidos sem uso de violência. "Diante da dita comoção popular, o Judiciário tem se curvado à pressão da opinião pública e aplicado a internação como a principal medida e não como exceção, conforme prevê a Lei”, avalia. Castro lembra que o Poder Judiciário e o Ministério Público não são os únicos responsáveis pela aplicação inadequada das medidas. Ele afirma que grande parte dos programas de atendimento socioeducativo em meio aberto – executados por prefeituras e organizações não governamentais (ONGs) – está em situação precária de funcionamento. "O ECA prevê a municipalização das medidas em meio aberto há 20 anos e mesmo assim a maioria das cidades lamentavelmente não possui esse tipo de serviço”, explica.

A ausência de vagas em unidades de semiliberdade também seria um fator agravante, pois, segundo Ariel de Castro, esta alternativa nunca foi considerada prioridade para os governos estaduais. Contudo, os dados da SDH mostram um crescimento da população de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade, passando de 1.234 em 2006 para 1.728 em 2010.

Drogadição e saúde mental

Estudo da SDH do ano 2009 chama a atenção ainda para um aspecto importante, porém pouco debatido no âmbito das medidas socioeducativas: o tratamento voltado aos adolescentes em caso de drogadição e transtornos psiquiátricos. O ECA prevê medidas especiais com essa finalidade, em que devem ser consideradas as peculiaridades de cada situação e a vinculação desses problemas com o ato infracional. Algumas dificuldades, como o preconceito e a falta de capacitação profissional no atendimento aos adolescentes, são apontadas como entraves na reinserção social dos que necessitam de tratamento terapêutico.

O Estatuto define dois tipos diferentes de acompanhamento nesses casos: o regime hospitalar, que envolve a internação do paciente sob requisição de um laudo médico, e o regime ambulatorial, em que o paciente permanece em convívio familiar e comunitário, frequentando periodicamente os serviços de atendimento psicossocial. Contudo, Ariel de Castro afirma que, embora tenha viajado boa parte do país para conhecer unidades de internação, nunca encontrou atendimento adequado aos adolescentes dependentes químicos ou com sofrimento psíquico. "Os programas e serviços não estão devidamente preparados e estruturados, principalmente em tempos de epidemia do uso de crack”, ressalta.

Propostas do SINASE

Com o objetivo de dar uma nova perspectiva ao cumprimento das medidas socioeducativas no Brasil, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.627/07, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). A iniciativa, que tem como relator o senador Eduardo Suplicy, busca estabelecer um marco regulatório no País, organizando os princípios de natureza política, administrativa e pedagógica para o adequado funcionamento dos programas socioeducativos de atendimento ao adolescente em conflito com a lei.

Um dos principais focos da proposta é assegurar a co-responsabilidade da família, da comunidade e do Estado, articulando os três níveis de governo. Além disso, o Sistema busca estabelecer parâmetros nacionais que priorizem a execução de medidas em meio aberto em detrimento das restritivas de liberdade, a serem usadas em caráter de excepcionalidade.

Na opinião da coordenadora do Programa de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente do escritório do UNICEF no Brasil, Casimira Benge, a importância da implantação do SINASE está em orientar estados e municípios na formulação de políticas sintonizadas com todas as recomendações nacionais e internacionais de direitos humanos em matéria de justiça juvenil.

Segundo ela, algumas recomendações do Sistema merecem destaque, como a prioridade dada às medidas em meio aberto, as regras para a construção dos centros de internação e a qualificação das equipes de atendimento. "O SINASE possibilita a harmonização e unificação de procedimentos, evitando que cada estado da Federação adote uma política desvinculada das diretrizes nacionais”, afirma.

Profissionalização e SGD

O projeto pretende enfatizar a articulação de políticas intersetoriais e a constituição de redes de apoio, a fim de garantir o direito à convivência familiar e comunitária dos adolescentes autores de atos infracionais. Ele estabelece ainda as competências dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, que devem estabelecer diálogo direto com os demais atores integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, como o Poder Judiciário e o Ministério Público.

A coordenadora geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo da SDH/PR, Thelma Oliveira, afirma que existem outros tipos de políticas públicas sendo executadas com o objetivo de romper a tradição assistencial e repressiva no atendimento dos adolescentes em conflito com a lei. Segundo ela, a Secretaria está elaborando uma proposta de regularização da profissão do socioeducador, com curso de formação a ser desenvolvido pelo Ministério da Educação com apoio de instituições de ensino superior. A SDH também apoia projetos de justiça restaurativa e o fortalecimento dos programas em meio aberto. "É preciso superar problemas como o quadro de profissionais pouco preparados para a ação socioeducativa, a proposta pedagógica incipiente e a prevalência de uma cultura prisional na aplicação das medidas de internação”, destaca.

O advogado Rodrigo Puggina, do Instituto de Acesso à Justiça, acredita que há uma inversão no que deveria ser o foco dos debates envolvendo as medidas socioeducativas. Para ele, a prevenção feita por políticas públicas é mais barata e eficaz do que a repressão. "Se não nos preocupamos com essas pessoas por um ideal de direitos humanos, que seja, então, por outra razão: os jovens que estão lá sairão um dia e nós temos que decidir como queremos que eles saiam”, conclui.

Sugestão de box:
Entenda as Medidas Socioeducativas

As medidas socioeducativas são aplicadas pelo Estado aos cidadãos entre 12 e 18 anos incompletos que cometem ato infracional. Elas têm caráter pedagógico-educativo e visam inibir a reincidência dos adolescentes em ações consideradas inadequadas ao convívio social. A aplicação das medidas leva em consideração as circunstâncias e a gravidade da infração praticada e, dessa forma, pode ser classificada em seis diferentes grupos:

Advertência - Repreensão verbal aplicada pela autoridade judicial, em que deve estar presente o juiz e o membro do Ministério Público. Obrigação de Reparar o Dano - Ocorre com fins de devolução, ressarcimento e compensação do prejuízo.

Prestação de Serviço à Comunidade - O adolescente realiza tarefas gratuitas em hospitais, escolas ou entidades assistenciais. O prazo não pode ser superior a seis meses e as atividades devem ser cumpridas em uma jornada máxima de oito horas semanais.

Liberdade Assistida - Impõe obrigações ao adolescente, que deve ser acompanhado em suas atividades diárias (escola, família e trabalho) de forma personalizada.

Semiliberdade - É a privação parcial da liberdade, em que o adolescente realiza atividades externas durante o dia e é recolhido ao estabelecimento apropriado no período noturno, com acompanhamento de um orientador.

Internação - É a mais grave e complexa das medidas socioeducativas. Ela deve ser aplicada somente nos casos de grave ameaça ou violência à pessoa, de reiteração no cometimento de infrações e de descumprimento da medida proposta anteriormente.

Sugestões de abordagem

- Como forma de regionalizar a pauta, o jornalista deve buscar dados referentes ao número de adolescentes em regime de internação e averiguar se as internações condizem com o que está estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. O jornalista poderia buscar dados, junto à direção do Centro de Atendimento ao Menor (Cenam) de quantos adolescentes estão atualmente em situação irregular e qual o percentual de atendimentos em meio aberto em relação ao meio fechado.

- Um gancho interessante é saber da Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência e Desenvolvimento Social e das Secretarias Municipais de Assistência Social como a municipalização das medidas socioeducativas está sendo desenvolvida no Estado de Sergipe e quais resultados estão sendo obtidos no sentido de preservar o direito dos adolescentes à convivência familiar e comunitária. Além disso, poderia buscar junto a especialistas na área de direitos da criança e do adolescente que impactos a municipalização poderia causar especialmente nos casos de adolescentes que vivem no interior do estado e cometeram atos infracionais leves, devendo cumprir medidas em meio aberto.

- Um grande desafio no âmbito das medidas socioeducativas é desenvolver políticas mais voltadas para as medidas em regime de liberdade. Dessa forma seria interessante buscar políticas locais que priorizem outras medidas socioeducativas, sendo a internação o último recurso para casos realmente graves.

Contatos

Fundação RenascerTel.: 3219-2160

Secretaria de Estado da Assistência, Inclusão e do Desenvolvimento SocialTel.: (79) 3179-1948/4896

Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA)Danival Falcão, presidente
Tel.: (79) 8821-1402/3246-1395

Secretaria de Direitos Humanos (SDH)Thelma Oliveira – coordenadora do SINASE
Thaís Herdy – assessora de imprensa
(61) 2025-3051 / 9148-1182
thais.herdy@sdh.gov.br
http://www.direitoshumanos.gov.br/

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a InfânciaAlexandre Amorim – assessor de imprensa
(61) 3035- 1947
aamorim@unicef.org
http://www.unicef.org.br/

Ariel de Castro AlvesPresidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo
(11) 4126-1319 / 8346-9534 / 9652-3119
ariel.alves@uol.com.br
www.arieldecastroalves.zip.net
http://www.fundacaocrianca.org.br/

Instituto de Acesso à JustiçaRodrigo Puggina - advogado
(51) 9113-6505
rpuggina@terra.com.br

Fonte: várias organizações - ADITAL

Manifestação das centrais muda de lugar para aumentar pressão

A manifestação que marcou o Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Agenda dos Trabalhadores, promovido pelas cinco centrais sindicais – CTB, CGTB, Força Sindical, NCST e UGT, nesta quarta-feira (6), em Brasília, fugiu à tradição. Os manifestantes se concentraram na entrada do Anexo 3 da Câmara dos Deputados, principal acesso dos parlamentares à Casa, ao invés do gramado em frente ao Congresso Nacional, como ocorre normalmente. A intenção é, mais próximo, aumentar a pressão.


 
Com palavras de ordem – “Põe prá votar/40 horas Já” –, balões, faixas e cartazes, fogos de artifício e apitos, os manifestantes queriam quebrar a indiferença da Casa para a votação da matéria pela redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, que tramita na Casa há 15 anos.

O deputado Brizola Neto (PDT-RJ) destacou, em sua fala, que “somente a mobilização e a unidade das centrais sindicais vai fazer valer a força dos trabalhadores e sensibilizar essa Casa para votar os projetos de redução da jornada de trabalho”, destacando que o Congresso tem grande representação conservadora e que o caminho para garantir a votação é o da mobilização para pressão.

Os oradores se dividiram entre dirigentes sindicais e parlamentares comprometidos com a classe trabalhadora. Os discursos foram semelhantes: de parabéns à unidade das centrais sindicais, de incentivo às mobilizações e da importância dos avanços nas conquistas da agenda trabalhista com redução da jornada de trabalho, fim do fator previdenciário, regulamentação da terceirização e aprovação das Convenções 151 e 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Alto e bom som

Os oradores se reveram entre dirigentes sindicais e parlamentares comprometidos com a agenda trabalhista.O presidente da CTB, Wagner Gomes, disse que mais uma vez as centrais sindicais e os movimentos sociais unidos vieram ao Congresso Nacional “para dizer em alto e bom som” que é preciso reduzir jornada de trabalho, que é inadmissível que o projeto de lei que está há 15 anos em tramitação não vá a votação. “É exigência do brasileiro por mais emprego”, afirmou.

O dirigente sindical também exigiu o fim do fator previdenciário, destacando, com ironia, que ao fim de uma longa carreira profissional, o trabalhador ganha “de presente” o fator previdenciário. E engrossou o coro dos que elogiaram a unidade das centrais, censurando, de forma velada, a ausência da CUT, ao afirmar que “não podemos deixar que questões pontuais dividam as centrais sindicais”.

O presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores, José Calixto Ramos, explicitou o motivo da divergência entre a CUT e demais centrais, ao abordar, em sua fala, que na pauta dos trabalhadores está incluida a defesa do sistema sindical brasileiro baseado na unicidade sindical. “Estão ameaçando extinguir a contribuição sindical”, denunciou, destacando o instrumento como importante para a manutenção da estrutura do movimento sindical brasileiro.

A fala dos parlamentares foi de apoio à agenda trabalhista. A deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) disse que “os trabalhadores são os que produzem a riqueza desse país e merecem os melhores salários e a redução da jornada de trabalho”. E fez uma saudação especial às mulheres trabalhadoras, destacando que elas, mais do que ninguém, sabem que o futuro dos filhos depende de redução da jornada de trabalho, que permitirá mais tempo para a vida familiar, além dos estudos e o lazer.

Mobilização e unidade

O deputado Assis Melo, que atuou como guarda de trânsito para permitir a realização do evento em local inadequado, disse que falaria como parlamentar e também membro da CTB. Ele destacou que “a luta depende da unidade das centrais sindicais. O avanço nas conquistas com a redução da jornada de trabalho, fim do fator previdenciário, regulamentação da terceirização e convenção 151 e 158 só vai ser possível com a mobilização e unidade dos trabalhadores do país”.

O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) anunciou que a programação de mobilização para o mês de julho nas regiões e as campanhas salariais vão funcionar como mecanismos de pressão para que o Congresso vote, no segundo semestre, a redução da jornada de trabalho.

E disse que, em almoço realizado ontem (5), em sua residência, os líderes partidários se comprometeram com a aprovação da matéria, citando nominalmente o PCdoB, o PT, o PDT, o PMDB e o PR. O deputado disse ainda que o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), se comprometeu em colocar a matéria em votação no segundo semestre.

O Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Agenda dos Trabalhadores faz parte do calendário de mobilização da classe trabalhadora anunciado no último dia 13 de junho. A agenda de mobilização prevê ainda, para o mês de julho, no próximo dia 14, ato unitário na Região Norte do país; no dia 21, o ato unitário será na Região Nordeste: e no dia 28, ato unitário na Região Sul. No dia 3 de agosto, fechando o calendário, está prevista uma grande passeata na avenida Paulista, com cerca de 100 mil pessoas.

Sem confusão

Os manifestantes percorreram a Esplanada dos Ministérios, como fazem sempre, mas mudaram o local da concentração.Os manifestantes dividiram com os carros o estacionamento do Anexo 3 da Câmara na manifestação. Segundo os dirigentes sindicais, a proximidade com a passagem dos deputados aumentaria pressão. O espaço era pequeno para a grande manifestação e os policiais queriam impedir a aproximação do carro de som.

Do alto do carro do som, o presidente da CTB, Wagner Gomes orientava os manifestantes, explicando que o carro devia ficar afastado dos manifestantes por orientação da polícia. “Amanhã nós queremos que saiam nos jornais as nossas reivindicações e não confusão com a polícia”, tentando manter os manifestantes longe do carro de som e não ocupar a pista para não obstruir a passagem dos carros.

Com a chegada do deputado Assis Melo, que acompanhava a marcha, o problema foi solucionado. O parlamentar negociou com os policiais e conseguiu aproximar o carro de som dos manifestantes.

A concessão dos policiais produziu manifestação de agradecimentos dos parlamentares e sindicalistas. E a reivindicação deles pela aprovação da PEC 300, que cria o piso salarial nacional da categoria, foi tema dos discursos. O deputado Paulo Pereira da Silva disse que “o deputado Assis Melo e eu garantimos que vamos aprovar a PEC 300”, agradecendo aos policiais por facilitarem a manifestação.

De Brasília
Márcia Xavier - Vermelho