segunda-feira, 11 de julho de 2011

Uma vergonha a olhos nus

Recentemente estive na Assembléia Legislativa da Bahia e achei um tanto ridículo o papel desempenhado pelos nobres deputados durante as votações no plenário da Casa, lógico com algumas raras exceções, daqueles que de fato tem compromisso com o povo. Fica parecendo uma feira livre com sua balbúrdia natural o desenho dos mesmos na sessão. Enquanto a Mesa Diretora solicita a todo o momento a atenção dos rapazes do Poder Legislativo para as pautas, alguns deles chegam as vias de fato da risada e da galhofada. E alguns no microfone dizem coisas e propõem outras que chegam à beira do absurdo.
O povo baiano precisa de projetos concretos, que funcionem como alavanca que melhore a vida mesmo, de fato. Mas parece que ficam todos querendo negociar peixe e banana. Enquanto a Mesa Diretora encaminha as pautas para as votações ficam vários deputados em grupos, conversando e fazendo pequenas reuniões discutindo no plenário da Casa não se sabe o quê.
Qualquer cidadão que na Assembléia Legislativa chegar para assistir uma sessão naturalmente vai se chocar. Primeiro, os mais entendidos do mundo político acharão que os nobres estão fazendo política e acordos o tempo todo, em vez de trabalhar, pois foram eleitos para isso. Segundo, quem não conhece o mundo político, que dificilmente chega a assistir uma sessão, pois o Centro Administrativo foi feito para o povo não ir mesmo lá, vai se chocar pela falta de disciplina dos representantes do povo, pois eles transformam aquilo em picadeiro e casa de mão Joana.
Reitero que tem exceções. E se o povo soubesse de fato o que acontece no momento das votações, duvido que os nobres deputados consigam sucesso eleitoral nos outubros da vida. Reitero também que vou mais vezes lá para também começar a dá nomes aos bois. Parece que lá comportamento somente existe quando se coloca em votação projetou ato legislativo de interesse da maioria que compõe a Casa. É uma vergonha o comportamento de alguns nobres deputados eleitos com nosso voto. É uma vergonha a olhos nus!

Genaldo de Melo

O "Marinho mundial" em mau lençóis

O magnata da mídia Rupert Murdoch é um dos homens mais ricos e poderosos do mundo.

Ele é dono Wall Street Journal, do The New York Post, da Fox – quarta maior rede de televisão americana e, na TV por assinatura, a Fox Sports, Fox News, a National Geographic TV, Channel World, FX e mais 14 canais. Tem dezenas de jornais pelo mundo e já tentou comprar o próprio The New York Times.

Mas o escândalo de espionagem do seu tablóide News of The World feriu profundamente a rede de influência em que se apóia o seu império. O órgão regulador de telecomunicação no Reino Unido já sinalizou que se oporá a aquisição pelo grupo da Sky inglesa.

O governo conservador inglês quer livrar-se de sua íntima ligação com Murdoch, que também era “amigo” de Tony Blair. Os republicanos americanos, unha e carne com Murdoch, vão colocá-lo na “geladeira” por um tempo, pelo menos, pela postura militante anti-Barack Obama de sua Fox.

Claro que não se pode generalizar esta barbaridade para todos os conglomerados de mídia, mas é impossível acreditar que decisões e recursos para o grampeamento em massa de telefonespudessem se dar sem autorização e cumplicidade dos mais altos executivos da empresa (melhor não chama-los de jornalistas, não é?).

Aliás, os conglomerados de mídia pouco têm a ver com imprensa livre, hoje. Seus apetites e cumplicidades políticas não tornam a ética, digamos, o mais sagrado dos seus valores, embora eles a usem sempre quando lhes interessa, sobretudo para demolir pessoas e governos.

Décadas atrás, acostumamo-nos a ver regimes autoritários fecharem jornais. Talvez seja, porém, a primeira vez em que vemos um jornal ser fechado por uma arbitrariedade praticada por ele mesmo.

Fonte: Fernando Brito - Tijolaço

Estatuto da Cidade: dez anos de uma lei de origem popular

Neste dia 10 de julho, o Estatuto da Cidade comemora 10 anos. Trata-se da Lei nº 10.257, relatada pelo então deputado cearense Inácio Arruda, atual líder do PCdoB no Senado. Este comunista, que iniciou sua vida política atuando no movimento popular e que presidiu a Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza, aprimorou o projeto que dez anos antes o senador Pompeu de Souza havia preparado para regulamentar o Capítulo II – Da Política Urbana, da Constituição Federal.

E aqui vale ressaltar: o Estatuto é uma lei oriunda da pressão e mobilização popular. No Brasil, as primeiras reivindicações de reforma urbana ocorreram na década de 30 do século passado. Antes de o movimento popular organizar-se em defesa de seus direitos de moradia, o “saneamento” vivenciado nos grandes centros populacionais era, na verdade, uma política de expulsão dos trabalhadores e trabalhadoras das áreas mais valorizadas para as periferias. Um verdadeiro apartheid promovido pelas classes dirigentes.

O golpe ditatorial de 1964, ao perseguir e tentar eliminar até fisicamente os comunistas e democratas, reprimiu também os movimentos em favor de condições dignas de moradia. Mas a luta popular não é fruto de conspiradores, como queriam fazer acreditar os ditadores. Ela é um fator objetivo, impulsionado pelas condições duras de vida impostas a amplas parcelas da população. Ainda sob a ditadura, em 1979, a bandeira da reforma agrária, outro problema não resolvido do nosso país, articulou-se com a reivindicação pela moradia e contra a carestia e ganhou novo arrojo. Os sindicatos retomavam seus combates e o movimento estudantil voltava a expressar a rebeldia diante dos opressores. A luta pela democracia ganhava novo impulso, que levaria à superação do governo discricionário.

Com o fim da ditadura e a instalação da Assembléia Constituinte, o Fórum Nacional da Reforma Urbana apresentou uma Emenda Popular, com 130 mil assinaturas, com as propostas relativas ao tema. Disso resultou, na Constituição, o Capítulo II – Da Política Urbana, e a definição de que “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (Art. 182, § 2º). Porém, nada havia que regulamentasse o que seria o plano diretor. Isso só foi definido em 2001, com o Estatuto da Cidade.

Uma das mais conceituadas arquitetas e urbanistas do Brasil, Ermínia Maricato, que há mais de 40 anos estuda as questões urbanas e de habitação e fez parte da equipe do Ministério das Cidades no governo Lula, considera o texto do Estatuto “brilhante, mas temos ainda o desafio de implementá-lo”. E denuncia: “As empreiteiras e o capital imobiliário pressionam prefeitos para conseguirem contratos, e os anseios da população são esquecidos”.

O senador Inácio Arruda conclama o movimento popular a “exigir a aplicação efetiva do Estatuto, em prol do interesse coletivo e da justiça social”. Essa lei garante um conjunto de instrumentos para a execução da política de desenvolvimento urbano. Oferece mecanismos legais destinados a fazer cumprir a função social da propriedade. São muitos os imóveis urbanos ainda vazios que, mantidos ociosos à espera de valorização, oneram a cidade e o orçamento público. Com sua utilização adequada, as cidades podem crescer menos horizontalmente, ameaçar menos o meio ambiente e consumir menos recursos públicos.

Nas eleições municipais do próximo ano, os candidatos sintonizados com as aspirações populares terão, no Estatuto da Cidade, um instrumento legal de apoio às suas propostas e de mobilização, não só dos moradores interessados na propriedade de suas moradias, mas dos que querem transporte público com qualidade, o respeito ao meio ambiente, o respeito aos pedestres e ciclistas, o direito ao lazer em parques e instalações públicas. Destes e de outros temas fundamentais para uma existência solidária, participativa e fraternal nas cidades trata esta lei que celebra 10 anos de vigência.

Como afirmou a professora Maricato, que foi secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Paulo na gestão de Luíza Erundina, antes, portanto, da Lei nº 10.257, “ao longo desses dez anos, o maior desafio do Estatuto da Cidade é sua aplicação. Vivemos numa sociedade patrimonialista, com privatização do aparelho do Estado, onde ainda reina o individualismo. O Estatuto vai na contramão deste pensamento”.

Eis uma lei que vale a pena comemorar e fazer valer os seus ditames. A vida das populações, principalmente nos grandes centros está cada vez mais prejudicada por problemas estruturais, cuja solução poderá se dar nos marcos de uma reforma urbana. O Estatuto das Cidades é um marco jurídico e político que dá importantes indicações sobre essa reforma. (Editorial Vemelho)

 

PR diz que não vai botar "faca no peito" de Dilma para impor nome

 A decisão sobre o nome que irá assumir o Ministério dos Transportes pode ficar para quarta-feira (13). Diante do impasse criado pelo impedimento do senador Blairo Maggi (PR-MT) para assumir o cargo, o Partido da República (PR) só voltará a se reunir no meio da próxima semana para discutir o assunto.

Maggi admitiu a sondagem do Palácio do Planalto, mas como as empresas das quais ele é sócio têm contratos com o governo, ele não pode, legalmente, ficar com a vaga de ministro sem deixar os negócios privados.

Segundo o líder do PR na Câmara, Lincoln Portela (PR-MG), a próxima reunião marcada entre ele, Maggi e o senador Magno Malta (PR-ES) - os três encarregados pela cúpula do PR para encontrar um nome que agrade à presidenta Dilma Rousseff e que seja fiel ao partido - será na quarta-feira (13).

Apesar do impasse gerado pela recusa de Maggi, que era o preferido do PR para ficar com o cargo, Lincoln Portela procurou ser cauteloso quanto à indicação do partido, que é da base aliada do governo e tem uma bancada de 40 deputados federais e seis senadores, já contando com o retorno do ex-ministro Alfredo Nascimento (PR-AM) para o Senado.

“Quem tem o comando é a presidenta [Dilma Rousseff]. Esses três homens [Malta, Maggi e Portela] que foram colocados como interlocutores do partido para encontrar alguém, em nenhum momento estão impondo nenhum nome”, disse Portela. “Jamais colocaríamos a faca no peito da presidenta”.

Os três parlamentares passam o fim de semana nos respectivos estados de origem, apenas mantendo contatos telefônicos. Não há reuniões previstas com outros membros do PR para hoje ou amanhã.

Segundo Portela, não haverá "mágoas" no partido se Dilma optar pela efetivação do ministro interino, Paulo Sérgio Passos, que também é filiado ao PR. “Nós vamos continuar sendo base aliada, seja o escolhido o Sérgio Passos, o Antônio, o Pedro ou a Maria”, declarou. “Um ou outro pode ficar magoado, claro, mas não faria sentido deixar de ser da base [de apoio do governo Dilma]. Como é que nós fomos para as ruas dizer que a Dilma era a melhor para governar o Brasil e agora deixaríamos de apoiá-la? Eu vou com ela até o fim”, afirmou Malta.

A assessoria de Blairo Maggi informou que o senador só irá se manifestar oficialmente sobre o convite que recebeu para ser ministro após o depoimento de Luiz Antonio Pagot na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na terça-feira (12). O ex-diretor geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e apadrinhado político de Maggi irá falar aos senadores sobre as denúncias de corrupção e favorecimento em licitações do departamento.

Reportagem publicada pela revista Veja no fim de semana passado denunciou que contratos, incluindo de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), teriam sido superfaturados. Também foi revelado um suposto esquema de pagamento de propina no Dnit. Em função do escândalo, as cúpulas do ministério e do Dnit foram afastadas e o ministro Alfredo Nascimento pediu demissão.

A Controladoria-Geral da União (CGU) designou uma equipe para fazer rigorosa auditoria nas licitações, contratos e execução de obras a cargo do Dnit e da empresa estatal Engenharia, Construções e Ferrovias S.A (Valec), envolvidas nas denúncias de irregularidades.

Fonte: Agência Brasil

As desventuras e a alegria de viajar pela América Latina

Por Emir Sader

 

Ir do Brasil a El Salvador, com troca de avião em Lima. Ir à Republica Dominicana via Miami. Ir a La Paz, a capital do país, desde qualquer lugar, tendo que trocar de avião em Santa Cruz de la Sierra (mesmo com a companhia estatal, a Boa).

Nem pense em ir a lugares como Quito o Montevideo, porque é necessário fazer uma enorme quantidade de malabarismos de aeroportos, trocas de aviões, trânsito – com as esperas, os cancelamentos e os atrasos respectivos e os correspondentes riscos multiplicados de perda das malas, se você faz a bobagem, da qual pode se arrepender por vários meses, de despachar as malas. Quem viaja constantemente deve reservas vários dias ao ano das suas vidas para esperar malas, que podem tardar vem mais de uma hora ou não chegar nunca, para nossa decepção quando as malas vão rareando, as pessoas pegando as suas e indo embora, até que ficamos solitários e desolados diante da esteira vazia, que começa a parar, indicando que se deve dirigir ao balcão de reclamações de bagagens perdidas.

Começa ai um longo périplo – que pode demorar alguns meses – de preenchimento de formulários, de escolha de qual das dezenas de malas de formatos muito parecidos, se assemelha a infeliz mala perdida – qual cachorrinho levado pela carrocinha. Incalculável numero de telefonemas, em que se dá, cada vez, várias vezes os nosso dados pessoais, o itinerário a data da viagem, as vezes o lugar em que se viajou, e a senha mágica que nos deram, frequentemente composto de intermináveis números e letras, em que não fica claro quando é o numero zero ou a letra O, quando as letras são maiúsculas ou minúsculas. Mas se termina tendo familiaridade com aquela maldita senha, que suposta nos levara ao reencontra feliz com a pobre e abandonada mala perdida. Se começa cada vez tudo de novo, como se estivesse começando o procedimento e quando se acredita que se individualiza alguém que já nos atendeu varias vezes, nos relatam que a tal persona, que era o passe para relação mais personalizada, está de férias ou já não trabalha naquele setor ou naquela companhia.

Por alguma razão incompreensível alguns países pedem certificado de vacina que, uma vez conseguido, nem nos pedem. Já tive que adiar uma viagem por 24 horas enquanto se conseguia uma autorização especial para eu viajar sem o certificado – ele vale por 10 anos, mas tem que a vacina tem que ser tomada 40 dias antes – e quando finalmente cheguei esbaforido no dia seguinte ao previsto, correndo diretamente para fazer a conferência para um auditório cheio de estudantes muito ansiosos, nem me pediram o certificado. Tive vergonha e pena de dizer isso aos que tinham se desdobrado durante aquelas 24 horas para que eu pudesse finalmente entrar no país.

Outra vez eu só soube quando ia retornar ao Brasil que deveria ter tirado o certificado no Brasil antes de ir. Na véspera de retornar fui ao consulado brasileiro e um simpático funcionário me deu a chave: um centro de saúde em que se pagava para ter o certificado e a funcionaria dava o certificado com os devidos 40 dias de antecipação, data evidentemente anterior à do meu ingresso no país, data em que eu não estava naquele país. Mas funcionou tudo conforme os requerimentos.

Mas a América Latina piorou no chamam de tráfego aéreo – que a gente só vê na hora de subir e de descer, com aquelas demoras anunciadas simpaticamente pelos pilotos, dizendo que somos o numero 18 na fila para decolar ou que temos que ficar dando voltas em torno do Galeão por um tempo indeterminado, devido ao “congestionamento do tráfego aéreo”.

Piorou porque a Iberia – uma verdadeira devoradora de companhias aéreas – comprou a Viasa, até ali uma boa companhia aérea venezuelana –e a quebrou. A Venezuela ficou sem companhia aérea nacional, agora o governo de Hugo Chavez, com grande esforço está construindo, a duras penas, uma. O mesmo a Iberia fez com a Aerolineas Argentinas, comprada pela insaciável cia. espanhola, que a devolveu quebrara para o governo argentino, que teve que estatizá-la e a mantem viva, com grande dificuldades, viva.

Mas tudo isso vale a pena, pela beleza e pelas extraordinárias experiências politicas que vários países do continente estão vivendo, tanto em processos de democratização econômica e social interna, como de integração – na contramão das companhias aéreas e enfrentando a resistência férrea delas. Como cruzar a cordilheira do Andes indo do Rio para Lima, com bolsões de neve e, de repente, despontar, majestoso, o lago Titicaca, uma aparição milagrosa de um oásis interminável no meio daquela secura de terras aparentemente inexpugnáveis. E passar por Lima, mesmo se por algumas – inevitáveis 5 horas – de esperar para seguir a San Salvador – com a consciência de que, mesmo se vai tomar posse somente no fim deste mês, o Peru vai deixar de ser governado por Fujimori, por Toledo, por Alan Garcia. Vai ter um governante com profundas raízes peruanas, que se propõe a fazer com que a economia do país continue a crescer, mas distribuindo renda, ao contrário do que aconteceu nas duas ultimas décadas, em que o pais foi pilhado por empresas extrativistas das suas riquezas minerais, com o beneplácito de governos que nem sequer esboçaram fazer com que um dos povos mais pobres do continente pudessem participar minimamente com migalhas dessa expansão.

Tudo vale a pena na América Latina, porque a nossa alma não é pequena.

Wikileaks, Wimbledon e a guerra

Os telegramas do Departamento de Estado estão sendo publicados pouco a pouco, gerando uma fonte permanente de vergonha para o governo dos EUA e inspirando indignação e protestos em nível mundial, já que as mensagens revelam as operações secretas e cínicas da diplomacia estadunidense.

Publicado originalmente em Democracy Now

O sábado passado foi um dia ensolarado em Londres e multidões se dirigiram em massa a Wimbledon e à regata anual Henley. Enquanto isso, Julian Assange, o fundador do site Wikileaks.org, dirigia-se de trem de sua prisão domiciliar em Norfolk, a três horas da capital, até o auditório Troxi de Londres, para reunir-se comigo e o filósofo esloveno Slavoj Zizek para participar de uma conferência pública acerca de Wikileaks, o poder da informação e a importância da transparência no sistema democrático. O evento foi organizado pelo Frontline Club, uma organização fundada por correspondentes de guerra, em parte como homenagem aos muitos companheiros mortos enquanto realizavam seu trabalho na frente de batalha. O co-fundador do Frontline Club, Vaughan Smith, olhou o pouco usual céu aberto com inquietude e disse: “os londrinos nunca vão a um evento em um lugar fechado em um dia como este”. Apesar de anos de experiência brindando informação certeira em coberturas no Afeganistão ou no Kosovo, desta vez a avaliação de Smith foi equivocada.

Cerca de 1.800 pessoas assistiram ao evento, prova do enorme impacto do Wikileaks desde que denunciou a tortura e a corrupção utilizadas para derrubar governos.

Assange está na Inglaterra á espera de uma audiência judicial que será realizada dia 12 de julho, na qual se tratará de sua possível extradição a Suécia, o que é requerido por esse país para ser interrogado sobre um suposto caso de abuso sexual. Apesar de não terem sido apresentadas acusações formais contra ele, Assange encontra-se sob prisão domiciliar há mais de seis meses, carrega uma tornozeleira eletrônica e deve apresentar-se diariamente na delegacia de polícia de Norfolk.

Wikileaks foi oficialmente lançado em 2007 e tem como objetivo receber informação secreta vazada mor informantes, utilizando a última tecnologia para proteger a identidade das fontes. A organização vem obtendo um reconhecimento mundial cada vez maior com a sucessiva publicação de grandes quantidades de documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos vinculados às guerras do Iraque e Afeganistão, e milhares de telegramas das embaixadas dos EUA em todo o mundo.

Das partes confidenciais de ambas as guerras, Assange disse que “proporcionaram uma ideia da sordidez da guerra: desde as crianças assassinadas nos postos de controle nas estradas até as milhares de pessoas entregues à polícia iraquiana para serem torturadas, passando pelo que realmente significa o chamado “Apoio aéreo próximo” (CAS, em sua sigla em inglês) e como se realiza o combate militar moderno, e a vinculação disso com outra informação como esse vídeo que descobrimos dos homens que se rendem e são igualmente atacados”.

Os telegramas do Departamento de Estado estão sendo publicados pouco a pouco, gerando uma fonte permanente de vergonha para o governo dos Estados Unidos e inspirando indignação e protestos em nível mundial, já que os telegramas confidenciais revelam as operações secretas e cínicas da diplomacia estadunidense. O “Cablegate”, como foi denominada a maior revelação pública dos documentos do Departamento de Estado na história dos EUA, foi uma das faíscas que incendiou a Primavera Árabe. Os tunisianos e iemenitas que viviam sob regimes repressivos na Tunísia e no Yemen, por exemplo, sabiam que seus governos eram corruptos e cruéis. Mas ler os detalhes e ver até que ponto o governo dos EUA apoia esses ditadores ajudou a iniciar a revolta.

De maneira similar, os milhares de telegramas vinculados ao Haiti analisados pelo jornal independente Haiti Liberté e pela revista The Nation revelaram a ampla manipulação estadunidense da política e da economia desse país. (Esta coluna foi mencionada em um dos telegramas sobre o Haiti, no qual se fazia referência a nosso informe sobre aqueles que criticavam a atitude do governo Obama de negar após o terremoto os vistos de 70 mil haitianos que já tinham sido aprovados). Uma série de telegramas detalha as tentativas estadunidenses de obstaculizar o envio de petróleo subsidiado da Venezuela para proteger os interesses comerciais da Chevron e ExxonMobil. Outros telegramas mostram a pressão realizada pelos EUA para evitar um aumento do salário mínimo no Haiti a pedido de fabricantes de roupas dos EUA. Estamos falando do país mais pobre do Hemisfério Ocidental.

Como consequência do papel desempenhado como redator chefe do Wikileaks, Assange recebeu reiteradas ameaças, inclusive ameaças de morte. O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, qualificou-o como “terrorista de alta tecnologia”, enquanto que Newt Gingrich disse: “Julian Assange está envolvido no terrorismo. Deveria ser tratado como um combatente inimigo e Wikileaks deveria ser fechado de forma definitiva”.

De fato, as tentativas realizadas até o momento de fechar o Wikileaks fracassaram. O Bank of America teria contratado várias empresas privadas de inteligência para coordenar um ataque contra a organização que, segundo se diz, teria uma grande quantidade de documentos que revelariam atividades potencialmente fraudulentas do banco. O Wikileaks também acaba de ingressar na Justiça contra a MasterCard e a Visa, que deixaram de registrar as doações realizadas com cartões de crédito por meio de suas páginas web.

O processo de extradição coloca uma ameaça ainda maior para Assange: ele teme que a Suécia o extradite logo para os Estados Unidos. Levando em conta o tratamento recebido pelo soldado Bradley Manning, acusado de vazar muitos documentos secretos para Wikileaks, Assange tem motivos razoáveis para temer. Manning esteve fechado em isolamento durante quase um ano, em condições que, segundo muitos afirmam, são similares à tortura.

No evento em Londres, o apoio ao Wikileaks foi impressionante. Mas Julian Assange não podia ficar para conversar uma vez terminada a conferência. Tinha apenas o tempo suficiente para regressar a Norkfolk e retornar à sua detenção domiciliar. Independentemente do que ocorra a Assange, Wikileaks mudou o mundo para sempre.

(*) Denis Moynihan colaborou com a produção jornalística dessa coluna.

Tradução: Katarina Peixoto

Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.