terça-feira, 27 de setembro de 2011

a Direita israelense se arma

Por Baby Siqueira Abrão, de Ramallah, no jornal Brasil de Fato:

Os relatórios dos serviços de inteligência israelense afirmavam, no início de agosto, que as manifestações em Gaza e na Cisjordânia programadas para setembro, quando a ONU vota o reconhecimento do Estado da Palestina, seriam pacíficas, realizadas longe das colônias judaicas e dos checkpoints.

Um relatório parlamentar também divulgado no início de agosto, baseado nos informes das agências de inteligência israelenses, previu uma baixa possibilidade de erupção de movimentos violentos, considerados pelos palestinos “contraprodutivos” à sua causa.

Mais tarde, alguns oficiais das forças armadas, conhecidas como IDF, vieram a público e mudaram o discurso. Afirmaram que, uma vez aprovado o Estado, nas linhas anteriores a junho de 1967, e com Jerusalém oriental como capital, hordas de palestinos marchariam rumo às colônias para recuperar as terras que lhes pertencem. Detalhe: muitos desses oficiais são colonos e não escondem que gostariam de atacar palestinos.

Em 7 de agosto, o ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, foi mais enfático. No Knesset – o parlamento israelense –, cercado por repórteres, ele anunciou um setembro “violento e sangrento, numa escala nunca vista”. A mídia abriu espaço para declarações dramáticas: “Quanto mais a Autoridade Palestina fala que só vai operar no campo democrático, mais eu vejo preparações para violência e derramamento de sangue”. Sem oferecer uma única evidência de suas afirmações, Lieberman pediu que o governo sionista cortasse relações com a Autoridade Nacional Palestina (ANP).

Violência contra palestinos

Coube ao porta-voz do ministro, Tizachi Moche, explicar que ele tirara essa conclusão de informes oficiais e de declarações de “autoridades palestinas”. A única declaração, porém, foi a que Hassan Youssef, líder do Hamas na Cisjordânia, deu ao Canal 2 de Israel, também em 7 de agosto.

Indagado sobre se as manifestações de setembro poderiam vir a se tornar violentas, ele respondeu que o povo palestino poderia “explodir a qualquer momento”, dado seu alto grau de frustração. Youssef saiu da prisão, onde passou seis anos, uma semana antes de dar a entrevista ao Canal 2. Nesse tempo, os protestos não violentos espalharam-se por todas as vilas palestinas, firmando-se como instrumento da luta.

“Em setembro, vamos requerer à comunidade internacional, na ONU, que nos ajude a pôr um fim à ocupação israelense. Sempre agimos de acordo com a lei. Ilegal é a ocupação, não as tentativas de acabar com ela”, reagiu Ghassan Khatib, porta-voz da ANP. “Israel está tentando colocar combustível num falso cenário do que acontecerá em setembro”, acrescentou.

Embora as palavras de Lieberman, líder e fundador do partido de extrema direita Yisrael Beiteinu (Israel é nossa casa), parecessem fora de foco à época, hoje começam a fazer sentido. As ações violentas dos colonos contra os palestinos aumentaram muito desde agosto.

A queima de plantações e oliveiras e os ataques a pastores e rebanhos tornaram-se comuns. A invasão de terras palestinas, a perseguição a moradores e a ativistas internacionais, o ateamento de fogo a mesquitas, o apedrejamento de crianças e tiros de metralhadoras nos campos são práticas intimidatórias constantes. Sem contar o novo bombardeio a Gaza, crime ainda mais grave por contar com armas químicas que usam a população local como cobaia.

Ataques israelenses

De acordo com um relatório da International Solidarity Foundation for Human Rights [Fundação Internacional de Solidariedade por Direitos Humanos], em agosto 30 pessoas morreram e 400 foram presas durante as operações israelenses na Palestina. Entre os prisioneiros, 44 crianças, três jornalistas e três parlamentares. Além de Gaza, as regiões que mais sofreram foram Hebron, Belém, Silwan (distrito de Jerusalém), Tulkarem, Salfit, Ramallah e Al-Bireh.

Outro relatório, divulgado em 12 de setembro pela organização de direitos humanos israelense B’tselem, mostra que o IDF não respeita o “direito básico” de protesto dos palestinos. As reações às manifestações pacíficas sempre apresentam “uso excessivo de armas de controle de multidão”, com cânisters de gás atirados diretamente nos manifestantes, de acordo com o documento. A reportagem do Brasil de Fato testemunha tais fatos todas as sextas-feiras, quando ocorrem as passeatas.

Além disso, veio à tona há poucas semanas a notícia de que há cerca de sete meses o IDF vem treinando e armando os colonos com bombas sonoras e de gás, cânisters e balas de metal revestido com borracha. Essa parafernália soma-se às metralhadoras, carregadas de um lado para outro pelos colonos, e aos cães de guarda treinados para o ataque, cortesia do governo sionista.

Críticas às Forças Armadas

Na quarta-feira, 7 de setembro, uma reunião com membros da extrema-direita israelense, líderes dos colonos e parlamentares começou a ser preparada para “possíveis confrontações” caso o Estado palestino seja reconhecido pela ONU nas fronteiras pré-1967. Os colonos sabem que mais cedo ou mais tarde terão de entregar as terras que ocupam, mas prometem resistir.

No encontro, não faltaram críticas duras à cúpula do IDF, acusado pelo parlamentar Zeev Elkin, do partido Likud, de ter se transformado no “maior lobista da ANP, adotando o conceito de dois Estados”. A crítica à solução de dois Estados é comum entre a direita israelense, que não leva a sério a partilha decidida pela ONU em 1947, estabelecendo a criação de dois Estados, Palestina e Israel.

Para eles, a Palestina inteira, partes do Líbano, Síria, Jordânia e Iraque pertencem a Israel em consequência de um “direito histórico”. Este é contestado por Keith W. Whitelam, professor e diretor do departamento de estudos religiosos da Universidade de Stirling, no livro The Invention of Ancient Israel; the Silencing of Palestinian History [A invenção do Israel antigo; silenciando a história palestina].

A crítica de Elkin volta-se ao fato de o IDF ter “preferido” ceder às forças de segurança da ANP a responsabilidade de cuidar dos incidentes envolvendo palestinos. Essa responsabilidade, no entanto, foi negociada nos acordos de Oslo, segundo os quais a ANP deve cuidar da segurança das áreas A, que correspondem às cidades – onde se darão as manifestações. As zonas B, entre as cidades e as vilas, estão sob os cuidados de palestinos e israelenses; as áreas C, próximas ao muro do apartheid, são policiadas pelos israelenses. O IDF simplesmente cumpre os acordos.

Direito de matar

Para resolver o problema, Yaakov Katz, da União Nacional, aliança dos partidos nacionalistas de Israel, propôs que os colonos organizem marchas em pontos estratégicos da Palestina para se encontrar com as passeatas que, imagina a direita sionista, os palestinos farão em direção às colônias. Segundo Katz, desse modo, o IDF será obrigado a agir, a fim de impedir que os colonos entrem nas cidades.

Yoni Youssef, porta-voz dos colonos de Sheik Jarrah, em Jerusalém oriental, foi mais longe: evocou a Lei Dromi, que permite a proprietários matar aqueles que entram em suas casas. Para ele, assim seria possível atirar nos palestinos que tentassem se aproximar das residências judaicas.

O problema é que, em Sheik Jarrah, colônias israelenses e moradias palestinas ficam muito próximas, às vezes frente a frente. O temor dos palestinos é que os colonos possam assassinar pessoas que simplesmente tenham saído às ruas e depois alegar que elas se dirigiam às suas casas.

Nisso, podem ser ajudados pelos voluntários convocados por La Ligue de Defense Juive (A Liga de Defesa Judaica, LDJ), sediada na França, que de 19 a 25 de setembro prometem defender seus “irmãos” da Cisjordânia – isto é, os colonos – diante das “agressões dos ocupantes palestinos e, portanto, reforçar os dispositivos de segurança das vilas judaicas de Judeia e Samaria”.

Para a organização, portanto, os “ocupantes” são os palestinos, não os colonos, e a Cisjordânia é chamada de “Judeia e Samaria”, nomes bíblicos onde supostamente viveram judeus. A viagem é reservada “aos militantes com experiência militar”.

O que os representantes da extrema-direita não sabem é que quem vai cuidar da segurança durante as manifestações não é o IDF. É a polícia. Em entrevista ao Brasil de Fato, a porta-voz das forças armadas Avital Leibovitch afirmou que o exército irá apenas “observar” as manifestações pacíficas. “Se as manifestações forem mesmo pacíficas, o IDF não tem por que interferir”, disse.

“Carta branca”

Caso os colonos entrem nas vilas para atacá-las ou decidam marchar para as cidades, é a polícia israelense que irá detê-los. E, segundo Avital, terá carta branca para agir a fim de evitar excessos. Além disso, esquadrões de alerta compostos por reservistas estarão nas áreas mais sensíveis, “procurando impedir atritos”. O IDF só entrará em cena se as coisas saírem do controle, declarou a porta-voz. “Não queremos derramamento de sangue. Aprendemos com a Nakba. Usaremos apenas armas não letais, como o caminhão skank [gambá] e o gás lacrimogêneo”, afirmou ela, garantindo que a água fétida jogada nos manifestantes pelo skank não contém elementos químicos: “São substâncias orgânicas”.

E quanto às “linhas vermelhas”, que marcam até onde os palestinos podem ir sem levar tiros dos colonos? “Ah, eles sabem muito bem onde ficam essas linhas”, respondeu Avital. “Mantemos conversas regulares com eles”, completou. Ao checar a informação com líderes populares, o Brasil de Fato descobriu que eles nunca ouviram falar nessas linhas. Provavelmente, só as autoridades palestinas as conhecem.

Em reunião com os coordenadores da campanha “Palestina: Estado 194”, que já acontece em todo o país, Mahmmoud Abbas, presidente da ANP, pediu que ninguém se aproximasse das colônias nem enfrentasse seus moradores.

Os palestinos tampouco descartam “trabalhos internos”, isto é, pessoas contratadas pela extrema direita-israelense para agir como provocadoras no interior das manifestações, dando início a reações sangrentas da parte de Israel.

Professor de Columbia discute futuro do jornalismo

Por Carlos eduardo Lins da Silva - Observatório de Imprensa

O chefe do Departamento de Estudos Internacionais do curso de pós-graduação em jornalismo da Universidade Columbia e professor da disciplina de práticas profissionais naquela instituição, David Klatell, visitou na semana passada o Brasil.

Em entrevista transmitida ao vivo pela internet e promovida pelo curso de pós-graduação em jornalismo da ESPM em São Paulo, ele falou sobre o futuro do jornalismo durante 60 minutos.
Além de dar aulas em Columbia, Klatell tem servido de consultor de escolas de jornalismo em 35 países na Europa, África, Ásia e América Latina. Poucas pessoas têm tanto conhecimento acumulado sobre a profissão e seu ensino quanto ele.

Jornalismo é mais

Sua entrevista foi muito esclarecedora em relação a inúmeros assuntos. Um deles, talvez o mais importante, o de que a atividade jornalística não corre risco de desaparecer. Ela vai se modificar muito em relação ao que hoje se faz, é impossível prever que formas tomará nos próximos 50 anos, mas as pessoas vão continuar precisando de informações bem apuradas e de maneira confiável como sempre precisaram, provavelmente até mais.

Para isso, será necessário existir um corpo de pessoas que se dedicam à prática de coletar e transmitir essas informações. Klatell opõe-se totalmente a obrigatoriedade de diplomas ou a qualquer forma de licenciamento para que se possa exercer a profissão de jornalista, mas acredita que cursos especializados podem ajudar muito a formar bons profissionais.

Ele também defende a tese de que há diferenças fundamentais entre jornalistas profissionais e amadores que se acham jornalistas. Não é nem um diploma nem uma carteirinha que determinam essa diferença. Os fatores que fazem de uma pessoa um jornalista são: sua adesão a um corpo de princípios (inclusive éticos, mas não somente) que se estabeleceram como boas práticas profissionais, a experiência, o trabalho em colaboração com outros jornalistas.

Não se tratam de códigos escritos e formalizados, mas de um conjunto de conhecimentos que se acumulou ao longo de séculos de trabalho e que é compartilhado por quem exerce a profissão (evidentemente que não de modo absoluto) em praticamente qualquer sociedade do mundo.

Para Klatell, por exemplo, uma pessoa que fica isolada em sua casa e emite opiniões e juízos de valor sobre assuntos em um blog não está fazendo jornalismo, ainda que possa dizer que está. O jornalismo é algo muito diverso da emissão de opiniões a respeito de diversos assuntos na internet ou num café em um grupo de amigos.

Abordagens ricas

Outro assunto de que Klatell tratou em sua entrevista foi o do controle social do jornalismo, a respeito do qual ele também tem opinião contrária. Em sua avaliação, o controle social da imprensa se dá por meio da aplicação das leis existentes para punir crimes de difamação, injúria, calúnia e outros, que possam ser cometidos por jornalistas e quaisquer outras pessoas, e por meio da ação organizada dos consumidores e patrocinadores dos veículos jornalísticos. Além disso, ele só aceita a autorregulação.

Qualquer outra forma de controle, por mais que se chame de “social”, constitui intervenção do Estado e, veladamente ou não, censura. Klatell acha legítimo, por exemplo, que leitores, telespectadores ou ouvintes se mobilizem para boicotar determinados meios de comunicação social que estejam agindo de modo que considerem errado. Ou que pressionem patrocinadores para que deixem de programar anúncios em tais veículos. Isso é controle social de fato do jornalismo ou da comunicação.

A entrevista de Klatell tocou em diversos outros assuntos, todos de grande interesse e a respeito dos quais ele ofereceu informações, ideias e abordagens ricas e estimulantes. Mas estes, que se encontram na pauta das preocupações dos jornalistas e interessados pelo jornalismo no Brasil chamam mais a atenção e merecem este registro neste Observatório.

Fome, guerra e bombas nos Estados Unidos

Jim Lobe - Opera Mundi

Enquanto a Somália sofre sua pior fome em seis décadas e o Iêmen desliza para uma guerra civil, o governo dos Estados Unidos expande sua rede de bases para realizar ataques com aviões não tripulados contra suspeitos de terrorismo nos dois países. Baseando-se em parte em novos telegramas diplomáticos norte-americanos divulgados pelo grupo WikiLeaks, o jornal The Washington Post informou, no dia 22, que as forças norte-americanas lançaram ataques com aviões não tripulados sobre esses dois países, a partir de uma instalação militar no Djibuti, e que planejam construir uma segunda na Etiópia.

O The Washington Post e o The Wall Street Journal também informaram que uma base em Seychelles, utilizada pelas forças dos Estados Unidos para enviar aviões de vigilância, agora contaria com naves armadas capazes de levar sua carga mortal ao longo dos mais de 1.500 quilômetros que separam esta ilha do Oceano Índico do Chifre da África, e regressar. A nova “constelação” de bases de aviões não tripulados também incluirá uma da CIA (Agência Central de Inteligência) que a administração anunciou no começo deste ano que estaria localizada na Península Arábica.

Essa instalação seria construída na Arábia Saudita, segundo um “alto funcionário militar norte-americano” citado em um informe de rede de TV Fox News no dia 22. “As operações na Arábia Saudita são a única nova expansão deste plano”, disse a fonte. “O restante funciona há mais de um ano, quando nos demos conta do perigo que representava a AQPA” (Al Qaeda na Península Arábica), acrescentou. A AQPA é uma célula terrorista iemenita que teria consolidado seus vínculos com o grupo radical islâmico somaliano Al Shabaab.

A IPS telefonou para o Departamento da Defesa em Washington a fim de confirmar se instalaria uma nova base na Arábia Saudita, mas não recebeu resposta. Entretanto, Chas Freeman, ex-embaixador norte-americano em Riad, que mantém boas ligações com o governo saudita, disse que a versão é “altamente plausível”, devido à “estreita e forte” cooperação contraterrorista entre os dois países e a proximidade geográfica da Arábia Saudita com o Iêmen.

Segundo um dos autores da matéria do The Washington Post, a expansão da rede de bases aéreas tinha o objetivo de “evitar os erros do passado. Quando a Al Qaeda fugiu do Afeganistão para o Paquistão em 2001 e 2002, passaram-se anos até que a CIA pudesse armar um programa de aviões não tripulados capaz de colocar a rede terrorista sob pressão”, escreveu Greg Miller no site do jornal. “Essa demora, junto com os caros acordos para ter acesso a bases aéreas em países vizinhos, permitiu o florescimento da Al Qaeda”.
Os informes chegaram em meio a uma considerável polêmica sobre o crescente uso da administração de Barack Obama de aviões não tripulados, que, segundo seu alcance, podem levar os sinistros nomes de Predator (Predador), Reaper (ceifador) ou Parca (morte).

No Paquistão, onde a CIA aumentou drasticamente os ataques com aviões não tripulados (para quase 200) contra objetivos de “alto valor” da Al Qaeda e do movimento islâmico Talibã nos primeiros dois anos do governo Obama, a estratégia contribuiu para um aumento do sentimento antinorte-americano na população local. Uma esmagadora maioria de 97% dos consultados em uma pesquisa do Centro Pew de Pesquisa, realizada recentemente no Paquistão, expressaram uma opinião negativa sobre os ataques com aviões não tripulados.

De fato, nada menos que o alto chefe de inteligência do governo norte-americano, Dennis Blair, disse em uma reunião com especialistas em política externa e segurança nacional, em julho, que é um erro deixar que a campanha militar domine as relações com Paquistão, Iêmen e Somália. “Estamos alienando os países envolvidos porque os tratamos apenas como lugares aonde vamos atacar grupos que nos ameaçam, porque estamos arriscando as perspectivas de uma reforma de longo prazo”, acrescentou Blair. Além disso, ressaltou que essas operações bélicas deveriam contar com o consentimento das autoridades dos países onde são realizadas.

Porém, o novo chefe do Pentágono e ex-diretor da CIA, Leon Panetta, rejeitou essas críticas, insistindo que a estratégia foi e continuaria sendo “efetiva para minar a Al Qaeda e sua capacidade de planejar ataques” contra os Estados Unidos. Panetta e o Pentágono também estariam liderando um debate em Washington para ampliar a atual lista de objetivos, até agora integrada apenas por altos líderes das redes terroristas, e dessa forma poder atacar também combatentes a pé.

Os aviões não tripulados se converteram na principal arma dos Estados Unidos em seus esforços para derrotar a Al Qaeda e seus aliados, embora seja usada com menor frequência contra objetivos no Iêmen e na Somália do que no Afeganistão, Paquistão e Iraque. Pelo menos seis ataques foram cometidos com aviões não tripulados contra supostos combatentes islâmicos no Iêmen em 2010 e 2011, mas esse número pode ter aumentado nos últimos meses devido ao colapso da autoridade do governo em várias partes desse país. Combatentes islâmicos que Washington acredita estarem relacionados com a AQPA assumiram controle de cidades perto do Golfo de Aden.

O Judiciário de confiança abalada

Wálter Maierovitch - Carta Capital


Na sua história, o judiciário passou por momentos difíceis. Lembro da cassação, pela ditadura, dos íntegros ministros Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos tiveram recente  mente a memória desrespeitada pelo ministro Eros Grau, que deu pela constitucionalidade da lei de autoanistia, esta elaborada pelo regime militar para encobrir arbitrariedades e garantir impunidade a autores e partícipes de assassinatos, torturas e terrorismo de Estado.

Na presente quadra, o Judiciário passa por outro tipo de dificuldade e decorre de um processo de perda de credibilidade pela população. Isso pela ausência de imparcialidade e pela falta de trato igualitário dos cidadãos perante a lei. De permeio, episódios desmoralizantes vieram a furo, como, por exemplo, a falsa comunicação de crime feita pelo ministro Gilmar Mendes: afirmava ser vítima de grampo e, com particular teatralidade, levantou suspeitas contra a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

O sentimento de descrédito teve início quando, em decisão monocrática a contrariar súmula do STF impeditiva de se pular o exame por instâncias inferiores, o ministro Mendes concedeu, sem consultar o Plenário e num diligenciar inusual, habeas corpus liberatório a Daniel Dantas. Pouco depois, tornava-se público o conteúdo de uma interceptação telefônica realizada com ordem judicial e a dar conta da preocupação de Dantas com os juízes de primeira instância, uma vez que, perante tribunais superiores, teria a impunidade garantida. Convém lembrar que a prisão cautelar de Dantas foi imposta por juiz federal de primeiro grau em face da Operação Satiagraha.

Por outro lado, não tardou para, em sede de habeas corpus, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 3 votos contra 2, anular a Operação Satiagraha e a sentença condenatória de Daniel Dantas por consumada corrupção ativa. Para os ministros julgadores, exceção a Gilson Dipp e Laurita Vaz, a participação de agentes da Abin, órgão oficial e subordinado à Presidência da República, foi ilegal e contaminou toda a apuração. Em outras palavras, o acessório a caracterizar, no máximo, uma mera irregularidade, valeu mais do que a prova-provada da corrupção: Daniel Dantas, conforme uma enxurrada de provas e gravações feitas com o acompanhamento da equipe da Rede Globo, procurou, por interpostos agentes, corromper policiais em apurações na Satiagraha. Na casa de um dos enviados de Dantas, a Polícia Federal apreendeu 1,1 milhão de reais.

Outra decisão que abalou os pilares da credibilidade e da confiança popular no Judiciário consistiu na anulação da Castelo de Areia, a envolver dirigentes da construtora -Camargo Corrêa. Por 3 votos a favor dos acusados e 1 -contrário, o STJ anulou todas as provas da operação. A tese é que as provas tinham origem em denúncia anônima. O voto vencido explicitou que investigações, e não a denúncia anônima, tinham motivado as interceptações. No mesmo sentido e anteriormente manifestara-se de forma unânime o Tribunal Regional Federal de São Paulo.

Quando ainda mal absorvidos pela sociedade civil os episódios acima mencionados, veio a furo outro caso de estupor. Esse a envolver como figura principal Fernando Sarney, filho do presidente do Senado. A 6ª Turma do STJ, sem que ministros convocados pedissem vista dos autos após o voto do relator, anularam a chamada Operação Boi Barrica.

Para a Turma, a decisão judicial que havia autorizado a quebra de sigilos não tinha sido suficientemente motivada. Isso tudo com desprezo ao relatório do Conselho de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda: o relatório indicava suspeita de lavagem de dinheiro por membros do clã Sarney e durante campanha eleitoral de Roseane ao governo do Maranhão.

Nesse caso, a verdade real foi desprezada por um garantismo baseado no subjetivismo da suficiência, e o inquérito acabou reduzido a pó. Como num passe de mágica, não existe mais nenhuma prova dos crimes de lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público e tráfico de influência.

De lembrar, logo no início das apurações da Boi Barrica, a concessão de liminar que proibiu o jornal O Estado de -S. Paulo de noticiar fatos em apuração e relacionados a Fernando Sarney. O desembargador censor foi posteriormente reconhecido como suspeito de parcialidade por vínculos com o senador Sarney.

Num pano rápido, em nome de um falso garantismo poderemos ter anulações a beneficiar o ex-governador José Roberto Arruda (Operação Caixa de Pandora), os envolvidos em desvios de recursos do Ministério do Turismo (Operação Voucher) e em superfaturamentos de obras do Ministério de Minas e Energias (Operação Navalha). No imaginário popular, ao que parece, a deusa grega da Justiça, Têmis, cedeu lugar ao deus romano Janus bifronte. Das suas duas caras, uma garantiria a saída pela porta da impunidade a poderosos e potentes.

Petróleo: estados produtores pretendem ir à Justiça caso veto à emenda Ibsen seja derrubado

Cinco de outubro é a data em que o presidente do Senado, José Sarney, pretende colocar em exame do Congresso Nacional o veto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao artigo 64 da Lei do Pré-Sal (Lei 12.351/10).
Petróleo: estados produtores pretendem ir à Justiça caso veto à emenda Ibsen seja derrubado
Diante da iminência de sofrerem perdas com as mudanças no sistema de divisão dos royalties, os estados produtores de petróleo já se preparam para resolver a questão na justiça, caso não haja acordo e o veto à Emenda Ibsen seja derrubado.

Cinco de outubro é a data em que o presidente do Senado, José Sarney, pretende colocar em exame do Congresso Nacional o veto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao artigo 64 da Lei do Pré-Sal (Lei 12.351/10).

Esse artigo determina que os royalties provenientes da exploração do petróleo sejam distribuídos entre todos os estados e municípios e não apenas entre os estados e municípios produtores, como ocorre hoje. Sarney já disse, no entanto, esperar que, antes disso, seja feito um acordo que permita votar o projeto do governo que trata do assunto, o PLC 16/10, tornando desnecessária, assim, a deliberação sobre o veto.

Como os estados produtores de petróleo são minoria, os parlamentares que os representam já esperam a derrubada do veto. Neste caso, segundo o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), não haverá outra alternativa:

- Teremos que recorrer à Justiça. O Congresso não pode ignorar a Constituição. Não queremos receitas adicionais, apenas manter o que nos está constitucionalmente assegurado - afirmou o senador.

O parlamentar classificou de "covardia" o que está sendo feito principalmente com Espírito Santo e Rio de Janeiro, que são os dois principais estados produtores de petróleo, e cobrou mais flexibilidade do Governo Federal na mesa de negociações:

- Não é possível impor um sacrifício desses aos capixabas. Apresentamos várias alternativas e todas foram negadas. Sugerimos, por exemplo, a correção da participação especial, que está defasada e é baseada na rentabilidade cada vez maior dos poços, mas nem isso a União aceita negociar - lamentou Ferraço.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) concordou com o colega:

- Se precisar, teremos que ir ao Judiciário, reaver direitos adquiridos que estão sendo prejudicados - resumiu Lindbergh.

Firjan

A Justiça deve ser também o caminho da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Na sexta-feira (23), em entrevista coletiva, o presidente da entidade Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, disse considerar inconstitucional qualquer alteração na distribuição os royalties.

O presidente da Firjan anunciou que vai se unir ao governo do Rio de Janeiro em uma ação no Supremo Tribunal Federal, caso o veto seja derrubado pelo Congresso.

Anderson Vieira / Agência Senado

Brasil corre risco de desindustrialização mesmo com economia sólida para enfrentar crise...

A desindustrialização é o processo pelo qual a produção local é substituída pelos importados, enfraquecendo a indústria nacional e afetando as contas externas.

Brasil corre risco de desindustrialização mesmo com economia sólida para enfrentar crise...
Brasil corre risco de desindustrialização mesmo com economia sólida para enfrentar crise mundial, dizem economistas

São Paulo – O Brasil ainda corre o risco de se desindustrializar, mesmo com a economia apresentando boas condições de reagir a um acirramento da crise econômica mundial, disseram hoje (26) economistas que participaram da abertura do 8º Fórum de Economia, promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

A desindustrialização é o processo pelo qual a produção local é substituída pelos importados, enfraquecendo a indústria nacional e afetando as contas externas.

Para Benjamin Steinbruch, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e presidente da Companhia Siderúrgia Nacional (CSN), a indústria brasileira sofre um grande risco de desindustrialização, não por incompetência da indústria, mas porque o país está muito caro. Ele disse que tem sido especialmente difícil para a indústria exportar.

“Hoje, nenhum produto brasileiro industrial manufaturado tem condições de ser exportado, não por deficiência da indústria, mas por causa dos juros distorcidos, com carga fiscal absurda, salários irreais e atraso nas mudanças”.

Steinbruch elogiou a decisão do BC em reduzir a taxa básica de juros, a Selic, antevendo os efeitos da crise econômica mundial na economia brasileira, decisão que foi tomada no final do mês passado. “Acho que o BC tomou uma atitude corajosa que poderia ter tomado muito antes.

A verdade é que o fez, sob críticas, mas deve continuar fazendo”, observou o vice-presidente da Fiesp, referindo-se à próxima reunião do colegiado que define a taxa, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, marcada para outubro.

Ele considera que o “Brasil nunca esteve tão bem, enquanto os outros [países] nunca estiveram tão mal”. Steinbruch avalia que a economia brasileira é apoiada num modelo que prioriza emprego, renda, consumo e desenvolvimento e, atualmente, não se pode prescindir de nenhum desses fatores.

“Estamos hoje sob ameaça severa de diminuição de atividade econômica e um eventual começo de diminuição do emprego, que quebraria essa corrente, o que seria muito prejudicial”, disse Steinbruch.

Análise semelhante foi feita pelo presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Luiz Barreiras Passos. Ele destacou que o “Brasil está muito melhor diante do cenário” de crise mundial, com a possível recessão e afundamento da economia norte-americana e com os problemas da União Europeia, e lembrou que a redução dos juros pode ajudar a diminuir os efeitos da crise aqui.

“O Banco Central fez uma redução expressiva de juros, antevendo e anunciando o que seria a crise internacional. Foi uma medida bastante acertada que pode ajudar a mitigar efeitos da crise internacional no país e pode retomar uma trajetória de queda na taxa de juros recolocando os preços mais importantes da economia no lugar”, disse.

No entanto, Passos enfatizou que o governo precisa ampliar esforços para melhorar a situação da indústria nacional, que “é crítica” pelo fato da indústria vir perdendo competitividade. Para ele, o governo tem sido sensível ao apoiar indústria nacional, mas ainda é necessário que se adote uma política industrial mais consistente, de mais longo prazo e com melhor orientação de investimentos.

“O setor manufatureiro já não cresce há algum tempo. O problema continua grave [apesar das medidas tomadas pelo governo]. Em médio prazo, não vejo como restabelecer a capacidade do produto manufaturado nacional concorrer com o produto produzido no exterior se não tiver, definitivamente, um forte incentivo à inovação, um aumento e um forte impulso à produtividade e uma ação consistente para redução de custos sistêmicos no país.

O Brasil é país muito caro. Precisamos trabalhar fortemente na redução de custos porque, senão, estamos diante de inevitável perda da indústria nacional”, observou o presidente do Iedi.

Para o professor de economia da FGV e ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, que coordena o fórum, a crise mundial pode afetar o Brasil, mas o país está preparado para enfrentá-la.

“O fato de que estamos com uma situação de reservas elevadas e com dívida pública em relação ao PIB [Produto Interno Bruto] baixa, [acredito] que a economia brasileira não será muito atingida. Deveremos continuar crescendo enquanto a Europa está em uma dificuldade muito grande.”

Bresser destacou que esta não é a primeira crise financeira no mundo moderno. De acordo com o ex-ministro, a crise atual teve início com a crise da Bolsa de Nova York, em 1987, e novas crises foram, então, se sucedendo, até 2008, com a quebra do banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers. “Evidentemente a crise de 2008 não terminou”, disse.

A crise do momento, em que os Estados Unidos têm que cortar os gastos públicos e rever sua dívida e a Europa tem vários países igualmente endividados, colocou, na opinião de Clemente Ganz Lúcio, diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), um novo problema para o qual ninguém tinha antes atentado, a sustentabilidade. “Isso vai exigir urgência nas decisões políticas.”

Fonte: Agência Brasil

A crise: mais de 200 milhões de desempregados

Editorial do Vermelho

Quando os trabalhadores saem às ruas para exigir que o custo da crise econômica mundial não caia sobre suas costas, sabem exatamente do que estão falando: se os governos não tomarem medidas para proteger o emprego e os salários, são eles que vão pagar aquele custo, com mais desemprego e deterioração na qualidade de vida, decorrentes da previsível diminuição da renda, realidade adversa que sempre acompanha as quedas maciças no nível de emprego.

Dados divulgados ontem (26) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) confirmam esta situação devastadora que os trabalhadores vivem em consequência da crise provocada pela ganância capitalista. O número de desempregados no mundo chegou a 200 milhões de pessoas (mais do que a população do Brasil!) e a perspectiva é de agravamento podendo levar a um número ainda maior em 2012.

Na outra ponta, a Cap Gemini, uma agência francesa de consultoria de investimentos, divulgou recentemente que o número de milionários (pessoas com saldo bancário líquido de pelo menos um milhão de dólares) cresceu entre 2009 e 2010 – em plena crise, portanto. Passou de 10,06 milhões de pessoas para 10,9 milhões. É uma parcela pequena da população do planeta (cerca de 0,15%) mas que controlava a gigantesca soma de 39,1 trilhões de dólares em 2009, pulando para 42,7 trilhões em 2010. Isto é, aquela minoria de 0,15% de habitantes do planeta controla um valor correspondente a mais da metade de toda a riqueza mundial em 2010, quando o PIB foi de 63 trilhões de dólares, ou quase três vezes mais do que o PIB dos Estados Unidos.

Estes dados encerram muitas lições para os trabalhadores. Uma delas, prevista há mais de século e meio pelo pensamento marxista, e sentida diariamente pelos trabalhadores em todo o mundo, mostra que o “mercado” (isto é, os donos do dinheiro e seus representantes), deixado sem peias nem controle da sociedade e dos governos, é uma instância devoradora e concentradora das riquezas produzidas pelo trabalho. Instância que, com sua ganância imediatista e insaciável, cava com seus próprios pés (usando a imagem do genial Cartola em “O mundo é um moinho”) o abismo das crises cada vez mais profundas nas quais o capitalismo enfia o mundo, os povos e os trabalhadores.

Ao concentrar riquezas extremas num polo e desemprego e pobreza no outro, o capitalismo prepara o caminho das crises. Outra lição, também antiga, mostra que elas fazem parte do metabolismo normal – e desumano – do capitalismo, um sistema cujo caráter destruidor e devastador fica cada vez mais claro na medida em que as crises se sucedem.

São crises que confirmam, sempre, que o capitalismo não pode oferecer saídas para os problemas da humanidade, mas os agrava e aprofunda, e isso exige a superação desse sistema para que a humanidade possa caminhar para uma forma superior e mais humana de organização da vida.

A dívida é ilegal e imoral


Elaine Tavares - Brasil de Fato


No Brasil é assim: tudo pode ser adiado, menos o pagamento das dívidas externa e interna. E isso não é conversa de “esquerdista”. É coisa firmada na lei. Quem explica é Maria Lucia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida. Segundo os estudos feitos pelo movimento que luta por uma auditoria, levantados desde as informações oficiais, só no ano de 2010 o orçamento nacional foi consumido em 44,93% (635 bilhões de reais) para pagamento de juros das dívidas. Isso significa que do bolo todo que o governo tem para gastar quase a metade já nasce morto. Da outra metade que resta para investimentos, o governo gasta apenas 2,89% com educação e 3,91 com saúde. Por conta disso, mais de 60% dos brasileiros não tem água tratada nem saneamento. Isso na sétima economia do mundo.

Diante desses números, Fatorelli mostra como e por que a dívida acaba consumindo o dinheiro que deveria servir para dar uma vida melhor à população. Segundo ela, a Constituição, no artigo 166, estabelece que um deputado só pode pedir aumento no orçamento se indicar de onde virão os recursos. Mas se o aumento do orçamento incidir sobre o pagamento do serviço da dívida isso não é necessário. “Isso configura claramente um privilégio e foi aprovado. Está lá, na Constituição”. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes Orçamentárias define que o orçamento deve ser compatível com o superávit, assim como a famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal obriga os governantes a cortar gastos no social, mas não os dispensa do pagamento da dívida. Ou seja, a dívida sempre em primeiro lugar, pois, se o governante não pagar, vai preso. “Mas ninguém vai preso se as pessoas morrem nas portas dos hospitais, se as crianças não têm escola”.

Fatorelli explica que o privilégio para o pagamento da dívida segue no desenho das metas da inflação, diretriz de política monetária proposta pelo Fundo Monetário Nacional que é seguida a risca pelo governo brasileiro. Isso se expressou, por exemplo, na criação da taxa Selic, a qual boa parte da dívida esteve e está atrelada. Essa taxa sempre é elevada, cada vez que há um suposto perigo para os investidores. Isso significa que quem investe nos papéis da dívida nunca vai perder.

Conforme Maria Lúcia o governo trabalha com inverdades no que diz respeito à política monetária. Um exemplo é justamente esse de tornar necessário o aumento da taxa Selic para conter a inflação. “Isso não é verdade. Aumentar a taxa Selic não controla a inflação nos preços existentes, porque eles decorrem da privatização. A luz privatizada, a água privatizada, a saúde, etc. O aumento dessa taxa só serve aos que têm papéis da dívida”. Outra conversa furada é a de que o excesso de moeda provoque inflação. “A montanha de dólares que entra no país só acontece porque o próprio governo isenta as empresas multinacionais de imposto. Não é decorrente da circulação de mercadorias reais. É fruto do movimento virtual de papéis”.

A entrada de dinheiro se dá da seguinte forma. Nas operações de mercado aberto (bolsa) que hojesuperam meio trilhão de reais, o Banco Central entrega títulos da dívida para os bancos e fica com os dólares. Nessas operações, o Banco Central – que em tese é o Estado brasileiro – só consegue amealhar prejuízos. Em 2009 foram 147 bilhões de prejuízos, em 2010, 50 bilhões e neste primeiro semestre de 2011 já foram 44 milhões. Por conta disso, Fatorelli insiste em dizer que os gestores do Estado são responsáveis sim por essa política que arrocha cada dia mais a vida do povo. Os bancos lucram e o povo é quem paga a conta.

Outra coisa que muito pouca gente sabe - porque a mídia não divulga – é que todo o lucro das empresas estatais é direcionado, por lei, para pagamento da dívida. O mesmo acontece com os recursos que os estados da federação pagam ao governo central. Toda e qualquer privatização que acontece carrega o valor da venda para pagamento da dívida, assim como os recursos que não são utilizados no orçamento também passam para o bolo do pagamento da dívida.

Maria Lúcia Fatorelli afirma que essa é uma estratégia de manutenção de poder e acumulação que não mudou sequer um centímetro com o governo de Lula ou Dilma. Os papéis da dívida rendendo 12% ao mês são o melhor negócio que alguém pode ter. Tanto que em 2010 houve um acréscimo de mais 12 bilionários no Brasil e desse número, oito são banqueiros. A lógica do pagamento da dívida garante risco zero aos investidores, que são os mesmos que financiam as campanhas eleitorais e patrocinam a mídia. Assim, tudo está ligado.

No meio dessa farra de dinheiro público indo para bolsos privados, há uma ilusória distribuição da riqueza. O governo acena com pequenos ganhos aos pobres, como é o caso da bolsa família. Vejam que esse programa consome apenas 12 bilhões ao ano, enquanto a dívida leva 635 bilhões. O governo também coloca como um grande avanço o acesso das classes C e D a produtos baratos e o acesso a crédito e financiamento. Mas na verdade, o que promove é o progressivo endividamento dessas pessoas. Por outro lado, o Brasil tem um modelo tributário que é um dos mais injustos e regressivos. “Quem ganha até dois salários mínimos tem uma carga tributária bem maior do que os demais trabalhadores. E os ricos, no geral, são isentos de imposto. Já os empresários são frequentemente presenteados com deduções generosas, inclusive sobre despesas fictícias, que nunca foram feitas, enquanto os trabalhadores não podem deduzir do imposto despesas reais como aluguel, remédios, óculos”.

A ilusão de que as contas estão boas também se dá na espalhafatosa decisão de pagar adiantado ao FMI, que trouxe dividendos políticos a Lula, mas acarretou em mais rombos aos cofres públicos, tirando dos gastos sociais para colocar no bolso dos banqueiros. Foi um resgate antecipado de títulos da dívida, feito com ágio de até 70%, para que não houvesse qualquer perda aos investidores.

Agora em 2011 o governo de Dilma Roussef iniciou anunciando o corte de 50 bilhões do orçamento, como um “ajuste necessário”. Faltou dizer, necessário para quem? Para os especuladores. Há que pagar a dívida. O Brasil consome um bilhão de reais por dia no pagamento da dívida. Fatorelli procurar dar uma visão concreta do que seria um bilhão. “Imaginem um apartamento, desses bem finos, que custa um milhão de reais. Um bilhão equivaleria a cem edifícios de 10 andares, sendo um apartamento por andar. É isso que sai do nosso país todos os dias”. Não é sem razão que enquanto os trabalhadores são massacrados e não recebem aumento salarial, os bancos tenham auferido um lucro de 70 bilhões de reais no ano passado. É a expressão concreta da regra do mundo capitalista: para que um seja rico, alguém tem de ser escravo.

Na verdade o processo da dívida externa e também da dívida interna deveria sofrer uma auditoria e é nessa luta que um grupo de pessoas anda já há algum tempo. Maria Lúcia Fatorelli foi membro da comissão que auditou as dívidas do Equador, quando o presidente Rafael Correa decidiu realmente saber como funcionava o rolo compressor e ilegal da dívida daquele país. Segundo ela, no Equador, comprovou-se que mais de 70% da dívida era ilegal, fruto de anos e anos de acordos espúrios e irresponsáveis, muito parecidos com os que foram feito no Brasil. Correa decidiu não pagar e 95% dos seus credores aceitaram a proposta sem alarde, pois sabiam que se fossem discutir na justiça internacional correriam o risco de ter de devolver muitos bilhões.

Hoje, no Brasil, uma auditoria provaria muitas ilegalidades e até crimes de lesa pátria. Como explicar, por exemplo, que se pague 12% ao mês aos investidores enquanto o Banco Central brasileiro aplica suas reservas em bancos estrangeiros, que pagam juros pífios? Como aceitar que o Banco Central acumule prejuízos enquanto encha as burras dos investidores dos papéis podres? Por isso que a tão falada crise não pode ser vista como uma mera crise financeira. Ela é social e ambiental, pois coloca o salvamento dos bancos acima até da vida do planeta.

Como funciona o esquema dos papéis podres

Há um mito de que no mundo capitalista quem manda no movimento das coisas é o mercado. Ele define tudo, preços, valor, tudo baseado na oferta e procura. Assim, em nome desse mito criou-se a concepção de desregulamentação do mercado. Ou seja, o estado não pode interferir nesse movimento. Assim, o mercado, que é bem espertinho, sem um equivalente concreto de riqueza decidiu criar os famosos papéis podres, ou ativos tóxicos, ou derivativos. E o que é isso? Bom, para entender há que se fazer um bom exercício de abstração. Imagine que a pessoa compra uma casa e ela vale um milhão. Aí a pessoa define que daqui a um ano ela estará valendo dois milhões, então vai ao mercado de ações e vende dois milhões em papéis. Desses dois milhões, apenas um tem valor real, está ali, consolidado em uma casa real. O outro milhão é fictício. Ele só existe no desejo. Imagine que venha um furacão e danifique a casa. Lá se vai aquele milhão em papel podre, e quem comprou esses papéis perde tudo que investiu. Foi mais ou menos isso que aconteceu na crise imobiliária estadunidense.

Agora imagine que os bancos fazem isso todos os dias. Eles jogam ações no mercado e não precisam provar que essas ações têm uma correspondência real. Os derivativos são nada mais nada menos do que apostas. O mercado sabe que é uma aposta, e para não perder ele estabelece um seguro. Assim, se acontecer dos derivativos virarem pó, eles não perdem nada. E quem é que paga para os bancos continuarem quebrando a vida real dos que investem nos papéis podres? Nós. Porque quando os bancos entram em risco de quebra, como aconteceu lá nos Estados Unidos, o Estado vai e socorre. Para se teruma idéia, na crise, o banco central estadunidense chegou a repassar 16 trilhões de dólares para salvar os bancos da bancarrota. O que mostra que é uma falácia esse negócio de “mercado livre”. O mercado só é livre quando há lucros, quando há prejuízos quem paga a conta é povo.

Então, quando aparece na televisão a crise na Grécia, os protestos na Espanha, na Itália, Irlanda, França e mesmo no Brasil, já se pode saber que o que está acontecendo é exatamente isso. Os países estão se endividando para salvar investidores e pagar as dívidas que contraem nessa roda viva de papel podre. Assim, define Fatorelli, a crise no setor financeiro dos países é falsamente transformada em crise da dívida. E os países então colocam sob os ombros do povo o pagamento de suas “apostas” mal feitas ou ilegais.

No Brasil a dívida externa chega a 350 bilhões e a dívida interna aos 2,5 trilhões. A dívida bruta consome 70% do PIB e o governo paga os maiores juros do mundo. É uma festa interminável para os investidores mundiais, sem risco algum. O governo de FHC consumiu, só em juros, dois trilhões de reais, o governo Lula, 4,7 trilhões. Tudo o que se diz na televisão sobre os problemas que o estado tem com o orçamento é mentira. Há dinheiro suficiente, mas ele é usado para enriquecer, sem riscos, os investidores. Não bastasse isso, ao longo dos anos, as taxas de juros, que garantem os maiores lucros do mundo, são definidas por “especialistas”. Desse grupo que orienta os juros 51% são representantes dos bancos e 35% representam o sub-grupo de gestão de ativos. Ou seja, eles atuam em interesse próprio. Só isso já bastaria para se dar início a uma séria investigação sobre o tema da dívida. Porque da forma como tudo acontece, assoma claramente a intenção do prejuízo à nação. Vem daí a proposta de uma auditoria, aos moldes da que fez o Equador. Mas, para isso precisaria haver uma decisão política. Por que será que ela não acontece? É hora de a gente pensar...

Os 99% que ocuparam Wall Street

Foto: Deirdre Lymm
Por Amy Goodman, no sítio da Adital:

Se 2.000 ativistas do movimento conservador Tea party se manifestassem em Wall Street provavelmente haveria a mesma quantidade de jornalistas cobrindo o acontecimento. De fato, 2.000 pessoas ocuparam Wall Street no sábado. Não levavam cartazes e faixas do Tea party, nem a bandeira de Gadsden, com a serpente em espiral e a ameaça ‘Não te metas comigo'. Porém, sua mensagem era clara: "Somos os 99% da população que já não tolerarão a cobiça nem a corrupção do 1% restante”, disseram. Ali estavam, a maioria jovens, protestando contra a especulação praticamente não regulada e descontrolada de Wall Street, que provocou a crise financeira mundial.

Um dos multimilionários mais conhecidos de Nova York, o prefeito Michael Bloomberg, comentou acerca do momento em que vivemos: "Muitos jovens que saem da Universidade não encontram trabalho. Isso foi o que aconteceu no Cairo e em Madri. Não queremos esse tipo de distúrbios aqui”. Distúrbios? Esse foi o significado da Primavera Árabe e os protestos na Europa?

Talvez para desilusão do prefeito Bloomberg, o que aconteceu no Egito foi justamente o que inspirou a muitas pessoas a ocupar Wall Street. Em um recente comunicado, a coalizão de organizações que estão se manifestando disse: "No sábado realizamos uma assembleia geral de duas mil pessoas. Na segunda, às 20 horas, ainda estávamos ocupando a praça, apesar da constante presença policial. Estamos construindo o mundo que queremos com base na necessidade humana e da sustentabilidade, em vez da cobiça das empresas”.

Falando de Tea party, o governador do Texas, Rick Perry, vem provocando altercados, permanentemente, durante os debates presidenciais republicanos, com sua declaração de que o venerado sistema de seguridade social dos Estados unidos é "uma estafa de tipo Ponzi”. Charles Ponzi se dedicou a estafar a milhares de pessoas em 1920 mediante a promessa fraudulenta de que receberiam grandes lucros a partir de investimentos. Uma típica estafa Ponzi consiste em tomar o dinheiro de uma série de investidores e pagar-lhes com o dinheiro de novos investidores, em vez de pagar-lhes a partir de lucros reais. O sistema de seguridade social dos Estados Unidos é, de fato, solvente: tem um fundo fiduciário de mais de 2,6 bilhões de dólares. A verdadeira estafa que ameaça ao povo estadunidense é a insaciável cobiça dos bancos de Wall Street.

Entrevistei um dos organizadores do protesto "Ocupemos Wall Street”, David Graeber, professor em Golsmiths, Universidade de Londres, e autor de vários livros. Sua obra mais recente é "Deuda: Los primeros 5.000 años”. Graeber assinala que, em meio a crise financeira de 2008, se renegociaram dívidas enormes entre bancos. No entanto, muito poucas hipotecas receberam o mesmo tratamento. Graeber diz: "As dívidas entre os muito ricos e entre governos sempre podem ser renegociadas e, de fato, sempre tem sido assim na história mundial. Não estão gravadas em pedra. Em termos gerais, quando os pobres têm dívidas com os ricos, logo as dívidas se convertem em uma obrigação sagrada, mais importante do que qualquer outra coisa e a ideia de renegociá-las torna-se impensável”.

O presidente Barack Obama, recentemente, propôs um plano de criação de emprego e maiores esforços para reduzir o déficit. Uma das propostas é o chamado "imposto aos milionários”, que conta com o apoio do multimilionário e partidário de Obama, Warren Buffet. Os republicanos denominaram o imposto de "guerra de classes”.

Graeber comenta: "Durante os últimos 30 anos, vimos aos mais ricos de nossa sociedade livrar uma guerra política contra todos os demais e essa é a jogada mais recente dessa guerra, uma medida que é totalmente disfuncional desde o ponto de vista político e econômico. E esse é o motivo pelo qual os jovens, simplesmente, abandonaram qualquer ideia de recorrer aos políticos. Todos sabemos o que acontecerá. Os impostos propostos são uma espécie de simulação de gesto populista, que todos sabem será descartado. Na realidade, o que provavelmente acontecerá é que haverá mais recortes aos serviços sociais”.

Lá fora, na fria manhã de terça-feira, os manifestantes iniciaram seu quarto dia de protestos com uma marcha em meio a uma forte presença policial e fizeram soar a campana de abertura da "bolsa do povo”, às 9:30 da manhã, exatamente na mesma hora em que soa a campana da Bolsa de Nova York. Enquanto os banqueiros permanecem seguros dentro de seus bancos resgatados, fora, a polícia prende os manifestantes. Em um mundo justo, com uma economia justa, caberia perguntar-se: quem deveria estar passando frio lá fora? Quem deveria estar sendo preso?

* Denis Moynihan colaborou nessa coluna.