sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Bye, bye, Senhor Mercado

Desde o início de outubro, o Senhor Mercado intensificou as críticas por meio de seus porta-vozes na mídia: tenta desmoralizar o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e a condução da política monetária. Critica o Governo, por governar, e a Presidente Dilma, por orientar as decisões do BC.

O Banco Central elevou de janeiro a julho por cinco vezes consecutivas a taxa de juros básica da economia, a taxa Selic. Em julho, atingiu 12,5%. Nas duas últimas reuniões houve redução de 0,5% em cada uma delas. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central será no final do mês. O Senhor Mercado está cabisbaixo, mas mantém a sua postura crítica. Suplica internamente: “chega de baixar juros”.

De janeiro a julho as críticas do Senhor Mercado às decisões do Banco Central eram brandas. Pedia mais da “ração de todos os dias”: queria maiores elevações da taxa Selic. Desde o início de outubro, o Senhor Mercado intensificou as críticas: tenta desmoralizar o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e a condução da política monetária. Critica o Governo, por governar, e a Presidente Dilma, por orientar as decisões do Banco Central.

Mas, quem é esse Senhor Mercado? Quais são seus métodos? Ele tem aliados?

O Senhor Mercado não é o espaço físico onde mercadorias e ativos são negociados. É um espaço abstrato onde se encontram um amplo leque de interesses privados que tem como principal objetivo maximizar a rentabilidade e a segurança de ativos financeiros.

O Senhor Mercado tem fortes conexões com economistas acadêmicos. Patrocina pesquisas “científicas” (quem viu o filme Inside Job soube como surgiram estudos mostrando a solidez do sistema financeiro da Islândia, que “virou pó” poucos meses após a publicação das pesquisas “científicas e neutras”). O Senhor Mercado tem sólidas ligações com veículos de comunicação. Patrocina tais veículos através de anúncios, publicação de balanços e com outros mecanismos que somente as partes conhecem.

O Senhor Mercado, sentado sobre trilhões de dólares, com pesquisas “científicas” numa mão e com veículos de comunicação na outra, faz os malabarismos necessários. Cria um mundo imaginário para influir sobre o mundo real, cria um “circo de fantasias”. Para o Senhor Mercado, não importam os meios, importa o fim. Até consultas democráticas, como plebiscitos, podem ser rejeitados se ameaçam seu objetivo maior.

As colunas e matérias de jornais falam, por exemplo, que o Banco Central tomou tal decisão “contrariando as expectativas” do Senhor Mercado. E, por vezes, escrevem: “importantes analistas de mercado têm posição contrária ao governo”. Somente leitores desatentos, e são muitos, levam a sério periódicos que possuem tais conteúdos.

O Senhor Mercado tem uma base de articulação política e de apoio social que é muito fraca no Brasil e no mundo. Contudo, governantes não devem -e não conseguem - ignorar o Senhor Mercado. Afinal, ele tem alguma representação política e muito poder midiático. O Senhor Mercado faz barulho, faz muito barulho e barulho incomoda. São inúmeras colunas, editoriais, comentários nas rádios e TVs e matérias com intrigas intra-governamentais. E tudo é reproduzido e amplificado nos diversos instrumentos da internet.

O “circo de fantasias” atinge somente um grupo social reduzido da classe média e das elites e, algumas vezes, “respinga bordões” em toda a sociedade, mas com intensidade diferenciada. O barulho que vem do “circo de fantasias” do Senhor Mercado atinge, também, os ouvidos de um segmento muito especial: parte dos próprios governantes e de sua base parlamentar e social de apoio.

Dependendo do tema, o barulho é maior ou menor. O tema do gasto público de má qualidade, por exemplo, tem penetração mais ampla. O tema da redução da taxa de juros tem audiência reduzida, mas é transformado em tema da esfera política (interferência política no Banco Central) para ampliar sua repercussão na sociedade. Também é transformado em recrudescimento da inflação para aumentar ainda mais a audiência.

O presidente Lula foi um mestre. Desdenhava o Senhor Mercado quando interessava e se comunicava diretamente com amplos setores da sociedade. Na crise de 2008/2009 deu aula. Mas, o mais importante efeito sobre o governo das atitudes do Senhor Mercado é quando seu barulho impressiona o próprio governante tomador de decisão e sua base aliada.

A nova arte da política de governar, pelo menos no Brasil, não está relacionada com disputas com a oposição. A oposição está perdida, definha e parte dela tenta se credenciar como base fisiológica de apoio. A nova arte da política de governar é a arte de driblar o Senhor Mercado: contra a truculência do zagueiro utilizar a inteligência e a habilidade do atacante. Driblar significa simplesmente governar, governar e governar – e saber absorver com tranqüilidade o barulho que vem da única oposição, o Senhor Mercado.

Ao governo, basta um pouco de ousadia para atacar com inteligência e habilidade. Afinal, o Senhor Mercado está desmoralizado. Sua principal tese, apregoada nos últimos vinte anos, “deu com os burros n’água”: a desregulamentação financeira aumentaria a eficiência dos mercados.

Contudo, a desregulamentação foi a causa básica da crise financeira internacional de 2007/2009. Outros mandamentos do Senhor Mercado, tais como um rígido regime de metas de inflação (aos moldes do Banco da Nova Zelânida temperado com o humor do BundesBank), o regime de câmbio com flutuação pura (sempre elogiado pelo ex-presidente do Banco Central, H.Meireles), entre tantas outras recomendações, também já mostraram a sua inadequação à realidade.

É hora de driblar o Senhor Mercado com alguma facilidade. Mas, a crise internacional abre a oportunidade de desmoralizá-lo ainda mais. Não é hora de dar ouvidos para um Senhor que perdeu a voz. Portanto, é hora de reduzir ainda mais a taxa de juros, mas isto é pouco para um momento tão favorável.

É hora de promover mudanças estruturais. A crise internacional enfraquece também o Senhor Mercado brasileiro que, mesmo sem autoridade intelectual e política, continua criticando a Presidente Dilma, suas atitudes, o presidente Tombini e a condução da política monetária. Infelizmente, alguns governantes não perceberam como é favorável o momento e ainda fazem muitas concessões ao Senhor Mercado utilizando a justificativa de que é necessário “administrar expectativas”.

É hora de muito mais, baixar a taxa de juros é pouco. É hora de uma consolidação do modelo macroeconômico: reduzir juros e ampliar os gastos com infraestrutura, saúde, educação e moradia popular; aprofundar a flexibilização do regime de metas de inflação, estabelecer controles permanentes sobre a entrada de capitais; desindexar a remuneração dos títulos públicos da taxa Selic; consolidar a política de ciência e tecnologia em curso; criar instrumentos variados de defesa da indústria; estabelecer regras de remessas de lucros que beneficiem a indústria doméstica. É hora do desenvolvimento! Bye, bye, Senhor
Atraso.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Uma vitória histórica

Esta é a primeira vez que o Estado brasileiro é obrigado a instituir um órgão para investigar a verdade sobre crimes perpetrados pelas elites


Alipio Freire - Brasil de Fato

Temos uma Comissão da Verdade.

Sua criação é uma vitória histórica, cuja dimensão, o calor da luta imediata ainda não permite perceber: torturas, assassinatos e todo tipo de violências contra os trabalhadores, o povo (povo=explorados e oprimidos) e todos os que se opuseram aos desígnios do grande capital (sempre impune), nunca deixaram de existir. Nossa inclusão na órbita do desenvolvimento capitalista, desde o mercantilismo até o presente, foi alcançada e mantida a esse preço, que foi e prossegue uma questão estrutural em nossa e outras sociedades. Esta é a primeira vez que o Estado brasileiro é obrigado a instituir um órgão para investigar a verdade sobre crimes perpetrados pelas elites.

Mas esse avanço ainda exige lutas pela sua consolidação prática e novos passos. Exige que estudemos a lei aprovada, para que não se criem ondas de boatos e mal-entendidos, turvando as águas e confundindo a “opinião pública”; que criemos Comitês da Verdade (www.nucleomemoria.org.br), capazes de mobilizar e organizar milhões de pessoas, em torno da necessidade, justeza e importância da Comissão para a consolidação e aprofundamento das conquistas democráticas (=de interesse da maioria).

As atuais atribuições da Comissão avançam na resolução de questões pendentes desde a Anistia: localização dos restos mortais dos desaparecidos e sua devolução para as famílias; abertura dos arquivos da ditadura; esclarecimento dos crimes de sequestro, cárcere clandestino, tortura, assassinato e ocultação de cadáveres de opositores, levados a cabo por agentes do Estado e/ou grupos paramilitares, e a identificação dos seus responsáveis.

Mas o indiciamento legal, julgamento e punição dos responsáveis ainda não constituem tarefa da Comissão. Embora nada impeça que, de posse das verdades, entremos com processos junto ao Judiciário, entendemos que esta deve ser uma atribuição do Estado. Essa conquista dependerá fundamentalmente de sermos capazes de mudar a atual correlação de forças na sociedade e, consequentemente, no interior das instituições do Estado.

Pastor Silas Malafaia “se fornicou”

Por Altamiro Borges

O excêntrico pastor Silas Malafaia bateu recordes no twitter na noite de ontem. Milhares de internautas aproveitaram para tirar uma casquinha de um suposto tropeço gramatical do midiático evangélico, que já virou motivo de chacota por suas constantes declarações preconceituosas e por suas posições políticas retrógradas, direitistas.

Em entrevista à revista Época, Malafaia destilou a sua ira – nada santa – contra Toni Reis, atual presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (ABGLT). “Eu vou arrebentar o Toni Reis... Eu vou fornicar esse bandido, esse safado. Eu vou arrombar com esses...”, esbravejou o pastor, segundo registrou a publicação da famiglia Marinho.

#MalafaiaEscolheuFornicar

Diante da imediata reação dos internautas, Malafaia ainda tentou recuar. No seu twitter, ele retrucou o jornalista da Época que o entrevistou e garantiu que falou “funicar” e não fornicar. “Na linguagem vulgar, ‘funicar’ significa ‘ferrar’ o movimento gay”, esclareceu Malafaia. Pouco tempo depois, ele deletou o seu próprio tuíte. Mas o episódio grotesco já havia chegado às redes sociais.

Segundo informa o sítio Brasil 247, “tuiteiros levaram aos Trending Topics a hashtag #MalafaiaEscolheuFornicar. Afinal, não dá (sem trocadilhos) para deixar passar em branco os instintos mais primitivos da gramática de Malafaia. “Ele podia estar orando, mas #MalafaiaEscolheuFornicar”, brincou @LucasDcan. Teve até canção para o pastor: “Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faaaaz... #CanteParaMalafaia”, ironizou @jufreitascs”.

Homofobia e outros preconceitos

A incontinência verbal do pastor decorre das crescentes críticas aos seus programas de TV. A ABGLT enviou aos órgãos ligados à defesa dos direitos humanos trechos de gravações em que Malafaia faz apologia à violência contra gays. A entrevista à Época só agrava a tensão – com ele “fornicando” ou “funicando”. Vale registrar que o vocábulo “funicar” não consta no dicionário Aurélio.

Silas Malafaia é realmente um personagem “exótico”. Suas posições homofóbicas e seus ataques rasteiros ao direito do aborto já renderam inúmeras críticas. No terreno político, o pastor da Assembléia de Deus Vitória em Cristo não esconde as suas posições direitistas. Na campanha eleitoral do ano passado, ele chegou a gravar vídeos hidrófobos contra a candidata Dilma Rousseff.

Apoio ao tucano José Serra

Num primeiro momento, Malafaia anunciou seu apoio à candidata, também evangélica, Marina Silva. Logo depois, ele apareceu na propaganda eleitoral do candidato tucano, José Serra. Justificou o seu apoio dizendo que Dilma Rousseff apoiava o aborto e o casamento de homossexuais. Na ocasião, levantou-se a denúncia, não comprovada, de que o pastor fora “comprado” pelo PSDB.

As denúncias contra Silas Malafaia, porém, não causam surpresa. O pastor já sofreu várias investigações por desvio de dinheiro e enriquecimento ilícito. Em 2007, por exemplo, ele foi investigado duas vezes pela Receita Federal e três vezes pelo Ministério Público Federal. Ele mesmo admitiu ter havido erro nas contas da sua igreja – não por culpa de dele, mas sim do “meu contador”.

Doações de R$ 40 milhões ao ano

A Assembléia de Deus Vitória em Cristo capta em oferta e doações de fiéis cerca R$ 40 milhões por ano. Seu programa evangélico é transmitido, com milionários custos, pela Rede TV, Band e CNT. Dublado em inglês, ele também atinge 200 países via satélite. O pastor afirma que não recebe da igreja e que vive do dinheiro de sua empresa, a Editora Central Gospel, cujo catálogo tem cerca de 600 títulos, entre livros (incluindo Bíblias), CDs e DVDs.

No ano passado, sua igreja comprou o jato Gulfstream III nos Estados Unidos por US$ 4 milhões. O avião tem autonomia para oito horas de vôo, doze lugares, sofá, cozinha e sistema individual de entretenimento. É um “favor de Deus”, conforme está escrito em inglês na sua fuselagem.

As falsas evidências da economia mundial

Por Emir Sader

O Manifesto de economistas franceses preocupados com a atual ordem econômica mundial lista uma série de falsas evidências sobre a economia internacional (Manifeste d’economistes aterrés, Les liens qui liberent, Paris, 2010):

1. Os mercados financeiros são eficientes.

2. Os mercados financeiros são favoráveis ao crescimento econômico.

3. Os mercados são bons juízes sobre a solvência dos Estados.

4. A crise das dívidas públicas é resultado de um excesso de despesas.

5. É preciso reduzir as despesas para reduzir a dívida pública.

6. A dívida pública remete o preço dos nossos excessos sobre os nossos netos.

7. É preciso garantir os mercados financeiros para poder financiar a dívida pública.

8. A União Europeia defende o modelo social europeu.

9. O euro é um escudo contra a crise.

10. A crise grega finalmente permitiu avançar para um governo econômico e uma verdadeira solidariedade europeia.

Papademos e a tragédia grega

Para o alto comando da UE, a Grécia deve ser tratada como o elo mais fraco do circuito financeiro europeu, não mais do que isso. Alías, um elo em curto-circuito. A tarefa de Papademos é reforçar esse elo para que a Grécia deixe de ser um risco sistêmico, recolha-se à periferia do capitalismo e volte a ser lembrada, apenas, nos livros de História.

O governo da intervenção financeira

Lucas Papademos, ex-diretor do Banco Central Europeu (BCE), é o novo primeiro-ministro grego. A data de validade de seu gabinete interino é fevereiro de 2012, quando um novo parlamento deverá ser eleito.

A escolha de um tecnocrata faz todo o sentido. Enquanto se preparam para enfrentar as eleições e se digladiam dentro do governo supostamente de união nacional, os dois principais partidos dão carta branca ao novo dirigente para que cometa todas as macroatrocidades econômicas, o mais rapidamente possível.

Permitem assim que a Grécia receba o dinheiro prometido, em troca de um ajuste ainda mais duro do que o feito até agora, e deixam o país, na prática, sob intervenção do Banco Central Europeu (BCE).

Fecha-se um ciclo

Ocorreu na Grécia algo muito similar a vários países. Governos conservadores, eleitos na onda neoliberal dos anos 1990, empregaram a fórmula de vilanizar os gastos públicos (não todos, só os sociais e os da organização do Estado), reduzir impostos (dos mais ricos), e liberalizar as relações econômicas, sob a justificativa de fazer com que suas economias ficassem mais competitivas e seu Estado pesasse menos. Com pompa e circunstância, os conservadores levaram seus países para o buraco, dando até hoje os exemplos mais rotundos de irresponsabilidade fiscal. Os socialdemocratas eram em seguida chamados para administrar a bancarrota. Fizeram isso, sem pompa, só com circunstância.

Essa brincadeira, na qual uns arrombavam a porta e os outros vinham apenas para colocar um cadeado, durou tempo demais na Grécia, tanto que seu déficit é proporcionalmente o maior de todos na União Europeia (UE).

Prometeu

Depois de adentrar o Olimpo da UE , o país melhorou o desempenho de sua economia. Passou a crescer a taxas superiores à média do Continente. De brinde, ficava aberta uma das alternativas mais úteis para europeus pobres do bloco: emigrar. Mas essa entrada se fez por uma trapaça. O governo mentiu sobre os números de suas contas públicas. A Grécia seria duramente castigada por isso.

Antes, um rogar de pragas. Ela foi escalada no time dos países malditos da UE, apelidados de PIGS (“porcos”) pela coincidência do acrônimo derivado de Portugal, Itália (a Irlanda também tem sido incluída), Grécia e Espanha. Depois que eclodiu a crise, a nota de classificação dos títulos gregos foi rebaixada para BB+ (podres). Suas vísceras estavam expostas e oferecidas ao escárnio, tal e qual o mito de Prometeu, que roubou o fogo dos deuses para trazer os mortais à civilização.

Presente para os gregos

Quando a crise se alastrou pela Europa, a Grécia foi pega em cheio. A saída oferecida, como uma dádiva, era um pacote de ajuda financeira imediata. Um ótimo negócio, como aquele cavalo de madeira presenteado aos troianos. O povo grego reagiu desconfiado. A aceitação dos empréstimos implicaria, em contrapartida, cortar a própria carne.

Por um bom punhado de Euros (130 bilhões, mais a dedução de 100 dos 350 bi devidos), Papademos precisa agora implementar a redução de direitos trabalhistas, demitir 30 mil servidores públicos, achatar o pagamento a aposentados e pensionistas, ampliar a idade mínima de aposentadoria, aumentar impostos, cortar gastos (inclusive dos que poderiam ajudar a fazer o país crescer), congelar dos salários e flexibilizar (lembram dessa palavra?) direitos, dando liberdade para que o setor privado possa fazer o mesmo: demitir, reduzir salários, diminuir encargos de toda ordem.

O desmonte do Estado

O atual Estado grego será depenado, em poucos meses. Não era um bom Estado. Se fosse, a situação não teria chegado aonde chegou. Mas, como em qualquer destruição dessa natureza, os escombros caem sobre as cabeças daqueles que não conseguem fugir, que não têm onde se refugiar. São esses que terão de pagar a conta para evitar o chamado “risco moral” (“moral hazard”, no jargão econômico), isto é, a necessidade de que os maus pagadores sofram punições severas, para que o calote não seja visto como um bom negócio.

A mitologia grega insiste em personagens teimosos, mas lhes dá destinos cruéis. Sísifo, por exemplo, foi condenado a fazer rolar uma imensa pedra, montanha acima. Sempre que julgava estar próximo de alcançar seu objetivo, a pedra escorregava ladeira abaixo.

A Grécia está diante de um problema parecido. Precisa retomar o crescimento, para arrecadar mais impostos e quitar suas dívidas. Porém, ao cortar investimentos, para gerar superávits para o serviço da dívida, drena de sua economia recursos essenciais para voltar a crescer. Para voltar a crescer, a Grécia deveria parar de pagar sua dívida, mas aí não receberia a ajuda financeira de que precisa, e as portas se fechariam de vez.

Conforme o figurino

Se obtiver sucesso em sua missão, Papademos terá lançado aos infernos vários setores de sua economia e enviado milhares de cidadãos ao pior dos mundos. Mas será aplaudido pelas autoridades do sistema financeiro internacional, que é o que importa para seu currículo. Não foi ele escolhido justamente por seu currículo?

Para o alto comando da UE, a Grécia deve ser tratada como o elo mais fraco do circuito financeiro europeu, não mais do que isso. Alías, um elo em curto-circuito.

A tarefa de Papademos é reforçar esse elo para que a Grécia deixe de ser um risco sistêmico, recolha-se à periferia do capitalismo e volte a ser lembrada, apenas, nos livros de História.

* Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.

A mídia e a ideologia do denuncismo

Por Jorge Cid, no blog Viomundo:

O país vive um momento bastante delicado, e não de agora, mas de alguns anos. Não sei se pode ser considerado como marco, mas parece que ali começou a se montar a estratégia de luta da oposição no Brasil.

Falo do episódio em que, sem provas, foram defenestrados da Polícia Federal o Delegado Protógenes Queiroz e o Superintendente Paulo Lacerda. Digo sem provas, por que o áudio do suposto grampo que a revista Veja denunciou, como não, jamais apareceu. Conversa grampeada do ministro do STF, Gimar Mendes, e do Senador do DEM, Demóstenes Torres.


Conversa grampeada ou conversa fiada? Depois de tantos anos, é uma resposta que por simples parece ridícula, mas vejam a conclusão que chegou a Polícia Federal:

A Polícia Federal concluiu que não houve grampo ilegal nos telefones do então presidente do STF, Gilmar Mendes, no episódio em que foi divulgado diálogo com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Fonte: O Globo (25/12/2010).

Ora, mas cadê a terrível máquina de espionagem dos dois homens da Polícia Federal que serviu pra jogar suas carreiras e seus nomes na sarjeta?

Com este episódio, de uma trama pobremente armada, mas com os atores adequados, iniciou-se então a nova marcha dos novos, descendentes dos antigos TFP. Era possível sim acusar sem provas pessoas públicas indesejadas, usando invariavelmente os mesmos órgãos de mídia, repercutir as acusações por tempo suficiente para desmoralizá-los publicamente, fechar o cerco usando outros homens públicos que dessem “credibilidade” política e legal às acusações, até que, em meio a esse clima de caça às bruxas pós-modernas, se conseguisse o objetivo principal, tornar o governo e a democracia reféns da oposição. E sem precisar de qualquer tipo de debate ideológico para isso. A ideologia nas teclas de um PC.

Debate encurtado, currículos pisados, eis que surge uma nova estrela polar para guiar nossa oposição. Algum tipo de visão renovada, uma releitura dos tempos da inquisição, ou, mais no presente, dos tempos das delações tão comuns a regimes ditatoriais. Quantos espanhóis não morreram pelos novos métodos ressuscitados por nossa oposição? Milhares. Por brigas de vizinhos, desavenças pessoais de toda ordem, rixas de trabalho, foram motivo de denúncias anônimas nos primeiros anos do pós-guerra civil, que, invariavelmente, redundavam no fuzilamento do “vermelho” denunciado na porta da própria casa, no local de trabalho, no mercado público, onde fosse.

Sem idéias, atrelada aos velhos costumes conservadores das nossas elites, a oposição passou a gostar do novo método que transferia seu discurso aos grupos da grande mídia. Como já bem disse Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de São Paulo, “A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.”

Gostaram tanto desta nova prática, ainda que não tenha servido pra ganharem as últimas eleições presidenciais, que seu uso expandiu-se. De início acanhado, com alvos específicos, começaram já o novo governo fazendo do denuncismo torpe e inconseqüente a bandeira da nova moral e dos novos bons costumes. E aqui cabe um belo parêntesis. Não se trata de dar guarida ao malfeito, termo bastante do gosto da nossa presidenta, mas também não se pode dar vazão a denúncias sem qualquer tipo de prova.

Por mais óbvio e repetitivo que isso possa parecer, todos, igualmente, são inocentes até provas em contrário. Não para a nova-velha oposição, que, na ausência de idéias, na ausência de proximidade com os setores mais populares de nosso país, decidiu dar as mãos à baixaria e transformar em demônios os antes adversários. O debate abortado em favor de uma nova cabeça. Pra cada idéia sepultada, um ponto a menos de credibilidade.

Convenhamos, daí para a tentativa de golpe é um pulo, como foi um pulo do caso do grampo para a situação atual, de ministro por semana. Quem acha nisso um exagero, tem a oportunidade de votar em enquete proposta pelo jornal Folha de São Paulo em qual ministro será o próximo a cair. Um deboche do jornal à democracia no país. Quem será o próximo que conseguiremos decapitar?

Urge a necessidade de regular os meios de comunicação. E que não venham com o ultrapassado discurso da liberdade de expressão, pois não é o debate que pretende ser interditado, muito pelo contrário, ele é o motor de qualquer democracia, mas, sim, os abusos das oito famílias que comandam as comunicações no Brasil e cuja existência visa apenas manter seus privilégios através de seus políticos ventríloquos.

Se estivessem preocupados com a liberdade de expressão, não teria o jornal O Estado de São Paulo demitido a colunista Maria Rita Khel por ter escrito texto elogioso ao Programa Bolsa Família, ou não teria o jornal Folha de São Paulo entrado com ação na justiça que encerrou as atividades do blog Falha de São Paulo, uma sátira a matérias que eram veiculadas pelo jornal paulistano.

O que estes grupos defendem, claro está, não é a liberdade de todos expressarem-se, é o privilégio de somente eles expressarem-se. Não é o debate que importa, é apenas a opinião hegemônica da grande mídia. Ainda que parte destes órgãos sejam concessões públicas, financiadas com os impostos de todos. Aliás, na diferença entre a antiga e atual fatia de dinheiro público vindo da propaganda do governo é que reside toda a sanha virulenta do denuncismo atual.

A queda de receita da grande mídia, em detrimento da maior distribuição do bolo, é o cerne da questão, aliada ao histórico e conhecido preconceito de classes que tanto assombra as nossas elites desde o Brasil colônia. São os trinta do cansei de ontem, os trinta do ENEM de hoje, os trinta da corrupção, os trinta de sempre … mas com um enorme poder de fogo, e uma enorme capacidade para enterrar idéias.


* Jorge Plá Cid é doutor em geologia e servidor do Departamento Nacional de Produção Mineral.

Alípio Freire: Uma vitória histórica

Temos uma Comissão da Verdade. Sua criação é uma vitória histórica, cuja dimensão o calor da luta imediata ainda não permite perceber: torturas, assassinatos e todo tipo de violências contra os trabalhadores, o povo (povo=explorados e oprimidos) e todos os que se opuseram aos desígnios do grande capital (sempre impune), nunca deixaram de existir.

Por Alipio Freire - Vermelho


Nossa inclusão na órbita do desenvolvimento capitalista, desde o mercantilismo até o presente, foi alcançada e mantida a esse preço, que foi e prossegue uma questão estrutural em nossa e outras sociedades. Esta é a primeira vez que o Estado brasileiro é obrigado a instituir um órgão para investigar a verdade sobre crimes perpetrados pelas elites.

Mas esse avanço ainda exige lutas pela sua consolidação prática e novos passos. Exige que estudemos a lei aprovada, para que não se criem ondas de boatos e mal-entendidos, turvando as águas e confundindo a “opinião pública”; que criemos Comitês da Verdade (www.nucleomemoria.org.br), capazes de mobilizar e organizar milhões de pessoas, em torno da necessidade, justeza e importância da Comissão para a consolidação e aprofundamento das conquistas democráticas (=de interesse da maioria).

As atuais atribuições da Comissão avançam na resolução de questões pendentes desde a Anistia: localização dos restos mortais dos desaparecidos e sua devolução para as famílias; abertura dos arquivos da ditadura; esclarecimento dos crimes de sequestro, cárcere clandestino, tortura, assassinato e ocultação de cadáveres de opositores, levados a cabo por agentes do Estado e/ou grupos paramilitares, e a identificação dos seus responsáveis.

Mas o indiciamento legal, julgamento e punição dos responsáveis ainda não constituem tarefa da Comissão. Embora nada impeça que, de posse das verdades, entremos com processos junto ao Judiciário, entendemos que esta deve ser uma atribuição do Estado. Essa conquista dependerá fundamentalmente de sermos capazes de mudar a atual correlação de forças na sociedade e, consequentemente, no interior das instituições do Estado.

Alípio Freire é escritor e jornalista.
Texto originalmente publicado na edição 453 do
Brasil de Fato.

USP: as botas da PM mutilam a democracia

Editorial do Vermelho

“Aqui estes beleguins de tropa militar não entram, porque entrar na Universidade só através de vestibular” – estas palavras de Pedro Calmon, que era reitor quando a Universidade de Brasília foi ocupada pela Polícia Militar em agosto de 1968, não estavam relegadas ao recanto da triste memória da ditadura militar onde deveriam estar. Na São Paulo do governador tucano Geraldo Alckmin e do reitor João Grandino Rodas, da USP, elas estão vivas. Aqueles mandatários são os responsáveis pela atual reencenação daquele drama antidemocrático que chegou ao absurdo de conduzir, num ônibus improvisado, 73 estudantes presos depois da reintegração de posse da madrugada do dia 8.

A ocupação da reitoria e a movimentação estudantil – que vem, na etapa atual, desde o dia 28 de outubro – provocou debates acesos e a imprensa do capital, em seu vergonhoso papel de enxovalhar para desclassificar e criminalizar o movimento social, enfatizou os aspectos secundários do movimento, descrevendo seus protagonistas como um bando de moças e rapazes privilegiados e irresponsáveis.

Não são, e os objetivos dos estudantes são claros e voltados para a melhoria das condições de educação na universidade e para a restauração da autonomia universitária violada pela presença da PM no campus.

A democratização da universidade está sob grave ameaça. A autonomia universitária, um princípio democrático que resultou de lutas intensas do movimento estudantil e de toda a sociedade, não pode sobreviver sob as botas de soldados que ocupam aquele espaço que, por princípio, deveria ser livre.

A reitoria da USP e o governo tucano do estado de São Paulo cometeram um grave erro ao assinar em setembro passado o convênio com a Polícia Militar que militarizou a segurança da universidade sob o pretexto sempre invocado, e amedrontador para a classe média, de combater o consumo de drogas.

A segurança universitária é responsabilidade da reitoria e não pode ser militarizada, não se admitindo sequer a presença da polícia civil no espaço acadêmico. É simbólico, deste ponto de vista, que a própria Academia de Polícia, um instituto da universidade, fique próximo ao portão, como a admitir a presença estranha da polícia naquele local.

Faz muitos anos que a USP enfrenta uma situação grave. Aos problemas propriamente pedagógicos se acrescentam outros, com destaque para a insegurança no campus. Há relatos de violências de todo tipo, incluindo estupros e até mesmo assassinatos.

O efeito da maneira tucana de enfrentar estes problemas é, invariavelmente, seu agravamento. Os estudantes reclamam da segurança terceirizada (que substituiu o aparato próprio da universidade, mais adequado para enfrentar problemas internos), da falta de iluminação no campus e da falta de regularidade e qualidade no transporte coletivo fornecido pela universidade. Além disso, medidas tomadas por reitores de viés tucano amesquinharam as relações da universidade com a comunidade que vive a seu redor, e com a cidade em geral, encerrando-a numa tosca e ultrapassada torre de marfim.

A nostalgia da ditadura militar traduzida pela presença da Polícia Militar no espaço universitário tem outro resultado perverso, que é a criminalização do movimento social. O Brasil não está mais nos tempos de Ibiúna para trancar estudantes num ônibus da polícia. A solução para as demandas do movimento social, numa situação democrática, exige negociação, muita negociação, e a adoção de medidas capazes de atendê-las. As botas da PM não servem para isso; elas maculam a democracia, além de revelar o saudosismo ditatorial do tucanato.

Tem razão, neste sentido, o presidente da União Nacional dos Estudantes, Daniel Iliescu, quando exige o fim da presença da Polícia Militar na USP e a reconstrução da segurança universitária própria. E quando condena com vigor o convênio da USP com a PM: “Este convênio é antidemocrático” pois fere a autonomia universitária e compromete a liberdade da comunidade acadêmica, disse.