segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Quem tem resistência a raciocínio?

Por Genaldo de Melo

A realidade tem dado um recado bastante claro para aqueles considerados pessimistas de plantão, bem como para aqueles outros comprometidos com o discurso do anacronismo conservador no Brasil. Na verdade a realidade tem sido até um tanto cruel com esses malabaristas do atraso. Ela tem demonstrado na prática com premissas objetivas que nossa nação vem se desenvolvendo nos últimos anos em passos largos, na frente de muitas outras que por tradição sempre foram consideradas como tal. Um Brasil para todos nasceu nos últimos anos.

Mas como ainda existe no país uma espécie de gente (que acha que tem sangue da cor azul e tem mania de superioridade) que tem uma determinada resistência a raciocínio, precisamos lembrá-los de vez em quando dessa verdade nua e cruel, o Brasil melhorou de fato. Mas precisamos entendê-los na sua insistência ao pessimismo doentio, porque naturalmente pertencem ao mundo dos ricos e abastados. Se bem que têm alguns deles que não são necessariamente isso, são fofoqueiros de plantão e bajuladores do poder econômico dos outros.

Tenho por incrível que pareça piedade dessa gente mesquinha e covarde, que em vez de ajudar ao país, fica a todo custo subvertendo a ordem das coisas. Em vez de contar a verdade de fato ao povo com seus tentáculos midiáticos, fica a semear mentiras, porque quer chegar a 2014 como grande salvador de uma pátria que já está dando certo, e não precisa de pessimistas  para salvar nada. O que é mais interessante nisso tudo é que ainda não se compreendeu que o povo não tem resistência a raciocínio, e sabe que dois e dois não são cinco e que o Brasil tornou-se de todos.

O mais vergonhoso ainda dessa gente insensata que sempre se utilizou do poder de decisão no Brasil é a forma como tratam os seres humanos comuns e os que formam opinião, bem como aqueles que iniciaram as mudanças que estamos a comprovar na prática. Não foi apenas Gilberto Dimenstein que recebeu mensagens ridículas contra Lula, pois também recebemos em nossa caixa de entrada mensagens goebbelianas contra ele. Tem gente que quer que o homem morra, porque foi ele quem fez isso com o Brasil novo, o país para todos. É de uma covardia fora dos limites naturais, alguém perder tempo para mandar correntes contra Lula, para que ele morra com uma doença que vai ter cura, e todo mundo sabe!

Ora, tem gente que perdeu a noção do ridículo com um discurso pessimista, atrasado e despido de realidade. Em vez de compreender a nova fase do Estado Brasileiro, eles dizem simplesmente que Lula não fez nada, e que o Brasil não presta por isso. Ora, tenham pena dessa gente...! Deveriam tomar um chá de caatinga-de-porco, ou procurar um oftalmologista urgente, porque o Brasil tem pressa e não depende de pessimistas profissionais.

O povo brasileiro não tem resistência a raciocínio e minoria conservadora nunca resolve nada, já está comprovado na história brasileira. Força Lula!

Aldo Rebelo: honra, desafio e responsabilidade

Editorial do Vermelho

"É uma honra, uma responsabilidade, um desafio” – foi com estas palavras que Aldo Rebelo (PCdoB-SP) definiu a nova tarefa de que foi incumbido pela presidente Dilma Rousseff – a de substituir o também comunista Orlando Silva à frente do Ministério do Esporte.

Aldo assume o cargo nesta segunda-feira (dia 31). Sua escolha sinaliza que não haverá solução de continuidade na política desenvolvida pelo ministério. Sai Orlando Silva, entra Aldo Rebelo, dois dos mais destacados quadros dirigentes do Partido Comunista do Brasil.

Sinaliza também a relação de forte confiança entre o PCdoB e Dilma Rousseff. Afinal, o partido não é um mero aliado do governo, mas coautor do projeto de desenvolvimento e avanço democrático aplicado desde a posse de Lula, em 2003, que Dilma se comprometeu a manter e aprofundar. Desde a Frente Brasil Popular (1989), o PCdoB foi um dos construtores e defensor denodado da candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, como ocorreu nas eleições de 1994, 1998 e 2002. E foi uma das vigas da campanha eleitoral de Dilma Rousseff em 2010.

Coautoria significa também corresponsabilidade – e é com esta determinação que o PCdoB assume tarefas em inúmeros escalões do governo federal.

A escolha de Aldo Rebelo para substituir Orlando Silva – que saiu para defender sua honra e desmontar a farsa caluniosa urdida pela mídia com base nas declarações de um criminoso – sinaliza a determinação dos comunistas de levar adiante as grandes tarefas pelas quais se responsabilizaram.

Foi sob o comando de um ministro comunista que o Brasil realizou, em 2007, um elogiado Pan Americano, no Rio de Janeiro; foi também sob a direção de um ministro comunista que o Brasil preparou-se para sua melhor participação em um Pan, o realizado em Guadalajara (México), com 519 esportistas, 40% dos quais bolsistas do ministério. E será sob a direção de um ministro comunista, Aldo Rebelo, que o Brasil vai terminar com êxito sua preparação para a Copa do Mundo de 2014. Desde o ponto de vista institucional até a resolução dos complexos problemas logísticos que envolvem a realização de um evento dessa magnitude. Aldo sinaliza a disposição de encarar esses desafios de frente. Já anunciou que, a partir de novembro, vai visitar as obras em andamento. Ele também deixou claro também que, no ministério, será um instrumento da política de governo para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de2016.

Sua determinação é a de ser um rigoroso cumpridor da Lei Geral da Copa, enfrentando de maneira soberana – seguindo aliás a orientação da presidente Dilma Rousseff – as pressões da Fifa e dos cartolas pela flexibilização da lei brasileira sobre meia-entrada ou proibição de consumo de bebidas alcóolicas nos estádios.

Os ataques contra Orlando Silva mal disfarçaram o objetivo de, na pessoa do ministro, atingir o governo da presidente Dilma Rousseff, afastar a pedra no sapato dos cartolas representada pelo ex-ministro, e tentar enlamear o PCdoB. A ganância uniu-se a um anticomunismo primário e os corifeus da mídia davam como certo que, com a saída de Orlando Silva, o PCdoB também perderia sua presença no governo. Houve comentarista que chegou a prever, em tom de ironia, que sempre existiria um “Ministério da Pesca” para o PCdoB.

Não foi o que aconteceu. O PCdoB, que alcançou uma representação parlamentar média, não é uma agremiação fisiológica que almeja cargos – é um partido de programa, cuja proposta é o desenvolvimento do Brasil, o avanço da democracia e a transformação socialista. É isto que o move e que ilumina a ação de seus dirigentes e militantes, em todas as esferas da vida pública. Seja no ministério, em outras esferas de governo ou nos parlamentos, em sua intensa participação nos movimentos sociais ou na incisiva luta ideológica em defesa do progresso social.

Seu tamanho não se mede – não pode ser medido – por critérios reducionistas de representação, mas pela envergadura das tarefas históricas a que se propõe e pelo alcance do programa de mudanças radicais que sempre defendeu em seus noventa anos de história que deixaram uma marca indelével nas lutas pelas conquistas sociais e democráticas vividas no período republicano.

A presença do Partido no governo decorre destes ideais e compromissos. E Aldo Rebelo vai dar, afirma o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, “uma grande contribuição ao ministério”, para o êxito do governo de Dilma Rousseff e para a derrota das forças do atraso que teimam em criar obstáculos para o desenvolvimento do país, o fortalecimento da democracia e a defesa da soberania nacional.

O "Filho de África" reclama as jóias da coroa de todo um continente

Sudão do Sul, novo país criado em 2005. A sua capital é Juba e as línguas oficiais são o inglês e o árabe. O Sudão do Sul concentra 75% das reservas petrolíferas do antigo Sudão

por John Pilger - Pátria Latina

Sudão do Sul, país recém criado. A 14 de Outubro, o presidente Barack Obama anunciou o envio de forças especiais americanas para a guerra civil do Uganda. Nos próximos meses, tropas de combate americanas serão enviadas para o Sudão do Sul, Congo e República Centro-Africana. Obama assegurava também, satiricamente, que estas apenas "atuarão" em "auto-defesa". Com a Líbia securizada, está então em marcha uma invasão americana do continente africano.
A decisão de Obama é descrita pela imprensa como "bastante invulgar", "surpreendente" e até como "esquisita". Nada está mais longe da verdade. É a lógica própria à política externa americana desde 1945. Recordemos o caso do Vietname. A prioridade era então fazer frente à influência da China, um rival imperial, e "proteger" a Indonésia, considerada pelo presidente Nixon a "maior reserva de recursos naturais da região" e como "o maior prêmio". O Vietnan estava simplesmente no caminho dos EUA; a chacina de mais de 3 milhões de vietnamitas e a destruição e envenenamento daquela terra era o preço a pagar para alcançar este objetivo. Como em todas as invasões americanas posteriores, um rastro de sangue desde a América Latina até ao Afeganistão e ao Iraque, a argumentação era sempre a da "auto-defesa" e do "humanitarismo", palavras há muito esvaziadas do seu significado original.
Em África, diz-nos Obama, a "missão humanitária" é ajudar o governo do Uganda a derrotar o Exército de Resistência do Senhor (LRA), que "assassinou, violou e raptou dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças na África Central". Esta é uma descrição exata do LRA, que evoca múltiplas atrocidades administradas pelos próprios Estados Unidos, como é disso exemplo o banho de sangue que se seguiu, nos anos 60, ao assassinato perpetrado pela CIA do líder congolês Patrice Lumumba, democraticamente eleito, ou ainda a operação da CIA que instalou no poder aquele que é considerado o mais venal tirano africano, Mobutu Sese Seko.
Recursos da África em hidrocarbonetos. Outra justificação de Obama também parece ridícula. Esta é a "segurança nacional dos Estados Unidos". O LRA esteve a fazer o seu trabalho sujo durante 24 anos, com interesse mínimo dos Estados Unidos. Hoje ele tem pouco mais de 400 combatentes e nunca esteve tão fraco. Contudo, "segurança nacional" estado-unidense habitualmente significa comprar um regime corrupto e criminoso que tem algo que Washington deseja. O "presidente vitalício" de Uganda, Yoweri Museveni, já recebe a parte maior dos US$45 milhões de "ajuda" militar dos EUA – incluindo os drones favoritos de Obama. Este é o seu suborno para combater uma guerra por procuração contra o mais recente e fantasmático inimigo islâmico da América, o andrajoso grupo al Shabaab na Somália. O RTA desempenhará um papel de relações públicas, distraindo jornalistas ocidentais com as suas perenes histórias de horror.
No entanto, a principal razão para a invasão americana do continente africano não é diferente daquela que levou à guerra do Vietnan: É a China. Num mundo de paranóia servil e institucionalizada, que justifica aquilo que o general Petraeus, o antigo comandante norte-americano e hoje diretor da CIA, chama um estado de guerra perpétua, a China está a substituir a Al-Qaeda como a "ameaça" oficial americana. Quando entrevistei Bryan Whitman, secretário de estado adjunto da Defesa, no Pentágono no ano passado, pedi-lhe para descrever os perigos atuais para os EUA no mundo. Debatendo-se visivelmente repetia: "Ameaças assimétricas … ameaças assimétricas". Estas "ameaças assimétricas" justificam o patrocínio estatal à lavagem de dinheiro por parte da indústria militar, bem como o maior orçamento militar e de guerra da História. Com Osama Bin Laden fora de jogo, é a vez da China.
A África faz parte da história do êxito chinês. Onde os americanos levam drones e destabilização, os chineses levam ruas, pontes e barragens. O principal interesse são os recursos naturais, sobretudo os fósseis. A Líbia, a maior reserva de petróleo africana, representava durante o governo Kadafi uma das mais importantes fontes petrolíferas da China. Quando a guerra civil começou e a OTAN apoiou os "rebeldes" fabricando uma história sobre supostos planos da Kadafi para um "genocídio" em Bengazi, a China evacuou 30 mil trabalhadores da Líbia. A resolução do Conselho de Segurança da ONU que permitiu a "intervenção humanitária" por parte dos países ocidentais, foi sucintamente explicada numa proposta dos "rebeldes" do Conselho Nacional de Transição ao governo francês, divulgada no mês passado pelo jornal Libération, na qual 35% da produção de petróleo Líbia eram oferecidos ao estado francês "em troca" (termo utilizado no texto em questão) do seu apoio "total e permanente" ao CNT. O embaixador americano na Tripoli "libertada" Gene Cretz, confessou: "Sabemos bem que o petróleo é a jóia da coroa dos recursos naturais líbios"
A conquista de fato da Líbia por parte dos Estados Unidos e dos seus aliados imperiais é o símbolo da versão moderna da "corrida à África" do século XIX.
Tal como na "vitória" no Iraque, os jornalistas desempenharam um papel fundamental na divisão dos líbios entre vítimas válidas e inválidas. Uma primeira página recente do Guardian mostrava um líbio "pró-Kadafi" aterrorizado e os seus captores de olhos brilhantes que, como intitulado, "festejavam". De acordo com o general Petraeus, existe hoje uma guerra da "percepção... conduzida continuamente pelos meios de informação"
Durante mais uma década, os Estados Unidos procuraram estabelecer um comando militar no continente africano, o AFRICOM, mas este foi rejeitado pelos governos da região, receosos das tensões que daí poderiam advir. A Líbia, e agora o Uganda, o Sudão do Sul e o Congo, representam a oportunidade dos Estados Unidos. Como revelou a Wikileaks e o departamento americano de estratégia contra-terrorista (National Strategy for Counterterrorism – White House), os planos americanos para o continente africano são parte de um projeto global, no quadro do qual 60 mil elementos das forças especiais, incluindo esquadrões da morte, operam já em mais de 75 países, número que aumentará em breve para 120. Como já dizia Dick Cheney no seu plano de "estratégia de defesa": Os Estados Unidos desejam simplesmente dominar o mundo.
Que esta seja a dádiva de Barack Obama, o "filho de África", ao seu continente é incrivelmente irônico. Não é? Como explicava Frantz Fanon no seu livro "Pele negra, máscaras brancas", o que importa não é a cor da tua pele, mas os interesses que serves e os milhões de pessoas que acabas por trair.
O original encontra-se em www.johnpilger.com/articles/the-son-of-africa-claims-a-continents-crown-jewels .
Tradução de MQ.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info

As duas margens do rio da Prata

Eric Nepomuceno - Carta Maior
 
Na margem esquerda do rio da Prata, em Montevidéu, na madrugada desta quinta-feira (27/10) o Senado aprovou uma lei que determina que os crimes praticados durante o longo período da ditadura que foi de 1973 a 1985 são imprescritíveis e não podem ser anistiados. Passam a ser reconhecidos como o que efetivamente são: crimes de lesa-humanidade, que, por acordos e convenções internacionais assinadas pelo Uruguai (aliás, pelo Brasil também), jamais prescreverão. Com isso, o Estado uruguaio recupera sua capacidade punitiva, ou seja, de levar a justiça às últimas consequências, um dos atributos essenciais da democracia. 
 
A anistia decretada no apagar das luzes da ditadura, e referendada pelo voto popular em duas ocasiões, 1989 e 2009, permitiu durante todo esse tempo que a Justiça não fosse aplicada contra militares e policiais que violaram de maneira desenfreada os direitos humanos. É verdade que nos últimos anos, com a Frente Ampla no poder, vários militares e políticos foram julgados e condenados. Mas tudo dependeu do governo, que podia decidir se pedia ou não à Justiça julgar determinado caso. Agora, qualquer caso pode ser e será julgado. Os crimes da ditadura iam prescrever no dia primeiro de novembro de 2011. Não prescrevem mais. 
 
Na margem direita do rio da Prata, em Buenos Aires, um tribunal condenou à prisão perpétua um dos símbolos mais abjetos do horror vivido pelos argentinos entre 1976 e 1983: o oficial da Marinha Alfredo Astiz. Junto com ele, foram condenados outros onze verdugos que atuaram no maior centro de tormento da ditadura, a antiga ESMA (Escola Superior de Mecânica de Armada). 
 
Astiz. Alfredo Astiz. Alguns nomes se tornam emblemas da barbárie, do que pode haver de mais desprezível sobre a face da terra. Astiz é um deles. O julgamento durou quase dois anos, e levou para o tribunal, como testemunhas de acusação, 79 sobreviventes da ESMA – passaram por lá, vale recordar, pouco mais de cinco mil pessoas, e os sobreviventes não chegam a 200. 
 
Nos autos do processo há um rosário de crueldades que ultrapassam qualquer limite da perversão. Os condenados foram de uma crueldade sem par. Ricardo Cavallo, grande torturador, somava a essa façanha a de ser um dos responsáveis pelos ‘vôos da morte’, quando prisioneiros eram arrancados dos cárceres, levados para aviões e atirados vivos para o mar ou para as águas desse mesmo rio da Prata. Adolfo Donda participou do assassinato da cunhada. Depois, roubou a filha dela, que foi dada ilegalmente em adoção. Donda continuou visitando a mãe de sua cunhada, avó da menina que ele sequestrou e doou, como se não soubesse de nada. A menina recuperou sua identidade em 2003. Chama-se Victoria Donda, e é deputada pela Frente Ampla Progressista.
 
Vi as fotos dos acusados. Em alguns, a soberba indisfarçável. Em outros, um ar um tanto alheio, como se não entendessem o que fizeram para estar ali. Todos imperturbáveis em seus rostos de aço. Todos afinados num mesmo discurso: foram soldados que lutaram na defesa da pátria. Astiz, aliás, se esmerou: “Dei, ao combate, o melhor de mim”.
 
O único combate real do qual participou foi na guerra das ilhas Malvinas, em 1982. Não disparou um só tiro: assim que topou com soldados britânicos ergueu os braços e se rendeu. Tinha acabado de fazer 31 anos. Sua foto entregando-se de graça ao inimigo, o rosto de menino, o olhar quase ingênuo, compungido, foi parar nos jornais. Nessa foto as Mães da Praça de Maio reconheceram o homem com ar angelical que havia participado de várias reuniões do grupo, que havia caminhado junto de senhoras com a cabeça coberta de branco, em silêncio, e que um dia sumiu, depois de ter entregue três delas para a ESMA. O rosto do anjo louro da morte. 
 
Examino a foto do julgamento, a hora da leitura da sentença. Vejo o Astiz de hoje – um tanto balofo, envelhecido antes do tempo. Examino essa foto uma, duas, cinco, um sem-fim de vezes. Vejo os olhos. Não aparentam medo, não aparentam nada. Parecem esculpidos em gelo. 
 
Deram a Astiz a Justiça que ele e seus comparsas negaram a milhares de pessoas. Que ele negou à jovem sueca Dagmar Hagelin, às Mães da Praça de Maio que sacrificou, a Rodolfo Walsh, às monjas francesas Léonie Duquet e Alice Domon.
 
Ao saber da condenação de Astiz, o governo francês disse que essa decisão honra a Argentina. Disse também que o país assumiu, com coragem, seu dever de memória. Que honrou os que lutam contra a impunidade e em defesa dos direitos humanos. 
 
Na margem esquerda do rio da Prata, acaba a prescrição para crimes de lesa-humanidade. Na margem direita, agora são 262 condenados, entre eles dois generais-presidentes. 
 
Aqui, o Senado aprovou a Comissão da Verdade. Se a verdade algum dia for o primeiro passo para a Justiça, para o fim da impunidade, o Brasil estará honrando sua memória. Honrando si próprio. A todos nós.

Cuba na Unesco

Discurso de Miguel Diaz-Canel, Ministro da Educação Superior de Cuba na Assembleia Geral da Unesco:

“O mundo vive indignado. Os povos se rebelam contra as injustiças e as promessas vazias. Se indignam pelas frustrações acumuladas e pela ausência de esperanças. Se rebelam contra um sistema devastador que já não pode seguir enganando com um falso rosto humano. Um sistema que continua marginalizando as maiorias excluídas, em benefício de um punhado de privilegiados que possuem tudo. Que não repara no resgate de banqueiros corruptos que multiplicam seus lucros, enquanto diminuem os recursos para a educação, a saúde ou a criação de empregos.

A crise do sistema capitalista é sistêmica e multisetorial. É crise financeira, econômica e social e também ética. Os poderosos apostam na guerra como recurso de sua salvação. Repartem o mundo entre si impunemente e encarregam a tarefa à belicosa OTAN. Ainda não terminaram de destruir a Líbia e já ameaçam a Síria. Quem de nós irá segui-los?

São as guerras de novo tipo com armas que se chamam “inteligentes” mas que matam e destroem indiscriminadamente. São guerras de conquista para se apropriar dos recursos energéticos e minerais com os quais oxigenar suas vorazes economias. Com a cumplicidade de seus empórios midiáticos, que agem também como armas no combate, pretendem convencer-nos da “mudança de regime” e da “responsabilidade de proteger”. É a nova filosofia colocada em prática para o mesmo objetivo de continuar explorando-nos.

A única ofensiva que não podem livrar suas armas nem suas vorazes empresas, a única contenda legítima que não estão dispostos a empreender, é a necessária contra a fome, o analfabetismo, a incultura e a pobreza para, efetivamente, democratizar a democracia, proteger os excluídos e mudar a atual ordem mundial.

A UNESCO, que na sua carta constitutiva declarou; “dado que as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens que devem se erigir os baluartes da paz˜, está chamada a desempenhar um papel de vanguarda na incansável luta por um mundo melhor, em que os seres humanos possam viver livres do temos e da ignorância.

É na UNESCO onde devem levantar-se as armas da educação, da ciência e da cultura para lutar pela paz e pela compreensão mútuas, para que as bombas deixem de matar e mutilar os seres humanos, para que não se destruam as escolas, nem os museus, para que a ciência progrida nos laboratórios e a cultura enriqueça o mundo espiritual. Para que as gerações presentes e futuras possas desfrutar da beleza única e irreprodutível do sistema e seus mais de 900 lugares de patrimônio mundial.

Para isso é preciso refundar a Organização e será necessário fazê-lo com maios pressa e decisão. A reforma em curso, que empreendeu nossa ativa e enérgica Diretora Geral, necessita chegar até os próprios cimentos da instituição. Deve ser profunda e radical. Deve reposicionar e tornar mais visível nossa ação. Deve sair dos escritórios burocráticos para chegar às pessoas comuns e atender suas necessidades elementares, aquelas que temos como mandato.

A educação tem que ser a verdadeira prioridade das prioridades, tanto no compromisso político como no financeiro. É inadmissível que no mundo existam quase 800 milhoes de analfabetos, dos quais 2/3 são mulheres. É inadmissível que quase 70 milhões de crianças não tenham uma escola onde receber a luz da educação.

Cuba, pobre e bloqueada, com seu método de alfabetização “Eu Posso, Sim”, conseguiu em pouco tempo e com escassos recursos, mas com enorme paixão solidária, alfabetizar 5.706.082 pessoas em 28 países da América Latina e Caribe, África, Europa e Oceania. Agradecemos à Diretora Geral seu reconhecimento à eficácia deste programa como método de cooperação Sul-Sul, assim como sua disposição reiterada de acolher as boas práticas no âmbito da educação.

A 36 Conferência Geral deve deixar estabelecidas as pautas da mudança e do reposicionamento da UNESCO no sistema multilateral.

A Conferência deve se pronunciar ademais, e esperamos que o faça de maneira clara e inequívoca, em relação a um tema de transcendental importância: a admissão da Palestina como Estado membro da UNESCO. Não se trata de uma opção. Resulta uma obrigação ética e moral diante da cruel e prolongada injustiça que sofre o povo palestino. Cuba deseja reiterar seu firme e decidido apoio à solicitação da Palestina e espera que a decisão de seu ingresso à UNESCO contribua aos objetivos da paz e da universalidade que animam à nossa organização.

Não devo concluir minhas palavras, sem reclamar e exigir, em nome do povo cubano, a libertação de nossos cinco heróis, quatro deles injustamente prisioneiros em prisões do império e um, René, cumprindo uma pena adicional des três anos falsamente denominada “liberdade vigiada”.

Cuba, que segue firmemente comprometida com a UNESCO e com os valores que esta representa, confina na liderança da Diretora Geral, para o fortalecimento e refundação da Organização.

Fonte: Blog de Emir Sader

Protocolos dos sábios do Sião, aqui, não!

Tem gente querendo reprisar a farsa dos Protocolos dos Sábios de Sião na política brasileira. Pouco importa que haja emprego e que as crianças pobres do Recife não expilam lombrigas pela boca nos sinais de trânsito. A farsa está na invenção de um inimigo bestial a ser revelado e denunciado como responsável por uma suposta onda gigantesca de corrupção.

Há uma grande conspiração em curso no Brasil. Trata-se da conspiração do PT e da esquerda em geral para assaltar o bolso das famílias, para imporem um modo politicamente correto de pensar, para censurarem o machismo, a homofobia, o sexismo e o nosso direito de andar armados. Essa gente quer assaltar os cofres públicos para nos fazer pagar impostos, com os quais eles só fazem roubar e enriquecer, enquanto eu me sinto vilipendiado e cada vez mais envergonhado. Nunca houve tanta corrupção neste país, nunca. É aquela coisa do pobre que jamais teve algo e que agora se lambuza, minha avó já dizia. Aqui, comediante é levado a sério, só porque é fascista, homofóbico, machista e age contra a lei, enquanto os políticos, ah, os políticos, esses seguem sem ser levados a sério. Por isso eu gosto mesmo é do Bolsonaro, inclusive. Ele vem sendo vítima do festival de autoritarismo e corrupção que assolam este país. Esses petralhas que estão mais preocupados em atacar a liberdade de imprensa do que em governar o país. Sim, porque o país só vai bem graças a Fernando Henrique, que não fosse ele, esses petralhas iam ver. O PT não faz nada que preste e só rouba o nosso dinheiro. O filho de Lula é milionário, Dilma sabe e acoberta Orlando Silva, aquele moleque safado que está podre de rico, caiu porque é culpado, óbvio.

Outro dia um jornal muito importante disse no seu editorial que o país precisava de uma limpeza ética! Eu concordo! Cresce no país a consciência de que chega de tudo isso que aí está! E ainda querem mais imposto para a saúde, e fraudam até provas de ensino médio, que são de alta importância para os nossos filhos! Como eles terão certeza de que entrarão por seus próprios méritos na Universidade? Não basta ter direitos negados pelas vagas dadas de presente – às nossas custas – a quem se diz negro (como se houvesse racismo no Brasil, ora essa!), aos desqualificados das escolas públicas e, pasmem, para indígenas. Chega! Está na hora da nossa marcha, da marcha pela dignidade, contra essa gente que quer mandar em nós, que quer controlar o nosso modo de pensar, que pretende ganhar dinheiro às minhas custas e fazer demagogia com os impostos que eu e minha família e você paga!


Diariamente a Carta Maior recebe comentários de leitores que compartilham o balaio de enunciados contraditórios acima. Essa babilônia de crenças incompatíveis, que não sobrevivem a um inquérito minimamente lógico a respeito da relação entre uma e outra reina na mídia e, até aqui, parece apavorar setores poderosos do governo. Trata-se de uma onda de depravação consciente e deliberada, que convida a barbárie para uma grande orgia semântica, voltada para criar uma farsa. Não porque é contra o PT ou o governo ou a esquerda. A farsa está na invenção de um inimigo a ser revelado e denunciado como responsável pelas ameaças e fragilidades que o poder vem enfrentando. Mas que poder? O da mídia, o do tal do PIG, o da CIA e do FMI? E que fragilidades?

O Protocolo dos Sábios de Sião é uma farsa criada por um serviçal do Czar Nikolai II para tentar, sem sucesso, enfrentar as ameaças ao seu poder. Essa farsa, da virada do século XIX para o XX, denuncia a existência de um grupo de judeus que se reúnem e deliberam como controlar o mundo. Eles traçam planos e estabelecem metas para a empreitada. O texto é tão autêntico que todo judeu denega a sua veracidade, revelando, assim, a sua força, dizem as sumidades de todo tipo que acreditam nessa mentira.

O modelo desse embuste é muito simples e imbecilizante: ele mobiliza o medo do lobo mau que habita as memórias infantis apontando um inimigo ao mesmo tempo genérico e específico que introduz, contamina e assegura a permanência de todo o mal na floresta, quer dizer, na sociedade. Na Rússia czarista, eram os judeus. Depois, no nazismo, eram os judeus comunistas, porque, como se sabe, a Revolução de 17 foi coisa de judeu, segundo nos disse Hitler, o sábio. Já na década de 30, quando as trevas do stalinismo assaltaram o Partido Comunista, os Protocolos foram recuperados, porque ali estariam claros os planos trostskistas – portanto judeus – para atacar o guia dos povos.

Quando os delinquentes argentinos que agora estão sendo condenados (finalmente) deram o golpe de estado em 1976, com a missão de exterminar a esquerda, usaram essa bíblia de oligofrenia e irracionalidade para levarem a cabo o extermínio de aproximadamente 30 mil pessoas. Talvez fosse o caso dizer que, no caso da Argentina dos anos Videla-Massera – com o auxílio de refugiados nazi –, da Alemanha nazista e da barbárie stalisnista os tais sábios de Sião tenham aumentado um pouco o número. Porque somando esse horrores se chega na casa dos milhões de “sábios”. Mas não é o caso dizer, quando se respeita a verdade e a razão que viabiliza o seu acesso.

A Política e a inocência são e devem ser inimigas desde a gestação. Disso obviamente não se segue que a Política seja coisa de bandidos; só as pedras são inocentes, disse Hegel, dessa vez com razão: disso se segue que a defesa da inocência é a defesa de uma quimera, não apenas do reino que seria próprio às coisas do poder, mas do da razão. A origem da reclamação de inocência e pureza no mundo está na crônica mítica do pecado original, a primeira corrupção que teve sua CPI vendida pelo governo de Deus, no caso em tela.

Até hoje há gente séria da teologia que debate se Adão levou a serpente a sério por curiosidade intelectual ou por desejo. A primeira vertente de interpretação defenderia que o livre arbítrio dos homens deriva da sua racionalidade; a segunda vertente, que deriva do seu desejo. Mas a coisa mais importante é que a liberdade dos homens, na qual, aliás, veio a se fundar a Política, não deriva nem pode derivar da inocência. Já na sua origem, a liberdade tem a ver com as condicionalidades da contingência.

É claro que não é por isso que o Ministro x ou y cai ou não; por isso se torna evidente, apenas, que a gritaria por inocência não é nem pode ser inocente: ou tem alguma racionalidade, ou tem um desejo incontrolável. Em ambos os casos, é o poder, e não a inocência e a pureza de intenções, que organiza a sua inteligibilidade.

Essas observações também vigoram quanto ao PT e aos seus aliados, em tempo. Não são poucos os que se lembram dos anos 90, no Brasil. Mas eu lembro como se fosse ontem do quanto me indignava com o PT, com o PCdoB e com muitos outros da oposição ao governo Fernando Henrique e Paulo Renato, no MEC de então, naqueles anos tristes. Enquanto a Vale do Rio Doce era entregue à iniciativa privada com financiamento do BNDES, enquanto a CSN e as companhias de energia elétrica eram entregues, enquanto bancos públicos estatais eram praticamente doados, enquanto tudo isso acontecia com o discurso de que era para se qualificar o Estado e este, no período em que o dinheiro das supostas vendas de patrimônio público deveriam estar entrando nos seus cofres, definhava, com os banheiros nas universidades fedendo e os professores doutores ganhando salários ridículos, o que fazia a esquerda, em geral?

Denunciava a corrupção e berrava por CPIs, no Congresso. Eram poucos os que, à esquerda, investigavam e buscavam, amiúde, diagnosticar a destruição que estava em curso no país e que apontavam as dificuldades que viriam pela frente, não apenas para um eventual governo do PT, mas para o país mesmo - este que não se resume ao bolso e ao imaginário classe média cuja vida é do tamanho do sábado com uísque e os amigos, para reclamar do que a revistinha semanal declara.

No início dos anos 2000 e no começo da primeira gestão de Lula na presidência ficou claro que essa tática tinha sido inconsequente: a destruição do Estado, o definhamento da República e o sequestro de seu financiamento pela política parasitária do sistema financeiro causaram uma gigantesca confusão em muitos que, como eu, tinham apostado na interdição do horror que assolou o país nos anos 90. A confusão não acabou, mesmo que muito daquele horror tenha sido revertido, pelo menos quanto ao futuro ou às gerações posteriores às dos beneficiários do Bolsa Família, quanto ao futuro da pesquisa, da Universidade, da ciência, do financiamento público-estatal por meio dos bancos públicos do Estado, do PAC, do Minha Casa, Minha Vida, da redução das desigualdades, enfim, de tudo isso que se tornou o Brasil, dos últimos 6 anos para cá, ao menos.

E qual é a inconsequência, mesmo? É trazer a farsa dos Protocolos dos Sábios de Sião para a cena Política. A inconsequência, que emergiu na mais regressiva e violenta campanha eleitoral da jovem democracia brasileira, em 2010, é convidar o adão de antes da maçã para juiz das coisas do poder. Pouco importa que ditadura alguma leve a sério a pesquisa e a universidade, como se leva a sério no Brasil, hoje. Não interessa à imbecilidade que não entendeu o que aconteceu há quinze anos, saber o que realmente aconteceu no Ministério dos Esportes hoje ou no do Planejamento, em 1995. Pouco importa que haja emprego e que as crianças pobres do Recife não expilam lombrigas pela boca nos sinais de trânsito. Nada importa que a abundância tenha se tornado regra até para a classe média, mesmo que nos cartões de crédito. Não se preocupam com o valor, sobretudo nas próprias vidas, do automóvel, desde que se angustiem com os impostos a pagar. Desde que os Sábios de Sião sejam os culpados.

É desnecessário e inútil dizer o quanto esse convite à orgia semântica dos Protocolos dos Sábios de Sião é depravado e perigoso. É desnecessário porque na mídia das oito famílias abundam declarações com documentos e atas das reuniões dos Sábios que conspiram para prejudicar as pessoas de bem deste país. E é inútil porque parte do PT aceitou esse convidado indecente, o adão de antes da maçã, para juiz da Política. Então, não é útil, aqui, lembrar que não adianta denunciar a mídia das 8 famílias, nem lembrar que houve, sim (mesmo que seja verdade), um gigantesco e brutal saque do erário no processo de privatização. Não se combate a criação de monstros com uma briga de arquibancada. Na melhor das hipóteses, a briga contra o tal do PIG enche o saco de quem pensa e quer saber o que diabos está acontecendo, até mesmo quando não se tem mais muita esperança de que se vai, afinal, ter alguma ideia do que realmente ocorreu com aquela licitação ou com aquela fraude declarada numa manchete daquele panfleto com papel jornal.

A história dos Protocolos dos Sábios de Sião não parece nem próxima do fim, mas isso não implica que o seu uso seja ou deva ser triunfante. Porque a única vitória dessa irracionalidade é a destruição e o empobrecimento, a morte e a barbárie. No início dos anos 2000, o Rio Grande do Sul foi sequestrado pelos profetas que denunciavam uma grande conspiração petista para destruir a propriedade, os valores das famílias de bem e as mentes das criancinhas. O que aconteceu aqui não se compara à tragédia argentina nem ao horror alemão e nem mesmo ao stalinismo, obviamente.

Mas é um bom exemplo de um estado que, “livre dos Sábios de Sião”, empobreceu, destruiu suas escolas, sucateou os serviços públicos, empobreceu no campo e dilacerou-se nas cidades, com o aumento da violência e do tráfico. É um exemplo de emburrecimento midiático, de estupidez cultural, de indigência literária, de depauperamento geral.

Não dá para dizer quem é o Nikolau II da vez, no Brasil. Quem está exatamente frágil e quem se sente ameaçado, porque a confusão não é pouca e porque o governo não parece estar contribuindo muito para elucidar o estado do que é racional e do que não pode sê-lo. Mas dá para dizer, e se deve dizer, que essa imbecilidade dos balaios de crenças contraditórias e incompatíveis deve ser combatida.

Aqui, na Carta Maior, essa farsa não tem vez.

* Katarina Peixoto é doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: katarinapeixoto@hotmail.com

De Henry Ford a Steve Jobs

A morte de Jobs representou, sem dúvida, um evento midiático – e um artifício ideológico – de grande impacto

Por Luiz Ricardo Leitão* - Brasil de Fato

Em um filme intitulado A Antiga e a Moderna, de 1923, o comediante Buster Keaton (um dos reis do cinema mudo, ao lado do genial Charlie Chaplin) narra as desventuras amorosas de um reles “plebeu”, sempre preterido pelos pais de sua amada em favor do pretendente mais rico e/ou poderoso. Ingênua e bem-humorada, a trama se passa em três épocas distintas: a Idade da Pedra, o Império Romano e a Era Moderna. A exemplo de Carlitos, que, com o clássico Tempos Modernos (1936), nos desvela a essência do processo de exploração do homem e acumulação de capital no mundo industrializado, Keaton não hesita em qualificar a era moderna como uma etapa vertiginosa e “voraz” da história humana. 

Apesar das diferenças de estilo, os dois atores-cineastas lograram captar o essencial do regime do capital: sua tendência irreversível à concentração e reprodução em ritmo cada vez mais febril e veloz. O velho Karl Marx, lá nos idos do século 19, já nos descrevera sobejamente esse processo, que Lênin também analisou em detalhes nas páginas de Imperialismo: estágio superior do capitalismo. Cada um desses estágios, obviamente, se insere em distintos graus de desenvolvimento das forças produtivas, desde os tempos quase “românticos” da máquina a vapor, até a atual era biocibernética “globalizada”. 

Keaton e Chaplin, em particular, denunciam as agruras da organização fordista, já agudamente dissecadas por Antonio Gramsci no ensaio “Americanismo e Fordismo” (cf. Maquiavel, a Política e o Estado moderno), em que o pensador italiano aventa a hipótese de o fenômeno ser o “ponto extremo do processo de tentativas sucessivas da indústria para superar a queda tendencial da taxa de lucro”. Suas implicações, porém, transcendiam em muito a esfera meramente econômica da produção de mais-valia, abrangendo ainda aspectos mais subjetivos do amplo processo de enquadramento dos trabalhadores nas pautas de vida ditadas pelo novo padrão de acumulação do capitalismo industrial. O modelo fordista regulava não só o ritmo produtivo, como também se ocupava de ordenar as práticas sociais fora do espaço fabril, estendendo-se até mesmo sobre a rotina doméstica e a vida sexual dos operários. 

Embora a racionalidade fordista tenha sido superada pelo toyotismo japonês, Henry Ford (1863-1947), o pai da linha de montagem automobilística, repousa hoje no panteão sagrado do capital. Esse parece ser igualmente o destino de Steve Jobs, o fundador da Apple, após sua morte emoldurada pelas cores trágicas de uma doença terminal. Não por acaso, a história de sua vida será lançada já neste mês por Walter Isaacson, o mesmo autor que escreveu uma biografia de Benjamin Franklin e outra de Albert Einstein. Walter sentiu-se à vontade para revestir o “criador” do iPod, o iPhone e o iPad de um tom quase épico, afirmando que a saga (?) de Jobs “é o mito de criação da revolução digital em grande escala”, que começou como um negócio na garagem dos pais e se tornou a empresa mais valiosa do planeta. 

Ninguém ignora os méritos de Jobs na tarefa de reinventar artefatos mais adequados ao ritmo alucinante de vida que a era biocibernética impõe ao cidadão-consumidor globalizado. Contudo, vale a pena lembrar que, tal qual H. Ford, ele foi apenas mais um coadjuvante da máquina que, há mais de 200 anos, em sua esquizofrênica dialética, não para de erguer e destruir coisas belas ou tétricas. O show, por certo, tem de continuar, mesmo que seu roteiro não esteja bem claro: se a sociedade de consumo hipertrofiada engendrou a falaciosa estética da pós-modernidade, de que nos fala o crítico estadunidense Fredric Jameson, o que podemos esperar desse mundo virtual insaciável e fragmentado? 

A morte de Jobs representou, sem dúvida, um evento midiático – e um artifício ideológico – de grande impacto. Mas ela é incapaz de atenuar a acirrada competição entre as corporações de informática ou, sobretudo, diluir o imenso custo social exigido pela expansão do setor. Por fim, o cronista pergunta: será que o biógrafo nos contará algo sobre a fábrica de componentes da Apple em Taiwan, em cuja torre se registra o maior número de suicídios de operários do país? O “detalhe”, estou certo, nem será digno de nota. Afinal, como dizem na língua da matriz, the show must go on – ou seja, o capital não pode parar...


* Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível

A indignação está no ar! Mas não é suficiente

Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Adital
 
Após décadas do anúncio e contínuo reforço da ladainha de que "não há alternativa”, o mundo parece se encher de indignação; a tal ponto de que essa começa a se extravasar através de diversas formas. Algo deu errado nessa pregação.

A repetição constante da ideologia neoliberal – de que não há alternativa ao sistema de mercado capitalista e que o único caminho é o da "purificação” da economia com a expulsão do Estado e a liberdade total do mercado – deveria, supostamente, levar pessoas a aceitarem a realidade como ela é. Afinal, se não há alternativa, não há porque se revoltar. Ou melhor, revoltar-se contra o que não pode ser mudado é um ato infantil de quem ainda não amadureceu e não sabe ainda aceitar a vida como ela é.

É claro que, para os neoliberais convictos e outros grupos ideológicos e/ou religiosos "fatalistas”, o principal grupo dos "infantis” é o da esquerda (aqui incluído o cristianismo de libertação) que ainda teimam em afirmar que a vida e o mundo podem ser diferentes. Porém, felizmente, a vida é muito mais complexa e rica do que os neoliberais ou qualquer outra ideologia ou teologia que pensam conhecer "a” realidade e o "futuro da humanidade”. Assim, a vida sempre nos prega surpresas.

E uma das surpresas que aconteceu no centro do capitalismo nos últimos anos veio exatamente da direita: o "Tea Party”. Esse grupo é tão conservador e radical que não se opõe somente ao que eles chamam de "política socialista” do governo Obama, e à pessoa de Obama, mas também a uma visão mais "cosmopolita” ou moderna do capitalismo globalizado. Ironicamente, o Tea Party também afirma, com outras palavras, que "outro mundo é possível”; também está indignado com atual globalização capitalista.

Felizmente, entrou no cenário internacional, desde setembro último outro grupo de indignados: o dos "ocupem Wall Street”, que se espalhou pelas diversas partes do mundo e que podemos chamar aqui de "ocupem o mundo”. Esse movimento tem recebido muito apoio e cobertura, especialmente nos Estados Unidos onde a crise atingiu severamente as camadas baixas e médias.

Ainda é cedo para saber onde vai dar esse movimento ou até mesmo para compreender as novidades desse tipo de movimento em relação aos movimentos sociais e políticos do século XX. Com certeza, esse movimento não se parece com aqueles organizados ou liderados por partidos de esquerda ou sindicatos; também não é igual aos movimentos de contestação de 1968. Contudo, por mais novos e diferentes que sejam, esses movimentos de indignados vão precisar articular pautas, objetivos e estratégias de mudança social e política. Pois, se o protesto se mantiver somente no nível de exigência de reformas de caráter político-ético (mais apoio à população e não aos grandes bancos; menos corrupção etc.), está supondo que esse mesmo sistema capitalista é capaz de atender essas demandas e realmente "governar” para as necessidades e direitos da grande massa da população. Que no fundo, uma alternativa real não é possível ou não é necessária.

Alguns dos indignados mais radicais poderiam contra-argumentar dizendo que a alternativa radical é uma sociedade que não precise de estruturas econômicas, sociais e políticas alternativas; porque essa nova sociedade seria autogerida espontaneamente na fraternidade de todas as pessoas. Esse tipo de imaginação soa bastante belo e atraente, um horizonte que nos chama ao protesto e ação, mas por si só não nos possibilita construir uma outra sociedade.

Manifestação pública da indignação é o primeiro passo para afirmar publicamente a nossa humanidade que transcende às ideologias e sistemas totalitários. Mas, não é suficiente. O desafio é como a partir dessa indignação pensar e lutar por novas estruturas sociais e políticas que sejam mais parecidas –apesar de nunca serem iguais– às nossas imaginações de um mundo realmente livre. Pois como disse Paulo, "foi para a liberdade que Cristo nos libertou!”.

[Autor do livro "Deus em nós: o reinado que acontece no amor-solidário aos pobres”, Paulus. Twitter: @jungmosung)].

"O WikiLeaks não vai acabar"

Por Natalia Viana, na CartaCapital:

Na última segunda-feira, os serviços de notícia anunciavam que o WikiLeaks, organização que vaza documentos confidenciais que revelam má conduta de organizações, empresas ou governos, estava em falência. Tratava-se de um “spin”, ou um exagero noticioso gerado pelos frenéticos serviços de notícias.


Na verdade, o WikiLeaks anunciava uma campanha sem precedentes para arrecadar fundos buscando dar a volta a um bloqueio econômico por parte das empresas Visa, Mastercard, Paypal e Bank of America.

Desde dezembro do ano passado, pouco depois do vazamento de 250 mil documentos diplomáticos americanos, essas empresas se recusam a permitir transferências para a organização – o que significa uma enorme dificuldade para quem quer de fato dar dinheiro à equipe liderada pelo controverso Julian Assange. O grupo estima que pelo menos 1,2 milhão de euros não chegaram ao seu caixa em conseqüência.

O porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, esteve no Brasil no último fim-de-semana para participar de um encontro de blogueiros e explicou à Carta Capital o que mudou e o que se deve esperar do WikiLeaks daqui pra frente. “O mundo está sofrendo o efeito devastador da ganância e da corrupção dos bancos e simplesmente não podemos permitir que eles ataquem o direito fundamental das pessoas decidirem que causa apoiar”, diz ele.

O WikiLeaks anunciou que vai deixar de publicar documentos por causa da falta de dinheiro. O WikiLeaks foi à falência?

Não, não é isso. Estamos funcionando com base em nossas reservas há quase um ano. Nós estamos direcionando os nossos parcos recursos para uma campanha de arrecadação de fundos justamente para garantir que não vamos chegar a uma situação alarmante em alguns meses. Ao mesmo tempo, vamos fazer uma grande campanha para chamar a atenção das pessoas para esse bloqueio econômico totalmente antiético e ilegal.

O bloqueio está ocorrendo desde dezembro do ano passado, e é até uma estimativa conservadora dizer que 95% das nossas doações foram afetadas.

No mês anterior à decisão arbitrária dessas empresas, estávamos recebendo mais de 100.000 euros por mês de doações. Este ano, a média de doações por mês ficou entre 6 e 7 mil euros. Mas o prejuízo pode ser ainda maior porque até o dia em que o bloqueio teve início, as doações estavam aumentando rapidamente como consequência do vazamento dos documentos das embaixadas americanas. Por exemplo, apenas nas 24 horas anteriores o WikiLeaks recebeu mais de 130 mil euros.

É muito importante não só para o WikiLeaks que esse bloqueio seja denunciado. Se não lutarmos contra ele um precedente muito perigoso vai ser estabelecido, e isso poderia afetar organizações humanitárias e ONGs como o Greenpeace ou a Anistia Internacional, que estão lutando contra a corrupção e por justiça. Nunca houve um ataque deste tipo na história – um bloqueio de serviço a uma organização que não foi acusada formalmente de nenhum crime em nenhum país. Na verdade, a única investigação digna de nota nesse sentido foi do Tesouro Americano no início deste ano, que buscou averiguar se podia colocar o WikiLeaks na sua lista negra. O diretor Timothy Geithner teve que admitir que não havia base legal para isso, apesar da pressão política.

O que isso significa para as pessoas que enviaram documentos ao WikiLeaks confiando que eles seriam publicados? Não é de certa forma uma decepção?

Nós suspendemos temporariamente as publicações. Isso não significa que elas vão acabar para sempre, esses documentos que nós já recebemos têm que vir a público. Então se tivermos uma boa resposta a essa campanha de doações, provavelmente vamos reiniciar as publicações de documentos em breve.

Então o WikiLeaks ainda tem documentos em sua posse? Quantos?

Sim. Não entramos em detalhes porque se falarmos em números isso nunca dá uma idéia realista da importância do material. Um documento de uma só página pode ser mais importante do que centenas de milhares de páginas de documentos.

Quando anunciou a campanha, Julian Assange afirmou que se o WikiLeaks não levantar dinheiro suficiente até o final do ano, ele irá fechar. De quanto dinheiro o WikiLeaks necessita para sobreviver?

Julian não mencionou o final do ano, mas disse “em um tempo razoavelmente curto”. Isso é porque nós estamos em ma batalha legal caríssima que pode esgotar com os nossos recursos – a batalha contra as corporações financeiras. Estamos em estágio de pré-litígio no Reino Unido, Austrália, Islândia e Estados Unidos.

Além disso, nós estamos colocando nossos recursos em um novo mecanismo que permite que as pessoas enviem documentos de maneira anônima ao WikiLeaks. O nosso meacnismo, chamado “dropbox”, estava fechado desde o ano passado. Mas esse novo mecanismo vai ser mais seguro que o anterior, uma espécie de versão 2.0 do WikiLeaks. Planejamos abrir esse novo “dropbox” em 28 de novembro.

Mas isso não é uma contradição?

Sim. O que estamos dizendo é que suspendemos a análise dos documentos que temos em mãos e paramos por enquanto de planejar novos vazamentos. No entanto, continuamos com o trabalho técnico, e provavelmente vamos conseguir anunciar que estamos abertos para novox documentos de maneira mais segura com o nosso novo “dropbox” até o final de novembro, quando faz um ano que publicamos os documentos diplomáticos.

De quanto dinheiro o WikiLeaks necessita?

As nossas projeções para 2012 variam entre 3.2 e 3.3 milhões de dólares. Mas pelo menos um terço disso deve ir somente para a batalha legal contra as corporações financeiras que estão fazendo esse bloqueio econômico contra nós. Isso mostra que estamos comprometidos em lutar seriamente contra essa ação ilegal das corporações financeiras porque é uma questão fundamental de liberdade de expressão, e estamos lutando por interesses muito maiores do que somente o WikiLeaks. Nos últimos anos o mundo tem sofrido o efeito devastador da ganância e da corrupção dos bancos – veja a crise econômica – e simplesmente não podemos permitir que eles ataquem o direito fundamental das pessoas decidirem que causa apoiar. É importante explicar também que o WikiLeaks tem um custo legal muito alto, porque somos sempre atacados de diversas direções.

Qual é o perfil de doadores do WikiLeaks?

Não sabemos com certeza porque a maior parte dos fundos são processados através da Wau Holland Foundation, na Alemanha. Mas trata-se de um grupo muito grande de pessoas que doam pequenas quantias. Em 2010, a média de doação foi de 25 dólares por pessoa, e 30% desse dinheiro veio dos Estados Unidos, mas há doações de países do mundo inteiro. E é importante dizer que essa é a nossa única fonte de financiamento. Nós não recebemos nenhum financiamento de fundações ou doações de pessoas ricas ou corporações. É um privilégio nosso contar com tanto apoio do público que nos permita prosseguir o trabalho.

Ainda não saiu o resultado do pedido de extradição de Julian Assange à Suécia por crimes sexuais. Caso a corte britânica julgue procedente a extradição, o que vai acontecer?

O veredicto deve sair nas próximas semanas, mas ainda pode caber recurso, portanto é um caso que está longe de terminar.

Juntando a ameaça de uma extradição para a Suécia e o bloqueio financeiro, e agora com a notícia da suspensão das publicações, estamos falando afinal do fim do WikiLeaks?

Olha, eu sou um homem otimista, então eu tenho certeza de que nós e aqueles que nos apoiam vamos conseguir uma maneira de romper esse bloqueio econômico para manter o nosso trabalho. Mas o WikiLeaks não vai morrer nunca, porque é mais do que uma ideia, é a representação de uma ideia que já gerou mudanças fundamentais: a idéia de que é possível encorajar as pessoas a agir de maneira a denunciar má-conduta, e assim dar o primeiro passo em direção à justiça.

Porém, além do vazamento dos documentos diplomáticos, houve poucos novos documentos publicados no WikiLeaks este ano. Ao mesmo tempo surgem mecanismos semelhantes feitos por grupos independenes ou jornais. Aqui mesmo no Brasil a Folha de São Paulo lançou um mecanismo para denúncias. O WikiLeaks ainda é necessário?

É sim, porque nós estabelecemos um padrão com o nosso sistema de submissões, e agora com a nova versão do “dropbox”, que será ainda melhor. Nós percebemos que há falhas graves de segurança nesses outros mecanismos que foram estabelecidos, como por exemplo o site para vazamentos do Wall Street Journal. Também descobrimos recentemente que todos os sistemas de segurança da internet foram comprometidos recentemente, e levamos tudo isso em conta para construir o novo sistema do WikiLeaks 2.0

Já há uma resposta sobre essa campanha de doações?

Sim, houve uma resposta muito positiva em especial de pequenas doações através de mensagens de texto de celular. Mas outros métodos como doações bancárias levam mais tempo para serem concretizados, então ainda não sabemos.

Quanto abrirem o novo método de submissão – ou dropbox – pessoas do Brasil poderão enviar documentos?
Claro. Sempre estivemos abertos e estaremos abertos em breve para cidadãos do Brasil ou de qualquer parte do mundo enviarem documentos. Acho importante falar também que quem quiser ajudar financeiramente no Brasil pode mandar cheques nominais para o WikiLeaks através da Casa de Cultura Digital, um coletivo que promove o ativismo digital. O endereço para mandar cheques está no site deles: http://www.casadaculturadigital.com.br/

Finalmente, na semana passada o Congresso aprovou uma Lei de Acesso à Informação, a primeira do tipo no Brasil, que estabelece sigilo de documentos por 25 anos, renováveis por mais 25. Qual a sua opinião sobre isso?

É muito decepcionante perceber que quando os governos elaboram leis de acesso à informação, os políticos geralmente aproveitam a oportunidade para aumentar o segredo em vez de aumentar a transparência. Há uma relutância inerente dos políticos a compreender que toda informação deveria ser pública a menos que haja justificativas muito específicas para que elas sejam mantidas longe do domínio público. Vamos torcer para que os políticos brasileiros não façam o mesmo. O problema é que, apesar das leis de acesso à informação estarem melhorando no mundo todo – e deve-se lutar por elas sempre – ao mesmo tempo estão aumentando as montanhas de documentos secretos nos cantos escuros dos governos. É por isso que o WikiLeaks tem que existir.