segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Direitos, humanos

Por Emir Sader


No seminário sobre Direitos Humanos, Justiça e Memória, realizado esta semana na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, organizado pela Faculdade Latinoamericana de Ciencias Sociais (Flacso) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, pudemos viver momentos de uma intensidade emocional incomparáveis. Não seria de se estranhar, sabendo o que vários países desde continente viveram em um passado recente, sob regimes militares que implantaram o terror.

Desta vez o momento foi especialmente emotivo porque a ministra Maria do Rosário, em nome do Estado brasileiro, entregou as cinzas de um cidadão espanhol de nascimento e de cidadania venezuelana, chamado Miguel Sabal Nue, aos seus três filhos. A cerimônia foi ainda mais emotiva, porque até recentemente circulava a versão da ditadura militar de que Miguel teria se suicidado. Maria do Rosario expressou aos filhos o pedido de perdão do Estado brasileiro pelo que havia sido feito com seu pai.

A tenacidade de familiares das vítimas da ditadura na pesquisa, permitiu encontrar nos arquivos do Doi-Codi a ficha de Miguel, com a letra T em vermelho, que indicaria que seria um “terrorista”. Apesar de não estar vinculado a atividades de esquerda, de ser um professor, Miguel foi preso, torturado e finalmente assassinado pelos órgãos da ditadura militar. Seus restos foram encontrados em uma das ossadas que foram descobertas e entregues suas cinzas para seus filhos.

Estes expressaram seus sentimentos de filhos que, desde pequenos não tinham podido conviver com o pai e que tinham tudo que conviver com a imagem de seu eventual suicídio, sem poder entender o que havia passado. Claro que nenhuma reparação cura as feridas de uma perda dessas, mas o Estado brasileiro fez o que pode para buscar a verdade do ocorrido e por isso recebeu o reconhecimento dos filhos de Miguel, que disseram que jogariam ao vento do Mont Juic, em Barcelona, de onde era proveniente seu pai, suas cinzas.

O seminário teve outros momentos de grande densidade, pela experiência transmitida por Daniel Filmus, senador e ex-Ministro de Educacao da Argentina, assim como a expoente mais importante da luta dos argentinos pelos direitos humanos, Estela Carlotto, presidente do movimento das Avós da Praça de Maio.

Expressão direta desse movimento foi a intervenção de outro argentino, Juan Cabandié, atual deputado pela cidade de Buenos Aires. Juan é o que se chama lá de neto recuperado, um grupo que já conta com 105 netos, que tiveram sua verdadeira identidade recuperada pelo movimento das Avós. Sao pessoas cujos pais foram presos e assassinados pela ditadura militar, que encaminhou-os as crianças, depois de assassinar seus pais, para outras famílias, que os educaram com identidade falsa.

No caso de Juan, as explicações que lhe eram dadas sobre eles nunca os tinha satisfeito, até que um dia, quando já tinha 25 anos, foi bater na porta da sede do Movimento das Avós e lhes manifestou sua suspeita de que ele seria filho de algum desaparecido. Ao cabo de três anos, Juan teve o retorno, com a identificação dos seus verdadeiros pais e seu nome real.

Seus pais foram um jovem casal de estudantes, ele de 19, ela de apenas 16, presos pela ditadura e executados, assim que ele nasceu, dado que sua mãe foi detida já grávida. Foi a partir desse momento que, segundo o depoimento de Juan, ele recuperou sua liberdade e sua alegria, mesmo sabendo do destino trágico de seus pais nas mãos da ditadura.

Tomar consciência de sua verdadeira identidade era, ao mesmo tempo, tomar consciência política do que a Argentina estava vivendo e havia vivido, o que o levou imediatamente à militância política, por meio da qual ele é hoje um jovem e combativo parlamentar do partido de governo.

É natal: Esquerda e consumismo. por Pasolini

"...os marxistas também foram mudados antropologicamente pela revolução consumista, porque vivem de outro modo, em uma outra qualidade de vida, em outros modelos culturais e também foram mudados ideologicamente...Há essa contradição, todos aqueles que são declaradamente marxistas, mesmo que votem em marxistas, são ao mesmo tempo consumistas. Não só isso: o Partido Comunista Italiano aceitou esse desenvolvimento... comunistas, socialistas, extremistas. Por exemplo, os extremistas italianos jogam bombas e depois, de noite, assistem à televisão, Canzonissima --programa de variedades da RAI--, Mike Bongiorno --famoso apresentador de TV italiano...As classes existem, mas (...)a luta de classes é no plano econômico, não mais no plano cultural. Agora, a diferença é econômica entre um burguês e um operário, mas não há mais diferença cultural entre os dois..." (Pier Paolo Pasolini;entrevista inédita de 1975 ;Expresso/ IHU).
(Carta Maior;2ª feira; 19/12/ 2011)

Hora de rever as privações

Se outros efeitos não causar à vida nacional o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., suas acusações reclamam o reexame profundo do processo de privatizações e suas razões. A presidente da República poderia fazer seu o lema de Tancredo: um governante só consegue fazer o que fizer junto com o seu povo.


Mauro Santayana - Carta Maior


Se outros efeitos não causar à vida nacional o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., suas acusações reclamam o reexame profundo do processo de privatizações e suas razões. Ao decidir por aquele caminho, o governo Collor estava sendo coerente com sua essencial natureza, que era a de restabelecer o poder econômico e político das oligarquias nordestinas e, com elas, dominar o país. A estratégia era a de buscar aliança internacional, aceitando os novos postulados de um projetado governo mundial, estabelecido pela Comissão Trilateral e pelo Clube de Bielderbeg. Foi assim que Collor formou a sua equipe econômica, e escolheu o Sr. Eduardo Modiano para presidir ao BNDES - e, ali, cuidar das privatizações.

Primeiro, houve a necessidade de se estabelecer o Plano Nacional de Desestatização. Tendo em vista a reação da sociedade e as denúncias de corrupção contra o grupo do presidente, não foi possível fazê-lo da noite para o dia, e o tempo passou. O impeachment de Collor e a ascensão de Itamar representaram certo freio no processo, não obstante a pressão dos interessados.

Com a chegada de Fernando Henrique ao Ministério da Fazenda, as pressões se acentuaram, mas Itamar foi cozinhando as coisas em banho-maria. Fernando Henrique se entregou à causa do neoliberalismo e da globalização com entusiasmo. Ele repudiou a sua fé antiga no Estado, e saudou o domínio dos centros financeiros mundiais – com suas conseqüências, como as da exclusão do mundo econômico dos chamados “incapazes” – como um Novo Renascimento.

Ora, o Brasil era dos poucos países do mundo que podiam dizer não ao Consenso de Washington. Com todas as suas dificuldades, entre elas a de rolar a dívida externa, poderíamos, se fosse o caso, fechar as fronteiras e partir para uma economia autônoma, com a ampliação do mercado interno. Se assim agíssemos, é seguro que serviríamos de exemplo de resistência para numerosos países do Terceiro Mundo, entre eles os nossos vizinhos do continente.

Alguns dos mais importantes pensadores contemporâneos- entre eles Federico Mayor Zaragoza, em artigo publicado em El País há dias, e Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia - constataram que o desmantelamento do Estado, a partir dos governos de Margareth Thatcher, na Grã Bretanha, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, foi a maior estupidez política e econômica do fim do século 20. Além de concentrar o poder financeiro em duas ou três grandes instituições, entre elas, o Goldman Sachs, que é hoje o senhor da Europa, provocou o desemprego em massa; a erosão do sistema educacional, com o surgimento de escolas privadas que só servem para vender diplomas; a contaminação dos sistemas judiciários mundiais, a partir da Suprema Corte dos Estados Unidos – que, entre outras decisões, convalidou a fraude eleitoral da Flórida, dando a vitória a Bush, nas eleições de 2000 -; a acelerada degradação do meio-ambiente e, agora, desmonta a Comunidade Européia. No Brasil, como podemos nos lembrar, não só os pobres sofreram com a miséria e o desemprego: a classe média se empobreceu a ponto de engenheiros serem compelidos a vender sanduíches e limonadas nas praias.

É o momento para que a sociedade brasileira se articule e exija do governo a reversão do processo de privatizações. As corporações multinacionais já dominam grande parte da economia brasileira e é necessário que retomemos as atividades estratégicas, a fim de preservar a soberania nacional. É também urgente sustar a incontrolada remessa de lucros, obrigando as multinacionais a investi-los aqui e taxar a parte enviada às matrizes; aprovar legislação que obrigue as empresas a limpa e transparente escrituração contábil; regulamentar estritamente a atividade bancária e proibir as operações com paraísos fiscais. É imprescindível retomar o conceito de empresa nacional da Constituição de 1988 – sem o que o BNDES continuará a financiar as multinacionais com condições favorecidas.

A CPI que provavelmente será constituída, a pedido dos deputados Protógenes Queiroz e Brizola Neto, naturalmente não se perderá nos detalhes menores – e irá a fundo na análise das privatizações, a partir de 1990, para que se esclareça a constrangedora vassalagem de alguns brasileiros, diante das ordens emanadas de Washington. Mas para tanto é imprescindível a participação dos intelectuais, dos sindicatos de trabalhadores e de todas as entidades estudantis, da UNE, aos diretórios colegiais. Sem a mobilização da sociedade, por mais se esforcem os defensores do interesse nacional, continuaremos submetidos aos contratos do passado. A presidente da República poderia fazer seu o lema de Tancredo: um governante só consegue fazer o que fizer junto com o seu povo.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

Jabor, Josias, Kramer... Cadê vocês?

Por Altamiro Borges


A velha mídia levou um baile das redes sociais e da blogosfera e, aos poucos, rompe seu silêncio sobre o best-seller “A privataria tucana”, de Amaury Ribeiro. Na mídia impressa, a Folha engoliu a seco e publicou um artigo com o único intuito de desqualificar o autor e blindar o tucanato privatista e corrupto. O texto nem é assinado. Deve ter sido “obra” do Otavinho, o patrão serrista do diário. Um dia depois, o Estadão também reconheceu que o livro é um sucesso, num artigo um pouco mais isento.

Já nas telinhas, até o Boris Casoy, outro direitista convicto, noticiou o estrondo causado pelo livro. Só faltou o bordão: “Isto é uma vergonha”. Antes, vale registrar, a Record, por razões mercadológicas e políticas conhecidas, foi a primeira a dar destaque à obra – inclusive com uma excelente entrevista do autor ao jornalista Paulo Henrique Amorim. Bob Fernandes também usou a sua coluna na TV Gazeta para criticar o silêncio hipócrita e seletivo da maior parte da chamada grande imprensa.

E cadê os histéricos “calunistas”?

A pergunta que não quer calar é a seguinte: cadê os histéricos “calunistas” dos impérios midiáticos? Eles saíram de férias, ficaram com preguiça de ler o livro, estão com medo do vingativo Serra ou tem algum peso na consciência por terem apoiado o criminoso processo de privatização das estatais na era FHC? Será que alguém usou as lavanderias tucanas nos paraísos fiscais? Será?

No caso de Eliane Cantanhêde, da “massa cheirosa” do PSDB, ela tem uma justificativa. Está em férias. Mesmo assim, a incansável colunista da Folha escreveu mais um de seus petardos contra Hugo Chávez. Deve ser pura obsessão contra o líder venezuelano. Já o Josias de Souza, também da Folha, o famoso carona do FHC, não escreveu uma linha sobre o livro e também entrou em férias.

“Não-notícia” na telinha da Globo

Mirian Leitão e Dora Kramer, outras duas colunistas estridentes da mídia imprensa, também murcharam. A colunista do Estadão até ficou irritada com seus seguidores na internet, que criticaram o silêncio. “Façamos o seguinte: matriculem-se na faculdade de jornalismo, trabalhem 30 anos no ramo e aí a gente discute”, disparou a deselegante Kramer. Para ela, “o envolvimento do autor com dossiês de campanha, arranha a credibilidade [do livro]”. O policial-bandido João Dias, herói da mídia, não arranhou?

Já para o campeão de audiência na tevê, o Jornal Nacional, o livro de Amaury Ribeiro não existe, é uma “não-notícia”. O veterano Willian Bonner está calado e a novata Patrícia Poeta está muda. No Jornal da Globo, o requisitado Willian Waack, freqüentador da embaixada dos EUA, também está quieto. E o Arnaldo Jabor ainda não fez os seus trejeitos patéticos para tratar do tema tabu. Ele adora falar sobre as tais maracutaias, desde que não atinjam os seus íntimos amigos tucanos.

Noblat não se acovardou

Entre os colunistas da mídia demotucana que não se acovardaram diante do best-seller, o primeiro foi Ricardo Noblat, o blogueiro mais acessado das Organizações Globo. De imediato, ele escreveu: “O livro desperta desde já dois tipos de reação: ‘Não li e não gostei’. E: ‘Não li e gostei’. Comecei a ler ontem. É uma leitura penosa para quem tem pouca intimidade com o mundo financeiro”.

Na sequência, ele assumiu o seu lado na contenda. Publicou o chilique de José Serra contra o livro. “Lixo é lixo”. E depois, como se fosse o porta-voz dos tucanos, ele antecipou que a “bancada de deputados federais do PSDB se reúne esta tarde, em Brasília, para anunciar providências quanto à publicação do livro ‘A Privataria Tucana’, que começou a ser vendido no último domingo”.

Merval Pereira, o “imortal” da Academia Brasileira de Letras, demorou, mas também se posicionou – como sempre, em apoio aos santos tucanos. Já com relação a Reinaldo Azevedo e Augusto Nunes, os blogueiros da Veja, não vale a pena falar. Eles babam!