quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um desabafo

Que mundo é mesmo esse? O que é que está acontecendo mesmo? Porque tanta violência? Porque tanta gente doente e lixo social anda armado como fosse militar? Porque tanta banalidade da vida humana, enquanto se faz festa de aniversário de autoridade como se fosse de santos em Feira de Santana? Que é isso gente?
Na noite de São João, Joselita de Jesus Pereira, jovem bonita, inteligente, com muitos projetos de vida, com um futuro brilhante, passou a noite junina na nossa casa, na festa de nossa família. Hoje estamos a ver em cadeia nacional a forma violenta como ela foi assassinada, de forma banal por um doente que anda armado e os entes públicos brigam para colocar a culpa pela Segurança um nos outros!
São tantas mortes violentas em Feira de Santana e a gente fica sempre a se perguntar de quem é a responsabilidade pela articulação para que a Segurança funcione em nosso município. As vozes das ruas dizem aqui que a gente não pode falar demais, porque morre também. Que é isso amigos?
Esperamos que Joselita possa servir simbolicamente para que algumas autoridades possam tomar vergonha na cara, e descer do palanque. Feira de Santana precisa construir um debate sobre a violência que está acontecendo. A gente precisa sair da mentalidade dos brasileiros como cidade violenta. Joselita era nossa amiga...!

Genaldo de Melo
Trabalhadores/as rurais se organizam na região de Feira de Santana

A Delegacia Sindical de Feira de Santana, Recôncavo e Litoral Norte da FETAG-BA realizou no último dia 13 de julho, na cidade de Feira de Santana, o Encontro de Dirigentes Sindicais do MSTTR, para discutir temas relacionados com a organização da estrutura sindical nessas regiões de atuação. Participaram do evento 57 dirigentes sindicais oriundos de 28 municípios. Presentes ao evento estiveram Rozete Evangelista, assessora regional da entidade, Jean Carlos Machado, Secretário de Formação e Organização Sindical, Inácio Ribeiro, Secretário de Assalariados Rurais, Renilda Santos, Coordenadora Regional, Edifrâncio Oliveira, Coordenador Regional, Genaldo de Melo, também assessor da entidade, Marlede Oliveira, da APLB-Sindicato, além de Florisvaldo Campos e Milton Sales, ambos da Coordenação Regional da CTB-Bahia.
Por Genaldo de Melo

O papel da juventude trabalhadora

Por Celso Jardim, no sítio da CTB:

Paulo Vinícius, sociólogo, milita nos movimentos estudantis desde 1991, da geração cara-pintada do "Fora Collor", foi ativo participante de grêmios estudantis da ETFCE - Escola Técnica Federal do Ceará e do Diretório Central dos Estudantes da UFC – Universidade Federal do Ceará.

Durante o período de 2001 a 2005 foi Diretor de Relações Internacionais da UNE (União Nacional dos Estudantes); em 2003, representou a entidade na OCLAE - Organização Continental Latino-americana e Caribenha de Estudantes e no Fórum Social Mundial. Na UJS (União da Juventude Socialista) foi diretor de Solidariedade Internacional e de Formação.

PV, como é conhecido, é Secretário de Políticas para a Juventude Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil e também membro do CONJUVE - Conselho Nacional de Juventude, concedeu entrevista ao portal da CTB;

O desenvolvimento econômico dos últimos trouxe novas perspectivas para a juventude trabalhadora no país?

Vivemos um momento especial para a juventude brasileira. Há um bônus demográfico, ou seja, uma situação favorável em que os jovens 15 a 34 anos somam 35% da população total, algo em torno de 67 milhões de pessoas. Nunca houve e, se cumprida a tendência da curva de crescimento da população, nem haverá tantos jovens quanto agora, em plena idade produtiva e em busca de um lugar na sociedade. Essa juventude, ademais, vive em uma democracia pujante como a brasileira, e em um momento em que todas as condições estão dadas para conquistarmos um Novo Desenvolvimento para o Brasil.

E essa juventude é determinante para o êxito desse novo momento do país, e por outro lado, integrá-la ao desenvolvimento e à vida adulta de modo exitoso é decisivo para esse novo momento do Brasil. Pois se a juventude é a maior vítima proporcional do desemprego, se ela não tem educação e uma qualificação profissional, se seu ingresso no mercado de trabalho é precário e sem direitos, se ela não pode se expressar e viver sua identidade, sexualidade, se ela não tem acesso à previdência, ao crédito e à terra, como o Brasil vencerá nesse novo momento econômico? Assim as políticas para a juventude são fundamentais para o Brasil dar um salto no rumo do desenvolvimento com valorização do trabalho.

Nessa recente explosão de manifestações e passeatas notamos a presença de muitos jovens, a que você atribui essa participação maciça da juventude?

A juventude que ser parte integral da sociedade e quer dar sua contribuição. Esse peso numérico que ela tem hoje dá uma perfeita possibilidade de isso ter dimensões de massa. As jovens mulheres têm cada vez mais presença na sociedade e no mercado de trabalho, e exigem liberdade, direitos iguais e em especial ao seu próprio corpo. A luta em defesa da livre orientação sexual e contra a homofobia é uma expressão clara de uma parcela importante da sociedade, e também de jovens que desejam viver suas vidas e seu amor sem constrangimentos ou violência.

A luta dos estudantes por uma Reforma da Educação e dos trabalhadores jovens pelo emprego e a qualificação profissional, e pelo direito de continuar estudando são batalhas concretas, pois a moçada quer ter casa, constituir família, ter uma vida profissional e ajudar o Brasil. E por fim, a luta contra a criminalização dos usuários, contra a ausência de políticas de saúde compatíveis com o estágio da epidemia da dependência química e contra o tratamento policialesco e o cerceamento do debate fecham o quadro de referência que estou traçando.

Em todos esses fenômenos que tem ganhado a mídia e a sociedade estão no centro os dilemas da juventude a buscar seu espaço na sociedade brasileira. Em todos, trata-se do direito a ser reconhecido, respeitado, incluído e de ser parte do mundo produtivo. O desafio do movimento sindical - e não apenas dos jovens que atuam na CTB - é dar ouvidos a essas demanda, ouvir as nossas bases sindicais, e fazer do movimento sindical um movimento mais completo, sem abrir mão do classismo, da luta contra o capitalismo, unindo as pontas de uma mesma luta pela emancipação dos trabalhadores.

Como os jovens participam e analisam a pauta de reivindicações do movimento sindical, em especial da Juventude da CTB.

Estamos plenamente sintonizados com a Agenda Nacional da Classe Trabalhadora, aprovada na II CONCLAT porque o Brasil precisa crescer, precisa desenvolver sua economia a taxas superiores a 4% ao ano, precisa valorizar o trabalho, pois isso é fundamental para que o desemprego juvenil caia e a juventude possa se incorporar plenamente no mundo do trabalho, e m condições dignas, sem discriminações, e encontre assim seu lugar na vida.

Enquanto vamos demorando nesse caminho, fazendo as concessões que se fazem aos banqueiros, o resultado está aí pelas ruas, no crack e nas drogas feitas para exterminar a juventude da periferia, nas prisões que tem um percentual absurdo de jovens, em especial negros, no desperdício do talento de uma moçada que está cheia de força de vontade e disposição, mas sem a qualificação que lhes desenvolva os talentos e sem a oportunidade de mostrar serviço.

E essa pauta geral do movimento sindical precisa descer para ver essa realidade. Para nós, por exemplo, é importantíssimo influir no PRONATEC, ter um Plano Nacional de Educação que chegue aos jovens trabalhadores, a luta contra a Precarização, contra a terceirização sem limites, pela isonomia e pela sucessão, assuntos muito importantes no debate dos jovens trabalhadores

Como será a participação da CTB no 52º Congresso da UNE?

A UNE é uma importante parceira da CTB e o seu congresso é o maior evento da juventude brasileira, por isso a CTB participará de suas atividades com muita alegria. O Presidente da CTB, Wagner Gomes foi convidado a participar e falar na abertura do Congresso. Vários militantes, amigos e simpatizantes vem de todos os estados como delegados porque também são estudantes, e queremos fazer contato com todos e todas para integrar toda essa moçada em nosso trabalho juvenil. Por isso a juventude terá um stand no Congresso. Nele os sindicalistas da CTB poderão aparecer, distribuir seus materiais, trocar umas ideias.

No dia 14 de julho, realizaremos uma reunião do Coletivo Nacional de Jovens Trabalhadores. Pedimos inclusive a compreensão das direções estaduais e dos principais sindicatos da CTB a apoiarem a ida dos estados para essa importante atividade. Vai ser uma reunião fundamental para tratar de nossa I Plenária Nacional da Juventude da CTB, que acontecerá em dezembro. Tratará também de nossas propostas e participação nas conferências de juventude que já acontecem em estados e municípios e que antecedem a 2ª Conferência Nacional de Juventude. E no dia 15 de julho, eu participarei de um dos debates do Congresso, tratando de Educação e Trabalho. Então, esperamos encontrar a juventude da CTB no Congresso da UNE e também aprender com eles, pois a UNE é uma importantíssima referência do movimento juvenil, e seu 52º Congresso será muito importante para esse próximo período.

Os otavinhos

Os otavinhos são personagens típicos do neoliberalismo. Precisam do desencanto da esquerda, para tentar impor a ideia do tango Cambalache: Nada é melhor tudo é igual.

Os otavinhos são jovens de idade, mas envelhecem rapidamente. Passam do ceticismo – todo projeto de transformação deu errado, tudo é ruim, todo tempo passado foi melhor, a política é por natureza corrupta - ao cinismo –quanto menos Estado, melhor, quanto mais mercado, melhor.

São tucanos, seu ídolo é o FHC, seu sonho era fazer chegar o Serra – a quem não respeitam, mas que lhes seria muito funcional – à presidência. Vivem agora a ressaca de outra derrota, em barzinhos da Vila Madalena.

Tem ódio ao povo e a tudo o que cheira povo – popular, sindicatos, Lula, trabalhadores, PT, MST, CUT, esquerda, samba, carnaval.

Se consideram a elite iluminada de um país que não os compreende. Os otavinhos são medíocres e ignorantes, mas se consideram gênios. Uns otavinhos acham isso de si e dos outros otavinhos.

Só leem banalidades – Veja, Caras, etc. -, mas citam muito. Tem inveja dos intelectuais, da vida universitária, do mundo teórico, que sempre tratam de denegrir. Tem sentimento de inferioridade em relação aos intelectuais, que fazem a carreira que eles não conseguiram.

São financiados por bancos da família ou outras entidades afins, para ter jornais, revistas, editoras, fazer cinema, organizar festivais literários elitistas.

Fingem que gostam da França, mas são chegados a Miami.

Ficaram para trás com a internet, então abominam, como conservadores, reacionários idosos que é sua cabeça.

Se reúnem para reclamar do mundo e da sua decadência precoce.

Os otavinhos não tem caráter e por isso se dedicam a tentar denegrir a reputações dos que mantem valores e coerência, para tentar demonstrar que todo mundo é sem caráter, como eles.

Os otavinhos assumem o movimento de 1932, acham que São Paulo é a “locomotiva da nação”, que é uma ilha de civilização cercada de bárbaros por todos os lados. Os otavinhos detestam o Brasil, odeiam o Rio, a Bahia, o Nordeste. Odeiam o povo de São Paulo, querem se apropriar de São Paulo com seu espírito de elite.

Os otavinhos moram ou ambicionam morar nos Jardins e acham que o Brasil seria civilizado quando tudo fosse como nos Jardins.

Os otavinhos nunca leram FHC, não entendem nada do que ele fala, mas o consideram o maior intelectual brasileiro.

Os otavinhos são órfãos da guerra fria, da ditadura e do FHC. Andam olhando pra baixo, tristes, depressivos, infelizes.

Os otavinhos compram todas as revistas culturais, colocam no banco detrás do carro e não lêem nenhuma. Lêem a Veja e Caras.

Os otavinhos acham que a ditadura foi um mal momento, uma ditabanda.

Os otavinhos são deprimidos, depressivos, derrotados, desmoralizados, rancoroso, escrevem com o fígado. Os otavinhos têm úlcera na alma.

Os otavinhos odeiam o Brasil, mas pretendem falar em nome do Brasil, para denegri-lo, promover a baixa estima. Os otavinhos pertencem ao passado, mas insistem em sobreviver.
Emir Sader

A perda de confiança na ordem atual

 

Vigora uma desconfiança generalizada de que deste sistema não poderá vir nada de bom para a humanidade. Estamos indo de mal a pior em todos os itens da vida e da natureza. O futuro depende do cabedal de confiança que os povos depositam em suas capacidades e nas possibilidades da realidade. E esta confiança está minguando dia a dia.

Na perspectiva das grandes maiorias da humanidade, a atual ordem é uma ordem na desordem, produzida e mantida por aquelas forças e países que se beneficiam dela, aumentando seu poder e seus ganhos. Essa desordem deriva do fato de que a globalização econômica não deu origem a uma globalização política. Não há nenhuma instância ou força que controle a voracidade da globalização econômica. Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dois prêmios Nobel em economia, criticam o Presidente Obama por não ter imposto freios aos ladrões de Wall Street e da City, ao invés de se ter rendido a eles. Depois de terem provocado a crise, ainda foram beneficiados com inversões bilionários de dinheiro público. Voltaram, airosos, ao sistema de especulação financeira.

Estes excepcionais economistas são ótimos na análise; mas, mudos na apresentação de saídas à atual crise. Talvez, como insinuam, por estarem convencidos de que a solução da economia não esteja na economia, mas no ‘refazimento’ das relações sociais destruídas pela economia de mercado, especialmente, a especulativa. Esta é sem compaixão e desprovida de qualquer projeto de mundo, de sociedade e de política. Seu propósito é acumular maximamente, apropriando-se de bens comuns vitais como água, sementes e solos e destroçado economias nacionais.

Para os especuladores, também no Brasil, o dinheiro serve para produzir mais dinheiro e não para produzir mais bens. Aqui o Governo tem que pagar 150 bilhões de reais anuais pelos empréstimos tomados, enquanto repassa apenas cerca de 60 bilhões para os projetos sociais. Esta disparidade resulta eticamente perversa, consequência do tipo de sociedade a qual nos incorporamos, sociedade essa que colocou, como eixo estruturador central, a economia, que de tudo faz mercadoria até da vida.

Não são poucos que sustentam a tese de que estamos num momento dramático de decomposição dos laços sociais. Alain Touraine fala até de fase pós-social ao invés de pós-industrial.

Esta decomposição social se revela por polarizações ou por lógicas opostas: a lógica do capital produtivo cerca de 60 trilhões de dólares/ano e a do capital especulativo, cerca de 600 trilhões de dólares sob a égide do “greed is good” (a cobiça é boa). A lógica dos que defendem a maior lucratividade possível e a dos que lutam pelos direitos da vida, da humanidade e da Terra. A lógica do individualismo que destrói a “casa comum”, aumentando o número dos que não querem mais conviver e a lógica da solidariedade social a partir dos mais vulneráveis. A lógica das elites que fazem as mudanças intrassistêmicas e se apropriam dos lucros e a lógica dos assalariados, ameaçados de desemprego e sem capacidade de intervenção. A lógica da aceleração do crescimento material (o PAC) e a dos limites de cada ecossistema e da própria Terra.

Vigora uma desconfiança generalizada de que deste sistema não poderá vir nada de bom para a humanidade. Estamos indo de mal a pior em todos os itens da vida e da natureza. O futuro depende do cabedal de confiança que os povos depositam em suas capacidades e nas possibilidades da realidade. E esta confiança está minguando dia a dia.

Estamos nos confrontando com esse dilema: ou deixamos as coisas correrem assim como estão e então nos afundaremos numa crise abissal ou então nos empenharemos na gestação de uma nova vida social, capaz de sustentar um outro tipo de civilização. Os vínculos sociais novos não se derivarão nem da técnica nem da política, descoladas da natureza e de uma relação de sinergia com a Terra. Nascerão de um consenso mínimo entre os humanos, a ser ainda construído, ao redor do reconhecimento e do respeito dos direitos da vida, de cada sujeito, da humanidade e da Terra, tida como Gaia e nossa Mãe comum. A essa nova vida social devem servir a técnica, a política, as instituições e os valores do passado. Sobre isso venho pensando e escrevendo já pelo menos há vinte anos. Mas é voz perdida no deserto. “Clamei e salvei a minha alma” (clamavi et salvavi animam meam), diria desolado Marx. Mas importa continuar. O improvável é ainda possível.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

O socialismo é uma doutrina triunfante - entrevista com Antonio Candido

Aos 93 anos, Antonio Candido explica a sua concepção de socialismo, fala sobre literatura e revela não se interessar por novas obras
 
Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.
Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. "O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele", afirma.

Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?

Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.

O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?

Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética.
Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado "Literatura e sociedade" que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como "O cortiço" [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.

Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?

Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.

O que é mais importante ler na literatura brasileira?

Machado de Assis. Ele é um escritor completo.

É o que senhor mais gosta?

Não, mas acho que é o que mais se aproveita.

E de qual o senhor mais gosta?

Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos… Acho que já li "São Bernardo" umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: "a tradução matou a obra", então a obra era boa, mas não era grande.

Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?

É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. "A divina comédia" é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.

O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?

Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?

O senhor acha que vai?

Não sei. Eu não tenho nem computador… as pessoas me perguntam: qual é o seu… como chama?

E-mail?

Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas… Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos… que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.

E o que o senhor lê hoje em dia?

Eu releio. História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.

O senhor é socialista?

Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: "o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana". O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na "Ideologia Alemã": as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?

Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

O socialismo como luta dos trabalhadores?

O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.

Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?

Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.

O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?

O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão – e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).
A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?

Conheci em Poços de Caldas… essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: "é melhor ser fascista do que não ter ideologia". Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.

E o dever da atual geração?

Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.

No seu livro "Os parceiros do Rio Bonito" o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?

Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia… Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: "ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?". Eu disse pra ele: "não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra". Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria… Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: "mas é claro que não vende, o carro não acaba". O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.

Fonte: Joana Tavares - Brasil de fato

Não devemos lamentar o fiasco da fusão Carrefour-Pão de Açúcar

Reza um velho ditado popular que quando dois meliantes brigam algo de bom acontece.

A desavença entre o empresário Abílio Diniz e seu sócio francês na Companhia Brasileira de Distribuição (CBD, que inclui o Pão de Açúcar), o grupo Casino, afastou o risco de participação do BNDES no polêmico projeto de fusão da empresa varejista com as filiais brasileiras do também francês Carrefour. O banco público, que inicialmente cogitava gastar mais de R$ 2 bilhões na transação privada, anunciou na tarde de terça-feira (12) que estava fora do negócio, acatando recomendação da presidente Dilma.

Pulo do gato

Os executivos do Casino se sentiram como cônjuges traídos pelos movimentos de Diniz, que procurou um acordo com a direção do Carrefour e o respaldo do governo sem consultar os sócios, informados da ocorrência pelo semanário francês Le Journal Du Dimanche. Jean-Charles Naouri, presidente do conselho de administração do grupo francês, classificou a manobra de atentado à “ética dos negócios” (SIC). É um comportamento típico de magnatas capitalistas.

Em 2005, o fundador do Pão de Açúcar assinou um acordo de acionistas com o Casino pelo qual este aumentaria gradualmente sua participação na CDS até adquirir, em 2012, o controle da companhia. Recentemente, próximo do prazo estabelecido para a transferência do comando, usando a notável influência que goza no governo, ele ensaiou um pulo do gato, negociando furtivamente a fusão com o Carrefour e o financiamento bilionário do BNDES. Mas a reação indignada do sócio francês e as críticas suscitadas ao banco público acabaram inviabilizando a obscura transação.

Devemos é comemorar


O povo brasileiro não tem razões para lamentar o fiasco da fusão, que interessava exclusivamente ao capitalista Diniz e ao Carrefour. O negócio proposto pelo empresário não garantia a nacionalização da nova empresa, que de um ou outro modo cairia nas mãos dos franceses. Certamente resultaria na supressão de empregos e ampliação da concentração no ramo, em detrimento dos consumidores e das empresas de menor porte.

Conforme notou o ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, “Abílio Diniz multiplicaria seu patrimônio, mas, para o Brasil, praticamente nenhuma vantagem. O setor varejista já está desnacionalizado [e não é o único nem o mais importante]”. O processo de concentração no ramo de supermercados, relativamente recente, foi acompanhado, no Brasil, pela progressiva desnacionalização. O avanço de gigantes como o francês Carrefour e o estadunidense Wal-Mart (maior empresa do mundo pelos critérios da revista Fortune) não são os únicos sintomas deste triste fado. O próprio Pão de Açúcar, que parecia o último brasileiro de peso no ramo, já estava prometido aos franceses.

Cobra engolindo cobra

O processo de concentração e centralização do capital, analisado por Marx em meados do século 19, é inexorável e cruel com os mais fracos. Nele sobrevivem apenas os grandes grupos, engolindo os menores. Foi no seu rastro que surgiram as modernas multinacionais e teve início, como observou Lênin, a nova fase do capitalismo, o imperialismo, o capitalismo dos monopólios.

Abílio Diniz engoliu alguns concorrentes nacionais e, pelo visto, agora chegou a sua vez de ser engolido. É curioso e irônico que o fundador do Pão de Açúcar e seus aliados levantem a bandeira dos interesses nacionais para justificar uma transação em benefício próprio e, de resto, com forte vocação para escândalo. Afinal, não foi o próprio Diniz que assinou, em 2005, o acordo que transferia o controle da CBD ao Casino? Não merecia, por isto, ser caracterizado de entreguista?

O capitalista e o capital

O capitalista, notava Karl Marx, encarna a lógica e os interesses do capital. O capital não tem pátria, ou melhor, sua única pátria é o lucro. O deslocamento de fábricas e investimentos da Europa e dos EUA para a China e outros países asiáticos - em busca de mão-de-obra barata e maximização dos lucros e em detrimento do emprego de milhões de trabalhadores nos países de origem – é uma prova, entre outras, desta verdade.

O aborto do Carreçúcar nos remete à polêmica sobre a política do BNDES a favor da consolidação e expansão de grandes empresas privadas nacionais. Devemos abordar o tema à luz da teoria marxista, ou em outras palavras sob uma ótica classista, conforme aconselha o meu amigo e camarada Carlos Pompe, colunista deste Vermelho.

Outro caminho

O governo Lula procurou, com êxito, resgatar o BNDES do desmanche e da irrelevância a que foi relegado pelo tucano FHC. É inegável o papel positivo do banco no desenvolvimento nacional. Mas isto não isenta a instituição de críticas. O dinheiro que opera é público, apesar das insinuações em contrário, e não só estatal, pois compreende a administração de recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) que em maio deste ano somavam R$ 137,91 bilhões.

A monopolização da economia e expansão dos negócios e interesses de grandes capitalistas brasileiros no exterior, financiada com dinheiro público, não está em sintonia com um projeto nacional de desenvolvimento fundado nos interesses da maioria do povo, dos pequenos e médios empresários e, em especial, da classe trabalhadora brasileira. Há destino melhor e mais produtivo para o dinheiro do povo.

Não podemos olvidar o fato de que vivemos um contexto de crise geral do sistema capitalista, que sugere e em certa medida impõe aos povos a busca de alternativas sociais mais avançadas e radicais do que uma inserção supostamente mais vantajosa na globalização neoliberal seguindo os passos das economias consideradas mais avançadas, ou seja, trilhando o caminho da monopolização burguesa, capitulando à lógica da concorrência internacional e reproduzindo as relações imperialistas. Os interesses da grande burguesia não são progressistas em lugar algum do globo. Outro caminho é possível e, em nome dos interesses imediatos e futuros da classe trabalhadora, devemos procurá-lo ou, se preciso, inventá-lo, a exemplo do que fizeram líderes revolucionários de outra época.

Por Umberto Martins - Vermelho

Congresso aprova LDO; salário mínimo vai a R$ 616 em 2012

Ao aprovar nesta quarta-feira (13) o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2012, o Congresso Nacional manteve o valor do salário mínimo previsto pelo Executivo de R$ 616,34. A LDO também estabelece que o Orçamento da União para o ano que vem terá que preservar uma dotação para o aumento real aos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O Congresso alterou a proposta do Executivo de excluir de reajuste, em 2012, o auxílio-alimentação e a assistência pré-escolar, médica e odontológica quando o valor do benefício pago aos aposentados e pensionistas superar o valor médio da União, praticado em março de 2011. Os deputados e senadores mantiveram nessa regra, apenas, o auxílio-alimentação.

O presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), considerou as mudanças nas regras de reajuste dos benefícios previdenciários um avanço.“Enquanto na Europa se cria um movimento de acabar com o Estado Social de Direito, nós aqui no Brasil e nos países em desenvolvimento, estamos em um movimento contrário garantindo os direitos sociais.”

No que diz respeito às transferências de recursos para o setor privado, a LDO para 2012 acrescenta novas entidades beneficiáveis, como as de assistência social que trabalhem com idosos, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou risco, além de habilitação de pessoas com deficiências. Pelo texto, a entidade que receber recursos para investimento terá que comprovar capacidade gerencial, operacional e técnica para desenvolver as atividades e informar a quantidade e qualificação de seus profissionais.

O relator-geral, Márcio Reinaldo Moreira (PP-MG), preservou os parâmetros macroeconômicos do governo federal pelos quais o crescimento esperado da economia brasileira neste ano será de 4,5% e 5% em 2012. A meta de inflação prevista pelo Índice de Preço ao Consumidor Agregado (IPCA), para 2011, continua em 5%, segundo o relator da LDO e de 4,5% em 2012.

Sobre as “metas e prioridades de 2012”, o relator-geral incluiu o pagamento pelo Executivo das emendas individuais de deputados e senadores, além das ações referentes ao Programa de Aceleração e Crescimento (PAC) e à superação da extrema pobreza, já previstas no texto do Executivo.

Quanto às metas de superávit primário para 2012, a LDO aprovada pelo Legislativo manteve o valor nominal de R$ 139,822 bilhões para União, estados e municípios. Desse total, R$ 96,973 bilhões caberá ao governo federal. Os deputados e senadores restringiram, entretanto, a redução máxima desse valor em R$ 40,6 bilhões, no caso das ações previstas no PAC.

O déficit nominal aprovado não poderá ser superior a 0,87% do PIB e o crescimento das despesas correntes – gastos com pessoal, por exemplo – não poderá superar o crescimento dos investimentos. Já as emissões de títulos da dívida do Tesouro Nacional terão que ser previstas na lei orçamentária e nos créditos adicionais.

De acordo com o texto aprovado, acerca da paralisação de obras públicas, por conta de problemas detectados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), os congressistas estabeleceram que a decisão deverá ser encaminhada pelo órgão à Comissão Mista de Orçamento no máximo em 40 dias, a contar da conclusão das auditorias.

Também ficou definido na LDO que dentro desse prazo de 40 dias, 15 serão reservados para a manifestação preliminar do gestor da obra. Foi estabelecido, ainda, que a suspensão das obras e serviços só poderá ser evitada por decisão da Comissão Mista de Orçamento.

Além disso, segundo o texto da LDO, o governo federal não poderá executar qualquer investimento antes de aprovado o Orçamento Geral da União, pelo Congresso. O texto do Executivo previa investimentos, mesmo sem a sanção do orçamento até 31 de dezembro, em obras do PAC e com inversões financeiras relativas à participação da União no capital de empresas.

Da Redação do Vermelho, com informações da Agência Brasil