sábado, 16 de julho de 2011

Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva

Por ocasião do Bicentenário do Congresso chileno
Valparaíso, 4 de julho de 2011.

Minhas amigas e meus amigos.
Boa tarde

Vir ao Chile para falar na celebração do Bicentenário de seu Congresso Nacional me enche de honra e de alegria.

Honra, pois considero que este convite, mais do que uma deferência especial à minha pessoa, é prova de amizade para com o povo brasileiro.

Alegria, porque é sempre muito bom voltar ao Chile, país admirável, que soube superar um cruel período de sua história e construir uma sólida democracia política.

Mas ao sentimento de alegria quero também associar o de gratidão. Não posso esquecer que, entre 1964 e 1973, o Chile foi para milhares de brasileiros e brasileiras — muitos dos quais viriam a integrar o meu Governo — o “asilo contra a opressão” mencionado em seu hino nacional.

Mas não vim aqui falar-lhes de nossos passados. Por certo, não podemos esquecê-los, sobretudo para que jamais se repitam .

Quero, hoje, compartilhar com as senhoras e os senhores e, por vosso intermédio, com o povo chileno, algumas reflexões sobre o presente e o futuro de nossa América do Sul.

Quero expressar minha esperança quanto ao papel que nossa região poderá desempenhar neste complexo mundo em que nos é dado viver.

Há cerca de duas décadas, superamos os principais obstáculos à reconquista da democracia política. Mas, gradativamente, foi crescendo a consciência de que a democracia política — absolutamente necessária — não era suficiente para afastar em definitivo as ameaças autoritárias.

Era fundamental avançar também na construção de uma democracia econômica e social, enfrentando outros desafios, como os da pobreza e da desigualdade.

Lembro que, nas décadas de 80 e 90 do século 20, supostos “consensos”, dos quais a imensa maioria de homens e mulheres de nossa região não participou, definiram caminhos ilusórios para enfrentar as crises econômicas que nos golpeavam, agravando o quadro de miséria e de exclusão de muitos de nossos países.

De forma arrogante, tecnocratas prescreveram receitas para combater o nosso desequilíbrio macroeconômico, que aparecia sob a forma de inflação, crise fiscal do Estado, endividamento externo.

As fórmulas eram aparentemente simples: redução do papel do Estado, por meio de privatizações generalizadas; cortes drásticos no gasto público, o que conduziu ao desmantelamento do pouco de bem-estar social que possuíamos; desregulamentação financeira e das relações trabalhistas; medidas contrárias à reforma agrária; inserção subordinada na economia mundial. Isso para citar apenas os itens mais perversos desse suposto consenso.

Esse receituário não nos devolveu o sonhado equilíbrio macroeconômico. Ao contrário, agravou nossa crise financeira, colocou nossos países em uma situação social mais grave ainda e feriu nossa soberania em nome de uma “globalização” assimétrica e excludente que nos relegava a meros objetos das decisões de terceiros.


Minhas amigas e meus amigos,

A intensa participação popular na vida de nossos países é o diferencial que explica este novo período que estamos vivendo.

Os inimigos do processo de desenvolvimento econômico baseado na inclusão social trataram de qualificá-lo como um novo “populismo”. O que, aliás, sempre fazem quando as classes populares passam a ter um papel central em nossas incipientes democracias.

É evidente que vivemos experiências políticas muito diferenciadas em nossa região. Cada país tem sua história própria, suas especificidades econômicas, sociais e étnicas, sua trajetória institucional, sua cultura política. E isso está longe de constituir um problema. Na verdade, é uma de nossas maiores riquezas.

Mas se olharmos de perto todas essas experiências vamos descobrir — na sua diversidade — alguns aspectos comuns.

Em primeiro lugar, está a emergência de uma nova política econômica, centrada em políticas de distribuição de renda e de inclusão social, que são a base da aceleração do crescimento e garantem continuidade a esse ciclo expansionista.

Fomos capazes de provar que a distribuição de renda via políticas públicas, os aumentos salariais acima da inflação, o financiamento da agricultura familiar, o crédito popular, entre outras iniciativas, eram elementos decisivos para dar sustentabilidade ao crescimento e, acima de tudo, a um verdadeiro desenvolvimento.

Derrubamos o mito de que tínhamos de escolher entre o mercado interno e o mercado externo, pois fomos capazes de expandir os dois.

Deixamos claro que a condução da economia não podia mais ficar nas mãos de tecnocratas insensíveis, mas deveria passar às mãos de homens e mulheres — competentes tecnicamente, por certo — com fortíssima sensibilidade social e profundo compromisso com os excluídos.

Essa inflexão exige um Estado mais presente, com maiores instrumentos de regulação econômica e de indução ao investimento produtivo, capaz de conviver harmonicamente com os mercados, sem, no entanto, estar subordinado a eles.

Essa mudança histórica resgatou a política e a democracia. Havia chegado finalmente a hora da política.

Contradições se explicitaram — e até mesmo conflitos políticos —, o que é perfeitamente natural na vida democrática.

Não há democracia sem conflitos e sem regras que permitam resolvê-los.

Não eram mais admissíveis situações em que todas as forças sociais e políticas seguissem as mesmas diretrizes, obrigadas a um ilusório consenso. Em que todos falassem a mesma linguagem e adotassem programas idênticos, submetidos que estavam aos mandamentos de um pensamento único.


Foram estas conquistas, que menciono de forma sintética, que nos permitiram não só avançar nos últimos anos, como suportar bravamente a grave crise que se abateu sobre a economia mundial a partir de setembro de 2008, quando ficaram evidentes as consequências nefastas da aventura que os grandes grupos financeiros mundiais tinham iniciado, ameaçando o presente e o futuro de bilhões de homens e mulheres nos cinco continentes.

Estávamos na América do Sul mais bem preparados para enfrentar a crise, e por isso conseguimos que ela chegasse mais tarde e mais fraca em nossa região, e fomos os primeiros a superar seus efeitos danosos.  

Minhas amigas e meus amigos,

Se olharmos para o atual ambiente econômico mundial, veremos que persistem nuvens ameaçadoras no horizonte.

Constatamos, igualmente, que aqueles doutores que, no passado, nos deram lições para enfrentarmos nossas dificuldades econômicas são incapazes de encontrar soluções para as mazelas que afetam seus próprios países, hoje mergulhados na incerteza.

As nações desenvolvidas deixaram de ser o centro dinâmico da economia mundial, que hoje se transferiu para a metade sul do planeta.

A persistência da insensata especulação financeira e o não enfrentamento das principais contradições que abalam a economia mundial ameaçam levar as grandes potências a uma nova crise. Os riscos para todo o mundo são evidentes.

Os interesses dos banqueiros são preservados e, em alguns casos, ampliados, enquanto se descarrega o peso da crise sobre os ombros dos trabalhadores e do povo pobre.  

Aumenta o desemprego nos países ricos. Multiplicam-se medidas contra os imigrantes, não raro com argumentos abertamente racistas.

No plano multilateral, verifica-se um esgotamento dos mecanismos de governança global. Resoluções das Nações Unidas são utilizadas indevidamente para justificar novas aventuras coloniais, como as que assistimos na África e no Oriente Médio.

Arrasta-se por décadas a resolução da questão palestina, que alimenta graves tensões mundiais.

O ritmo acelerado das transformações históricas nos últimos anos aponta para um mundo multipolar e reclama uma nova governança internacional.

Durante os meus oito anos de governo sempre defendi que o Brasil não deveria aspirar sozinho à condição de um polo neste novo mundo em formação. A presidenta Dilma Rousseff compartilha essa posição.

Queremos associar o destino do Brasil ao da América do Sul. Mas queremos transformar nossa região em um fator decisivo para a construção de um mundo multipolar de paz, democrático, desenvolvido, social e ambientalmente equilibrado.

Temos todas as condições para exercer este papel. Dispomos do maior potencial energético do mundo e de amplas e diversificadas reservas minerais. Aqui está mais de um terço da água doce do planeta e uma extraordinária — e pouco aproveitada — biodiversidade.

Somos, e seremos cada vez mais, os maiores provedores mundiais de alimentos. Nossas indústrias têm crescido, se diversificado e se sofisticado tecnologicamente. Conscientes do crescente papel da educação hoje e para o futuro da humanidade, temos expandido nossas escolas e buscado melhorar sua qualidade.

Com uma população próxima aos 400 milhões de habitantes, beneficiados crescentemente por políticas sociais, nossa região se constitui hoje em um importante mercado de consumo capaz de dar sustentabilidade a nosso crescimento.

Temos relativa homogeneidade cultural e linguística. Nossa região vive sob a égide da democracia. Todos os governos da América do Sul são resultado de eleições livres, internacionalmente reconhecidas.

Não temos graves conflitos de fronteira, e os que residualmente persistem poderão ser solucionados diplomaticamente.

Não possuímos armas nucleares — nem queremos tê-las — e nossas políticas nacionais de defesa são de caráter dissuasivo.

Mas, para realizar esse potencial, temos de enfrentar e resolver muitos problemas.

Minhas amigas e meus amigos.

O atual ciclo de crescimento e de inclusão social não pode ser algo passageiro. Precisamos garantir sua continuidade por muitos e muitos anos. Isso coloca na ordem do dia um programa ousado de integração regional.

Um programa que una nossos países com estradas, ferrovias e pontes, garantindo livre e pronto acesso ao Pacífico e ao Atlântico.

Uma integração que resolva nossos déficits locais de energia de modo ambientalmente sustentável. Não é possível que uma região possuidora das maiores reservas mundiais de energia enfrente “apagões” em muitos países e que sua economia seja prejudicada pela fragilidade da matriz energética.

Se insisto no enfrentamento dessas questões de infraestrutura física e energética, é porque elas ocupam um lugar estratégico em qualquer projeto continuado e acelerado de desenvolvimento regional. É necessário vencer os gargalos que hoje ameaçam nosso crescimento.

O comércio e os investimentos intrarregionais são cada vez mais relevantes. Tornaram-se tão importantes quanto os fluxos que mantemos com os países do Norte.

Trata-se agora de incrementar essas trocas, multiplicando associações e parcerias empresariais que potencializem as economias sul-americanas, compartilhando, inclusive, etapas do processo industrial.

Há dez anos, quando os países da América do Sul viviam de costas uns para os outros, o Chile exportava para o Brasil cerca de 600 milhões de dólares. Em 2010, exportou 4,1 bilhões de dólares, 540% a mais do que em 2002. E a nossa balança comercial nunca foi tão equilibrada como agora.

A União das Nações Sul-Americanas — a Unasul — é um instrumento fundamental para a integração física, energética e produtiva, à qual se irão somando medidas de integração financeira.

Da mesma forma, temos de fortalecer nossa integração política. Uma integração respeitosa de nossas particularidades nacionais, que beneficie o conjunto dos povos do continente.


Essa integração é e será generosa, pois não é propriedade de nenhuma corrente política ou ideológica. Está aberta a todos os que acreditam que juntos seremos mais fortes e respeitados em um mundo cada vez mais desafiador.

O Chile nunca esteve longe do Brasil, apesar de não termos fronteiras comuns. Sempre estivemos muito próximos e podemos estreitar ainda mais a nossa parceria, tornando-a verdadeiramente estratégica.

A bela cordilheira dos Andes nunca foi uma barreira entre o Chile e outros países da região. Podemos escalá-la com os argumentos da razão e da solidariedade, seguindo o exemplo dos fundadores de nossa América do Sul, que há dois séculos plantaram o que hoje nos cabe cultivar e colher.

Muito obrigado.

Pela criação do Estado da Palestina Já!

A Organização para a Libertação da Palestina (OLP), reconhecida internacionalmente como única e legítima representante do povo palestino, reivindica que a Organização das Nações Unidas (ONU) aprove resolução admitindo a criação do Estado da Palestina e sua incorporação como membro pleno desta organização. Por razões protocolares, o pedido pode ser encaminhado formalmente pela própria Autoridade Nacional Palestina ou pela Liga Árabe para deliberação no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral.

No Brasil, está em pleno desenvolvimento a campanha pela criação do Estado da Palestina Já, cujo manifesto é subscrito por cerca de três dezenas de organizações políticas e sociais. O Portal Vermelho faz parte da campanha e apoia entusiasticamente a iniciativa.

Efetivamente, a Palestina já é reconhecida política e moralmente por mais de cem países. Até mesmo o Reino Unido e a França, entre outras nações europeias, já promoveram a classificação da Delegação Geral Palestina a “embaixadas e missões diplomáticas”, um status que normalmente é reservado a Estados.

A Palestina também foi admitida nas organizações da ONU, com exceção da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da Organização Mundial de Saúde (OMS). E o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em pronunciamento feito em maio deste ano, foi obrigado a admitir a criação do Estado palestino com as fronteiras de 1967.

O povo palestino, suas instituições oficiais, partidos e organizações político-sociais também são amplamente reconhecidos pelos povos irmãos e por organizações de solidariedade em todo o mundo. A sua causa recebe amplo apoio e desencadeia ações de massas com caráter internacionalista.

Até setembro, o debate sobre a criação do Estado da Palestina tende a influenciar a conjuntura internacional e dividir campos.

O governo direitista de Israel já está realizando furibunda campanha contra a reivindicação da ANP. O ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, comparou a eventual decisão da ONU em favor dos palestinos a um “tsunami”. O novo embaixador de Israel na ONU, Ron Prosor, informou à imprensa israelense que o reconhecimento da Palestina por parte da ONU “levaria à violência e à guerra”.

Tais despautérios são reveladores de que o Estado sionista israelense procura agir preventivamente, por temer que o êxito palestino desencadeie ações no seio da própria comunidade internacional, condenando Israel pelos crimes de lesa-humanidade praticados e por violar a legislação internacional. A partir do momento do reconhecimento do Estado da Palestina, toda a ação expansionista e neocolonialista de Israel ficaria fora da lei. Suas ações na Palestina ficariam juridicamente caracterizadas como ações criminosas em um Estado ocupado reconhecido pela ONU.

A posição israelense é respaldada pelo imperialismo estadunidense. Embora admitindo a criação do Estado palestino, Obama reprova o “unilateralismo” da ANP e está desenvolvendo ação diplomática no sentido de impedir o reconhecimento pela ONU. Não cabem dúvidas de que os Estados Unidos vetarão a proposta quando for ao exame do Conselho de Segurança. O compromisso maior dos Estados Unidos, como potência imperialista, independentemente do ocupante de turno da Casa Branca, é com o Estado israelense. Já se tornou um mantra das administrações estadunidenses, sejam democratas ou republicanas, defender com prioridade a “segurança de Israel”. A secretária de Estado da administração atual tem ligação visceral com a causa sionista e defende com histrionismo o “direito de Israel a se defender”.

As pressões sobre os palestinos são fortíssimas. Em junho, o Senado dos Estados Unidos aprovou uma resolução ameaçando suspender o auxílio à ANP, caso esta persista na sua iniciativa junto à ONU. Por seu turno, Susan Rice, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, chantageou a própria organização multilateral, ao advertir que “não existe maior ameaça” à continuidade do financiamento estadunidense da ONU “do que a perspectiva de que um Estado palestino seja aprovado pelos países membros da organização”.

Reiteramos que o reconhecimento do Estado da Palestina pela ONU é a reparação de uma profunda injustiça e a correção de um erro histórico. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Plano de Partilha da Palestina, que resultou na criação do Estado de Israel. Essa iniciativa abriu caminho para uma tragédia cotidiana para o povo palestino. Mais de 500 vilas e comunidades palestinas foram destruídas. Milhares foram presos, torturados e assassinados. Palestinos foram expulsos de suas casas e de centenas de cidades. Cerca de 4,5 milhões de refugiados palestinos vivem hoje pelo mundo, sendo que a maioria destes se encontra nas fronteiras da Palestina ocupada, e o Estado de Israel segue negando o direito de retorno para todos.

A ocupação militar israelense, com o apoio do imperialismo norte-americano, avançou e conquistou novos territórios, em Gaza, Cisjordânia, Jerusalém e até mesmo nas terras sírias das Colinas de Golã e no Sul do Líbano.

Caberá a ONU, com base no direito internacional e em suas próprias resoluções, (em especial a 181, de 1947, que reconhece o Estado da Palestina) ratificar e admitir o Estado da Palestina como membro pleno da organização. (Editorial do vermelho)

Divisionismo e diversionismo no movimento sindical brasileiro

Incomodados com a crítica que recebem do movimento sindical pela conduta exclusivista e divisionista, lideranças da CUT resolveram dar o troco atribuindo a responsabilidade pela divisão à CTB. É o que se lê em recente artigo assinado pela secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane Silva, publicado no site da central.

Por João Batista Lemos*

 
A dirigente, que integra uma corrente minoritária da CUT, une a prática divisionista à retórica diversionista com o objetivo de mascarar a realidade e vender a imagem, falsa, de que o sindicalismo cutista é o único quede fato representa os interesses da classe trabalhadora.
Inversão da realidade


Não há como fugir da impressão de que, em muitos pontos, o texto cheira a mofo e saudosismo. Refere-se a tempos já idos, em que o cenário sindical era outro. Ignora as mudanças no cenário político e social ocorridas ao longo dos últimos anos e especialmente após a eleição de Lula, em 2002. E também não se furta, ao modo da ideologia convencional dominante, a inverter a realidade.

Os comunistas e a CTB são o alvo principal do artigo, que culpa os sindicalistas ligados ao PCdoB pela divisão histórica do movimento sindical brasileiro. “Reivindicamos a unidade da classe trabalhadora”, proclama Rosane Silva, numa visão muito singular da história.

Quem dividiu a 1ª Conclat?

Do alto de sua suposta sabedoria, ela afirma que os comunistas erraram ao não participar da fundação da CUT em 1983. Será que ignora o fato notório de que a criação da central naquela época, em nome do “novo sindicalismo”, foi um ato deliberado de ruptura com a unidade do sindicalismo brasileiro celebrada na primeira Conclat?

Aqui, como em outras ocasiões, nota-se a inversão da realidade embutida no argumento falacioso da autora. O divisionismo é apresentado como unidade e esta se resume, no final das contas, às costuras internas, a conciliação dos conflitos recorrentes entre os grupos. Afinal, decreta o artigo, “a CUT é forte, representativa, de massas, e, essencialmente, diferente das outras centrais sindicais”. O “resto” do movimento sindical certamente não conta, não presta. Não há vida nem virtudes fora da CUT. Há um nome apropriado para tal presunção: exclusivismo. O exclusivismo é inimigo da unidade.

Senso de oportunidade


Parece que a arrogância exclusivista, a presunção (falsa) de força e o divisionismo fazem parte do DNA cutista. A essas características se alia agora o diversionismo, a inversão descarada da realidade, a prevalência da versão sobre os fatos. Não é sem razão que se nota um progressivo esvaziamento da CUT ao longo dos últimos anos. A Corrente Sindical Classista (CSC) saiu da CUT em 2007 para participar da fundação da CTB, mas não foi a única. O PSTU já havia caído fora e a Alternativa Sindical Socialista (ASS) também deu linha, assim como o Sindicalismo Socialista Brasileiro (ligado ao PSB, hoje na CGB) e Unidade e Luta (PCB). Não se pode atribuir a responsabilidade pelo esvaziamento da CUT à CTB.

Com falso purismo, Rosane Silva resmunga contra a unidade entre a CTB, Força Sindical, UGT, CGTB e Nova Central que, em sua opinião, são organizações conservadoras ou de direita. Mas, talvez por conveniência ou senso de oportunidade, ela se esquece do acordo assinado recentemente pela CUT, Força Sindical e Fiesp contra a desindustrialização.

Ética tucana

Não cabem críticas à CUT, da nossa parte, quando age em unidade com a Força Sindical, muito pelo contrário. O que se cobra, aqui, é coerência nos argumentos, pois fica subtendido que quando CUT e Força Sindical se aliam tudo bem, é positivo, quando a CUT não está presente é unidade com a direita, alvo de críticas e condenações.

Da mesma forma, afirma-se que o 1º de Maio Unificado de 2011 atraiu políticos de oposição e omite-se a participação no mesmo evento do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, que leu uma mensagem da presidente Dilma aos trabalhadores; do ministro do Trabalho, Carlos Lupi; do presidente da Câmara Federal, Marco Maia, e de outros líderes de esquerda. Nota-se que o artigo se guia pela filosofia do tucano Rubens Ricúpero confessada a um repórter da Globo: "Eu não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".

Identidade ideológica

A identidade ideológica entre Força e CUT se traduz também na filiação a uma mesma central mundial, a Confederação Sindical Internacional (CSI), que propõe um sindicalismo de conciliação de classes e capitulação ao imperialismo. Lembremos que a CSI convidou o FMI e o Banco Mundial (Bird) para a abertura do seu 2º Congresso, realizado em Vancouver (Canadá) em junho de 2010.

Centrais sindicais europeias filiadas à CIS, além de apoiar os ajustes fiscais na região avalizam a guerra movida pelas potências imperialistas, lideradas pelos EUA, contra a Líbia. A CTB é filiada à Federação Sindical Mundial (FSM), que se guia por uma concepção classista e, na Grécia, está na vanguarda da luta contra o pacote econômico neoliberal imposto pelo FMI ao país.

Mudanças da CUT e da Força

Os argumentos contra a Força Sindical levantadas pela dirigente cutista estão fora de contexto, pois menosprezam a mudança na orientação política da central. Nos anos 1990, nos governos Collor e FHC, a entidade aderiu ao neoliberalismo. Mas mudou de posição ao longo dos últimos, passou a defender os interesses e as bandeiras da classe trabalhadora privilegiando a unidade com as demais centrais.

A versão adocicada dos fatos feita por Rosane Silva tem muito pouco a ver com a realidade. A CUT de hoje não é a mesma de outrora, pois também mudou ao longo da história e especialmente durante os últimos anos. Perdeu autonomia e o radicalismo do passado, que só sobrevive como farsa na retórica diversionista de alguns dirigentes. Na polêmica em torno do fator previdenciário, a central se comportou concretamente como mera correia de transmissão do Palácio do Planalto em defesa do fator 95/85. Os fatos, conhecidos e documentados, não podem ser deletados. Fazem parte da história e falam mais alto que os argumentos.

Unidade sem exclusivismo

Desde sua fundação, em dezembro de 2007, a CTB atua em defesa da mais ampla unidade do movimento sindical brasileiro, sem exclusivismos e com a compreensão de que a unidade não se dá apenas no interior de uma única central, mas deve abarcar o conjunto das organizações sindicais, respeitando a pluralidade de opiniões e focando bandeiras concretas e unitárias da classe trabalhadora.

A preocupação da nossa central com a unidade também tem caráter internacionalista, com foco particular na América Latina, onde a CTB tem destacada participação no Encontro Sindical Nossa América (Esna), um espaço de unidade e ação intersindical antineoliberal e antiimperialista amplo e democrático, que reúne organizações sindicais de cerca de 30 países, independentemente da filiação internacional e de diferentes correntes políticas, sendo algumas ligadas à Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSA, associada à CSI), como também à FSM e independentes.

A união faz a força

No Brasil, não restam dúvidas de que a unidade alcançada nas marchas a Brasília e consagrada na nova Conclat possibilitou a conquista de uma política de valorização do salário mínimo e outros avanços. Nenhuma central isolada reúne forças para fazer frente aos desafios emanados da conjuntura e lutar com êxito por um novo projeto de desenvolvimento nacional fundado na soberania, na democracia e na valorização do trabalho, conforme propõe a resolução da Conclat, realizada em junho de 2010.

A verdade contida no ditado popular de que a união faz a força é provada na prática. Diversamente, a divisão enfraquece, reduz o poder de fogo do movimento sindical e da classe trabalhadora, jogando água no moinho do patronato e da direita. Ao insistir na carreira solo, negando-se a participar dos atos unitários com as outras centrais e marchando sozinha pelas avenidas, a CUT enfraquece a frente de luta da classe trabalhadora. Esperamos que a CUT reveja sua posição e contribua para a unidade das centrais e dos movimentos sociais.
*Dirigente nacional da CTB e membro do Comitê Central do PCdoB

O despertar dos mágicos: os mitos da economia conservadora

 

As teorias dos economistas conservadores foram totalmente desmentidas pela crise. Eles deveriam estar escondidos cheios de vergonha. Mas não é isso que acontece. Muito pelo contrário. Os economistas conservadores ganharam mais força. Por quê? A razão é que os mitos em que fundamentam as suas posições são profundamente enraizados numa cosmovisão básica, de uma grande quantidade de pessoas, para não dizer da maioria das pessoas. Os mitos sobre a economia que se foram perpetuando nas escolas de economia, fundiram-se com as crenças mais ingênuas e perigosas dos nossos tempos. O artigo é de Alejandro Nadal.

Os economistas conservadores saíram desacreditados pela crise. Ao fim e ao cabo eles prometeram igualdade, prosperidade e até um mundo menos doente do ponto de vista ambiental. A única coisa que nos deram foi um colapso econômico gigantesco, com desemprego e pobreza. Deveriam estar escondidos cheios de vergonha.

Mas não é isso que acontece. Muito pelo contrário. Os economistas conservadores ganharam mais força. Por quê? A razão é que os mitos em que fundamentam as suas posições são profundamente enraizados numa cosmovisão básica, de uma grande quantidade de pessoas, para não dizer da maioria das pessoas.

Na arca de mitos em que se fundamenta a economia conservadora ou neo-clássica, existem três particularmente importantes. Não importa quanta evidência empírica de sentido contrário você possa encontrar, nunca poderá convencer os fiéis desses dogmas. De qualquer forma, aqui lhes oferecemos algumas pedras para atirar às brilhantes vitrinas em que têm essas crenças.

O primeiro mito está baseado na ideia de que o mundo da economia forma um sistema autônomo que regula a si mesmo. A metáfora mais bem sucedida (e perigosa) é que a economia é uma espécie de máquina. E como se regula, há que deixá-la trabalhar sem perturbar a sua dinâmica.

A teoria econômica passou mais de 200 anos a tentar provar que de fato o sistema econômico se auto-regula e que, portanto, não necessita de intervenção do governo nem da esfera da política. A evidência de crises recorrentes poderia ter sido suficiente para provar o contrário. Mas, confrontados com histórias de crise, os neoclássicos podiam sempre argumentar que foram causadas ​justamente por intervenções irresponsáveis dos governos.

O debate deslocou-se para o mundo dos modelos matemáticos. O programa de investigação dos economistas era simples: construir um modelo matemático capaz de reproduzir as condições em que as forças de mercado conduzem ao equilíbrio. Mas o modelo mais sofisticado e refinado da teoria econômica neoclássica demonstrou que, em geral (salvo exceções aberrantes) o sistema de mercado é instável. Então, para onde quer que se olhe: ou história econômica ou modelos matemáticos puros, a verdade é que a ideia de mercados auto-regulados que conduzem ao equilíbrio não tem nenhuma base racional.

O segundo mito é que a economia de um governo é como uma casa. E tal como uma família tem de medir o seu consumo, o governo também tem que restringir o gasto para baixar o montante dos seus rendimentos. Desta visão vem a ideia de que em tempos de crise, tal como o faria uma família, há que apertar o cinto. É o que recomendam constantemente os chamados falcões da austeridade fiscal no debate sobre a política fiscal em todo o mundo.

A realidade é diferente. Para começar, as famílias não podem estabelecer carga fiscais e colectar receitas através de impostos. Nem vi famílias que vivam centenas de anos, que incorram num déficit constante e que acumulem dívida, como fazem os governos. Normalmente as dívidas domésticas têm de ser resolvidas de uma forma ou de outra.

No limite, os governos podem emitir moeda, algo que os particulares também não podem fazer. Alguns dirão que precisamente para evitar abusos se deu autonomia ao Banco Central. Mas se você observar com cuidado o comportamento da Reserva Federal dos EUA pode constatar que a política monetária não se assemelha nada ao comportamento de uma família.

O terceiro mito é que cada classe social ou grupo recebe como remuneração aquilo com que contribui para a economia. Essa crença é a que está mais profundamente enraizada nas pessoas e atravessa o espectro de todas as classes sociais. Parece que em algum lugar no imaginário coletivo habita a lenda de que o rendimento das pessoas é proporcional à sua contribuição para o produto nacional. O corolário é que a ordem econômica é justa, mas a realidade é que nada na teoria econômica dá sustento a esta ideia. A distribuição de rendimento não está determinada por qualquer lei ou outro mecanismo econômico.

Simplesmente e apenas depende das relações de poder.

Isso não significa que as variáveis econômicas não sejam importantes. Pelo contrário. São muito mais importantes do que se pensa quando se coloca uma das lentes deste mito pernicioso que tudo distorce. O saldo fiscal, a inflação, a criação de moeda e nível salarial, tudo isso merece uma atenção cuidadosa, sem mitologias e crenças mais relacionados com a bruxaria do que com o pensamento racional.

Os mitos sobre a economia que se foram perpetuando nas escolas e faculdades de economia, fundiram-se com as crenças mais ingênuas e perigosas dos nossos tempos. Talvez essas crenças tenham mais a ver com aquelas Forze elementari sobre as quais escreveu Gramsci na sua análise sobre o fascismo.

(*) Traduzido por Paula Sequeiros para o Esquerda.net

União pela indústria

As classes produtoras de Feira de Santana e lideranças políticas, ao lado do prefeito Tarcízio Pimenta estiveram reunidas na terça-feira (12) com o secretário estadual de Indústria, Comércio e Mineração, James Correia, em Salvador para discutir a adoção de medidas para atrair novos empreendimentos para o município e região. A reunião contou com as presenças do prefeito de Feira de Santana, Tarcízio Pimenta; o líder do  governo na Assembleia deputado estadual José Neto, o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Feira de Santana (CDL), Alfredo Falcão; presidente do Centro das Indústrias de Feira de Santana (CIFS), André Régis; diretor do Centro Industrial do Subaé (CIS), José Mercês Neto; secretários municipais Magno Felzemburgh (Turismo e Desenvolvimento Econômico), Carlos Brito (Planejamento) e Wagner Gonçalves (Fazenda); deputados estaduais  Graça Pimenta e José de Arimateia; diretor da Bahia Gás, Davisson Magalhães, além dos vereadores Antônio Francisco Neto (presidente da Câmara Municipal) Marialvo Barreto e Ângelo Almeida. O encontro foi produtivo.

Fonte: Antonio Laranjeira - Tribuna da Bahia

Brasil: Um país de ricos e miseráveis

Por Raquel Júnia, no sítio da revista Caros Amigos:
O lançamento do programa Brasil sem miséria, na semana passada, pela presidente Dilma Roussef, propõe um exercício de imaginação. "Já pensou quando acabarmos de vez com a miséria?", dizem as peças publicitárias sobre a nova estratégia governamental. As propagandas associam ainda o crescimento do país ao fim da pobreza extrema, meta que o governo pretende cumprir.
São consideradas como miseráveis absolutas as pessoas que vivem com até R$ 70 reais mensais. Pelos dados divulgados pelo governo no lançamento do programa, há 16,2 milhões de pessoas nessa situação e outras 28 milhões em situação de pobreza. Pelos dados do Programa para as Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de 2010, o Brasil está entre os sete países mais desiguais do mundo, apesar de estar também entre os sete gigantes da economia mundial. Os dados mostram que as contradições e os desafios são muitos. É possível que o exercício de imaginação proposto pelo governo federal se torne realidade?

De acordo com o decreto que institui o Brasil sem miséria, o programa tem três objetivos, todos destinados à população extremamente pobre: elevar a renda per capita; ampliar o acesso aos serviços públicos; e propiciar o acesso a oportunidades de ocupação e renda, por meio de ações de inclusão produtiva. Constituem ações do programa a expansão de políticas já existentes como ‘Bolsa-família', ‘Luz para todos', ‘Rede Cegonha' e ‘Brasil Alfabetizado', entre vários outras. A inovação, segundo o governo, está ,sobretudo, no fato de que pessoas que até então não são contempladas por nenhuma dessas políticas por fazerem parte de "uma pobreza tão pobre que dificilmente é alcançada pela ação do Estado" passarão a ser, já que será feita uma busca ativa para encontrá-las. Estão previstas também ações diferenciadas para a cidade e para o campo, onde a previsão é garantir assistência técnica. "Assim, todo o país vai sair lucrando, pois cada pessoa que sai da miséria é um novo produtor, um novo consumidor e, antes de tudo, um novo brasileiro disposto a construir um novo Brasil, mais justo e mais humano", diz a apresentação do programa.

Para o economista Marcio Pochmann, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o programa é uma inovação na política social brasileira por estabelecer uma linha de pobreza para a qual foram definidas metas de atuação da política pública. Pochmann destaca que desde a redemocratização até a atualidade, os governos sempre tiveram metas para a área econômica, como metas de inflação e de superávit fiscal, mas metas para a área social como um todo ainda não haviam sido estabelecidas. "Evidentemente que cada uma das áreas em separado tem as suas próprias metas, como metas de vacinação ou de universalização da escola, mas não havia uma meta social que desse conta de uma síntese do ponto de vista da ação governamental. Essa forma de atuação da área social não permitiu, por exemplo, que nós tivéssemos uma coordenação na área social. Então, é uma inovação o estabelecimento de uma linha de pobreza e, ao mesmo tempo, o compromisso do governo de tirar as pessoas dessa condição de extremamente pobres", avalia.

O pesquisador ressalta que o programa visa atingir um número considerável de pessoas, praticamente um a cada dez brasileiros. "É o segmento que diz respeito ao núcleo duro da pobreza brasileira, de difícil acesso e que, portanto, exigirá uma maior capacidade de intervenção do governo. Nesse sentido, é fundamental as ações estarem cada vez mais articuladas do ponto de vista federal, estadual e municipal", analisa. "O Brasil, quando era a oitava economia mundial em 1980, já poderia ter superado a extrema pobreza. Não havia razão para que o Brasil tivesse extrema pobreza, a razão era política. E hoje somos a sétima economia do mundo, não há razão para termos essa quantidade expressiva de pobres. Não é que não tenha alimentos, o problema é político", completa.

Marcio Pochmann observa que a definição governamental de superar a condição de miserabilidade não quer dizer que o país chegará a uma condição na qual não haverá mais miseráveis, mas significará um avanço muito significativo nesse sentido. "Certamente haverá miseráveis pelas vulnerabilidades impostas por uma economia de mercado, mas do ponto de vista estatístico isso será residual", aposta. Para o pesquisador, países desenvolvidos mostram que, do ponto de vista estatístico, inexistem miseráveis. "São condições de ordem econômica que permitiram, por intermédio da política pública, praticamente a resolução da condição de miséria. Evidentemente que a pobreza existe, mas cada vez mais é uma pobreza relativa", diz.

Pochmann acrescenta que o modelo de desenvolvimento do Brasil é cada vez mais combinar o progresso econômico com avanço social. "Não há menção de superação do modo de produção capitalista, pelo contrário, é um aprofundamento do desenvolvimento capitalista, mas com travas de garantias de maior justiça na distribuição dos frutos do processo econômico", afirma.

Política de gotejamento

Para Virgínia Fontes, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universidade Federal Fluminense, a propaganda do governo de que todos sairão ganhando com o Brasil sem Miséria, não é mentirosa, já que há um ganho, embora muito pequeno, para os setores pobres e ganhos maiores para os setores ricos. "Isso está expresso como promessa e de fato aconteceu ao longo dos últimos oito anos, tanto na medida em que houve expansão do mercado interno, que é o mais evidente e mais imediato, mas, sobretudo, no aprofundamento da dívida interna", diz.

A professora ressalta que, mesmo diante de todas as críticas, é preciso considerar que, com o programa, há ganhos mínimos para as pessoas pobres no contexto de um país de extrema desigualdade como o Brasil. "Uma política de gotejamento como esta, que distribui gota de água para regiões muito áridas socialmente, surte algum efeito, já que é melhor ter gota d'água do que não ter água nenhuma. Do ponto de vista da redução da miséria absoluta, ele atinge alguma coisa, mas não altera as condições da desigualdade e irá continuar sem alterar essas condições". Para ela, essas mudanças mínimas não significam garantia de direitos. "É uma gota calibrada: não tem processo de reajuste, não tem compromisso com produção qualificada de trabalho socializado, tem um compromisso estritamente mínimo, que é dar uma renda minimíssima para os setores de pior condição. É melhor isso do que nada, mas isso não é um direito. A construção de direitos está bloqueada pela oferta de programas", aponta.

Com R$ 20 bilhões é possível acabar com a miséria?

Paralelamente às ações do Brasil sem miséria, o governo afirma que está montando também um completo mapa sobre a pobreza do Brasil. Pelos dados preliminares do ultimo censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de 2010, que embasaram a criação da proposta, aproximadamente 46% desses brasileiros extremamente pobres vivem na área rural. Além disso, 59% estão na região Nordeste e cerca de 70% dos extremamente pobres são pretos ou pardos. Os dados mostram ainda que 39,9% da população indígena do Brasil é extremamente pobre.

No lançamento do programa, foi anunciado que o montante de recursos empregados para as ações será em torno de R$ 20 bilhões anuais. Entretanto, em 2010, os recursos gastos apenas para o pagamento do Bolsa Família ficaram em torno de R$ 13 bilhões. Para Pochmann, diferentemente de outras decisões governamentais, o recurso não é o determinante dessa opção. "No passado se estabelecia um programa e se dizia: ‘vai se gastar tanto'. Em determinado momento se dizia que os recursos não seriam suficientes: ‘bom, é esse recurso que temos e infelizmente não será possível atender ao compromisso daquele programa'. Então, o recurso é que determinava a capacidade de intervenção, sem recurso não tinha ação. Hoje, o que determina a capacidade de intervenção não é o recurso, embora, claro, sem o recurso não tenha ação. Mas o determinante é o compromisso que o governo tomou. Ele diz que vai superar a pobreza extrema; se não superar, é o item em que o governo fracassou. E, então, a oposição terá mais força em seu argumento", opina.

A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Ialê Falleiros tem uma opinião diferente sobre os recursos destinados ao programa. Para ela, o montante de recursos empregados não demonstra uma priorização dessas políticas sociais. "R$ 20 bilhões, isoladamente, parece interessante, mas quando olhamos o que é o orçamento federal, vemos que um valor muito maior do que esse é destinado para pagar a dívida pública", critica, mostrando uma reportagem do Pnud sobre o programa cujo título é ‘Brasil sem miséria e lucro para empresários'. De fato, do total do orçamento do governo federal previsto para 2011 e aprovado pelo Congresso no final de 2010 - R$ 2,07 trilhões -, R$ 678,5 bilhões serão destinados para o pagamento da dívida pública. "Então qual é o recado que esse programa quer passar do ponto de vista político, já que em termos econômicos ele é uma falácia? É o mesmo recado que os organismos internacionais vêm propondo em relação ao mundo: fazer parecer que tudo é uma coisa linda, porque todos estão engajados em colaboração, setores públicos e privados, todas as classes em sinergia em torno da proposta de colaboração para melhorar o mundo", observa.

De acordo com a professora, há uma tentativa de afastamento das visões críticas que faz parecer, por exemplo, que os pesquisadores que questionam esse tipo de política estão contra melhorar a vida das pessoas. "Não é possível ser contra beneficiar as pessoas que mais precisam, mas ao mesmo tempo, se não tivermos esse olhar ampliado para além dessa visão triunfalista do desenvolvimento, nós realmente não vamos enxergar essas nuances", pontua.

Virgína fontes lembra que no momento da posse da presidente Dilma o valor mencionado para combater a extrema pobreza girava em torno de R$ 40 bilhões, o dobro do que foi anunciado agora. "Isso indica que deve ter tido muita queda de braço entre os setores que vão ser contemplados com recursos públicos. Porque a discussão era de eventualmente chegar a R$ 40 bilhões do programa de bolsas, no sentido de avançar significativamente para uma melhoria mínima das condições de vida de praticamente toda a população brasileira. De fato, é uma melhoria mínima e é possível perceber isso pelo programa lançado agora", afirma.

Remendo

Na avaliação de Virgínia, com esse programa, o governo federal busca atualizar na retórica a luta popular que, na prática, ele tenta desmantelar. Segundo ela, o slogan principal do governo ‘País rico é país sem miséria', expressa uma contradição do modelo de produção. "Essa luta contra a miséria tem um lado ligado à própria expansão do capital internacional, da atuação do banco mundial, de uma nova filantropização. Mas também resulta de pressões e lutas de setores populares fortes. Só que, para não ter miséria nesse modelo, é preciso ser cada vez mais rico, o que significa que atacar a miséria é garantir a produção crescente da concentração da riqueza", contesta.

Destacando que o capitalismo é um modo de produção que gera crises permanentemente, ela situa o Brasil sem miséria. "Do ponto de vista da lógica das crises do capitalismo, esse programa significa um grande remendo para tapar uma parte da tragédia social que foi sendo construída ao longo dos séculos XX e XXI, com a expropriação massiva da população e a formação, pela expansão do capital, de uma massa de mão de obra gigantesca, disponível para fazer qualquer negócio. Essa massa corria o risco de derrubar tudo, então, para que não derrubem tudo e se garanta que a concentração siga de maneira mais tranquila, se faz uma política dessas. Não é uma política que reforce as condições de auto-organização da população, mas sim da burguesia", define. Entretanto, de acordo com a pesquisadora, existe a possibilidade de o programa desencadear também processos de contestação. "Imaginando que ele dê completamente certo, essa população, até porque consegue respirar, pode reaprender a gritar e a gritar em novo tom", diz.