terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A falta de vergonha que ainda impera

Por Genaldo de Melo


Vamos parar um pouco de ser tão liberal demais! Sou contra a liberalização da maconha, e tenho os motivos da experiência do que vi de outros da minha geração dos anos oitenta, que consumiam essa verdadeira peste que consome mentes e corações.


Sou contra a maconha, porque sou, e acabou a história, e pronto! Quem quiser discordar de mim, que discorde porque esse é o princípio da democracia. E democracia é assim mesmo, é reconhecer as qualidades dos inconvenientes. Quem quiser fumar a maconha velha podre, que fume, mas me deixe o direito de ser contra a preguiça, a falta de memória, bem como o pecado safado da gulodice dos maconheiros.


Se o ex-presidente, com sua boca de envelope amassado quer defender a liberação das drogas que faça, mas respeite os cidadãos que são contra a drogadição. Fico extremamente estarrecido ver um sociólogo reconhecido como é o caso dele, depois de velho assumir o discurso da maldade que corrompe nossa juventude.


Parece que o homem ficou doido depois que sua mulher morreu. A gente ver que grande parte dos males sociais é oriunda dessa doença social. Por isso que não concordo com o discurso dele, bem como vou aproveitar em todos os momentos que puder e em todos os espaços de mídia que eu tiver para combater essa atitude, porque tenho filhos para cuidar e defender.


Com tanta gente pensando estratégias para combater os problemas sociais, especialmente a drogadição que tanta violência tem causado para o mundo moderno, ainda aparecem esses loucos esclerosados dizendo em alto e bom som que se deve liberar a maconha. Pelo amor de Deus tenha paciência e respeite a gente, que somos cidadãos de bem e cumprimos nosso papel na sociedade!


Prefiro ser careta, mas sadio!

Os cem anos de Mariguella, revolucionário e poeta

Editorial do Vermelho


“É preciso não ter medo,/ é preciso ter a coragem de dizer./ O homem deve ser livre...” – estes versos do poema Rondó da Liberdade exprimem com perfeição a personalidade heroica e destemida de seu autor, o revolucionário comunista Carlos Marighella, cujo centenário é comemorado hoje, 5 de dezembro.


Carlos Marighella deixou uma marca indelével na luta do povo brasileiro ao longo do século 20. Teórico marxista, militante da luta popular, dirigente partidário, deputado Constituinte em 1946, ele foi também um poeta notável que, nos bancos escolares, costumava escrever suas provas em versos.


Filiado ao Partido Comunista do Brasil desde 1934, conheceu as prisões (saiu da cadeia em 1945, anistiado no final do Estado Novo) e ganhou o ódio da direita e dos conservadores. Fez parte da geração que, na década de 1930, resistiu ao desmantelamento do Partido Comunista pela polícia política; em 1945 juntou-se aos que reorganizaram o Partido, tornando-se um de seus quadros mais destacados. Na Assembleia Nacional Constituinte notabilizou-se pela defesa intransigente e radical da democracia, contra a obstinada resistência oligárquica que pretendia um estado de direito apenas formal e de escassa participação popular.


Nos debates comunistas de meados da década de 1950, foi sensível aos argumentos da ala revolucionária que resistia ao revisionismo que tomou de assalto a direção do Partido. Mas não aderiu à reorganização de 1962, permanecendo no velho PCB mais alguns anos, até divergir em 1966, descontente com a moderação ante a ditadura militar; foi expulso em 1967 e, no ano seguinte, organizou a principal organização da resistência armada urbana contra a ditadura, a Ação Libertadora Nacional (ALN), da qual foi teórico e dirigente.


A ditadura o considerou, naqueles anos, seu inimigo nº 1, e caçou-o até a emboscada montada na capital paulista pelo facínora símbolo da tortura e da repressão, Sérgio Fleury, sendo assassinado sem chance de defesa em 4 de novembro de 1969. “O assassinato deste conhecido revolucionário é mais uma ação vergonhosa e covarde que se acrescenta à onda de inomináveis violências que a ditadura militar vem cometendo. A história do Brasil registra poucos crimes políticos tão infames, tão friamente planejados” como este, indignou-se a nota em que o Partido Comunista do Brasil condenou aquele crime, publicada no jornal comunista A Classe Operária.


Carlos Marighella é um dos heróis do povo, e a recuperação oficial de sua memória teve início em 1996, quando o governo federal reconheceu a responsabilidade do Estado por seu assassinato. E avança agora quando, na 53ª Caravana da Anistia, em Salvador (BA), sua cidade natal, ele será oficialmente anistiado e o Estado brasileiro, pela voz dos representantes da Comissão da Anistia, pedirá perdão pelo crime cometido em 4 de novembro de 1969.


A anistia a Carlos Marighella, o pedido de perdão por seu assassinato e a inauguração do memorial Marighella Vive, são importantes passos das autoridades brasileiras para a reconciliação da nação com sua memória de luta e resistência democrática, nacional e anti-imperialista. É o sentido da luta pela revelação das atrocidades cometidas durante a ditadura militar de 1964 simbolizada na aprovação da Comissão da Verdade – os brasileiros tem o direito de saber quão covarde foi a repressão e perseguição policial aos democratas e comunistas, de honrar o heroísmo da resistência, e de cultuar aqueles que tombaram ante a ferocidade do arbítrio.


O revolucionário Carlos Marighella anotou seus sonhos de liberdade na forma de versos. E transformou sua própria vida em defesa dos trabalhadores, da democracia e da nação, em um poema épico que os brasileiros precisam conhecer e difundir.
Caso se mantivesse a política salarial do presidente João Goulart – deposto pelo grande capital internacional e seus aliados – o salário mínimo atual seria de R$ 2. 800

Alipio Freire - Brasil de Fato

“MEMÓRIA/ SEM PRESENTE ou futuro/ é nostalgia.// Ou narcisismo”.


Para que levemos essa constatação em frente, é fundamental que, tendo em vista os trabalhos da Comissão da Verdade, nos organizemos todos para esclarecer os trabalhadores e povo (povo=os explorados e oprimidos) – sobretudo os mais jovens, a respeito do golpe civil-militar de 1964; seus sujeitos políticos; a real ‘natureza’ de classe do programa e dos projetos dos golpistas; o sentido das violências desencadeadas contra os trabalhadores e o povo, enquanto ponto programático dos golpistas; e todas as formas e propostas de resistência e/ou revolução que se levantaram contra o regime instaurado. Algumas dessas questões estão respondidas em cartilha do Núcleo de Preservação da Memória Política (www.nucleomemoria.org.br), ainda que muito mais necessite ser tratado.


Sobretudo, é fundamental que se esclareça como o programa levado a cabo pelos golpistas continua presente, ainda hoje, no nosso dia a dia. Sobre esta última questão, é necessário esclarecermos alguns pontos, dos quais citamos apenas três dos mais óbvios e simples:


1. Caso se mantivesse a política salarial do presidente João Goulart – deposto pelo grande capital internacional e seus aliados – o salário mínimo atual seria de R$ 2. 800.

2. Se o programa das Reformas de Base, defendido pelo presidente Goulart e pelas forças populares e de esquerda houvesse sido aplicado, a Educação não teria sido privatizada. Ao invés disto, teríamos ensino público, universal, gratuito e de boa qualidade em todos os níveis.


3. Teria sido feita uma reforma agrária nas terras às margens das rodovias, ferrovias e açudes.
Somente assim, acreditamos, começaremos a desconstruir as versões oficiais da nossa História recente; a transformar a questão da Verdade numa campanha massiva e, consequentemente, a questão da necessidade de Justiça numa reivindicação da grande maioria da nossa classe trabalhadora, do nosso povo, e das suas organizações e movimentos.

A Alemnha e o capitalismo num só país...

A aposta alemã hoje é a de um curioso “capitalismo pleno num só país”, uma picante paródia do socialismo num só país praticado antes pela finada União Soviética. O socialismo soviético num só país redundou em rotundo fracasso. Vamos ver o que acontece com o capitalismo num só país do esforço alemão.


Flávio Aguiar - Carta Maior


Enquanto escrevo essas notas, a chanceler Ângela Merkel está reunida com o presidente francês Nicolas Sarkozy para definir uma postura comum diante da próxima cúpula da União Européia, a se realizar na próxima sexta-feira.


Ultimamente a mídia criou um ser fantástico, chamado “Merkozy”. Isso definiria a atuação da dupla. Ledo engano. Nessa reunião há mais de desacerto do que de concertação, mais arestas do que encaixes, mais cacofonia do que rima.


Sarkozy está mais pressionado do que Merkel: tem eleições no ano que vem, enquanto Merkel só em 2013. O sistema bancário francês está mais frágil do que o alemão. Mas Merkel também não está navegando em mar de almiranta: um de seus parceiros na coligação que governa desde Berlim, o liberal FDP, está muito mal. Está na UTI, com uma queda de intenções de voto assustadora. Mas tem a seu favor pesquisas recentes que dizem que a maioria do eleitorado, se está insatisfeita com o governo, permanece contente com o comportamento pessoal da chanceler.


É provável que isso se deva ao fato de que Merkel prega constantemente as virtudes teologais do capitalismo protestante e alemão: fortaleza na semeadura, fé na colheita, temperança no usufruto, prudência no re-investimento. Ah sim, e em relação aos outros um mix de caridade e justiça: recompensas, mas se seguirem o apostolado do capitalismo germânico, ou seja, disciplina para o mundo.


O problema é que essa composição de virtudes traz uma solução imediata para os problemas. Arrocha-se o mundo alheio, ao redor, para garantir a estabilidade do próprio. A Alemanha precisa do arrocho nos investimentos públicos de seus vizinhos e parceiros (tanto da Zona do Euro como da União Européia: uma coisa não sobrevive sem a outra). Sem isso, a aliança interna de Merkel periclita. Somente um estado de inanição falimentar dos vizinhos garante que a Alemanha continuará a ser a ilha próspera num oceano de pobreza financeira. Enquanto os seus vizinhos permanecerem submetidos a juros altíssimos para renovar seus empréstimos, a Alemanha e seu sistema bancário continuarão atraentes para os investimentos da banca internacional.


Ademais, a Alemanha depende da manutenção do euro como moeda da maioria dos países da U. E. (17 em 27). Se houvesse uma debandada do euro, diz-se ad nauseam, o efeito imediato seria uma desvalorização das moedas alternativas (sejam o dracma, a lira, ou outras), o aumento ad absurdum das dívidas nacionais, e, em conseqüência, uma moratória (ou default, como hoje se diz) generalizada. Resultado: o sistema bancário alemão iria à falência, salvo se o poder público nacionalizasse as dívidas – o que encheria de ressentimento o espaço político alemão, com conseqüências funestas para a coligação no poder.


A longo prazo, as moedas alternativas barateariam as exportações alheias e encareceriam as suas importações. Caso a Alemanha se mantivesse dentro de um euro seletivo, só com os países do “norte disciplinado”, ou se re-adotasse o marco, a sua moeda ficaria supervalorizada em relação às demais, com efeitos catastróficos para suas exportações, além de facilitar as importações. Caso as exportações alemãs caiam, a Alemanha cai por inteiro. Em suma, um desastre, em todos os sentidos.


Por isso a aposta alemã hoje é a de um curioso “capitalismo pleno num só país”, uma picante paródia do socialismo num só país praticado antes pela finada União Soviética. No caso da URSS, o “socialismo num só país” não implicava a dissolução do comunismo nos países sob sua órbita – mas sim uma aplicação mitigada das suas regras que não permitisse seu afastamento da estrela (vermelha) central. Nada, por exemplo, de “autodeterminação dos povos” para os países da órbita vermelha. Quanto aos outros, que fizessem revoluções e conciliações burguesas, que não pusessem em perigo o equilíbrio da guerra fria, até que a URSS pudesse vence-la, e assim impor seu centralismo em escala mundial.


No caso da Alemanha, estamos diante de um projeto mais modesto, mas de estrutura semelhante. Para os países da pretendida órbita alemã, aplica-se o arrocho recessivo, que vai desde o esmagamento de pensões, aposentadorias, investimentos públicos, políticas sociais, salários, taxa de emprego, até a restrição absoluta ao crédito que, como se sabe, é a alma da prosperidade e do crescimento capitalista. Isso inclui, em parte, até a aliada/concorrente França, e a concorrente/aliada Inglaterra que, com os frangalhos de Império e com a soberania monetária, que ainda detém, poderia se tornar inconveniente na disputa pela hegemonia no Continente.


Por isso, os outros têm de ficar sob a batuta do trio Bruxelas/Frankfurt/Berlim, sedes, respectivamente, da Comissão Européia, do Banco Central Europeu e das virtudes teologais do capitalismo alemão. O socialismo soviético num só país redundou em rotundo fracasso. Vamos ver o que acontece com o capitalismo num só país do esforço alemão.

Diário de Marrocos (I): a chegada

Por Emir Sader, em seu Blog


18 horas depois de sair da minha casa no Rio, chego ao hotel de Rabat. 11 horas de vôo a Paris e outras 3 até a capital do Marrocos. O resto é trajeto até e desde os aeroportos, trâmites de viagens, conexão, etc.


(E dizer que nos anos 60 havia um vôo do Concorde que ligava Paris ao Rio em 4 horas. Mas não era rentável e foi cancelado. Exemplo claro de como as relações de produção capitalistas, baseadas no lucro e não no bem estar das pessoas, se choca com o desenvolvimento das forças produtivas, da capacidade tecnológica dos seres humanos. Meio século depois seguimos levando 11 horas para um trajeto que era possível fazer em praticamente 1/3 do tempo.)


A chegada já mostra que cruzar o Mediterraneo não é apenas levar 3 horas desde Paris ou 2 desde Madri ou menos de 1 hora desde Malaga. É sair de um dos centros do mundo globalizado para chegar à sua periferia globalizada.


Não ha ‘“fingers” (felizmente) no aeroporto, que costuma ser o corredor do não-lugar, que achata todos os lugares do mundo como se fossem partes do mesmo edifício, seja os aeroportos de Bruxelas, Maceió ou Cidade do México. Aqui se desce de escadas ao cima tropical e às pessoas de carne e osso que nos recebem. (Me recebem muito bem, acho que porque acham que Emir é um titulo.)


Apesar da fama das belezas do Marrocos – que há quem considere o país mais bonito do mundo – dá a impressão que não é lugar escolhido pelos europeus para férias ou para passeios, apesar também da proximidade. No aeroporto – simpaticamente ao estilo antigo, cheio de gente com caras familiares para nós – nada de turismo. No único guichê de informações, nenhum mapa do país ou da cidade, nenhum guichê turístico oferendo passeios pela cidade ou para Casablanca, ou Fez ou Marrakech. No máximo uma lista dos preços dos táxis para essas e outras cidades do país, de forma indiferenciada. E um guichê de aluguel de autos, das companhias conhecidas – Hertz, Avis – mas também sem mapas ou cartazes que busquem atrair para as belezas do país.


O Marrocos não é um dos epicentros da primavera árabe, mas não está alheio a ela. Assim que foram surpreendidos pelas manifestações e quedas de governos dos seus amigos no Egito e na Tunisia, vários monarcas da região – este incluído – tiveram um acesso de liberalismo – e prometeram o gesto audaz de passar de monarquias a monarquias constitucionais, tolerando alguns partidos de oposição. Aqui pelo menos isso impediu grandes manifestações populares contra o rei, insuficientes até aqui para derrubá-lo, mas que demonstram que o descongelamento dos regimes ditatoriais árabes é uma realidade.

Globo, FMI e a crise do capitalismo

Por Umberto Martins, no sítio Vermelho:


Durante visita ao Brasil na semana passada, a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, concedeu entrevista ao Globo News Painel, na qual, entre outras coisas, previu uma “década perdida” para a Europa, se os impasses na solução da crise perdurar, e procurou justificar os reiterados fracassos e equívocos da instituição que dirige nos diagnósticos, previsões e receitas para os países altamente endividados.


O programa foi conduzido pelo jornalista William Waack (um amigo canino dos EUA e anticomunista empedernido que parecia extasiado diante da francesa de feição aristocrática) e contou com uma seleta plateia de convidados. Entre esses, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que interpelou Lagard sobre a notória e recorrente incompetência do FMI nas previsões sobre o desempenho das economias, revelada agora na crise europeia.


Erramos sim


A francesa não se deu por vencida. Admitiu o erro (“nós, assim como muitos outros, falhamos em reconhecer a crise precocemente. Não vimos a crise que estava se formando”, afirmou) e procurou transformar a autocrítica em virtude absoluta que tudo justifica e perdoa, assegurando que a “beleza” do Fundo consiste precisamente nesta capacidade de reconhecer humildemente os desacertos. Também desafiou aqueles “que têm tendência a criticar” a apontar os equívocos e sugerir correções. Pode parecer convincente e até comovente, mas não é uma boa resposta.


Afinal, não é a primeira vez que a famigerada entidade, que se apresenta como multilateral embora represente exclusivamente os interesses das grandes potências capitalistas e do sistema financeiro, erra em suas previsões, diagnósticos e receitas. A história é prenhe de exemplos a este respeito.


Um passado que condena


Na crise da dívida que se abateu sobre o Brasil e outros países da América Latina e África nos anos 1980, provocada pela política monetária dos EUA (a alta espetacular dos juros realizada por Paul Vocker), o FMI entrou em campo com empréstimos para evitar solução de continuidade no pagamento dos juros e receitas para ajustar a economia aos interesses da banca: arrocho fiscal, maxidesvalorização, liberalização indiscriminada e privatizações.


O resultado é conhecido. A taxa de crescimento declinou da média de 7% ao ano verificada desde o pós guerra até o final dos anos 1970 para cerca de 2,5%, o que significou a estagnação da renda per capita, desemprego em alta e pelo menos duas décadas perdidas em matéria de desenvolvimento. Aqueles tempos bicudos (no plano econômico) foram temperados com hiperinflação, que também devemos aos remédios ministrados pelos gênios da instituição criada nos acordos de Breton Woods. Mas a dívida foi religiosamente paga e a banca saiu no lucro.


Os brasileiros não foram suas únicas vítimas. Na chamada crise asiática, que irrompeu no segundo semestre de 1997, “ficou claro que as políticas do FMI não apenas agravaram as quedas [dos PIBs] como também foram responsáveis, em parte, pelo ocorrido: uma liberalização de capital muito rápida provavelmente foi a causa mais importante da crise”, conforme notou o economista Joseph E. Stiglitz (ex-presidente do Banco Mundial) em seu livro “Os malefícios da globalização”. A reputação do órgão desceu bem abaixo de zero na região.


Rebeldia premiada


Tivemos também a tragédia da Argentina em 2001, com direito a rebeliões, queda de governos e bancarrota no momento em que o país, altamente endividado e sob o tacão de governos neoliberais, aplicava as amargas receitas do FMI destinadas, como sempre, a assegurar os gordos lucros dos credores. Nosso vizinho e parceiro do Mercosul só saiu da lama quando deu um pontapé no traseiro do Fundo e decretou soberanamente, para irritação e desespero da banca internacional, a moratória da dívida externa.


A rebeldia argentina foi premiada pela história, já que depois da moratória (apesar das ameaças imperialistas e das pragas rogadas pelos banqueiros, que cortaram o crédito internacional para o país) a Argentina voltou a crescer impetuosamente reduzindo substancialmente os índices de desemprego e pobreza. Nestor Kirchner, que morreu em 2010, é por lá considerado com razão um herói nacional por ter tido a coragem política e intelectual de peitar a o poderoso, muito embora decadente, sistema financeiro mundial.


O problema de fundo do FMI é sua completa subordinação aos interesses das potências capitalistas (EUA e Europa, que controlam mais de 50% das cotas e do poder dentro da instituição) e da banca. O dinheiro que empresta não se destina a estimular o desenvolvimento dos países. Flui, de forma direta ou indireta, para o bolso dos credores, garantindo o pagamento das dívidas e contornando a necessidade da moratória.


Ciência e interesses de classe


Não faltam aqueles que argumentam que o mundo está mudando e o FMI também se recicla. Já não seria, por exemplo, tão fundamentalista e sectário na receita neoliberal, admitindo hoje iniciativas de governos que impõem limites ao fluxo de capitais especulativos. Todavia, basta voltar os olhos para o que está ocorrendo na Europa para perceber que os pacotes impostos aos países em dificuldade têm a mesma orientação e objetivos dos planos aplicados na América Latina em passado recente: garantir a continuidade do fluxo de lucros para os banqueiros através de ajustes ficais que se traduzem em arrocho dos salários, demissões em massa e o impiedoso desmantelamento do Estado de Bem Estar Social.


É provável que o velho continente esteja a caminho de uma década perdida, concretizando o vaticínio da tecnocrata francesa. A responsabilidade do FMI e da “troika”, que compõe ao lado do BCE e da cúpula da UE, não será pequena na determinação deste drama. Já é visível na Grécia (há quatro anos em recessão), Portugal , Irlanda e outros países submetidos a pacotes de resgate que preservam os interesses da banca ao preço de um retrocesso social provavelmente sem paralelo na história.


A economia política não é uma ciência neutra, seus postulados teóricos, prognósticos e receitas são fortemente influenciados pelos interesses de classe. Por esta razão Karl Marx já falava em economia política burguesa em oposição à economia política da classe trabalhadora. O que orienta a ação do FMI, como observou Stiglitz, não é a ciência econômica. São os interesses decadentes e antissociais da oligarquia financeira, hostis ao desenvolvimento da economia. Isto está no DNA da instituição criada em Breton Woods, é mal que vem do berço e não parece sujeito a reformas.