quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Murdoch em Oslo

Entre as explicações para a grande tragédia de Oslo –  anúncio sangrento de que o nazismo, com outros nomes, está de volta –, uma não mereceu maior atenção dos analistas: a influência dos grandes meios de comunicação, como os controlados por Rupert Murdoch, xenófobos, anti-islâmicos, defensores de uma “Europa limpa e pura”.

Não é difícil associar o processo de homogeneização dos meios de comunicação do mundo inteiro – na defesa de ideias como as de que há uma guerra de civilizações, entre o Islã e o Ocidente Cristão – e o crescimento global de organizações de extrema direita. Melanie Phillips, no Daily Mail, resumiu a situação: “Brejvik talvez seja um psicopata desequilibrado, mas o que emerge agora de seu ato atroz é o delírio de uma cultura ocidental que perdeu sua razão”.

Por mais voltas que dermos à inteligência, na busca de profundas e complexas interpretações para essa tendência ao suicídio da civilização contemporânea, sempre chegaremos à ideia mais simples: o capitalismo apodreceu o que restava de solidariedade no processo de civilização ocidental ao universalizar o american dream, fundado na competição e no êxito individual, de qualquer forma. Quando um líder chinês, Deng Xiaoping, proclama que é bom enriquecer, o calvinismo se une ao taoísmo para sepultar Mao Tsé-tung e execrar Marx.

O grande perigo da infecção que, sob a Alemanha de Hitler, se identificou no nazismo é a combinação do instinto das feras – que lutam pela supremacia em seu espaço de caça – com a aparente lógica científica. O racismo é o mais perfeito “apodrecimento da razão”, conforme a definição de Lukács. Investigações recentes sobre a inteligência revelam que não há a menor diferença da capacidade mental entre todas as etnias do mundo: um negro africano tem, em média, o mesmo QI de qualquer nórdico. O que pode diferenciá-los, como indivíduos, e não como grupos étnicos, é a educação, isto é, o treinamento intelectual.

Desde que as sociedades políticas se organizaram, a linguagem passou a servir como instrumento de convencimento a favor do poder e como arma na resistência contra os opressores. A retórica está a serviço do poder, legítimo ou não; a crítica serve à resistência libertária. Como em tudo o mais, o melhor exemplo é grego: os oradores se dividiam, na praça pública, em defesa dos governantes ou contra eles. E os outros meios de comunicação – textos literários, ensaios filosóficos e, sobretudo, o teatro – iam mais além, na crítica ou no elogio ao sistema político de então.

As coisas não mudaram muito em sua essência, mas a tecnologia ampliou a força da palavra – e da imagem. A maioria dos mais poderosos veículos é controlada pelo poder financeiro, e tem servido para submeter governantes aos seus interesses. A técnica é impor o pensamento único e exacerbar a violência, a fim de manter os povos submissos, reduzir os homens à condição de trabalhadores dóceis e consumidores vorazes.
Murdoch é hoje o símbolo da manipulação da verdade e das ideias, a serviço do fundamentalismo mercantil.

A crise política de 1929 fez com que o capitalismo alemão financiasse Hitler e seus criminosos. E mediante o controle dos meios de comunicação o nazismo envenenou parte do povo alemão com o mito da superioridade racial. A crise atual do capitalismo neoliberal financiou Murdoch e seus 200 jornais no mundo – mas ele não está só.

O ódio ao imigrante, um dos produtos desse jornalismo sórdido, deu origem a Brejvik, e alimenta a direita, da Alemanha à Inglaterra, dos Estados Unidos a São Paulo e ao Rio Grande do Sul. Os muçulmanos são os novos judeus da Europa, enquanto, para a extrema direita nacional, os negros, nordestinos e mestiços são os odiados “muçulmanos” do Brasil.

Fonte: Mauro Santayana - Revista do Brasil

A era do preconceito

Nesta era da internet a informação é instantânea. A desinformação também. A notícia sobre os trágicos atentados de Oslo chegou-me enquanto eu navegava pelos sites que costumo frequentar para me atualizar sobre o que ocorre no mundo. Pus-me imediatamente em busca dos detalhes. Abri a página de uma respeitada revista internacional.

Além de alguns pormenores, obtive também a primeira explicação, que veria em seguida nas versões eletrônicas dos jornais brasileiros, segundo a qual o perpetrador dos atos terríveis era alguém a serviço de um movimento fundamentalista islâmico. Dois dias depois do acontecido, quando ficou claro que, na verdade, se tratava de um extremista de direita que pertenceu a movimentos neonazistas, ainda é possível encontrar, mesmo com ressalvas (porque a internet comete essas “traições”), a mesma interpretação apressada, baseada no preconceito contra muçulmanos.

No caso da revista internacional, a interpretação não se limitou a essa caracterização genérica. Deu “nome e endereço” do facínora, que seria um iraquiano curdo ligado a sunitas fanáticos, vivendo no exílio desde 1991. O articulista foi mais longe. Apontou as possíveis motivações do crime hediondo, que estariam relacionadas com a presença de tropas norueguesas no Afeganistão e com a percepção, por parte dos tais fundamentalistas, da cumplicidade da imprensa norueguesa com caricaturas ofensivas ao Profeta.

Evidentemente, tudo isso era muito plausível, à luz do ocorrido no 11 de Setembro, descartando-se as hipóteses conspiratórias sobre aquele trágico episódio. Mas era igualmente plausível a hipótese, que acabou confirmada, de que se tratasse de outro tipo de fundamentalista, do gênero “supremacista branco”. O alvo do ataque era um governo da esquerda moderada, visto como tolerante em relação a imigrantes e aberto ao diálogo com as mais diversas facções em situações conflituosas, inclusive no Oriente Médio. Para sublinhar a natureza ideológico-religiosa do ato de violência, o terrorista visou também a juventude do partido, pacificamente acampada em uma ilha.

Algo semelhante havia ocorrido seis anos antes do atentado contra as Torres Gêmeas, quando outro fanático havia feito explodir um prédio público na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Daquela feita, o Estado – e tudo o que ele simboliza como limitação ao indivíduo, percebido como independente e antagônico em relação à sociedade – foi o objeto da ira destruidora. Também naquela época, quando a Al-Qaeda ainda não havia ganhado notoriedade, as primeiras análises apontaram para os movimentos islâmicos.

Não ponhamos, porém, a culpa na internet. Ela apenas faz com que visões baseadas em preconceitos, que não deixam de refletir certo tipo de fundamentalismo, se espalhem mais rapidamente, com o risco de gerarem “represálias” contra o suposto inimigo. Felizmente, neste caso, a eficiente ação da polícia norueguesa impediu que isso ocorresse. Mas o risco existe de que, em outras situações, as tragédias se multipliquem, por vezes com o apoio de movimentos marginais inconsequentes, que buscam tirar partido dos eventos, assumindo responsabilidade por algo que não fizeram.

Não é possível ignorar que, no caso da invasão do Iraque, o preconceito, e não apenas a manipulação deliberada (que também existiu), estava por trás de vinculações absurdas, usadas para justificar decisões que causaram centenas de milhares de vítimas (há quem fale em 1 milhão). O suposto elo entre Saddam Hussein e o terrorismo nunca se comprovou, da mesma forma que eram falsas as alegações quanto à posse por Bagdá de armas de destruição em massa. Num primeiro momento, contudo, essas justificativas foram aceitas pela maioria da população norte-americana.

Não sejamos inocentes. Interesses econômicos e políticos, e não apenas preconceitos, motivaram a decisão de atacar o Iraque. Mas o pano de fundo de uma visão particularista do mundo, em que “diferente” se torna sinônimo de “inimigo”, ajuda a criar o caldo de cultura de que se valem os líderes para obter, das populações que governam, o indispensável apoio às suas custosas aventuras bélicas.

A Noruega não corre esse risco. Como disse o primeiro-ministro Stoltenberg, o terrorismo insano não destruirá a democracia do país nórdico, que, ademais, se tem notabilizado por importantes iniciativas em favor da paz. Aliás, é o ódio às pessoas que promovem a paz e o entendimento, além da intolerância e do fanatismo, que está na raiz desse bárbaro atentado. Infelizmente, não só o orgulho, como queria a romancista inglesa, mas também o ódio costuma ser um companheiro inseparável do preconceito.

Flores e política: Marcha das Margaridas prova ser a maior mobilização de mulheres do Brasil e da América Latina

Por Letícia Verdi (Caros Amigos)

marchamargaridas1“Enquanto persistir o modelo de desenvolvimento dominante, focado no agronegócio, não haverá desenvolvimento sustentável, justiça, autonomia, igualdade e liberdade neste país”. Com essa convicção, as Margaridas floriram Brasília nos dias 16 e 17 de agosto. Elas são dezenas de milhares de trabalhadoras do campo e da floresta, organizadas em sindicatos, que pela quarta vez, desde 2000, marcharam em Brasília para reivindicar políticas públicas por melhores condições de vida na área rural. A estimativa da organização era reunir 100 mil mulheres. O número que saiu na imprensa foi 70 mil, a polícia militar contou 45 mil. Seja qual for a contagem real, trata-se da maior mobilização de mulheres do Brasil e da América Latina.

Desde a base, nas federações e sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais, até a cabeça do movimento, em Brasília, o esforço coletivo garantiu a ida dessas mulheres à capital federal. O que as move é real: as demandas das Margaridas são baseadas na experiência. Elas sabem do que estão falando, viram e vêem as terras sendo tomadas pela soja e pelo gado, as matas derrubadas, rios poluídos, meninas caindo na prostituição, mulheres sendo vítimas de violências, crianças ficando doentes e sem acesso a serviços de saúde.

“O modelo atual de desenvolvimento expande as monoculturas, destrói a biodiversidade e o meio ambiente, compromete a agricultura familiar, reproduz a violência, gera empobrecimento e miséria no país”. A frase está na carta-aberta da Marcha das Margaridas à sociedade. Mas o objetivo principal das Margaridas é sensibilizar o Governo para a implementação de políticas públicas específicas para as mulheres rurais. No dia 13 de julho, em comitiva, elas foram ao Palácio do Planalto entregar uma pauta de reivindicações com 158 pontos, distribuídos em sete eixos - biodiversidade e democratização dos recursos naturais; terra, água e agroecologia; soberania e segurança alimentar e nutricional; autonomia econômica, trabalho e renda; educação não sexista, sexualidade e violência; saúde e direitos reprodutivos; democracia, poder e participação política.

As Margaridas são articuladas, organizadas, conscientes. Conseguiram um espaço de diálogo com o governo, que resultou na ida da presidenta Dilma Rousseff à Cidade das Margaridas (montada no Parque da Cidade, em Brasília), e a atenção da mídia durante os dias de mobilização. Coisa surpreendente foi a simpatia que conquistaram junto à população da cidade. Apesar do transtorno gerado no trânsito em horário de pico, os cidadãos da capital federal demonstraram apoio e compreensão com a causa das mulheres do campo e da floresta – tão distantes e tão próximas naqueles dias.

No encerramento da Marcha, dia 17, a presidenta Dilma entregou à Coordenadora Nacional da Marcha e Secretária de Mulheres da Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag), Carmenmarchamargaridas2 Foro, um caderno de respostas. Em sua fala, anunciou medidas importantes: mutirões de três barcos para tirar documentos das ribeirinhas; 16 unidades fluviais de saúde; escritura conjunta do casal para imóveis rurais obtidos por meio do Programa Nacional de Crédito Fundiário; funcionamento, até 2012, de 10 unidades móveis de atendimento às mulheres em situação de violência na área rural; ações para a redução da mortalidade materna e infantil para as mulheres rurais; campanha contra o câncer de colo de útero e de mama para as mulheres do campo e da floresta; realização do Mapa da Saúde para aspopulações rurais; trinta por cento da merenda escolar a ser adquirido da agricultura familiar; acesso ao Crédito de Apoio à Mulher, no valor de R$ 3mil, em uma parcela.

Apesar de ser um dos pontos estruturantes da pauta das Margaridas, reforma agrária não foi sequer citada nas palavras de Dilma. “Compreendemos que isso é um processo, não poderíamos entender que tudo seria resolvido apenas nessa Marcha. Abrimos um caminho de negociação com o governo”, ponderou Carmen Foro, afirmando que a resposta da presidenta não corresponde ao tamanho da mobilização.

Na carta-aberta, o movimento deixou claro: “A Marcha das Margaridas 2011 reafirma a necessária realização de uma Reforma Agrária ampla e massiva como condição primeira para vencer a miséria, transformar efetivamente a realidade econômica e social e construir um país justo, soberano, democrático e sustentável. Essa necessidade é imperiosa para as mulheres, que representam, segundo o IBGE, 47,9% da população do campo e da floresta, dentre as quais predomina a pobreza e a permanência em acampamentos espalhados por todo o país”.

Mesmo assim, motivo não falta para comemorar. “A Marcha em si já é vitoriosa por ter mobilizado tantas mulheres”, lembrou Carmen.
Por que Margaridas?
marchamargaridas3A Marcha das Margaridas tem esse nome em homenagem à dirigente sindical Margarida Alves (1943-1983), grande símbolo da luta das mulheres por terra, trabalho, igualdade, justiça e dignidade. Rompeu com padrões tradicionais de gênero ao ocupar por 12 anos a presidência do sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba. Sua trajetória sindical foi marcada pela luta contra a exploração, pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, contra o analfabetismo e pela reforma agrária. Margarida Alves foi brutalmente assassinada com um tiro no rosto pelos usineiros da Paraíba em 12 de agosto de 1983.

Libia, quarto país vítima de agressão militar dos EUA

Por Georges Pezmatzoglu
 
A iminente derrubada do regime de Kadafi na Líbia como resultado de uma guerra de quase seis meses que travam os EUA e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) traz novamente em foco um tema colossal, cuja seriedade o mundo não conscientizou-se ainda.
Independente de se alguém simpatiza ou antipatiza com Muamar Kadafi, o fato indiscutível é que a Líbia se constitui o quarto - em sequência - país que desaba vítima de ataque militar dos EUA e de seus aliados na primeira década do século XXI, os últimos 12 anos para sermos exatos.

A começar de março de 1999, quando o presidente democrata Bill Clinton desfechou uma guerra contra a então "pequena" Iugoslávia, que era constituída pela Sérvia e por Montenegro, com resultado de despedaçar a Iugoslávia e amputar a Sérvia, arrancando-lhe Kosovo e derrubando Slobodan Milocevitz, o qual, em seguida, foi executado "por processo médico", dentro de sua cela em Haya.

Observa-se que está sendo repetido gradualmente e, em caráter permanente, o seguinte fenômeno: quando os EUA sentem antipatia por um líder ou um regime, atacam cruamente, fazem guerra contra o país, derrubam seu líder e o regime e instalam em seus lugares os espantalhos de Washington.

Começaram com a Sérvia e Milocevitz. Continuaram com o Afeganistão e o Talibã, que em três meses completam uma década inteira de ocupação do país e massacre de sua população desarmada.

Em seguida, foi a vez do Iraque e de Saddam Hussein, onde já foram completados oito anos de ocupação norte-americana, destruição e pilhagem desde o petróleo até o Museu Histórico deste outrora orgulhoso país árabe.

Agora chegou a vez da Líbia e, naturalmente, não é necessário alguém ser adivinho para prever o triste destino deste país que sucumbe ao agressivo poderio bélico norte-americano.

Sem protestos

Estes fatos são horripilantes e, o pior é que os povos da Europa acostumam-se cada vez mais com estas guerras de conquista dos EUA e da Otan e as consideram quase fenômenos fisiológicos, assim como, gradualmente, têm deixado de expressar o seu mesmo inconsequente protesto. Ninguém, mesmo, emocionou-se e posicionou-se contra a guerra dos EUA e da Otan contra a Líbia.

Se alguém pensar sobre isto: seis meses EUA e Otan bombardeando impiedosamente dia e noite o país e matando os líbios para arrancar-lhes seu petróleo, enquanto todos os europeus e norte-americanos permaneceram indiferentes sobre os crimes de guerra cometidos pelos EUA e Otan a tal ponto que haviam quase esquecido esta guerra, até que de repente foram informados que o regime de Muamar Kadafi está desabando.

O mundo enfrenta intervenções militares cruas de forças imperialistas do tipo mais clássico. Os pretextos, como "caráter humanitário" ou "ajuda para as forças opositoras", não conseguem encobrir as guerras de conquista. São as guerras de conquista que caracterizam a nova época neste mundo do século XXI.

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Fonte:
Monitor Mercantil

De céticos a cínicos


Por Emir sader, em seu Blog

O ceticismo parece um bom refúgio em tempos em que já se decretou o fim das utopias, o fim do socialismo, até mesmo o fim da história. É mais cômodo dizer que não se acredita em nada, que tudo é igual, que nada vale a pena. O socialismo teria dado em tiranias, a política em corrupção, os ideais em interesses. A natureza humana seria essencialmente ruim: egoísta, violenta, propensa à corrupção.

Nesse cenário, só restaria não acreditar em nada, para o que é indispensável desqualificar tudo, aderir ao cambalache: nada é melhor, tudo é igual. Exercer o ceticismo significa tratar de afirmar que nenhuma alternativa é possível, nenhuma tem credibilidade. Umas são péssimas, outras impossíveis. Alguns órgãos, como já foi dito, são máquinas de destruir reputações. Porque se alguém é respeitável, se alguma alternativa demonstra que pode conquistar apoios e protagonizar processos de melhoria efetiva da realidade, o ceticismo não se justificaria.

Na realidade o ceticismo se revela, rapidamente, na realidade, ser um cinismo, em que tanto faz como tanto fez, uma justificativa para a inércia, para deixar que tudo continue como está. Ainda mais que o ceticismo-cinismo está a serviço dos poderes dominantes, que costumam empregar esses otavinhos, dando-lhes espaço e emprego.

Seu discurso é que o mundo está cada vez pior , à beira da catástrofe ecológica, tudo desmorona e outros cataclismos. Concitam a essa visão pessimista, ao ceticismo e a somar-se à inercia, que permite que os poderosos sigam dominando, os exploradores sigam explorando, os enganadores – como eles – sigam enganando.

Por mais que digam que tudo está pior, que o século passado foi um horror – como se o mundo estivesse melhor no século XIX -, que nada vale a pena, não podem analisar a realidade em concreto. Para não ir mais longe, basta tomar a América Latina – tema sobre o qual a ignorância dessa gente é especialmente acentuada. Impossível não considerar que o século XX foi o mais importante da sua história, o primeira em que a região começou a ser protagonista da sua historia. De economias agro exportadoras, se avançou para economias industrializadas em vários países, para a urbanização , para a construção de sistemas públicos de educação e de saúde, para o desenvolvimento do movimento operário e dos direitos dos trabalhadores.

Mas bastaria concentrar-nos no período recente, no mundo atual, para nos darmos conta de que as sociedades latino-americanas – o continente mais desigual do mundo – ou pelo menos a maioria delas, avançaram muito na superação das desigualdades e da miséria. Ainda mais em contraste com os países do centro do capitalismo, referência central para os cético-cínicos, que giram em falso em torno de políticas que a América Latina já superou.

As populações da Venezuela, da Bolívia, do Equador, estão vivendo muito melhor do que antes dos governos de Hugo Chavez, de Evo Morales e de Rafael Correa. A Argentina dos Kirdhcner esta’ muito melhor do que com Menem. O Brasil de Lula e de Dilma esta’ muito melhor do que com FHC.

Mas o ceticismo-cinismo desconhece a realidade concreta, não conhece a história. É pura ideologia, estado de ânimo, que dá cobertura aos poderosos, lado que escolheram, ao optar por deixar o mundo como ele está. Trata de passar sentimentos de angustia diante dos problemas do mundo, mas é apenas uma isca para fazer passar melhor seu compromisso com que o mundo não mude, continue igual. Até porque a vida está bem boa para eles que comem da mão dos ricos e poderosos.

Ser otimista não é desconsiderar os graves problemas de toda ordem que o mundo vive, não porque a natureza humana seja ruim por essência, mas porque vivemos em um sistema centrado no lucro e não nas necessidades humanas – o capitalismo, na sua era neoliberal. Desconhecer as raízes históricas dos problemas, não compreender que é um sistema construído historicamente e que, portanto, pode ser desconstruído, que teve começo, tem meio e pode ter fim. Que a história humana é sempre um processo aberto de alternativas e que triunfam as alternativas que conseguem superar esse ceticismo-cinismo que joga água no moinho de deixar tudo como está, pela ação consciente, organizada, solidária dos homens e mulheres concretamente existentes.

As patologias do capital

Brasil, China e turbulências mundiais

Por Wladimir Pomar, no sítio Correio da Cidadania:

Parece haver certo consenso de que o mundo está entrando numa era de turbulências agudas em todos os terrenos. Isto é, na volatilidade das finanças, nas taxas de câmbio e de juros, nos índices de emprego e de padrão de vida, nas insatisfações sociais e nacionais, nas tendências e nas alianças políticas e nas apreciações ideológicas sobre esse conjunto de situações e sobre cada uma delas.


É verdade que, como mostrou a crise de 2008, essas turbulências não ocorrem na mesma extensão e gravidade em todos os países e regiões. Em 2008 concentraram-se principalmente nos Estados Unidos e, agora, concentram-se na Europa, a partir dos países de economias mais fracas. Mas não há qualquer dúvida de que elas causam instabilidades globais que rebatem, de forma mais ou menos intensa, e mais ou menos graves, em todos os demais países.

Também é verdade que é impossível fazer previsões de curto prazo sobre como, e com que rapidez, tais turbulências evoluirão, não apenas nos países centrais, mas no resto do mundo. Em tais condições, basta isso para gerar uma série de ações desencontradas, em cada um dos países ou regiões. Alguns destes tendem a adotar medidas protecionistas, enquanto outros pensam tirar proveito máximo da crise dos outros. No entanto, nada garante que a situação crítica dos Estados Unidos e da Europa possa levar algum benefício a quem quer que seja, em especial no caso de se firmar a tendência de ascensão das correntes políticas de direita e para-fascistas.

No caso do Brasil, o quadro recomenda uma avaliação estratégica mais consistente das relações do país, tanto com as regiões em crise quanto com os BRICS, com a América Latina e com as regiões que ainda estão relativamente a salvo. Talvez seja mais conveniente ao Brasil se preparar para o pior e tratar mais seriamente tal possibilidade.

Nesse sentido, é necessário tratar com especial atenção nossas relações com a China. No momento, parece predominar não só em certos setores empresariais, mas também em diversos setores governamentais e acadêmicos, uma visão negativa sobre tais relações, como se os chineses fossem única e exclusivamente uma ameaça.

Num quadro geral de crise, o predomínio dessa visão não só impedirá o Brasil de aproveitar as oportunidades oferecidas pelo desenvolvimento chinês, como também pode tornar o Brasil o único prejudicado, já que a China é um dos poucos países do mundo que possui um mercado doméstico suficientemente grande para suportar, em certa medida, uma crise realmente global.

Segundo dados conhecidos, a corrente de comércio bilateral Brasil-China saltou de 760 milhões de dólares, em 1989, para 56,8 bilhões de dólares, em 2010. Em outras palavras, a corrente de comércio do Brasil com o país asiático saltou de 1,5% para 15%. Esse aumento do comércio com a China contribuiu não só para reduzir os déficits das contas correntes brasileiras, mas também para manter a inflação brasileira sob controle, tendo em conta os custos mais baixos dos bens importados daquele país.

Além disso, enquanto os investimentos diretos (IED) realizados pela China no Brasil somaram 250 milhões de dólares, entre 1990 e 2009, essa soma se elevou a 13,7 bilhões de dólares em 2010. Ou seja, 28% de todos os investimentos estrangeiros no Brasil. As estimativas são de que, nos próximos anos, esses investimentos oriundos da China se elevem ainda mais, embora muitos temam que eles se dirijam unicamente à fabricação de produtos básicos exportáveis.

A maioria dos analistas considera que esse é o lado aparentemente bom das relações com a China. Mas essa maioria também considera que tal lado bom é apenas um canto de sereia, ou a reedição do infausto acordo Inglaterra-Portugal, como escreveu Luis Nassif em seu blog. Para demonstrar essa tese, apontam vários aspectos preocupantes do comércio externo brasileiro e das relações com a China.

Os produtos básicos e semi-manufaturados, que antes constituíam 43,5% das exportações brasileiras, saltaram para 58,6% em 2010. Em contrapartida, as exportações de manufaturados caíram de 54,3%, em 2006, para 39,4% em 2010. Para tornar ainda mais sombria essa situação do Brasil, estima-se que 71,5% dos investimentos previstos entre 2011/2014 (não só chineses) estarão voltados para commodities, como petróleo, gás e mineração, enquanto os investimentos destinados aos setores de manufaturas exportáveis, como veículos, papel e celulose e têxteis e confecções, cairão para 11,9%.

A participação da indústria no valor total da economia brasileira caiu de 19,2%, em 2004, para 14,8% em 2009. Teria ocorrido, portanto, uma desindustrialização. Os analistas supõem que essa situação é ainda mais grave porque tal desindustrialização não teria sido acompanhada do surgimento de um setor de serviços dinâmico e sofisticado, como ocorreu nos Estados Unidos e em vários países da Europa. Só esquecem de dizer que isso não teria sido vantagem alguma, já que serviços dinâmicos e sofisticados não salvaram os Estados Unidos e a Europa da crise, colocando em xeque as vantagens da pretensa modernidade pós-industrial.

A partir desses dados, e do fato de o comércio realizado entre as diversas indústrias brasileiras, destinado a fortalecer suas cadeias produtivas, ter caído de 57% para 50%, entre 2006 e meados de 2011, a maior parte dos analistas conclui que a China estaria contribuindo para agravar essa situação. Afinal, 83,6% das exportações brasileiras para ela são de produtos básicos, contra apenas 4,5% de produtos manufaturados. Em contrapartida, 85% das importações brasileiras da China são de produtos industriais e de altos componentes tecnológicos.

Esses críticos das relações atuais do Brasil com a China reconhecem que o país asiático se tornou importante fonte de crédito externo para o Brasil. Mas não concordam que tais créditos estejam, em geral, vinculados a projetos de produção, logística ou comercialização de produtos brasileiros. E citam como exemplo o empréstimo de 10 bilhões de dólares, concedido em 2009, pelo China Development Bank (CDB) à Petrobrás, em troca da exportação de 200 mil barris de petróleo/dia, durante 10 anos.

Isso comprovaria que as relações econômicas e comerciais com a China, incluindo os investimentos e os créditos, teriam contribuído para estimular a produção e a exportação de produtos básicos e fazer regredir a produção industrial. Por outro lado, os ínfimos 85,3 milhões de dólares (outros falam em 150 milhões de dólares) investidos pelo Brasil na China demonstrariam a existência de barreiras aos investimentos brasileiros naquele país.

Numa análise superficial, os números apresentados podem levar à conclusão de que tais assertivas sobre as relações Brasil-China estão corretas e que a China não passa mesmo de uma das sereias que tentou levar o grego Ulisses ao naufrágio, após a guerra de Tróia. No entanto, uma análise mais acurada, inclusive partindo da experiência industrial da China, pode indicar que tais analistas estão construindo mitos, que pouco têm a ver com a realidade de ambos os países, e que pouco ajudarão a construir uma estratégia de parceria e benefício mútuo de longo prazo. Mas isso é assunto para a próxima semana.

Sete pontos acerca da Líbia

Gaddafi
Rebeldes rumam a Sirte, cidade natal de Gaddafi, com o apoio dos jatos da Otan

Doravante mesmo os cegos podem ver e compreender o que está em curso na Líbia:

1. O que se passa é uma guerra promovida e desencadeada pela OTAN. Esta verdade acaba por se revelar até mesmo nos órgãos de “informação” burgueses. No La Stampa de 25 de Agosto, Lucia Annunziata escreve: é uma guerra “inteiramente externa, ou seja, feita pelas forças da OTAN”; foi “o sistema ocidental que promoveu a guerra contra Gaddafi”. Uma peça do International Herald Tribune de 24 de Agosto mostra-nos “rebeldes” que se regozijam, mas eles estão comodamente instalados num avião que traz o emblema da OTAN.

2. Trata-se de uma guerra preparada desde há muito tempo. O Sunday Mirror de 20 de Março revelou que “três semanas” antes da resolução da ONU já estavam em ação na Líbia “centenas” de soldados britânicos, enquadrados num dos corpos militares mais refinados e mais temidos do mundo (SAS). Revelações ou admissões análogas podem ser lidas no International Herald Tribune de 31 de Março, a propósito da presença de “pequenos grupos da CIA” e de uma “ampla força ocidental a atuar na sombra”, sempre “antes do desencadeamento das hostilidades a 19 de Março”.

3. Esta guerra nada tem a ver com a proteção dos direitos humanos. No artigo já citado, Lucia Annunziata observa com angústia: “A OTAN que alcançou a vitória não é a mesma entidade que lançou a guerra”. Nesse intervalo de tempo, o Ocidente enfraqueceu-se gravemente com a crise econômica; conseguirá ele manter o controle de um continente que, cada vez mais frequentemente, percebe o apelo das “nações não ocidentais” e em particular da China? Igualmente, este mesmo diário que apresenta o artigo de Annunziata, La Stampa, em 26 de Agosto publica uma manchete a toda a largura da página: “Nova Líbia, desafio Itália-França”. Para aqueles que ainda não tivessem compreendido de que tipo de desafio se trata, o editorial de Paolo Paroni (Duelo finalmente de negócios) esclarece: depois do início da operação bélica, caracterizada pelo frenético ativismo de Sarkozy, “compreendeu-se subitamente que a guerra contra o coronel ia transformar-se num conflito de outro tipo:   guerra econômica, com um novo adversário: a Itália obviamente”.

4. Desejada por motivos abjetos, a guerra é conduzida de modo criminoso. Limito-me apenas a alguns pormenores tomados de um diário acima de qualquer suspeita. O International Herald Tribune de 26 de Agosto, num artigo de K. Fahim e R. Gladstone, relata: “Num acampamento no centro de Tripoli foram encontrados os corpos crivados de balas de mais de 30 combatente pró Gaddafi. Pelo menos dois deles estavam atados com algemas de plástico e isto permite pensar que sofreram uma execução. Dentre estes mortos, cinco foram encontrados num hospital de campo; um estava numa ambulância, estendido numa maca e amarrado por um cinturão e tendo ainda uma transfusão intravenosa no braço”.

5. Bárbara como todas as guerras coloniais, a guerra atual contra a Líbia demonstra como o imperialismo se torna cada vez mais bárbaro. No passado, foram inumeráveis as tentativas da CIA de assassinar Fidel Castro, mas estas tentativas eram efetuadas em segredo, com um sentimento de que se não é por vergonha é pelo menos de temer possíveis reações da opinião pública internacional. Hoje, em contrapartida, assassinar Gaddafi ou outros chefes de Estado não apreciados no Ocidente é um direito abertamente proclamado. O Corriere della Sera de 26 de Agosto de 2011 titula triunfalmente: “Caça a Gaddafi e seus filhos, casa por casa”. Enquanto escrevo, os Tornado britânicos, aproveitando também a colaboração e informações fornecidas pela França, são utilizados para bombardear Syrte e exterminar toda a família de Gaddafi.

6. Não menos bárbara do que a guerra foi a campanha de desinformação. Sem o menor sentimento de pudor, a OTAN martelou sistematicamente a mentira segundo a qual suas operações guerreiras não visavam senão a proteção dos civis! E a imprensa, a “livre” imprensa ocidental? Ela, em certo momento, publicou com ostentação a “notícia” segundo a qual Gaddafi enchia seus soldados de viagra de modo a que eles pudessem mais facilmente cometer violações em massa. Como esta “notícia” caiu rapidamente no ridículo, surge então uma outra “nova” segundo a qual os soldados líbios atiram sobre as crianças. Nenhuma prova é fornecida, não se encontra nenhuma referência a datas e lugares determinados, nenhuma remessa a tal ou tal fonte: o importante é criminalizar o inimigo a liquidar.

7. Mussolini, no seu tempo, apresentava a agressão fascista contra a Etiópia como uma campanha para libertar este país da chaga da escravidão; hoje a OTAN apresenta a sua agressão contra a Líbia como uma campanha para a difusão da democracia. No seu tempo Mussolini não cessava de trovejar contra o imperador etíope Hailé Sélassié chamando-o “Negus dos negreiros”; hoje a OTAN exprime seu desprezo por Gaddafi chamando-o “ditador”. Assim como a natureza belicista do imperialismo não muda, também as suas técnicas de manipulação revelam elementos significativos de continuidade. Para clarificar quem hoje realmente exerce a ditadura a nível planetário, ao invés de citar Marx ou Lénine quero citar Emmanuel Kant. Num texto de 1798 (O conflito das faculdades), ele escreve: “O que é um monarca absoluto? Aquele que, quando comanda: ‘a guerra deve fazer-se’, a guerra seguia-se efetivamente”. Argumentando deste modo, Kant tomava como alvo em particular a Inglaterra do seu tempo, sem se deixar enganar pela forma “liberal” daquele país. É uma lição de que devemos tirar proveito: os “monarcas absolutos” da nossa época, os tiranos e ditadores planetários da nossa época têm assento em Washington, em Bruxelas e nas mais importantes capitais ocidentais.

Por Domenico Losurdo - Correio do Brasil

O original encontra-se em http://domenicolosurdo.blogspot.com/; com a versão em francês em http://www.legrandsoir.info/sept-points-sur-la-libye.html. Também foi reproduzido no portal http://resistir.info/.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Manuela d'Ávila: O mundo está ao contrário e ninguém reparou?

Carros incendiados na Inglaterra. As ruas de Israel tomadas pela juventude. Jovens, um milhão deles, nas ruas do Chile. Mulheres com rostos cobertos questionando governos no mundo árabe. A marcha das vadias que começa em um continente e acaba por ocupar diversos pontos do mundo. A marcha da maconha que se transforma na marcha das liberdades.

Por Manuela d'Ávila*


O mundo todo tem presenciado, visto e vivido muitas manifestações. Algumas delas carregam grandes causas, de uma nação. Outras têm bandeiras individuais (o que não diminui seu valor e importância). Algumas têm atuação organizada e têm como objetivo claro a disputa pelo poder político. Outras carregam a revolta não traduzida em ação coerente.

Apesar de diferenças múltiplas, todos esses movimentos indicam um caminho, indicam que há algo de diferente no ar. Esse “diferente”, talvez seja o que nos faz ter acesso a tantos acontecimentos. Pode ser, também, uma das explicações para que essas manifestações tenham apoio de povos tão distantes.

O diferente, aqui, é a tecnologia e, mais precisamente, a internet. É assim por ajudar no processo de mobilização com as tão divulgadas redes sociais? Também. Mas, fundamentalmente, porque auxilia no processo de construção de um novo cidadão, no fortalecimento da nova sociedade, ou sociedade digital.

O cidadão digital é, sim, mais informado. Mas acima disso, tem outra visão sobre a importância e o significado da participação, sobre o significado de liderança. Esse talvez seja um dos grandes aprendizados pelos quais todos estamos passando.

O que, de fato, mudou? Além dos hábitos do uso, claro, a rede construiu novos valores na sociedade. Hoje, podemos dizer que existem dois mundos: um analógico, outro digital. E esses dois mundos são constituídos por cidadãos diferentes.

Para o cidadão analógico, o líder ainda é aquele que concentra a informação. Para o cidadão digital, o líder é aquele que sabe compartilhar a informação. O líder analógico sabe tudo e constrói sua ação “encastelado”. Enquanto isso, o líder digital reconhece seus limites e atua de maneira colaborativa, fortalecendo a ideia, o objetivo. O analógico é mecânico. O digital é orgânico. Há, portanto, um antagonismo entre essas realidades.

Talvez a ilustração do impacto gerado pelas diferenças de realidades possa ser expressada através da contraposição de computadores pessoais fixos e tablets, de orelhões e pequenos celulares multifuncionais. Não se trata, é importante destacar, de uma questão geracional, como alguns afirmam. Seria até mesmo ingênuo transformar a idade no fator central de mudanças tão profundas. Não é difícil encontrarmos jovens analógicos e senhores digitais!

O fato é que nossa sociedade e nossas instituições passam por transformações permanentemente. E isso faz com que coexistam cidadãos analógicos e digitais. Uns complementamos outros (afinal, não há rede social se não houver pessoas envolvidas). E uns também questionam aos outros. Nosso dilema – de nós, que optamos pela vida pública – é garantir que nossas instituições estejam atentas a essas transformações para manterem representatividade real, para consolidarmos a democracia. Afinal, o parlamento é a maior expressão da democracia.

O Estado, portanto, precisa se adaptar, precisar conciliar esses diferentes cidadãos. Se vivemos novos tempos, o Estado precisa responder a isso. Vivemos na era tecnológica, porém com um Estado analógico. O resultado desse abismo é a ampliação da distância entre o cidadão e o poder público. É preciso que haja uma mudança para que o Estado seja, de fato, o órgão representativo do seu povo.

* É deputada federal pelo PCdoB do Rio Grande do Sul; preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e é vice-líder do governo no Congresso Nacional.

Fonte: Congresso em Foco

Charge de Carlos Latuff

Partidos novatos não devem participar das eleições 2012

Das 20 legendas embrionárias que tentam obter registro para disputar as eleições no ano que vem, poucas devem conseguir. Entre as exigências está a coleta de 482 mil assinaturas
Se um eleitor de boa-fé ou mesmo um político calejado tentasse listar os partidos políticos do Brasil passaria aperto: são 27. Saber de cabeça o nome das legendas existentes e ainda das 20 que tentam a regularização é tarefa quase impossível. São cristãos, ecológicos, funcionários públicos, mulheres, humanistas, defensores da pátria livre, da educação e cidadania, além de outros temas para todos os credos e tendências.

Entretanto, a maior parte dos novatos não participará das eleições do ano que vem, pois não conseguirá completar uma série de etapas exigidas para isso, que inclui em montagem de diretórios em pelo menos nove estados e coleta de 482.894 assinaturas, o que corresponde a 0,5% dos votos dados para deputados federais na última eleição.

O mais famoso é o Partido Social Democrata (PSD), capitaneado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (ex-DEM), que já coletou as assinaturas, criou os diretórios e pediu o registro. Porém, nem todos contam com a mesma estrutura e agilidade.

O Partido Mulher Brasileira (PMB), por exemplo, não deverá conseguir o registro, pois, segundo a presidente Suede Haidar, tem apenas 380 mil assinaturas certificadas. “Se não der para essa eleição dará para as próximas”, vislumbra Suede.

Questionada sobre a ideologia do partido, Suede explica se tratar de “inserir a mulher na política partidária com mais respeito”. Entretanto, das assinaturas coletadas até agora, segundo cálcudos dela, mais de 90% são de homens. “O homem quando casa não muda de nome.

Já a mulher muda o nome e não tem o hábito de trocar no cartório eleitoral o nome de solteira para casada”, justifica a presidente. Isso explicaria o fato de 70% das assinaturas de mulheres não terem sido validadas. As assinaturas não implicam filiação, mas sem elas a legenda não pode existir.

O Partido da Transformação Social (PTS) também não participará do pleito do ano que vem. O presidente da legenda, Ronaldo Gualberto, reclama da quantidade de assinaturas exigida, o que na visão dele é uma forma de manter o poder nas mãos das mesmas pessoas.

Gualberto é diretor da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e presidente do Sindicato dos Comerciários de Contagem. Mas a grande maioria do partido, segundo ele, é oriunda do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), organização que empreendeu a luta armada contra o regime militar.

“Somos oriundos da esquerda, mas não somos doentes”, relativiza Gualberto. Ele explica que já coletou 200 mil assinaturas. Para definir melhor os rumos do partido, ele quer agregar intelectuais que estão desanimados e construir um programa de fato.

“Não adianta pensar no Brasil somente para a Copa do Mundo”, critica o presidente do PTS. Gualberto também ataca a maioria dos partidos, que, na análise dele, são legendas de aluguel e “distantes das bases”.

O Partido Cristão (PC) conseguiu cerca de 300 mil assinaturas e, de acordo com o presidente, Ronaldo Moreno, não é possível saber se haverá tempo de cumprir todos os preceitos até o prazo. Moreno destaca que apesar de ser um partido cristão, a legenda defende o estado laico.

“Não fazemos a defesa de nenhuma instituição religiosa”, ressalta. De acordo com Moreno, o PC vai exigir a ficha limpa antes de a pessoa se filiar. “Não temos nenhum malandro dentro do partido”, garantiu o presidente.
Verdes


Já o Partido Ecológico Nacional (PEN) acerta os últimos detalhes para pedir o registro a tempo das próximas eleições. De acordo com o presidente Adilson Barroso, o processo está em fase final e faltam apenas 30 mil assinaturas certificadas, já que as articulações começaram em 2007.

A causa do PEN, de acordo com Barroso, é defender o crescimento sustentável. Ele destaca que é muito difícil montar um partido e entende que todos as legendas, até as que já são oficiais, deveriam passar pelo mesmo processo de criação, com a coleta de assinaturas. “Sobrariam só alguns”, avalia Barroso.

Outra legenda que também usa a defesa ecológica como mote, o Partido do Meio Ambiente (PMA) não participará das próximas eleições. “Temos 282 mil assinaturas e não vai dar tempo”, admite seu presidente, Jurandir Silvério. A ideologia principal é a defesa do meio ambiente, explica Silvério. Tem algo diferente dos outros? “Nada. Vamos trabalhar a política da maneira que ela deve ser trabalhada”, resume Silvério.

Salada partidária
OS PRETENDENTES

Partido Social Democrata (PSD)

Partido da Pátria Livre (PPL)

Partido Novo (PN)

Partido Ecológico Nacional (PEN)

Partido da Educação e Cidadania (PEC)

Partido Democrático dos Servidores Públicos (PDSP)

Partido Geral do Trabalho (PGT)

Partido Federalista (PF)

Partido Humanista do Brasil (PMH)

Partido Liberal Democrata (PLD)

Partido Cristão Nacional (PCN)

Partido da Transformação Social (PTS)

Partido do Meio Ambiente (PMA)

Partido Cristão (PC)

Partido Social (PS)

Partido dos Servidores Públicos e da Iniciativa Privada do Brasil (PSPB)

Partido Mulher Brasileira (PMB)

Partido da Justiça Social (PSJ)

Partido Republicano da Ordem Social (PRSB)

Partido Carismático Social (PCS)
OS ATUAIS

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) 1981

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) 1981

Partido Democrático Trabalhista (PDT) 1981

Partido dos Trabalhadores (PT) 1982

Democratas (DEM) 1986

Partido Comunista do Brasil (PCdoB) 1988

Partido Socialista Brasileiro (PSB) 1988

Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) 1989

Partido Trabalhista Cristão (PTC) 1990

Partido Social Cristão (PSC) 1990

Partido da Mobilização Nacional (PMN ) 1990

Partido Republicano Progressista (PRP) 1991

Partido Popular Socialista (PPS) 1992

Partido Verde (PV) 1993

Partido Trabalhista do Brasil (PTB) 1994

Partido Progressista (PP) 1995

Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) 1995

Partido Comunista Brasileiro (PCB) 1996

Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) 1995

Partido Humanista da Solidariedade (PHS) 1997

Partido Social Democrata Cristão (PSDC) 1997

Partido da Causa Operária (PCO) 1997

Partido Trabalhista Nacional (PTN) 1997

Partido Social Liberal (PSL) 1998

Partido da República (PR) 2006

Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) 2005

Partido Republicano Brasileiro (PRB) 2005

Fonte: Estado de Minas



Veja é o Murdoch brasileiro

Por Charles Carmo, no blog Viomundo:

A revista Veja entrou no centro de um dos maiores escândalos da imprensa nacional após a divulgação da suposta tentativa de invasão do apartamento em que o ex-ministro José Dirceu estava hospedado, no Hotel Naoum, em Brasília. O repórter Gustavo Nogueira Ribeiro está sendo acusado de tentar convencer a camareira a deixá-lo entrar no quarto de José Dirceu, fingindo se passar por um colega do ex-ministro que estaria hospedado no mesmo apartamento.

A denúncia partiu da camareira e do chefe de segurança do hotel, e foi registrada num boletim de ocorrência do 5º distrito policial de Brasília.

Para o deputado Emiliano José (PT/BA) “a Veja está assumindo a sua face mais clara de banditismo. Dentro dos padrões éticos do jornalismo e da convivência democrática não há justificativa possível para este tipo de comportamento, salvo se ela estiver seguindo as trilhas do Murdoch. Para tentar obter um fato, não importa qual fato seja, a revista cometeu um crime ao tentar invadir um apartamento. Não importa de quem é o apartamento e qual o fato que ela supostamente queria investigar”, afirmou o parlamentar.

Emiliano José afirma que o caso é extremamente grave e a sociedade brasileira deve reagir ao escândalo com a mesma indignação que os ingleses reagiram aos escândalos dos grampos do jornal News of the World, pertencente ao grupo do bilionário Rupert Murdoch, e que resultou na prisão dos responsáveis, além do fechamento do jornal, maculado de maneira irremediável pelo escândalo dos grampos que foram descobertos e atingiram desde políticos até vítimas de seqüestro. O chamado “Caso Murdoch” abalou a Inglaterra e trouxe à baila a discussão sobre os limites da imprensa na democracia.

“É preciso envolver os setores democráticos brasileiros para que não se configure uma prática nitidamente arbitrária, ilegal e golpista como esta. A Veja é o Murdoch brasileiro, só que com características do golpismo político. Ela é uma usina golpista da direita brasileira e latino-americana. A sociedade brasileira precisa reagir a isto que está ocorrendo. Temos que tomar uma providência diante dos crimes da Veja. Não se trata de um fato com um companheiro do partido, que fique bem claro, mas de uma agressão à vida democrática brasileira. A Veja foi pega com a mão na botija e isto é contra a democracia”, concluiu o deputado que também é jornalista e professor da Universidade Federal da Bahia.

E qual seria a motivação para a matéria da Veja? Emiliano José tem uma opinião. Para ele “a revista Veja quer forçar a condenação prévia de um cidadão, ela faz lobby para forçar a condenação de Dirceu. Ela está tolhendo Zé Dirceu do seu direito de ir e vir, de sua privacidade, e está devassando a sua vida privada de maneira caluniosa e ilegal. É o caso Murdoch novamente, só que com motivação política”, afirmou o deputado.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PCdoB de Teofilândia se organiza para 2012

Por Genaldo de Melo

No último dia 28 de agosto lideranças e militantes do Partido Comunista do Brasil do município de Teofilândia, no Território de Identidade do Sisal, estiveram reunidos na Conferência Municipal do Partido para discutir temas relacionados à organização política para 2012. Além de avaliar a conjuntura política no Estado da Bahia e no município, foi feita a discussão e deliberação do documento sobre o Projeto de Resolução Política e da Atuação Partidária.

Do mesmo modo, no evento foi feita também a eleição e a escolha dos novos membros que ficarão responsáveis pelo processo de condução política e administrativa da agremiação partidária no município. Para a presidência foi escolhida Nelma Ferreira, da APLB-Sindicato, e para a tesouraria do Partido foi escolhido Antonio Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais daquele município.

Presentes à Conferência estiveram Genaldo de Melo, do Diretório Municipal do PCdoB de Feira de
Santana, Noildo Gomes, novo Diretor de Organização da APLB-Sindicato na Bahia, os jovem Robson e Adriano, membros do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores, e Antonio Pereira (Gavião), representante do Gabinete do Deputado Estadual Álvaro Gomes.

Segundo a nova presidente do Diretório Municipal do PCdoB esse grupo está disposto a apresentar para a sociedade de Teofilândia um novo projeto para a construção de uma cidade mais humana, em que o povo esteja em primeiro lugar, combatendo assim as forças anacrônicas que sempre estiveram no poder e somente representou até hoje os interesses de uns poucos municípes.

Orçamento de 2012: ducha de água fria

Editorial Vermelho

As medidas anunciadas pelo governo para enfrentar a crise econômica que pode durar mais do que se esperava, na avaliação da presidente Dilma Rousseff, decepcionaram os sindicalistas que se reuniram com ela na manhã de hoje, dia 29.

O governo decidiu manter “o cinto apertado” para enfrentar a crise e quer apoio do Congresso para evitar novos projetos que aumentem os gastos do Tesouro, como a PEC 300, que cria o piso salarial para bombeiros e policiais, a regulamentação da emenda 29 que reforça o orçamento da Saúde, entre outras medidas de contenção.

Isto é, ao contrário do que ocorreu em 2008, o governo escolheu o caminho ortodoxo para enfrentar a crise. O êxito de 2008/2009, que deu condições para o Brasil sair da crise antes de todos os demais países, foi justamente aumentar o investimento do governo para incentivar a economia. Com base naquela política o país voltou logo a crescer.

As medidas previstas para 2012 apontam para o rumo oposto, o tradicional ajuste fiscal baseado no aumento do superávit primário (a economia do governo para pagar juros aos grandes especuladores) obtido justamente pelo corte nos gastos públicos.

Há um aceno do governo no sentido de que o “aperto do cinto” possa criar condições para a redução da taxa de juros. É uma promessa implícita nas declarações emanadas do Palácio do Planalto.

Mas é preciso considerar, nesta avaliação, o desempenho do superávit primário que, em julho, foi o mais alto desde 1997, quando começou a ser contabilizado, chegando a R$ 11,2 bilhões. No ano, o acumulado chega a R$ 67 bilhões, quase completando a meta do ano. Este desempenho resultou do aumento das receitas (22%) e do crescimento mais lento das despesas (11%) em relação ao mesmo período de 2010. É uma montanha de dinheiro que não pode ser desprezada e que deveria servir, ao contrário, para fortalecer os incentivos do governo à economia.

Esta é a base da insatisfação dos dirigentes sindicais em relação às medidas restritivas que o governo pretende incluir no orçamento de 2010. A reação dos dirigentes de três centrais (Arthur Henrique, da CUT; Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical; e Wagner Gomes, da CTB) à conversa com a presidente foi unânime: eles a avaliaram como uma ducha de água fria.

Aumento do superávit primário “é um tipo de economia que dá dinheiro para banqueiro internacional", criticou Paulo Pereira da Silva. “O que sangra o Orçamento brasileiro é a taxa de juros”, disse Arthur Henrique. “Dilma disse que a crise mundial pode se agravar e que, por isso, há necessidade de aumentar o superávit primário [economia para pagar juros da dívida pública]. Isso para nós é uma ducha de água fria que vai levar o Brasil a perder indústrias e ser um exportador de matéria-prima”, completou Wagner Gomes.

Falácia da Veja demonstra necessidade de limites, diz senador

O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou, em discurso nesta segunda-feira (29), que a matéria publicada pela revista Veja no último fim de semana, com informações que teriam sido obtidas clandestinamente, "evidenciou a necessidade de se discutir os limites de iniciativas de órgãos de imprensa danosas à imagem de pessoas públicas", a partir de "acusações vazias, falaciosas, lançadas a partir de dados que nada expressam".


Segundo disse, não se trata de cercear a liberdade de expressão, mas sim "pôr fim a eventos em prejuízo aos limites da ética jornalística".

Reportagem da revista Veja acusa o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, de manter um gabinete paralelo em Brasília, visando influenciar e até conspirar contra o gestão da presidente Dilma Rousseff. O material mostra encontros de José Dirceu com parlamentares e figuras importantes do governo.

"Sob o falso pretexto de jornalismo investigativo, a revista provavelmente cometeu ato ilegal com a tentativa de invasão de domicilio, conforme será esclarecido em inquérito em curso na Polícia Civil do Distrito Federal", disse.

A direção do Hotel Naoum, onde José Dirceu se hospeda e recebe políticos, registrou em boletim de ocorrência a tentativa de invasão do quarto em que se hospeda o ex-ministro. Segundo a acusação, o repórter teria, por duas vezes, tentado entrar no quarto, primeiro enganando uma camareira e depois se passando por outra pessoa, afirmou o senador.

Também se desconfia que outros crimes possam ter sido cometidos, entre eles, o suborno de funcionários ou a instalação ilegal de grampos no sistema interno de TV que garante a segurança do local, disse Humberto Costa.

A desconfiança se sustenta no fato de a revista ter publicado imagens do circuito interno em preto e branco, sendo que o sistema do hotel gera imagens em cores. Com as evidências de espionagem ilegal, a direção do Naoum anunciou que também irá acionar a Polícia Federal nas investigações, disse ainda o líder do PT.

"A democracia conquistada neste país é um bem precioso, mas ela também vem acompanhada de outros valores: a apuração minuciosa dos fatos, a partir de provas contundentes e de resultados de investigações já feitas, é necessária antes de se lançar qualquer acusação sem cabimento contra qualquer pessoa: homem público, cidadão ou cidadã", argumentou Humberto Costa.

A matéria publicada pela Veja neste fim de semana afirma que, em um "gabinete paralelo", José Dirceu despacha com parlamentares e figuras importantes do governo Dilma Rousseff e teria o objetivo de conspirar contra a gestão da presidente.

Fonte: Agência Senado

Para onde vão as multidões?

Protestos no Oriente Médio, na Europa e no Chile têm como motivação principal a disputa por quem paga a conta da crise mundial. Mas as generalizações param por aí. Há especificidades importantes em cada país. Acima de tudo é preciso atentar para o sentido das manifestações

O ano de 2011 pode ficar marcado como aquele em que as multidões voltaram às ruas de forma vigorosa em diversas partes do mundo. O ano começou com o levante na Tunísia, que derrubou o presidente Ben Ali, passou pelas maciças concentrações na praça Tahrir, que culminaram com a queda de Hosni Mubarak e espalharam-se pela Argélia, Iêmen, Bahrein, Kwait e alcançaram Israel. A Líbia não entra na conta, pois o aspecto dominante na queda de Kadafi não foram inquietações internas, mas a invasão da OTAN. Milhões também se mobilizaram na Grécia, Espanha, Islândia, Portugal e Inglaterra. No Chile, após mais de dois meses de enormes protestos, os trabalhadores se uniram aos estudantes e deflagraram uma inédita greve geral, com a participação de diversas categorias profissionais.

Desde 1968 o mundo não assistia uma onda de levantes e marchas populares de tamanha envergadura. Ao mesmo tempo, apesar da proximidade no tempo, é difícil falar em “onda global” de protestos. Avaliar que imensos contingentes decidiram “votar com os pés”, numa expressão de Lênin, em protesto contra a “globalização neoliberal” é uma generalização de pouca valia. Em última instância tudo pode ser debitado no grande cesto da crise internacional, da pauperização acelerada da população e da submissão dos governos ao chamado “mercado”.

No entanto, mais do que nunca, olhar para os detalhes é fundamental. Até porque os países atingidos são muito distintos entre si.

Periferia e centro
As reações populares atingiram a periferia e o centro do sistema. Há diferenças mesmo entre os países do Oriente Médio. O Egito (84 milhões de habitantes, PIB de US$ 579 bilhões, PIB per capita de US$ 7,2 mil e 101º. no IDH-ONU) e a Tunísia (10,5 milhões de habitantes, PIB de US$ 53,2 bilhões, PIB per capita de US$ 5 mil e 81º.no IDH-ONU) são países pobres, com alta concentração de renda e socialmente instáveis. A Espanha (47 milhões de habitantes, PIB de US$ 1,48 trilhões, PIB per capita US$ 32 mil, 20º. no IDH ONU) e a Inglaterra (51 milhões de habitantes, PIB de US$ 2,27 trilhões, PIB per capita US$ 39,5 mil e 28º no IDH ONU) representam o chamado “mundo rico”. Israel (7,5 milhões de habitantes, PIB US$ 210 bilhões, PIB per capita de US$ 28 mil e 15º no IDH ONU) e Grécia (12 milhões de habitantes, PIB de US$ 310 bilhões, PIB per capita de US$ 27 mil e 22º no IDH ONU) apresentam formalmente indicadores próximos aos da Europa Ocidental. Todos os dados têm por fonte o FMI (
http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2011/01/weodata/download.aspx) e a ONU (http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2010_PT_Tables_reprint.pdf).

Na Tunísia e no Egito, o empobrecimento das maiorias, com altíssimas taxas de desemprego, foi rapidamente associado às antigas ditaduras locais. Na Grécia, o alvo visível foi o Parlamento. Na Espanha, aconteceu o fenômeno mais preocupante: após gigantescas manifestações que se arrastaram por várias semanas nas grandes cidades, a direita venceu as eleições municipais de 22 de maio. O Partido Popular obteve 37,58% dos votos contra 27,81% dos votos do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de José Luiz Zapatero. 33,7% dos eleitores não foram votar, o que equivale a cerca de 11 milhões de pessoas. Madri, entre outras, agora está nas mãos de conservadores que não escondem suas simpatias pela ditadura franquista (1938-75). Vários ativistas fizeram campanha pelo direito de não votar, como forma de protesto.

No caso inglês, os protestos aconteceram em regiões pobres da capital e de grandes cidades, com forte concentração de imigrantes. Ali o quadro se configura como uma grande catarse social diante de uma situação de precarização prolongada.

Forças organizadas
Nas ditaduras do Oriente Médio, os longos anos de repressão impediram o surgimento de forças populares organizadas de grande envergadura.

Expressão disso é que a formidável ebulição da praça Tahrir não apresentava lideranças claras. Um dos que buscou, sem sucesso, ficar a cavaleiro da situação foi o diplomata Mohamed El Baradei, de regresso ao país depois de três décadas no exterior. Como o Facebook foi um dos meios de comunicação dos rebeldes, chamaram até o representante local da rede social para falar à multidão. Entre outras organizações, a Irmandade Muçulmana foi acusada de estar por trás de tudo. Nenhum dos três atores parecia representar uma síntese orgânica da rebelião. Mesmo assim, multidões voltaram à praça nas últimas semanas.

O caso egípcio e o espanhol foram saudados por alguns como exemplo de mobilização horizontal, sem burocracias partidárias ou sindicais a tirar proveito da situação. O que parece ser uma vantagem tem se afigurado como problema. O viés contra a política institucional, no caso espanhol é claro. O desgaste dos partidos políticos – imersos em financiamentos milionários de campanha que atrelam governos cada vez mais a interesses privados – afasta o debate de alternativas reais às disputas sociais.

Socialismo conservador
O que seria um hipotético partido de esquerda, o PSOE, aplica desde os anos 1980 as medidas ultraliberais na Espanha com maior afinco que a direita tradicional. Daí o desalento e o afastamento da juventude em relação à política institucional. Várias das demandas clamam por uma democracia direta, acima de partidos e organizações tradicionais. Nunca parece ter sido tão grande a distância entre as ruas e o poder político, formalmente democrático.

Apesar do viés preocupante, não há dúvidas que as mobilizações têm representado enorme alento em um continente tomado por governos de direita e socialmente regressivos.

Uma lógica política institucionalizada só é mudada em casos extremos de rupturas por forças que se sobreponham ao status quo. Apesar da palavra “revolução” ter sido usada à exaustão para classificar os eventos árabes e europeus, não parece haver nada lá que se aproxime de algo dessa magnitude.

Diferencial chileno
O caso chileno parece ter certa distinção em relação aos anteriores. Isso se dá não apenas pela impressionante envergadura das atividades, mas por seu grau de organização. Não se trata mais de jornadas estudantis, mas de uma onda de protestos que passou a envolver a maioria dos trabalhadores urbanos, com forte apoio da opinião pública. A expressão disso foi a greve geral de 24 e 25 de agosto.

Na cabeça das agitações estão a Federação de Estudantes do Chile (Fech) e entidades do funcionalismo público (dirigidas majoritariamente pelo Partido Comunista) e a Central Unitária dos Trabalhadores (hegemonizada pelo Partido Socialista). Vale notar que a CUT sofreu, nos últimos anos, um processo de divisões e defecções por conta de seu apoio aos governos da Concertação (aliança PS-Democracia Cristã), que dirigiu o país entre 1990 e 2010 e deixou intocadas as estruturas econômicas da ditadura pinochetista (1973-89). A adesão da Central às manifestações, demandando mudanças na legislação trabalhista da ditadura, é também uma forma de superar seus desgastes.

O que era inicialmente um protesto contra altas taxas das universidades, todas particulares, se transformou em demanda contra a privatização dos serviços públicos e contra a crescente desigualdade social. Com 17 milhões de habitantes, PIB de US$ 162 bilhões, PIB per capita de US$ 9,5 mil e 44º lugar no IDH da ONU, o Chile é um dos que apresenta menor investimento público em saúde (2,2%) na América do Sul. O desemprego atingiu o pico de 9,7% em 2009.

Nada indica que o Chile fará uma revolução a partir das manifestações. A marca distintiva é que elas parecem concentrar suas energias nas organizações existentes e consegue potencializar a força dos protestos.

Limites do espontaneísmo
É sempre bom lembrar a história brasileira dos anos 1980-90 para ver as possibilidades da organização política e social e os limites das manifestações espontâneas e com demandas vagas, saudadas por alguns como “democráticas” e “não burocráticas”.

O Brasil dos anos 1980 assistiu às maiores mobilizações de massa de sua história. O movimento estudantil, as greves operárias e as Diretas Já geraram saldos organizativos que se materializaram na construção de partidos de esquerda – PT incluído – entidades democráticas – UNE, CUT, MST entre outras – e mudanças sensíveis expressas na Constituição de 1988. Não se discute aqui o transformismo conservador vivido por parcela desses organismos nos anos recentes. Havia demandas claras por democracia e conquista de direitos sociais, em boa medida vitoriosas.

No início da década seguinte, multidões voltaram às ruas. Dessa vez, o alvo eram os desmandos do governo Collor. A voz das ruas falou mais alto e o presidente teve de renunciar em 2 de outubro de 1992. No dia seguinte, houve eleições municipais em todo o país. Em São Paulo, a população deu vitória ao candidato da direita, Paulo Maluf, que enfrentava Eduardo Suplicy, do PT, agremiação que estivera à frente dos protestos. Guardadas as proporções, Collor e Maluf eram expressões do mesmo projeto político.

Os resultados eleitorais ainda suscitam polêmicas. Mas no centro estava o fato de a campanha contra Collor foi realizada com base num moralismo anticorrupção que, embora indignasse a população, não deixou saldos políticos. Sobre o projeto ultraliberal do governo, quase nada foi dito.

No Oriente Médio governos foram derrubados e na Europa os indignados podem voltar a marchar. Tomara que a disputa entre no decisivo terreno da política.

A falta que o respeito faz

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital
 
A cultura moderna, desde os seus albores no século XVI, está assentada sobre uma brutal falta de respeito. Primeiro, para com a natureza, tratada como um torturador trata a sua vítima com o propósito de arrancar-lhe todos os segredos(Bacon). Depois, para com as populações originárias da América Latina. Em sua "Brevíssima Relação da Destruição das Indias” (1562) conta Bartolomé de las Casas, como testemunho ocular, que os espanhóis "em apenas 48 anos ocuparam uma extensão maior que o comprimento e a largura de toda a Europa, e uma parte da Ásia, roubando e usurpando tudo com crueldade, injustiça e tirania, havendo sido mortas e destruídas vinte milhões de almas de um país que tínhamos visto cheio de gente e de gente tão humana”(Décima Réplica). Em seguida, escravizou milhões de africanos trazidos para as Américas e negociados como "peças” no mercado e consumidos como carvão na produção.

Seria longa a ladainha dos desrespeitos de nossa cultura, culminando nos campos de extermínio nazista de milhões de judeus, de ciganos e de outros considerados inferiores.

Sabemos que uma sociedade só se constrói e dá um salto para relações minimamente humanas quando instaura o respeito de uns para com os outros. O respeito, como o mostrou bem Winnicott, nasce no seio da família, especialmente da figura do pai, responsável pela passagem do mundo do eu para o mundo dos outros que emergem como o primeiro limite a ser respeitado. Um dos critérios de uma cultura é o grau de respeito e de autolimitação que seus membros se impõem e observam. Surge, então, a justa medida, sinônimo de justiça. Rompidos os limites, vigora o desrespeito e a imposição sobre os demais. Respeito supõe reconhecer o outro como outro e seu valor intrínseco seja pessoas ou qualquer outro ser.

Dentre as muitas crises atuais, a falta generalizada de respeito é seguramente uma das mais graves. O desrespeito campeia em todas as instâncias da vida individual, familiar, social e internacional. Por esta razão, o pensador búlgaro-francês Tzvetan Todorov, em seu recente livro "O medo dos bárbaros” (Vozes 2010), adverte que se não superarmos o medo e o ressentimento e não assumirmos a responsabilidade coletiva e o respeito universal não teremos como proteger nosso frágil planeta e a vida na Terra já ameaçada.

O tema do respeito nos remete a Albert Schweitzer (1875-1965), prêmio Nobel da Paz de 1952. Da Alsácia, era um dos mais eminentes teólogos de seu tempo. Seu livro "A história da pesquisa sobre a vida de Jesus” é um clássico por mostrar que não se pode escrever cientificamente uma biografia de Jesus. Os evangelhos contêm história; mas não são livros históricos. São teologias que usam fatos históricos e narrativas com o objetivo de mostrar a significação de Jesus para a salvação do mundo. Por isso, sabemos pouco do real Jesus de Nazaré. Schweitzer compreendeu: histórico mesmo é o Sermão da Montanha e importa vivê-lo. Abandonou a cátedra de teologia, deixou de dar concertos de Bach (era um de seus melhores intérpretes) e se inscreveu na faculdade de medicina. Formado, foi a Lambarene no Gabão, na África, para fundar um hospital e servir a hansenianos. E ai trabalhou, dentro das maiores limitações, por todo o resto de sua vida.

Confessa explicitamente: "o que precisamos não é enviar para lá missionários que queiram converter os africanos mas pessoas que se disponham a fazer para os pobres o que deve ser feito, caso o Sermão da Montanha e as palavras de Jesus possuam algum sentido. O que importa mesmo é, tornar-se um simples ser humano que, no espírito de Jesus, faz alguma coisa, por pequena que seja”.

No meio de seus afazeres de médico, encontrou tempo para escrever. Seu principal livro é: "Respeito diante da vida”, que ele colocou como o eixo articulador de toda ética. "O bem”, diz ele, "consiste em respeitar, conservar e elevar a vida até o seu máximo valor; o mal, em desrespeitar, destruir e impedir a vida de se desenvolver”. E conclui: "quando o ser humano aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante; a grande tragédia da vida é o que morre dentro do homem enquanto ele vive”.

Como é urgente ouvir e viver esta mensagem nos dias sombrios que a humanidade está atravessando.
[Leonardo Boff é autor de "Convivência, Respeito, Tolerância”, Vozes 2006].

Educação, dez por cento do PIB

Investir 10% em educação é perfeitamente viável do ponto de vista econômico e não fruto do delírio de esquerdistas radicais ou educadores sonhadores
  
Otaviano Helene - Brasil de fato

No final da década de 1990, um grande conjunto de entidades comprometidas com o desenvolvimento da educação construiu uma proposta de Plano Nacional de Educação, conhecido como PNE da Sociedade Brasileira (PNE-SB). Esse Plano foi apresentado ao Congresso Nacional na forma de um projeto de lei assinado por mais de 70 parlamentares e encabeçado pelo deputado federal Ivan Valente, então no PT-SP.

Uma das propostas contidas no PNE-SB dizia respeito à necessidade de financiamento, estimada, então, em 10% do PIB. Neste momento em que a defesa dos 10% do PIB para a educação é adotada por inúmeras entidades comprometidas com a educação nacional, vale a pena examinar alguns aspectos referentes à origem daquele valor e as possibilidades reais do país arcar com isso.

Os 10% do PIB não foram tirados da cartola! Durante a elaboração do PNE-SB, avaliou-se em que situação nossa educação se encontrava, definiram-se as metas a serem atingidas e os prazos para isso. Usando alguns parâmetros bem definidos (por exemplo, os investimentos necessários por estudante ano e o número de crianças, jovens e adultos a serem atendidos), estimou se o volume de recursos necessário. (Detalhes dos cálculos aparecem na referência citada.) Daí surgiram os 10% do PIB. Não por coincidência, os países que acumulavam atrasos educacionais como os nossos e os superaram aplicaram cerca de 10%, ou mais, de seus PIBs na educação pública.

O PNE atualmente proposto pelo executivo federal prevê investimentos que, na melhor das hipóteses, chegariam aos 7% do PIB e propõe metas incompatíveis com esse valor, como a universalização da educação dos 4 aos 17 anos, a conclusão do ensino fundamental para todos, o atendimento de 50% das crianças de até 3 anos de idade e o oferecimento de educação em tempo integral para boa parte dos estudantes das escolas públicas. Além disso, é necessário melhorar a infraestrutura das escolas, aumentar os salários dos trabalhadores na educação, ampliar os programas de gratuidade ativa etc. Mesmo os 10% do PIB seriam insuficientes para cumprir as metas do PNE proposto.

É importante observar que investir 10% em educação é perfeitamente viável do ponto de vista econômico e não fruto do delírio de esquerdistas radicais ou educadores sonhadores. Vejamos. De 2003 a 2010, o PIB brasileiro cresceu cerca de 37% em termos reais. Se o equivalente ao crescimento médio de um único ano tivesse sido concentrado no setor educacional, já teríamos atingido as condições necessárias de financiamento para superar nossos atrasos.

Devemos lembrar que quando se reivindica uma maior participação da educação no PIB, não se está a subtrair alguma coisa dele. Dito de forma mais explícita: a construção civil teria sido aquecida, mas com um maior volume destinado às instalações escolares; a renda média da população também teria crescido, mas com uma maior concentração na forma de aumento salarial dos trabalhadores em educação; o emprego formal também teria aumentado, por contratação de mais professores e educadores; o consumo de papel e material impresso, de energia elétrica, de veículos, de vestimentas, de equipamentos eletrônicos de todos os tipos e de tudo o mais que é produzido no país também teriam crescido, mas mais concentradamente no setor educacional. Portanto, aumentar os investimentos em educação não disputa espaço com o crescimento econômico, ao contrário, incrementa- o e o redireciona para uma área de maior relevância social e econômica.

Um dos graves problemas do Brasil hoje é a sustentação do crescimento da economia, e um dos entraves é o baixo nível de formação da nossa força de trabalho. Como os investimentos em educação têm taxas de retorno (aumento do PIB em relação aos investimentos feitos) muito altas, levam vantagem quando comparados com investimentos em outros setores da economia e se pagariam em poucos anos. Além disso, mais e melhor educação traz ganhos sociais e culturais que poderiam contribuir para superar uma das maiores vergonhas nacionais: a concentração de renda. Mas elevar os investimentos públicos a 10% do PIB choca-se com os interesses capitalistas mais mesquinhos e imediatistas, pois implica em retirar de seu controle uma parte dos recursos, ainda que muito pequena. Esses recursos seriam administrados pelo setor público e, característica típica do setor educacional, com uma margem de democracia e participação, embora ainda insuficientes, muito maiores do que aquela existente na administração empresarial privada. Aí está a fonte das dificuldades que enfrentamos. Portanto, vamos intensificar a luta pelos 10% do PIB para a educação pública, já!

Otaviano Helene é professor do Instituto de Física da USP, ex-presidente da Associação de Docentes da USP e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Mantém o blog http: blogolitica.blogspot.com/

Aprovado em concurso dentro das vagas tem direito à nomeação

O Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a um Recurso Extraordinário (RE) 598099 em que o estado do Mato Grosso do Sul questiona a obrigação da administração pública em nomear candidatos aprovados dentro no número de vagas oferecidas no edital do concurso público. A decisão ocorreu por unanimidade dos votos.
O tema teve repercussão geral reconhecida tendo em vista que a relevância jurídica e econômica da matéria está relacionada ao aumento da despesa pública. No RE se discute se o candidato aprovado em concurso público possui direito subjetivo à nomeação ou apenas expectativa de direito.
O estado sustentava violação aos artigos 5º, inciso LXIX, e 37, caput e inciso IV, da Constituição Federal, por entender que não há qualquer direito líquido e certo à nomeação dos aprovados, devido a uma equivocada interpretação sistemática constitucional. Alegava que tais normas têm o objetivo de preservar a autonomia da administração pública, “conferindo–lhe margem de discricionariedade para aferir a real necessidade de nomeação de candidatos aprovados em concurso público”.
Boa-fé da administração
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a administração pública está vinculada ao número de vagas previstas no edital. “Entendo que o dever de boa-fé da administração pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas no concurso público”, disse o ministro, ao ressaltar que tal fato decorre do “necessário e incondicional respeito à segurança jurídica”. O STF, conforme o relator, tem afirmado em vários casos que o tema da segurança jurídica é “pedra angular do Estado de Direito, sob a forma da proteção à confiança”.
O ministro relator afirmou que quando a administração torna público um edital de concurso convocando todos os cidadãos a participarem da seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, “ela, impreterivelmente, gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital”. “Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado-administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento”, avaliou.
Dessa forma, segundo Mendes, o comportamento da administração no decorrer do concurso público deve ser pautar pela boa-fé, “tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos”.
Direito do aprovado x dever do poder público
De acordo com relator, a administração poderá escolher, dentro do prazo de validade do concurso, o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, “a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público”
Condições ao direito de nomeação
O ministro Gilmar Mendes salientou que o direito à nomeação surge quando se realizam as condições fáticas e jurídicas. São elas: previsão em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso; realização do certame conforme as regras do edital; homologação do concurso; e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previstos no edital em ordem de classificação por ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente.
Conforme Mendes, a acessibilidade aos cargos públicos “constitui um direito fundamental e expressivo da cidadania”. Ele destacou também que a existência de um direito à nomeação limita a discricionariedade do poder público quanto à realização e gestão dos concursos públicos. “Respeitada a ordem de classificação, a discricionariedade da administração se resume ao momento da nomeação nos limites do prazo de validade do concurso, disse.
Situações excepcionais
No entanto, o ministro Gilmar Mendes entendeu que devem ser levadas em conta "situações excepcionalíssimas" que justifiquem soluções diferenciadas devidamente motivadas de acordo com o interesse público. “Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da administração de nomear novos servidores, salientou o relator.
Segundo ele, tais situações devem apresentar as seguintes características: Superveniência - eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação de edital do certame público; Imprevisibilidade - a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias à época da publicação do edital; Gravidade – os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; Crises econômicas de grandes proporções; Guerras; Fenômenos naturais que causem calamidade pública ou comoção interna; Necessidade – a administração somente pode adotar tal medida quando não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível.
O relator avaliou a importância de que essa recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada “e, dessa forma, seja passível de controle por parte do Poder Judiciário”. Mendes também salientou que as vagas previstas em edital já pressupõem a existência de cargos e a previsão de lei orçamentária, “razão pela qual a simples alegação de indisponibilidade financeira desacompanhada de elementos concretos tampouco retira a obrigação da administração de nomear os candidatos”. 
 
Ministros
Segundo o ministro Celso de Mello, o julgamento de hoje “é a expressão deste itinerário jurisprudencial, que reforça, densifica e confere relevo necessário ao postulado constitucional do concurso público”. Por sua vez, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha afirmou não acreditar “numa democracia que não viva do princípio da confiança do cidadão na administração”.
Para o Marco Aurélio, “o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo”. “Feito o concurso, a administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão”, completou. 
Fonte: ASCOM/ADPREV