segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Cristina Kirchner é reeleita com vitória esmagadora

A presidente argentina, Cristina Kirchner, conquistou uma vitória esmagadora com 53,7% dos votos, após a apuração de 97% das urnas, o maior triunfo desde o retorno da democracia em 1983. A participação popular foi alta, de 77% dos quase 29 milhões de eleitores.


A vitória arrasadora permite a Cristina Kirchner manter a maioria no Senado e recuperar o controle da Câmara dos Deputados, perdido nas legislativas de 2009.

"Convoco a unidade, aprofundando um projeto que ajude a melhorar a vida dos 40 milhões de argentinos", afirmou em um palanque em frente à Casa Rosada, diante de uma multidão. Cristina Kirchner é a primeira mulher reeleita na história do país, para um mandato até 2015, e registrou o maior número de votos desde a redemocratização, superior aos 51% de Raúl Alfonsín em 1983.

Quase quatro horas depois do fechamento dos centros de votação, com apenas 15% das urnas apuradas, a presidente se declarou vitoriosa em um discurso diante de seus partidários em um hotel da capital que serviu de quartel general da sua campanha.

Ela dedicou a vitória ao seu marido, ex-presidente Néstor Kirchner, que morreu há um ano.

Eufóricos, militantes peronistas e seus aliados saíram às ruas minutos depois do anúncio da reeleição da mandatária pela TV e começaram a agitar bandeiras e a bater bumbos na Praça de Maio, diante da Casa Rosada, sede do governo.

"Somos a gloriosa Juventude Peronista!", cantavam os manifestantes na praça.

Néstor Kirchner foi quem tirou o país do buraco após a tragédia econômica e social do final do século 20, e renegociou a dívida após o maior 'default' da história.

A popularidade de Kirchner é apoiada, segundo analistas, na dinâmica da economia, no consumo e nas exportações agrícolas em um país com uma média de 8% de crescimento do Produto Interno Bruto desde 2003.

Outra política dos Kirchner foi promover os julgamentos por crimes na ditadura (1976-1983) com 244 militares e policiais condenados e outros 800 que aguardam sentença.

Durante sua campanha, Kirchner ressaltou a redução dos níveis de pobreza, que hoje chega a 8,3% (2 milhões de pessoas nas 31 principais cidades do país).

Kirchner já tinha obtido 50,7% dos votos nas primárias obrigatórias de 14 de agosto.

Quase 29 milhões de argentinos estavam habilitados a votar nestas eleições, em que também foram renovados a metade da Câmara dos Deputados, um terço do Senado e foram eleitos nove governadores. A coligação liderada por Cristina Kirchner ganhou oito dos nove governos provinciais (estaduais) em disputa.

A presidente reeleita agradeceu aos presidentes da América do Sul que telefonaram para dar os parabéns. O primeiro nome que mencionou foi o da presidente Dilma Rousseff. “Quero agradecer o telefonema solidário, amigo, fraternal de Dilma Rousseff – a companheira Dilma”, disse. Cristina reiterou que pretende aprofundar as políticas de integração regional.

A esmagadora vitória de Cristina Kirchner confirma a tendência democrática e progressista na América Latina, onde os povos avançam em sua luta por soberania nacional e pelo aprofundamento da democracia, derrotando os planos neocolonialistas do imperialismo estadunidense e das oligarquias locais.

Fonte: Vermelho, com agências

Qual juventude? Que Juventude?

Por Manuela D'Ávila*

É comum lermos formulações sobre os gargalos do desenvolvimento do Brasil. Não há estudo ou matéria jornalística que não elenque o tema da formação educacional e qualificação profissional dos jovens como problema a ser enfrentado para o Brasil crescer de maneira sustentável. Mas, concretamente, que projeto temos para a juventude brasileira e o que a juventude quer para si?

Abaixo discorro sobre polêmicas envolvendo o recém aprovado Estatuto da Juventude. Fiquei surpresa com o impacto de sua aprovação na mídia. Mais ainda com o ataque a essa legislação que trata de enfrentar problemas tantas vezes denunciados pela própria mídia. Vou às questões.

- De onde surgiu esse relatório?
O projeto aprovado tramita a sete anos na Câmara. Foi objeto de duas comissões especiais. Ambas foram presididas pelo deputado Tucano Lobbe Neto e relatas pelo deputado Reginaldo Lopes e depois por mim. Esse relatório foi construído por mais de vinte deputados e contou com a maior participação popular da história (com base no portal edemocracia). Depois disso, o Plenário da câmara aprovou por unanimidade. Ou seja, todos os deputados concordaram. Não existe o relatório da Manuela. Ele é da Câmara.

- Jovem até os 29?!?
Segundo a ONU são jovens aqueles com até 29 anos de idade. Como e por quê? Juventude é fase construída socialmente. E a principal característica é ser a etapa de preparação para a vida que levaremos por todo o período em que seremos adultos. Por isso, o recém aprovado Estatuto da juventude trabalha com três momentos: jovens adolescentes, jovens e jovens adultos. Não são todos iguais. Mas são etapas complementares preparatórias para a vida adulta. Esse é o reconhecimento por parte do Estado de que existe sim uma fase preparatória, que essa fase é distinta. Como é distinta a vida adulta ou a terceira idade.

- Quais direitos?
O Estatuto conta com mais de 40 artigos. Uma parte de direitos e outra de consolidação do sistema nacional de juventude (deixando de ser vontade de governos e passando a ser de Estado).

A primeira parte chamou atenção pela meia entrada. As demais foram solenemente ignoradas pela mídia.

Vejam só:
A meia entrada tomou essa proporção em função das negociações com a FIFA. Mas seria correto o congresso parar de fazer leis em função de 40 dias de evento? Não. Além disso, a parte é genérica, deixando claro que precisaremos regulamentar. Um debate inicial! Terá subsidio? Eu defendo que sim. Como será executado? Temos que discutir. Mas não é brincadeira. Basta dizer que a meia entrada pode voltar que os ataques são cruéis. Como de fosse um CRIME garantir a educação integral para a juventude. Mas não é dessa juventude que cobramos qualificação, formação, nível intelectual? Acaso sabemos que a maior parte não freqüenta estabelecimentos culturais por falta de dinheiro? Acho super justa a preocupação com elevação de preços para os demais. Por isso defendo subsidio. Mas não seria legal os jornalistas terem me perguntado?

A segunda polêmica girou em torno da meia passagem. Acaso não sabem que grande parte da evasão escolar é por causa do transporte? Acaso não sabem que a lei não garantia transporte para ensino médio e superior? Acaso não sabem que a medida que garantimos vagas em escolas técnicas e ensino superior (com ProUni, por exemplo) aumenta a problema desses jovens com transporte público? Acaso leram o texto? Não me parece.

Enquanto isso A aprovação do Estatuto, além do que representa para a juventude do País, representa um grande avanço e mostra a superação de um antigo entrave.

Falo do acordo inédito que construímos entre a bancada evangélica e a bancada que defende os direitos da comunidade LGBT no Congresso.

A aprovação do texto – elaborado com todas as bancadas e aprovado com consenso – permitiu que, pela primeira vez na história da Câmara, viabilizássemos um acordo entre as duas bancadas.

O concerto que conquistamos – com muito diálogo, interlocução, que representa e respeita o que defendem os dois grupos – vira uma página da nossa história. O resultado: superamos antigas barreiras e mantivemos no texto o combate ao preconceito e a inclusão da educação sexual nas escolas. Ou seja, garantimos constitucionalmente – também pela primeira vez – direitos para a comunidade LGBT.

Evangélicos e comunidade LGBT chegaram a um entendimento que nos conduz a um novo patamar em função de um objetivo maior e comum a todos: reconhecer a importância do Estado garantir direitos e políticas públicas para os jovens brasileiros.

Quem viu isso? Quem deu essa notícia? Não li.

Por isso gente, peço atenção ao que lêem. Enfrentar interesses poderosos não é fácil. E, estranhamente, quando surge uma legislação que não trata aos jovens como bandidos ou marginais muitos caem em cima. Pensem. Porque será?

Que juventude querem? Eu quero aquela livre!

* Deputada Federal (PCdoB)

Mídia não disfarça sua frustração

Por José Dirceu, em seu blog:

Não foi desta vez. Desta, não deu certo. A mídia tentou e forçou para que o ministro do Esporte, Orlando Silva, caísse. Desrespeitou abertamente o seu direito à presunção da inocência e ao devido processo legal ante denúncias em seu Ministério.

Tentou - e continua a tentar - substituir a Justiça. Quando não consegue, pressiona para que o julgamento não a desmoralize, não mostre que todo o escândalo foi factóide criado artificialmente por ela. É sua forma e jeito de continuar tentando impor decisões, primeiro à presidenta Dilma Rousseff, depois à Justiça.

Ainda que no caso de que falamos agora, do ministro Orlando Silva, a presidenta da República tenha deixado claro que se pautará pela lei e a Constituição, e que não aceita linchamentos morais e pré-julgamentos.

"Não lutamos inutilmente para acabar com o arbítrio"

O governo "não condena ninguém sem provas e parte do princípio civilizatório da presunção da inocência. Não lutamos inutilmente para acabar com o arbítrio e não vamos aceitar que alguém seja condenado sumariamente", disse a presidenta em nota oficial.

E o ministro, na reunião com ela na noite de ontem, comunicou-lhe ter adotado todas as providências para corrigir e punir malfeitos, ressarcir os cofres públicos e aperfeiçoar os mecanismos de controle do Ministério do Esporte.

"É inaceitável para mim conviver com qualquer tipo de suspeição. Esclareci todos os fatos e as acusações que tenho sofrido. Desmascarei todas as mentiras para a presidente", afirmou ele ao sair dessa reunião no Palácio do Planalto.

Imprensa age como se suas manchetes não fossem desmentidas

Nada. Nenhum desses pontos fica em destaque. Vai para o meio das matérias - quando vai. A imprensa finge que não é com ela. Apesar do desmentido de várias de suas manchetes, continua a agir como se nada tivesse acontecido. Agora arrumou que Pelé foi consultado e que o jornalista Juca Kfouri, também, foi convidado para ser ministro, quando os fatos demonstram o contrário.

Essa mesma mídia e tipo de manchete já haviam sido desmentidos na informação que deram de que o ministro Orlando Silva tinha sido substituído na coordenação da Copa e da Olimpíada no Brasil e que estava demitido.

Nada abala a estratégia traçada pela nossa imprensa. Ela continua criando factóides sem nenhum compromisso com a verdade jornalística. Da mesma forma que insiste em dar foros de verdade às denúncias do soldado ongueiro João Dias acusador do ministro. Mesmo Dias não apresentando provas e sendo desmentido diariamente pelos fatos e testemunhas.

Por que não aceitam que o governo e o ministro Orlando Silva tenham seus direitos constitucionais respeitados da mesma forma que a mídia exige respeito aos seus próprios direitos?

PCdoB/BA reafirma que ataque a Orlando visa atingir Dilma

O Comitê Estadual do PCdoB na Bahia, reunido neste final de semana (22 e 23/10) para preparar o maior evento partidário em âmbito do estado, a Conferência Estadual do partido, se posicionou em defesa do ministro Orlando Silva, alvo de acusações infundadas e repetidas pela grande mídia.


Para o presidente estadual do PCdoB, Daniel Almeida, "Não é possível aceitar que setores da mídia, usando a tática da mentira, se achem no direito de pressionar a presidente Dilma a substituir ministro por interesses que não são benéficos para o pais. De fato, além do ataque ao PCdoB, setores da mídia buscam atingir o governo Dilma. Ataque a Orlando e ao PCdoB, e ataque a Dilma e ao projeto político que a presidente lidera no momento. O PCdoB está unido e firme e segue denunciando a orquestração de setores da mídia".

O deputado federal informou as posições da Comissão Política Nacional do partido que manifestou seu apoio ao ministro Orlando diante de acusações inconsistentes. "Incomoda aos poderosos o crescimento do PCdoB em todos os estados, o que afeta objetivos políticos eleitorais dessa turma, mas cada militante tem a tarefa de seguir em frente desmascarando onde atua essa ofensiva conservadora. O PCdoB é um partido de 90 anos, não uma legenda de circunstância", declarou o presidente estadual.

Durante a reunião foram informadas as declarações dos dois deputados federais eleitos pela Bahia, Alice Portugal e Daniel Almeida, junto com a bancada nacional do PCdoB em defesa do ministro Orlando e do partido. Na reunião, Alice Portugal defendeu que e preciso ir às ruas, mobilizar contra essa investida conservadora e a tentativa de confundir a população.

Integrante da direção estadual, o dirigente nacional da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, defendeu na reunião que a luta pela democratização da mídia passa por enfrentar momentos como esse, onde setores da mídia agem como um partido político. "Desenvolve-se uma tática fascista com o objetivo de isolar a esquerda e de dividi-la para enfraquecer o projeto político em curso no país".

O PCdoB realiza a sua Conferência Estadual nos dias 5 e 6 de novembro e o ato político de abertura do evento acontece as 10h, no hotel Bahia Othon Palace Hotel, em Ondina, Salvador.

De Salvador,
Julieta Palmeira

O Arco do Universo Moral: de Luther King ao "ocupar Wall Street"

No domingo passado, foi inaugurado o monumento nacional em homenagem a Martin Luther King Jr. O Presidente Barack Obama falou sobre o Dr. King: “Se estivesse vivo hoje, creio que nos lembraria que o trabalhador desempregado tem todo o direito de denunciar os excessos em Wall Street, mas sem demonizar aqueles que trabalham ali”.

Por Amy Goodman*, no Democracy Now!


A inauguração oficial ocorreu no momento em que o movimento “Ocupemos Wall Street” soma cada vez mais adeptos e se transforma em um fenômeno mundial. O que Obama não disse é que se King estivesse vivo provavelmente estaria se manifestando contra as políticas de seu governo.

A poucos passos da cerimônia de inauguração, Cornel West, pastor, acadêmico, escritor e ativista foi preso nas escadas da Suprema Corte dos Estados Unidos. Antes de ser enviado à prisão, disse: “Queremos registrar hoje que conhecemos a relação existente entre a cobiça empresarial e o que acontece frequentemente nas decisões da Suprema Corte. É significativo que neste dia de homenagem a Martin Luther King Jr. alguém seja enviado a prisão porque Martin King estaria aqui, disposto a lutar conosco e o faria pelo seu profundo amor.”

O professor West, que foi preso junto a outras 18 pessoas, declarou: “Estamos aqui para expressar nossa solidariedade com o movimento de protesto em todo o mundo porque amamos os mais pobres, amamos os trabalhadores e queremos que Martin Luther King Jr. saiba que não esquecemos de sua luta e sorria de sua tumba”.

Durante esse mesmo fim de semana, a campanha de ataques com aviões não tripulados das forças armadas estadunidenses e a CIA, sob as ordens do Comandante-Chefe Obama, lançou o que foi chamado pelo Escritório de Jornalismo Investigativo (BIJ, sigla do nome original em inglês, uma organização independente sem fins lucrativos com sede em Londres) de “o ataque de número 300” com desses aviões, o 248º desde que Obama assumiu a presidência. Segundo a BIJ, das 2328 pessoas mortas pelos ataques, entre 386 e 775 são civis, entre elas, 175 crianças. Imagine como iria responder King, Prêmio Nobel da Paz assim como Obama, a estas cifras cruas.

Em 1963, King publicou uma recopilação de sermões intitulada “A força de amar”. O prefácio começa assim: “Nestes dias de revoltas e incertezas, os gênios malignos da guerra e da injustiça econômica e racial ameaçam inclusive a sobrevivência da raça humana”. Três dos 15 sermões foram escritos nos cárceres da Georgia, entre eles “Sonhos destroçados”. Nele, escreveu: “Cooperar passivamente com um sistema injusto converte o oprimido em um ser tão malvado como o opressor”. King retomou a ideia dos sonhos destroçados quatro anos mais tarde, e oito meses antes de ser assassinado, em seu discurso chamado “Para onde vamos”. “Em certas ocasiões, nossos sonhos serão destroçados e nossas esperanças etéreas, quebradas. Quando nossos dias se tornarem tristes e nos invadir uma nuvem de desesperança, e quando nossas noites se tornem mais obscuras que mil meias-noites, lembraremos de que há uma força criativa do universo que trabalha para derrubar as enormes montanhas do mal, um poder que é capaz de superar qualquer obstáculo e converter o passado obscuro em radiante porvir. O arco do universo moral é amplo, mas se inclina para o lado da justiça”.

Nesse mesmo ano, 1967, um ano antes de ser assassinado, King fez seu discurso “Muito além do Vietnã” na Igreja Riverside da cidade de Nova York, onde proclamou: “Descobri que nunca mais vou poder lançar minha voz contra a violência dos oprimidos nos bairros marginais sem antes falar do principal responsável pela violência do mundo atual, meu próprio governo”.

Essas palavras e esse discurso marcaram o estado de ânimo que iria caracterizar o último e fatal ano da vida de King. Apesar das ameaças de morte e do conselho de seus assessores para que não fosse a Memphis, King participou da marcha em solidariedade aos garis dessa cidade. No dia 04 de abril de 1968, morreu assassinado de um disparo no balcão do Motel Lorraine.

Dois jovens daquela época, que foram profundamente afetados pelo assassinato de King, permitiram-nos percorrer o caminho que vai do arco de justiça moral do Dr. King até o movimento “Ocupemos Wall Street”. Um deles é John Carlos, um velocista olímpico estadunidense. Carlos ganhou a medalha de bronze na corrida de 200 metros do atletismo nos Jogos Olímpicos de 1968 na Cidade do México. Carlos e seu companheiro de equipe, Tommie Smith, que ganhou a medalha de ouro, voltaram mundialmente famosos por terem feito a saudação do Poder Negro no pódio. Ambos subiram para receber suas medalhas sem sapatos, um sinal de protesto pela situação de pobreza das crianças afrodescendentes nos Estados Unidos. Na semana passada, John Carlos se manifestou no “Ocupemos Wall Street”. Em seguida me disse: “Estou tão feliz de ver tantas pessoas aqui, reunidas para dizer: ‘Não pedimos mudanças. Exigimos mudanças’”.

O outro é o Reverendo Jesse Jackson, que estava junto a King quando o assassinaram. Na segunda-feira de madrugada, o Departamento de Polícia de Nova York parecia tentar avançar sobre a barraca de primeiros socorros do “Ocupar Wall Street”. O Reverendo Jackson estava ali. Apenas dias depois de completar 70 anos, Jackson se somou aos jovens manifestantes para enfrentar a polícia. A polícia se retirou e o arco do universo moral se inclinou um pouco mais para o lado da justiça.

*Âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

Fonte: Estratégia & Análise. Traduzido por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha

Fidel Castro: O papel genocida da Otan

Neste domingo (23), o líder da Revolução cubana Fidel Castro iniciou uma nova série de Reflexões sobre a Otan, organização agressiva e genocida a serviço do imperialismo norte-americano e as potências da União Europeia. Leia a tradução inédita em português.


Essa brutal aliança militar se converteu no mais pérfido instrumento de repressão que a a história da humanidade já conheceu

A Otan assumiu esse papel repressivo global tão logo a URSS, que tinha servido aos Estados Unidos de pretexto para criá-la, deixou de existir. Seu propósito criminoso se tornou patente na Sérvia, um país de origem eslava, cujo povo lutou tão heroicamente contra as tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Quando em março de 1999 os países dessa nefasta organização, em seus esforços por desintegrar a Iugoslávia depois da morte de Josip Broz Tito, enviaram suas tropas em apoio aos secessionistas kosovares, encontraram uma forte resistência daquela nação cujas experimentadas forças estavam intactas.

A administração yanque, aconselhada pelo governo direitista espanhol de José Maria Aznar, atacou as emissoras de televisão da Sérvia, as pontes sobre o rio Danúbio e Belgrado, a capital desse país. A embaixada da República Popular da China foi destruída pelas bombas yanques, vários funcionários morreram, e não podia haver erro possível como alegaram os autores. Numerosos patriotas sérvios perderam a vida. O presidente Slobodan Milosevic, premido pelo poder dos agressores e o desaparecimento da URSS, cedeu às exigências da Otan e admitiu a presença das tropas dessa aliança dentro de Kosovo sob o mandato da ONU, o que finalmente conduziu à sua derrota política e seu posterior julgamento pelos tribunais nada imparciais de Haia. Morreu estranhamente na prisão. Se resistisse uns dias mais o líder sérvio, a Otan teria entrado em uma grave crise que esteve a ponto de eclodir. O império dispôs assim de muito mais tempo para impor sua hegemonia entre os cada vez mais subordinados membros dessa organização.

Entre 21 de fevereiro e 27 de abril do presente ano, publiquei no sítio CubaDebate nove Reflexões sobre o tema, nas quais abordei com amplitude o papel da Otan na Líbia e o que a meu juízo ia ocorrer.

Vejo-me por isso obrigado a uma síntese das ideias essenciais que expus, e dos fatos que foram ocorrendo tal como foram previstos, agora que um personagem central de tal história, Muamar Kadafi, foi ferido gravemente pelos mais modernos caças-bombardeiros da Otan que interceptaram e inutilizaram seu veículo, capturado ainda vivo e assassinado pelos homens que essa organização militar armou.

Seu cadáver foi sequestrado e exibido como troféu de guerra, uma conduta que viola os mais elementares princípios das normas muçulmanas e outras crenças religiosas prevalecentes no mundo. Anuncia-se que anuncia que muito breve a Líbia será declarada "Estado democrático e defensor dos direitos humanos".

Vejo-me obrigado a dedicar várias Reflexões a estes importantes e significativos fatos.

Fidel Castro Ruz

23 de outubro de 2011

Outro triunfo do modelo sulamericano

A Argentina chega a sua sétima eleição em 28 anos de democracia em uma situação inédita. Como diz o consultor Enrique Zuleta Puceiro, “desta vez não há crise no momento das eleições”. Por isso as eleições presidenciais não colocam em jogo como sair da crise nem como a Argentina pode escapar de um abismo. “Os cidadãos não entregam um cheque em branco a seus dirigentes, mas votarão com absoluta tranquilidade e expressarão que estão elegendo Cristina Fernández de Kirchner para que ela conduza a Argentina na solução dos problemas pendentes”, explica Zuleta.

A presidenta obteve nas primárias obrigatórias de 14 de agosto 50,2% dos votos. Segundo a empresa Poliarquía, que não trabalha para o governo, poderia obter entre 52 e 56% dos votos neste domingo. A diferença em relação ao provável segundo colocado, o socialista moderado Hermes Binner, poderia chegar a 40 pontos. Se esse for o resultado final, a Argentina viverá uma experiência inédita.

Cristina encabeçará o terceiro turno do kirchnerismo a frente de uma coalizão heterogênea, mas consolidada. Néstor Kirchner assumiu em 2003 depois de ter saído do primeiro turno das eleições com 22% dos votos. Não houve segundo turno. Carlos Menem abandonou a disputa quando soube pelas pesquisas que perderia por 65%.
Desde aquele momento o primeiro governo eleito pelo voto popular após a crise do neoliberalismo de 2001 construiu legitimidade mediante a renovação da Corte Suprema, a reestruturação (com uma substancial redução no pagamento realizado posteriormente) da maior dívida da história financeira do país, uma política econômica baseada no crescimento da demanda popular e uma marcada sintonia com o governo Lula e o resto dos estados da América do Sul.

Kirchner terminou seu mandato com 70% de popularidade e, em 2007, Cristina o sucedeu com 45%, o dobro de votos obtido em 2003. A construção política kirchnerista cambaleou em 2008 com a disputa em torno dos direitos de exportação com os setores do agronegócio, que resultou na perda de apoio entre os setores médios da população. Em 2009, recebeu um alerta com a derrota legislativa no Estado de Buenos Aires, que representa mais de 35% do eleitorado. Mas Cristina conseguiu que a crise do Lehman Brothers não impactasse mortalmente a Argentina. E fez isso sem recorrer a ajustes. Pelo contrário: estatizou os fundos privados de aposentadoria e criou uma bolsa universal para cada criança, de efeitos reparadores e estimuladores.

Também enviou ao Congresso e submeteu à discussão nacional até conseguir a maioria parlamentar, uma nova lei de serviços de comunicação audiovisual. O regime legal, aprovado em outubro de 2009, determina o fim dos monopólios em televisão aberta, TV a cabo e rádios. A lei não regula conteúdos como faz a nova legislação do Equador, nem tem jurisdição sobre a imprensa escrita. Cristina, além disso, conseguiu que o Congresso aprovasse seu projeto de despenalizar as calúnias e injúrias dos jornalistas contra funcionários do governo.

Se as pesquisas estiverem certas, os resultados eleitorais mostrarão um mapa político assombroso. Os votos somados de Cristina e de Binner representarão de 70 a 75% dos votantes. A direita não encontrou expressão partidária. Sua principal figura potencial, o prefeito da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, decidiu preservar-se de uma derrota e não está competindo. Sonha com o fim da onda de centro-esquerda para as eleições de 2015. É uma eternidade: nesta data terão se completado 12 anos seguidos de governos baseados no modelo sulamericano de inclusão e reforma.

Por Martin Granovsky  - jornal Página12

Grave afronta à inteligência nacional

Por José Eli da Veiga
Professor da pós-graduação do Instituto
de Relações Internacionais da USP (IRI/USP)
Do Valor

A maioria dos 410 deputados que aprovaram o projeto de lei sobre a proteção da vegetação nativa (PLC-30) nem teve chance de perceber o tamanho dos disparates nele introduzidos. Certamente devido à balbúrdia em que transcorreu o processo de votação, favorecendo os míopes interesses de um subsetor econômico muito específico: o da pecuária de corte de expansão horizontal, concentrada na franja impropriamente chamada de "fronteira agrícola".

Com certeza o Senado honrará sua missão revisora, colocando em primeiro lugar os interesses estratégicos da nação, ao contrário do que ocorreu com a Câmara na lastimável noite de 24 de maio. Muitas das distorções do PLC-30 foram bem enfatizadas em recentes audiências públicas de juristas e pesquisadores científicos, inspirando as 174 emendas apresentadas à CCJ e à CCT por 16 senadores, quase todas com o intuito de evitar inúmeros perigos de tão insensata marcha reversa. Provavelmente outras ainda serão propostas em mais duas comissões que vão anteceder o plenário: a de agricultura e a de meio ambiente.

Lista circunstanciada dos absurdos do PLC-30 está nas 28 páginas de "Propostas e considerações" das duas maiores sociedades científicas brasileiras (SBPC e ABC), divulgadas há uma semana. Confirma que são quatro as principais aberrações que demandam minucioso exame do Senado:

a) drástica redução das áreas de preservação permanente (APP);

b) inviabilização da imprescindível flexibilidade das reservas legais (RL);

c) contrabando de milhões de imóveis rurais sob o manto de pretensa solidariedade aos "pequenos produtores";

d) inepta escolha de julho de 2008 como data para o perdão de infrações.

A balbúrdia da votação não permitiu que a maioria dos deputados se desse conta dos disparates da PLC-30

Pela legislação em vigor, o conjunto das áreas de preservação permanente (APP) deveria corresponder a 15% do território nacional, totalizando 135 milhões de hectares (Mha). Todavia, existe um déficit de 55 Mha - quase todo invadido por indecentes pastagens - que será mais do que "consolidado" pelas brutais reduções das exigências de conservação de matas ciliares, ripárias, de encostas, de topos de morro e de nascentes. Algo inteiramente desnecessário, pois a bovinocultura poderá ser incomparavelmente mais eficiente e produtiva com muito menos do que os exageradíssimos 211 Mha que atualmente ocupa (78% da área da agropecuária). Bastará um pouco de profissionalismo e bem menos especulação fundiária.

O surgimento de mercados estaduais de compensações de reservas legais (RL) seria um grande passo à frente, principalmente para os produtores cujas fazendas não dispõem de terras de baixa aptidão. É completamente irracional destinar solos de boa qualidade à recuperação de vegetação nativa, ou mesmo reflorestamento com exóticas. Nada melhor, portanto, do que remunerar detentores de terras marginais para que eles constituam condomínios de reservas. Com a imensa vantagem de que elas não estariam dispersas em pequenos fragmentos isolados, alternativa infinitamente superior para a conservação da biodiversidade. É trágico, portanto, que o PLC-30 tenha feito uma opção preferencial por forte redução dessas áreas, em vez de viabilizar o surgimento desses mercados estaduais de compensações.

Tão ou mais escandalosa é a tentativa de desobrigar todos os imóveis rurais com áreas inferiores a quatro módulos fiscais sob o pretexto de ajudar "pequenos produtores". A maior parte dos imóveis desse tamanho são chácaras e sítios de recreio de famílias urbanas de camadas sociais privilegiadas. Nesse ponto, os deputados inadvertidamente legislaram em benefício próprio, já que muitos deles, assim como seus parentes e amigos, têm propriedades desse tipo.

Se o objetivo fosse realmente favorecer produtores rurais de pequeno porte, bastaria que o PLC-30 não fizesse letra morta da lei 11.326, promulgada pelo presidente Lula em julho de 2006, após um decênio de experiência acumulada pelo tardio Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em julho de 1996 por decreto do presidente FHC.

Para delimitar essa categoria sem contrabandear casas de campo de urbanos do andar de cima, ou de quaisquer proprietários com vários imóveis, a lei considera agricultores e empreendedores familiares apenas os que praticam atividades no meio rural atendendo simultaneamente a quatro requisitos:

a) não detenham a qualquer título área maior do que quatro módulos fiscais;

b) utilizem predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

c) tenham renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; d) dirijam seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Finalmente, mas não menos relevante, é lembrar que a Constituição não reconhece direito adquirido em matéria ambiental, desautorizando qualquer data para perdões por desmatamentos ilegais que seja posterior ao primeiro ato regulamentador da Lei de Crimes Ambientais: 21 de setembro      de 1999
Líbia
A violência na Líbia destoa da 'Primavera Árabe' em número de mortos

Por Melina Duarte - Correio do Brasil

O corpo mutilado de Gaddafi vem sendo amplamente exibido pela mídia e sua morte celebrada como o símbolo do fim da tirania na Líbia. Segundo o analista egípcio e especialista em política do Oriente Médio, Mahan Abedin, em depoimento divulgado pela Folha de São Paulo (21/10/2011 – 5h26), o “fim” do ditador reforçará a adesão a levantes populares como forma de combater regimes autoritários. Abedin, assim como outros, compara positivamente a situação da Líbia com a deposição de ditadores vizinhos, o egípcio Hosni Murabak e o tunisiano Zine al-Abedine Ben Ali.

No entanto, há uma grande diferença entre estes movimentos populares que precisa ser seriamente considerada: o uso da violência. No Egito, assim como na Tunísia, as manifestações foram politizadas o suficiente para se pretenderem pacíficas. Obviamente isto não significa que ninguém morreu, que nenhum manifestante foi preso ou que não houve violência policial ou resistência por parte dos governos. Somente no Egito, segundo o relatório do ICG (International Crisis group), 9 mil manifestantes ficaram feridos e, pelo menos, 800 pessoas foram mortas. Na Tunísia o número de feridos divulgado pelo jornal Le Monde (5/2/2011 – p. 7) foi de mais de mil e a ONU contabilizou em torno de 300 mortos. Na Líbia, contudo, conforme números do próprio governo, 60 mil pessoas foram feridas, 4 mil estão desaparecidas e o número de mortos foi contabilizado entre 25 e 30 mil.

Um fator decisivo para tamanha diferença no número de mortos e feridos talvez tenha sido o envolvimento da OTAN no conflito na Líbia. Ou será que isso vai ser ignorado a fim de evitar um grave problema político? Não é por nada, mas o único conflito da longa primavera árabe em que a OTAN participou teve um percentual de mortos relativo à população aproximadamente 460 vezes maior do que no Egito e 180 vezes maior do que na Tunísia. Um número, sem dúvida, alarmante!

Por este e outros motivos, eu defendo que o evento na Líbia pode, sob uma determinada perspectiva, ser melhor comparado, por exemplo, com a morte brutal de Mussolini, de Saddam Hussein e até de bin Laden, mas não com os levantes democráticos árabes. Isso porque o que pareceu realmente importar não foi a justiça e a democracia, mas a exposição de corpos ensanguentados, maltratados e deformados pela sede de vingança como num julgamento medieval.

Tal tendência ao espetáculo me preocupa muito quando se pretende que ela esteja na base da democracia. Como pode o ódio, a ira, o assassinato brutal e a exposição do corpo como troféu combater a tirania e o terrorismo? Feliz ou infelizmente a democracia envolve muito mais do que a simples deposição de um tirano. Ela envolve maturidade política suficiente para se querer submetê-lo ao Tribunal. Mas, por querermos vingança é que a história não julgará Gaddafi, e o seu regime ficará conhecido como resultado de uma ação pessoal que se acabou assim que seu agente morreu a olhos vistos.

Melina Duarte é doutoranda em Filosofia Política na Universide de Tromsø, Noruega
melinaduarte@yahoo.com/www.melinaduarte.blogspot.com

E quem é a Favor da Corrupção? – política é bom e eu gosto!

Por Pedro Abramovay
Fonte: Observador Político - 19/10/2011
 
Demorei pra conseguir escrever algo sobre essas manifestações que têm ocorrido no Brasil contra a corrupção. A demora se deve, sobretudo, a um sentimento ambíguo que tenho sobre esta movimentação.

É claro que todo movimento de rua me parece interessante. Revela a vibração democrática do país e, sempre, contribui para o fortalecimento do debate público. Democracia sem atos públicos é chata e, em geral, é uma farsa.

Mas no caso destas manifestações há um outro aspecto positivo. Elas se encaixam em uma nova série de atos gestados a partir das redes sociais. São manifestações que nunca ocorreriam se não houvesse essa esfera de comunicação na qual pessoas que nunca se conheceriam se encontram e descobrem interesses comuns.

Manifestações, até muito recentemente, só aconteciam quando organizadas por partidos, sindicatos ou associações. Ora, há temas que não interessam a esses grupos. O caso da marcha da maconha, para mim, é um ótimo exemplo. Apesar de alguns setores das esquerdas defenderem a descriminalização da droga, pela polêmica que a questão envolve, não interessa a um partido levantar esta bandeira. A comunicação por meio de redes sociais, sem a mediação de instituições tradicionais, permitiu que milhares de pessoas se mobilizassem sobre o tema no Brasil.

Mas há duas questões nas marchas contra a corrupção que me incomodam. A primeira é que uma manifestação, para ser relevante. precisa tratar de um tema polêmico. A energia da mobilização política deve servir para mobilizar em torno de um tema sobre o qual não há consenso. Uma manifestação que defenda temas sobre os quais ninguém é contra publicamente me parece um desperdício de tempo. E ninguém é a favor da corrupção.

Por isso fiquei feliz quando vi que haviam algumas bandeira concretas (mas me pergunto, sinceramente, se aquelas pessoas de fato estavam lá em torno destas bandeiras). No geral, bandeiras positivas. Apoio à implementação da Ficha Limpa, contra o esvaziamento do CNJ e a favor do fim do voto secreto no Congresso (para mim a melhor de todas as reivindicações). Mesmo sendo medidas interessantes, não são medidas que diminuiriam sensivelmente a corrupção no Brasil. Ou seja, a marcha contra a corrupção não propõe nada que tenha a robustez de lidar de forma mais ampla com o problema, que é sério e complexo.

Mas o que mais me incomodou neste movimento foi ouvir que, em alguns casos, se proibiu a presença de políticos (sobretudo parlamentares) e de pessoas com camisetas de partidos políticos. Acho isso muito grave. Por vários motivos.

Partidos políticos – e o parlamento – são instituições essenciais para a democracia . E a democracia é composta de instituições. A imprensa livre, o judiciário independente, o parlamento eleito em eleições diretas e universais e a liberdade partidária são imprescindíveis para qualquer democracia no mundo.

Vedar a presença de partidos e parlamentares em manifestações públicas (que não é o mesmo que não permitir que manifestações sejam cooptadas pelos partidos) é tão grave quanto impedir que a imprensa cubra determinado evento público.

Não sei se há por trás das manifestações o desejo de acabar com o Congresso ou com os partidos. O mundo já viu – e ainda vê- estruturas institucionais sem liberdade de atuação dos partidos e sem parlamentos. Não são exatamente exemplos de sociedades democráticas. Se as propostas forem estas é importante que fiquem claras, porque aí serei o primeiro a me opor.

Mas não parecem que sejam estas as propostas. Ao contrário, as reivindicações falam de leis que já foram (ficha limpa) ou que devem ser (voto aberto) aprovadas pelo Congresso. Portanto há aí uma contradição. Está se dirigindo uma mensagem para instituições ao mesmo tempo em que elas são tratadas como inimigas. As manifestações devem comemorar que deputados queiram participar e devem ver neles aliados em suas mobilizações.

Tratar todos os políticos como ladrões é criminalizar a política. E sem política não há transformação real da sociedade. O “que se vayan todos” na Argentina, por exemplo, não gerou nenhum elemento concreto de fortalecimento da democracia. Assim, não me parece que esta seja uma atitude produtiva ou inovadora.

É fundamental que as pessoas percebam que a rede deu à sociedade civil a possibilidade de construir movimentos sem precisar dos partidos. Este é um elemento novo e que fortalece a democracia. Mas imaginar que é possível construir esses movimentos contra os partidos e, mais grave, contra o parlamento é desperdiçar o potencial de mobilização dessas marchas e um atentado contra a democracia.

*Pedro Abramovay é professor de Direito na FGV/RJ, formado pela USP e com mestrado pela UnB. Trabalhou no governo Lula de 2003 a 2010 tendo ocupado diversos postos entre eles o de Secretário Nacional de Justiça e Secretário de Assuntos Legislativos

fatos em foco

Com mais de dois anos de resistência, a ocupação e comunidade Dandara, em Belo Horizonte (MG), está novamente ameaçada de despejo por decisão judicial



Hamilton Octavio de Souza - Brasil de Fato

Revisão política
Convocado basicamente por políticos do PT e dirigentes da CUT, está marcado para o dia 5 de novembro, às 15 horas, na Câmara Municipal de São Paulo, o “Ato continental pela retirada imediata das tropas da ONU do Haiti”. Devem participar também dirigentes sindicais dos Estados Unidos, Canadá, Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e México. Vale lembrar que foi o governo do PT que enviou tropas brasileiras para o Haiti.

Destino presidencial
Em longa entrevista para o Jornal da Unicamp, o professor Ricardo Antunes faz o seguinte comentário sobre Lula: “Não é de assustar que seu cachê em palestras para transnacionais (aquelas mesmas que praticam a superexploração do trabalho) seja hoje três vezes mais caro que daquelas ofertadas por Fernando Henrique Cardoso, para triste surpresa deste e regozijo do outro.” Triste trajetória comum!

Encontro marcante
Acontece nos dias 28 e 29 de outubro, no Centro de Eventos Caipirão, em Embu das Artes, na Grande São Paulo, o 8º Encontro Nacional de Fé e Política, que deve reunir perto de cinco mil participantes. O encontro debaterá 17 temas, entre os quais agroecologia versus agronegócio, produção e consumo sustentável, modelos alternativos de desenvolvimento e conflito capital versus trabalho. A luta continua!

Declínio econômico
A desaceleração da economia brasileira reflete diretamente na abertura de postos de trabalho: de acordo com dados divulgados pelo IPEA, o total de empregos formais gerados de janeiro a agosto deste ano foi 18,3% menor do que o total do mesmo período de 2010. Em 2011 foram registrados 190,4 mil novos empregos contra 299,4 mil do ano passado. Para a Fundação Seade, a taxa média de desemprego na Grande São Paulo é de 11%.

Pura propaganda
Entidades e movimentos sociais de defesa do rio São Francisco contestaram publicamente, no dia 8 de outubro, os dados divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente sobre as ações de revitalização da bacia do rio São Francisco. Para eles, o material tem conteúdo publicitário, não expressa a realidade sobre a degradação do rio e a contínua diminuição do volume de água – devido aos grandes projetos de irrigação do agronegócio.

Monopolização
A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos acaba de publicar um excelente relatório sobre a fusão Cosan-Shell, o monocultivo da cana-de-açúcar e o processo de monopolização do etanol no Brasil. A Raízen, nascida dessa fusão, está entre as cinco maiores empresas do Brasil. O relatório (http://www.social.org.br/revistacosanshel.pdf) aponta os danos que o modelo concentrador causa ao meio ambiente e aos trabalhadores.

Reacionarismo
Assim como a Rede Globo manipula o noticiário nos períodos eleitorais e a Rede Record apoia a truculência militar dos morros cariocas, a Rede Bandeirantes gosta de criminalizar os movimentos sociais do campo, como fez nas últimas semanas no Rio Grande do Sul. O exemplo dado pelos principais canais de TV no país é sempre de preconceito e discriminação – nunca de respeito à democracia e aos direitos da cidadania. A revisão das concessões é urgente!

Resistência Dandara
Com mais de dois anos de resistência, a ocupação e comunidade Dandara, em Belo Horizonte (MG), está novamente ameaçada de despejo por decisão judicial. Moram na ocupação, em terreno que estava abandonado e sem função social, mais de mil famílias – a maioria de trabalhadores de baixa renda e que não têm condições de pagar aluguel. Lutam para que a prefeitura desaproprie a área para fins demoradia. Nada mais justo!

Cristina enfrenta e derrota a mídia

Por Altamiro Borges

Pesquisa de boca de urna divulgada na noite deste domingo (23) indica que a presidenta Cristina Kirchner deverá ser reeleita na Argentina com 57% dos votos. Hermes Binner, governador da província de Santa Fé, também apoiado por setores de esquerda, aparece em segundo lugar, com 15% dos sufrágios. Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raúl Alfonsín, surge em terceiro, com 9% dos votos.

Confirmados estes números, Cristina será a presidente mais bem votada desde a redemocratização do país, em 1983. Para Martín Granovsky, do jornal Página 12, o resultado é histórico. Ele lembra que Néstor Kirchner obteve 22% dos votos em 2003. Só não houve segundo turno porque o neoliberal Carlos Menem, amado pela mídia e amigo do FHC, fugiu da disputa temendo a derrota.

“Modelo de inclusão e reforma”

Ainda segundo Granovsky, a vitória de Cristina confirma o apoio da sociedade à política aplicada pelo chamado kirchnerismo nos últimos anos. Com suas contradições e limites, ela teria uma marca anti-neoliberal – expressa no tratamento soberano da dívida externa, na aposta no desenvolvimento baseado na demanda popular e no esforço pela integração latino-americana.

“Se as pesquisas estiverem certas, os resultados eleitorais mostrarão um mapa político assombroso. Os votos somados de Cristina e de Binner representarão de 70 a 75% dos votantes. A direita não encontrou expressão partidária... Sonha com o fim da onda de centro-esquerda para as eleições de 2015. É uma eternidade: nesta data terão se completado 12 anos seguidos de governos baseados no modelo sul-americano de inclusão e reforma”, conclui Granovsky.

Sabotagem e tentativas de desestabilização

A vitória de Cristina Kirchner também deveria servir de lição ao Brasil. Ela representa uma dura derrota da mídia monopolizada e manipuladora, que ergueu seu império durante a ditadura militar argentina. Os meios de comunicação, em especial o poderoso Grupo Clarín, fizeram de tudo para desestabilizar e derrubar o governo de Cristina, rotulado de “populista e esquerdista”.

A mídia golpista chegou a insuflar um locaute dos barões do agronegócio, que paralisou e desabasteceu o país. Durante todo o seu governo, a imprensa produziu factóides, travestindo-se de “ética”, para desgastar a presidenta. Ela nunca reconheceu os avanços políticos, econômicos e sociais do governo. Filhote da ditadura, a mídia nunca abandonou o receituário neoliberal.

Coragem e “Ley de Medios”

Mas Cristina Kirchner não se dobrou à pressão da imprensa golpista. Nunca ficou de “namoricos” com os donos da mídia. O seu governo submeteu ao debate na sociedade uma nova lei sobre comunicação, a famosa Ley de Medios. O novo marco regulatório, aprovado em outubro de 2009, determina o fim do monopólio na rádio e TV e incentiva a pluralidade e diversidade informativos.

No sábado, véspera da ida às urnas de 29 milhões de argentinos, o jornal Clarín reconheceu a dura derrota da sua linha editorial golpista, lamentando o que chamou de “oficialismo hegemônico”. Cristina governará o país por mais quatro anos – de 2012 a 2015. Ela já prometeu manter-se firme na linha do desenvolvimento do país, com mais inclusão social. Também explicitou que não recuará no seu projeto de ampliação da democracia, o que deverá gerar novos confrontos com a ditadura midiática.

Uma Argentina sem surpresas – e sem oposição

A oposição feroz dos grandes conglomerados dos meios de comunicação, a resistência desrespeitosa dos grandes magnatas do campo, as chantagens dos grandes barões da indústria, a virulenta má vontade das classes mais favorecidas, tudo isso somado não foi capaz de abalar o prestígio da presidente Cristina Fernández de Kirchner. Ela conquistou apoio de amplas faixas do eleitorado mais jovem, abriu espaço junto aos profissionais liberais, recebeu o voto massivo dos pobres. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Não houve nenhuma surpresa, e a grande curiosidade, até tarde da noite do domingo, 23 de outubro, era saber qual a porcentagem de votos que daria a Cristina Fernández de Kirchner uma das mais estrondosas vitórias da história da Argentina. Havia, é verdade, outra curiosidade: quanto por cento do eleitorado faria a glória do médico Hermes Binner, que até maio ou junho mal roçava a casa dos 3% nas pesquisas e se consolidou como segundo mais votado, deixando para trás, desnorteadas, as figuras um tanto anêmicas de Ricardo Alfonsín, da União Cívica Radical, e Eduardo Duhalde, da dissidência direitista do peronismo?

As primeiras projeções davam a ela 53% dos votos. É mais do que o falecido presidente Raúl Alfonsín teve em 1983, nas primeiras eleições da Argentina depois de sete anos da mais bárbara de suas muitas ditaduras militares (51,7%). Mais do que o dentista Hector Cámpora, designado por Perón, teve em março de 1973, pondo fim a outra ditadura militar (49,53%). É quase a mesma coisa que Juan Domingo Perón teve em 1946 (56%), dando início a uma mudança radical na Argentina e criando um movimento político que esteve presente, de uma forma ou de outra, em tudo que aconteceu no país até hoje. Perde longe, é verdade, para a vitória do mesmo Perón em setembro de 1973, quando levou 60% dos votos e massacrou o líder da União Cívica Radical, Ricardo Balbín, que mal e mal chegou a 24%. Conseguiu, porém, a mesma e impactante diferença (36 pontos) sobre o segundo colocado.

Passado o vendaval, o que será da oposição tradicional, que, nocauteada pelas urnas, sai do embate completamente sem rumo?

Tanto Ricardo Alfonsín como os dissidentes da direita peronista, o ex-presidente Eduardo Duhalde e Alberto Rodríguez Saá, enterraram definitivamente suas pálidas lideranças. Nenhum deles foi, em momento algum, alternativa viável à permanência de Cristina Kirchner na Casa Rosada. A grande figura da direita argentina, o atual intendente da cidade de Buenos Aires, Maurício Macri, preferiu não correr riscos. Ladino, não deu apoio ostensivo a nenhum dos candidatos da direita: deixou que naufragassem estrepitosamente na mais gelada solidão. Está de olho nas eleições presidenciais de 2015. Até lá, o kirchnerismo tratará de construir um novo herdeiro. Se mantiver o rumo trilhado até agora, não parece tão difícil assim.

O fato de Cristina Kirchner e Hermes Binner terem somado 70% dos votos argentinos é um sinal bastante claro da consolidação da centro-esquerda no cenário sul-americano. Uma espécie de rotunda e rigorosa pá de cal nos tempos do neoliberalismo desenfreado que levou a Argentina ao precipício e quase afundou de vez outros países do continente. A coincidência de governos de esquerda e centro-esquerda no Uruguai, no Peru, na Argentina, no Paraguai e no Brasil, somada aos governos de uma esquerda mais dura no Equador, na Bolívia e na Venezuela, isola ainda mais os remanescentes da direita, encastelados na Colômbia e no Chile.

Em tempos de feia crise global, não deixa de ser um alento saber que há uma vereda compartilhada por estas comarcas com tantos séculos de sacrifício nas costas. O avassalador triunfo de Cristina Kirchner reafirma essa tendência. Pela primeira vez em sabe-se lá quanto tempo, há uma nítida maioria da esquerda e da centro-esquerda governando os países sul-americanos.

Para quem, enfim, ainda se pergunta pelas razões da vitória de Cristina Kirchner, um pouco de números talvez ajude a encontrar a resposta. Para começo de conversa, a economia cresce ao ritmo de mais de 6% ao ano. O desemprego é baixo, a maior parte dos trabalhadores chegou a acordos que asseguraram ganhos salariais reais, os programas sociais do governo atendem a milhares de famílias. Um dos muitos subsídios atende a três milhões e meio de menores de 18 anos de idade, com a única condição de que freqüentem a escola e façam as vacinações obrigatórias. Em quatro anos – entre 2007 e 2010 – a pobreza baixou de 26% a 21,5% da população.

A oposição feroz dos grandes conglomerados dos meios de comunicação, a resistência desrespeitosa dos grandes magnatas do campo, as chantagens dos grandes barões da indústria, a virulenta má vontade das classes mais favorecidas, tudo isso somado não foi capaz de abalar o prestígio da presidente. Ela conquistou apoio de amplas faixas do eleitorado mais jovem, abriu espaço junto aos profissionais liberais, recebeu o voto massivo dos pobres.

É com essa força que agora se lança a um segundo mandato que certamente enfrentará mais dificuldades que o primeiro. A crise global não cede terreno, as economias periféricas correm risco de contaminação, ajustes duros terão de ser feito na política econômica do país. O amparo para esses novos tempos é uma formidável avalanche de votos. Essa a força que a moverá.

O petróleo e o sangue

As mentiras continuam. Muhamad Jibril, primeiro ministro interino, mentiu descaradamente, ao afirmar que Kadafi fora morto em “fogo cruzado” dos rebeldes com tropas leais ao dirigente líbio. As imagens, divulgadas no mundo inteiro, mostram Kadafi ainda vivo, caminhando, levantando o braço, até ser derrubado a socos e pontapés, para ser, finalmente, assassinado.

Ao que parece, a Terra cobra, em sangue, o petróleo que é retirado de suas entranhas. Mas tem cobrado mal: não são os que os que consomem o óleo alucinadamente os que pagam a dívida para com o planeta, mas sim os que tiveram a maldição de o ter em abundância, como os paises árabes e muçulmanos. Todas as teorias – a defesa dos direitos humanos, da democracia, da civilização ocidental, e, até mesmo, do cristianismo – são ociosas para explicar a sangueira dos tempos modernos. No caso do Oriente Médio, a cobiça pelo petróleo, desde o início do século passado, tem sido a causa de todos os males.

As imagens divulgadas ontem, da prisão, da tortura e da morte do coronel Kadafi são semelhantes às da prisão, da farsa do julgamento, e da execução de Saddam Hussein. Da execução de Osama bin Laden ainda não conhecemos todas as imagens, mas é provável que um dia sejam divulgadas.

A biografia desses três homens é semelhante. Todos eles tiveram, em um tempo ou outro, as melhores relações com os países ocidentais, democráticos e cristãos. Em livro que será publicado nos próximos dias, a Sra. Condoleeza Rice confessou um certo fascínio por Kadafi, que a ela se referia como “minha princesa africana”. Hillary Clinton reagiu com interjeição de alegre surpresa, ao ver as imagens do trucidamento do coronel. Terça-feira, em Trípoli, ela disse claramente que Kadafi devia ser preso ou morto, imediatamente.

Osama bin Laden, como é sabido, foi sócio de Bush pai em negócios de petróleo. No Afeganistão se uniu à CIA e ao Pentágono, no trabalho político junto aos combatentes anti-soviéticos. Essas ligações devem ter influído no ódio de pai e filho ao combatente muçulmano.

O caso de Saddam é ainda mais significativo. O Iraque não podia ser considerado um país obscurantista. Ainda que não fosse democrático – e, segundo os indignados norte-americanos, tampouco há democracia nos Estados Unidos – era um regime tolerante, que dava relativa liberdade às mulheres, autorizadas a freqüentar as universidades e a usar trajes ocidentais, e não exercia perseguição aos não islamitas, tanto assim que o segundo homem do governo, Tariq Aziz, era cristão católico do rito caldeu.

Nessa cruzada disfarçada de conflito de civilizações, as mentiras foram as mais importantes armas dos Estados Unidos. Suspeita-se que todas elas decorram de uma mentira ainda maior: a de que o ataque às Torres Gêmeas de Nova Iorque tenha sido uma operação determinada por bin Laden. Que Saddam Hussein nada tinha a ver com isso, é hoje fora de dúvida.

Para justificar a invasão ao Iraque, os Estados Unidos apresentaram “provas” forjadas, como fotografias de caminhões e de galpões, como sendo de instalações nucleares. Afirmaram ao mundo, por Collin Powell e outros, que Saddam, além de desenvolver seu arsenal atômico, dispunha de outras armas de destruição em massa, como produtos químicos letais. O embaixador brasileiro José Maurício Bustani, então diretor da Organização das Nações Unidas para a Proibição de Armas Químicas, e conhecia a realidade iraquiana, sabia que se tratava de uma mentira, e tentava obter a adesão de Saddam ao tratado internacional contra as armas químicas – o que desmentiria as acusações americanas - foi destituído de seu cargo pelas pressões do governo Bush. Hoje, é o embaixador do Brasil em Paris.

A terceira peça do tabuleiro, a ser eliminada, foi o governante líbio. Ele fora declarado “limpo” pelos governos ocidentais, e privava da intimidade dos líderes norte-americanos e europeus. Caiu na esparrela de acreditar nisso, e enfrentou, ao mesmo tempo, os que o consideravam um renegado e os sedentos de seu petróleo e, por isso mesmo, sedentos de sangue.

Esses três casos são uma forte advertência aos países árabes que têm sido vassalos fiéis de Washington. Os príncipes da Arábia Saudita que se cuidem. O Paquistão, ao que parece, já está com suas barbas no molho.

E as mentiras continuam. Muhamad Jibril, que é o primeiro ministro interino e terá que vencer facções que lhe são contrárias, mentiu descaradamente, ao afirmar que Kadafi fora morto em “fogo cruzado” dos rebeldes com as tropas leais ao dirigente líbio. As imagens, divulgadas no mundo inteiro, mostram Kadafi ainda vivo, caminhando, levantando o braço, até ser derrubado a socos e pontapés, para ser, finalmente, assassinado.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

Moedas sociais alternativas ao real circulam em 65 localidades do Brasil

Apesar de o Brasil ter uma única unidade monetária oficial, reconhecida facilmente pela figura da República estampada em uma das faces das cédulas, uma forma alternativa de pagamento está conquistando cada vez mais espaço...

Moedas sociais alternativas ao real circulam em 65 localidades do Brasil
Chapada Gaúcha (MG) — Está sem reais na carteira e quer pagar em pacas, veredas, potiguaras, rios, tupis ou sampaios? Se for adquirir um produto na farmácia de Wandrey Santos Porto, 38 anos, localizada na cidade de Chapada Gaúcha (MG), a 340 quilômetros de Brasília, pode escolher a vereda. Já no Parque Potira, bairro com cerca de 20 mil habitantes da cidade de Caucaia (CE), a opção é a potiguara.

Apesar de o Brasil ter uma única unidade monetária oficial, reconhecida facilmente pela figura da República estampada em uma das faces das cédulas, uma forma alternativa de pagamento está conquistando cada vez mais espaço em pequenos municípios e comunidades.

Espalhadas pelas cinco regiões do país, 65 moedas sociais circulam, atualmente, nas mãos de pelo menos 512 mil pessoas e movimentam o equivalente a R$ 49,5 milhões.

A ideia de apostar em um dinheiro alternativo surgiu no Brasil em 1998, com a fundação do Banco Palmas, que atende a comunidade do Conjunto Palmeira, com 32 mil habitantes, na capital Fortaleza (CE).

O projeto cresceu e, hoje, os 65 bancos comunitários brasileiros funcionam como casas de câmbio e empregam diretamente quase 200 pessoas. Os comerciantes e os moradores trocam o real pelo papel local, que pode ser usado para pagar por bens e serviços — na prática, uma sofisticação do escambo.

Todas as moedas sociais são lastreadas em reais e paritárias à oficial. Ou seja, para cada unidade regional que sai das instituições, um real volta para o caixa. O total dessas cédulas nas carteiras dos brasileiros equivale a R$ 550 mil.

João Joaquim de Melo Neto, criador do Banco Palmas e coordenador da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, explica que essas unidades são abertas, geralmente, em regiões carentes e com dificuldade de acesso a serviços financeiros.

Como a moeda só é aceita pelos comerciantes do bairro, o dinheiro ganho pelos moradores circula e produz riquezas diretamente na comunidade. “Em locais mais pobres e com o comércio pouco desenvolvido, as pessoas ganham o seu salário e vão gastar em outras cidades.

Com a moeda social, o dinheiro fica ali. O segredo foi criar um instrumento para as pessoas produzirem e consumirem localmente”, afirma Neto.

No município Chapada Gaúcha, no interior de Minas Gerais, a maioria das ruas é de terra batida e as residências não são atendidas pelo serviço de esgoto.

Para chegar à cidade, ainda é preciso percorrer 30 quilômetros sobre o barro, o que inviabiliza a passagem dos carros nos dias de chuva e prejudica a economia, baseada na agricultura — principalmente na produção de sementes de capim.

Para tentar desenvolver o comércio local, os moradores se organizaram e criaram, em 2009, o Banco Comunitário Chapadense, o primeiro do estado. Lá, há 6 mil veredas em circulação.

Vantagens

Na tentativa de alavancar a iniciativa, o empresário Wandrey Porto oferece descontos que variam de 5% a 10% para quem comprar medicamentos ou cosméticos com as veredas.

Ele calcula que um terço das vendas é feito por meio da moeda. Mas reconhece que ainda há barreiras a serem superadas. “Desde o início (do vereda), os negócios melhoraram. Mas muitos ainda não entendem a importância de usar a moeda. Falta divulgação”, avalia.

Dono de uma loja de materiais de construção na cidade, Gilimar João Orsolin, 44 anos, também é um entusiasta do projeto. Ele revela, no entanto, que houve uma queda no uso das veredas depois de terem surgido notas falsificadas.

Apesar de serem acompanhadas pelo Ministério do Trabalho, não há controle estatal sobre a circulação do dinheiro. “Outro problema é que muitos clientes não aceitam, pois o papel é frágil e estraga rápido”, diz.

A resistência não ocorre apenas por parte dos moradores. Devido à qualidade do papel, o empresário Elzito Gonçalves de Oliveira, 38 anos, não recebe veredas na padaria e no mercado que mantém na cidade.

“A ideia é muito boa. Mas chegamos a um ponto em que as pessoas não aceitavam mais o troco. Além disso, o banco comunitário ficou um tempo fechado e não aceitou o pagamento dos boletos.

Decidi suspender”, diz. Rosemeire Magalhães Gobira, gestora do Banco Comunitário Chapadense, diz que só recebeu uma denúncia de nota falsificada, que teria sido cortada de um cartaz divulgado pelo próprio banco, de forma grosseira.

Mas admite que o problema está relacionado ao papel. “No início, chegamos a fazer uma reimpressão das notas. Mesmo assim, elas não aguentam muito”, pondera.

No Conjunto Palmeira, em Fortaleza (CE), onde a circulação da moeda social equivale a R$ 46 mil, a proposta deu certo. Desde 1998, a estimativa é de que a renda da população tenha aumentado em 300%.

O comércio da comunidade criou, nesse período, 2,2 mil postos de trabalho. Até julho deste ano, foram realizados empréstimos no total de R$ 1,7 milhão para 5,7 mil famílias investirem em seus negócios.

CDDs

Desde a sua criação, em 15 de setembro, o Banco Comunitário da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, colocou 8 mil CDDs — nome dado à nova moeda — nas mãos dos moradores e empresários. Ao todo, 160 comerciantes já aceitam o novo papel, o equivalente a 20% do total. “

A estimativa é de que o volume de negócios feitos com a moeda já tenha chegado a R$ 67 mil reais. São números significativos. Mas ainda estamos cautelosos, pois o banco está em fase de consolidação”, observa Vinícius de Assumpção, subsecretário de Desenvolvimento Econômico Solidário do Rio de Janeiro.

Fonte: Correio Braziliense