domingo, 29 de maio de 2011

MUNDO EM MOVIMENTO (29 de maio)

PSDB sepulta serrismo; novo líder, Aécio aposta em 'artigo de FHC'
Convenção tucana elege comando simpático à candidatura Aécio-2014 e, contra a vontade de José Serra, acomoda derrotado em 2010 em cargo inoperante. Segundo aliado, Aécio adotará linha do 'artigo de FHC', que prega que oposição esqueça 'povão', busque 'nova classe média' e não abra mão do 'moralismo', explorado no 'caso Palocci'. Escanteado, Serra apela para ser lembrado: 'contem comigo'.

BRASÍLIA - “Contem comigo para qualquer problema, para qualquer necessidade de presença, eu estarei lá. Sou um ativista político desde minha juventude. Estou nessa luta há muitas décadas e, se deus quiser, permanecerei nela durante muitas décadas ainda (….) Antes de ser um oficial da política, eu sou um soldado.”

Com estas palavras - um apelo para não ser ignorado -, José Serra, ex-governador de São Paulo, terminou sua participação na convenção nacional que o PSDB realizou neste sábado (28/05) para eleger uma nova direção. Derrotado duas vezes ao tentar virar presidente da República, o discurso de Serra encerrou mais um fracasso.

A convenção destinava-se justamente a sepultar a hegemonia serrista e paulista no tucanato. Ao mesmo tempo, buscava evitar um racha no ninho, o que exigirá do PSDB tonificar uma instância partidária inoperante nos últimos tempos, o Conselho Político, em cuja direção, a contra-gosto e com muita resistência, Serra foi assentado.

Daqui para frente e de olho na sucessão da presidenta petista Dilma Rousseff em 2014, os tucanos entregam-se à liderança do senador Aécio Neves (MG), cuja missão será reiventar um partido e um ideário derrotados mais vezes do que Serra na luta pela Presidência da República.

“Não podemos ter dois comandos. Sairemos daqui com um comando só”, dizia, ao chegar à convenção, o líder da bancada adversária de Dilma na Câmara dos Deputados, Paulo Abi-Ackel (PSDB), aliado mineiro do senador mineiro. E qual será o discurso, a linha do partido daqui em diante, com Aécio à frente? “Ah, é o artigo do Fernando Henrique”, contou Abi-Ackel.

Linha FHC: classe média e moralismo

O deputado referia-se a um texto polêmico publicado numa revista no início de abril, no qual ex-presidente esforça-se para salvar o PSDB e a oposição em geral da falta de rumos. Nele, FHC diz que “uma oposição que perde três disputas presidenciais não pode se acomodar com a falta de autocrítica”. E defende, entre outras coisas, que os adversários de Dilma não devem “disputar com o PT influência sobre os 'movimentos sociais' ou o 'povão'”, mas, sim, buscar a “nova classe média”.

Para o sociólogo, os tucanos precisam explorar as redes sociais, a mídia tradicional e as universidades para discursar a favor de mais saúde, educação, ecologia, direitos humanos, enfim, por um “papel crescente do estado”, o que não estaria em “contradição com economia mercado”. Mas, ressalva FHC, sem deixar de lado o núcleo das campanhas tucanas perdedoras em 2006 e 2010, porque “seria erro fatal imaginar, por exemplo, que o discurso 'moralista' é coisa de elite à moda da antiga UDN”.

Pois não faltou, na convenção tucana, a retórica 'moralista' pregada pelo ex-presidente, graças à enrascada em que se encontra o chefe da Casa Civil, ministro Antonio Palocci, por conta de seu enriquecimento à base de consultorias. “Devemos sair às ruas, de cabeça erguida, e dizer: 'somos sérios, somos éticos e sabemos fazer'”, disse na convenção o desde já presidenciável Aécio Neves.

“Crise ética”, foi a definição do caso Palocci dada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. “Escândalo”, chamou FHC. “Águas da corrupção”, classificou o presidente reeleito do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).

Não foi exatamente a opinião manifestada por um deputado cassado que compareceu à festa tucana mesmo sem ter carteirinha do PSDB. Para o presidente do PTB, Roberto Jefferson, não há motivo para CPI do Palocci. Nem mesmo para fazer comparações com o “mensalão”, cuja suposta existência o deputado denunciou depois que um aliado dele empregado nos Correios, Mauricio Marinho, fora gravado recebendo propina.

'Aécio presidente!'

Ao chegar à convenção, Jefferson parecia um pop-star, posando para fotos com militantes tucanos, que também se entretiam com músicas à espera do início do encontro. "Brasil, urgente, Aécio presidente!”, era uma delas. “Brasil, urgente, Perillo presidente!”, dizia outra, aludindo ao governador de Goiás, Marconi Perillo. Até um genérico “1, 2, 3, 4, 5, mil, queremos um tucano presidente do Brasil!”.

NInguém gritava “Serra presidente”, evidência de que o ex-governador paulista é página virada no partido, mesmo com os mais de 40 milhões de votos obtidos na última eleição.

O capital político de Serra serviu, no entanto, para impedir que ele fosse escanteado por completo do novo comando tucano. Os tucanos contam com algum tipo de colaboração dele na próxima eleição. Daí que o encontro deste sábado começou com mais de duas horas de atraso. Desde a véspera, a elite tucana tentava encontrar uma composição dos dirigentes que garantisse a hegemonia de Aécio, mas que permitisse ao menos dar um prêmio de consoloção a Serra.

Os três cargos mais importantes da estrutura partidária ficaram com simpatizantes ou aliados declarados de Aécio. O presidente Sérgio Guerra, que pelas costas já fez referências desabonadoras a Serra, reelegeu-se. A secretaria-geral terá o deputado mineiro Rodrigo de Castro, abertamente apoiador de Aécio. E o comando do Instituto Teotônio Vilela, órgão formulador dos tucanos, foi entregue ao ex-senador Tasso Jereissatti (CE), que até hoje guarda rancor contra Serra pela disputa de ambos pela candidatura presidencial tucana em 2002.

Para Serra, restou controlar o Conselho Político, que os tucanos dizem que vão tentar revitalizar daqui para frente.

Além do objetivo de superar o serrismo e, ao mesmo tempo, esconder os problemas internos atrás da retórica de “unidade”, o PSDB usou a convenção para tentar enfrentar a sensação de fragilidade dos adversários do governo dentro do Congresso. É a menor bancada oposicionista desde o fim da ditadura militar. Valeu até apelar para um suposto fenômeno mundial. “Há controvérsias sobre o enfraquecimento da oposição. A oposição não está fragilizada só no Brasil”, disse o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR).
Fonte: André Barrocal - CM

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As mesquinharias e a história

Para Foucault, sempre houve alguma "mesquinharia" na origem de todos os grandes acontecimentos históricos. O Brasil está vivendo uma experiência epistemológica interessante e ilustrativa a respeito deste assunto. O caso de um mesmo personagem político, que comete duas vezes duas “mesquinharias” parecidas, mas com conseqüências opostas.

[...] foi de mesquinharia em mesquinharia, de pequena em pequena coisa, que finalmente as grandes coisas se formaram.”
M. Foucault, “A verdade e as formas jurídicas” p: 16, 2003, Nau Editora, RJ

O filósofo francês, Michel Foucault (1926-1984), teve participação decisiva no debate epistemológico da segunda metade do século XX, questionando de cima a baixo, a visão clássica da filosofia ocidental, a respeito da ciência e da história. Junto com vários outros pensadores europeus e norte-americanos, colocou sob suspeita a existência de um conhecimento e de um “método científico” universal, e criticou a idéia de uma história humana evolutiva, progressiva e teleológica. Para Foucault, a história é descontínua, plural e dispersa, e “as coisas que parecem ser as mais evidentes, nascem sempre da confluência de encontros, acasos, ao longo de uma história frágil e precária.”

A visão da ciência e do conhecimento de Michel Foucault remete à uma discussão epistemológica extremamente complexa. Mas sua visão da história acabou se popularizando, ao se associar de forma simplificada à sua própria afirmação de que sempre houve alguma “mesquinharia” na origem de todos os grandes acontecimentos históricos. Como ele dizia, toda grande mudança teve “pequenos começos, baixos, mesquinhos, inconfessáveis.” O que Foulcault nunca explicou foi como identificar e distinguir uma “mesquinharia” que terá “grandes conseqüências”, de uma “mesquinharia” que será esquecida imediatamente pelos seus contemporâneos.

Com certeza, o problema não é simples nem fácil de responder. Basta comparar alguns acontecimentos bem conhecidos. Por exemplo, todos os que assistiram pela televisão, os atentados de 11 de setembro de 2001, tiveram certeza imediata de que estavam frente à uma “mesquinharia” que mudaria o rumo da história. Mas quase ninguém conseguiu perceber – na hora - a importância e as conseqüências catastróficas do tiro que foi dado pelo estudante Gavrilo Princip, de 19 anos de idade, no dia 28 de junto de 1914, na cidade de Sarajevo, na Boznia-Hersogovina, responsável pela morte do arquiduque Francisco Ferdinando, e de sua esposa, Sofia Chotek, herdeiros do trono da Áustria. Uma micro-história rocambolesca, que deu origem à Primeira Guerra Mundial, foi responsável por um dos maiores genocídios da história humana, e mudou radicalmente a história da Europa e do Mundo.

Outra dificuldade aparece quando se compara uma mesma “mesquinharia” e suas conseqüências, em momentos e contextos distintos. Como é o caso, por exemplo, da “compulsão sexual” do presidente Kennedy, que contribuiu para sua aura de jovem rico, de sucesso e traquinas. Ao contrário do presidente Clinton, que tinha o mesmo entusiasmo sexual, e quase sofreu um impeachement por conta de sua relação com Monica Lewinski, que paralisou inteiramente o seu segundo mandato. Para não falar do caso mais recente do senhor Dominique Strauss-Kahn, que perdeu a presidência do FMI e da França (provavelmente), graças às suas “mesquinharias sexuais”. Ou seja, como se pode ver, não é fácil de saber, de antemão, quais mesquinharias ficarão e quais irão para a lata de lixo da história.

Agora mesmo, o Brasil está vivendo uma experiência epistemológica extremamente interessante e ilustrativa a respeito deste assunto. O caso de um mesmo personagem político, que comete duas vezes duas “mesquinharias” parecidas, mas com conseqüências opostas.

Primeiro, foi a quebra do sigilo bancário do jardineiro Francenildo, e agora foi a denúncia do seu enriquecimento súbito, segundo parece, no tráfico de influências dentro do setor público. O mais provável é que estas duas mesquinharias tivessem passado desapercebidas, caso se tratasse apenas de um homem comum, sanitarista de interior, ou representante de algum laboratório produtor de vacinas, com grande compulsão financeira e que subiu rápido na vida fazendo uso de suas boas relações publicas. Mas tudo isto muda obviamente de figura e importância quando se está falando de um homem de Estado, que esteve situado no epicentro da política econômica, e agora supervisiona as nomeações e decisões estratégicas de um governo em pleno processo de formação.

No caso do jardineiro Fracenildo, o afastamento do Ministro da Fazenda permitiu uma virada à esquerda que abriu as portas para o sucesso do segundo governo Lula. Mas neste segundo caso, as conseqüências que estão em pleno curso estão apontando numa direção absolutamente oposta. Graças às novas “mesquinharias financeiras” do mesmo personagem, o que vinha sendo apenas um governo insípido e tecnocrático – de economistas para economistas – agora está assumindo a imagem do seu principal condutor político: a de um velho lobbista do setor privado, junto aos centros de poder responsáveis pelas compras, vendas e investimentos do setor público; e a de um representante político ativo, e membro novo-rico da direita econômica.
Fonte: José Luís Fiori - CM

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A morte de Allende

Está sendo exumado o corpo de Salvador Allende, presidente do Chile derrubado pelo golpe de 1973 liderado por Augusto Pinochet. Allende havia jurado que não renunciaria, cumpriria o mandato que lhe havia sido entregue pelo povo chileno e só sairia antes do Palácio da Moneda, morto.

Foi o que acabou, tragicamente, acontecendo. A campanha golpista, levada a cabo pela alta oficialidade das FFAA, pela mídia privada, pelo governo dos EUA e pelos partidos da direita chilena, cercou Allende no governo, buscando asfixia-lo, isola-lo do povo, procurando que tomasse medidas antipopulares.

Allende manteve sua palavra e seu compromisso com o povo. Pinochet mandou um intermediário para negociar a proposta de um avião para que o presidente e seus parentes saíssem do Palácio e do país. Allende reagiu indignado, com um palavrão.

Resistiu, no palácio presidencial, com o fuzil soviético AK que Fidel tinha lhe presenteado e com o capacete que os mineiros chilenos lhe tinham dado, até que a situação se tornou insuperável e ele se suicidou.

Quando sua esposa, Hortencia Buci de Allende viajou para o México, o então presidente daquele país, Luis Echeverría, a convenceu a divulgar que Allende tinha sido morto nos bombardeios do Palacio da Moneda. A esquerda e a opinião publica internacional aceitou essa versão e a difundiu, a falta de credibilidade de Pinochet e seu regime fizeram o restante.

Com o passar do tempo, testemunhos foram resgatando a versão verdadeira, que não tornava Allende menos herói, nem Pinochet menos vilão. Até que, finalmente, há alguns anos, a própria família aceitou a versão do suicídio.

Para dirimir quaisquer duvidas – se Allende não morreu com seus próprios disparos e recebeu tiro de misericórdia de algum ajudante, que morreu posteriormente, por exemplo -, se faz a exumação do cadáver do presidente chileno.

Bom momento para recordar que ele morreu, de armas na mão, heroicamente, defendeu a democracia.

Fonte: Blog do Emir

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Aconteceram, no dia 09 de abril, na França, as primeiras prisões de mulheres por uso do véu islâmico. Não tendo me pronunciado na época da promulgação da lei, acredito que é o momento de tecer algumas considerações sobre ela.
Confesso que me espantou bastante a rapidez com que, na internet brasileira, várias pessoas de minha amizade e interlocução se pronunciaram em apoio à lei de Sarkozy, em alguns casos em menos de 24 horas depois de sua promulgação e, em sua totalidade, sem qualquer consideração do histórico recente de islamofobia na França, contexto que é o óbvio marco no qual se insere a lei. Nenhum dos artigos que li na internet brasileira em defesa da lei mencionava alguma escuta da opinião daquelas que são afetadas pela legislação, as mulheres muçulmanas.
Os argumentos em defesa da lei são previsíveis: as roupas também são uma forma de opressão, as mulheres islâmicas com frequência são obrigadas por pais e maridos a utilizar a burca ou o niqab, os véus são parte de uma lógica machista. Todos são argumentos verdadeiros. É claro que um sujeito moderno razoável não se oporia à intervenção legal contra homens que obriguem suas cônjuges ou filhas a utilizarem o véu (ou qualquer outra vestimenta, diga-se). O salto lógico que a defesa da lei não consegue efetuar com eficácia é como passamos disso ao apoio a uma penalização estatal às mulheres que escolhem vestir a burca ou o niqab.
O melhor intento que encontrei de realizar esse salto lógico foi o argumento de que, no caso do véu islâmico, não há escolha de verdade, posto que as mulheres são condicionadas pela lógica machista e seriam, portanto, vítimas da cultura que lhes impõe essa prática, não tendo elas escolha efetiva. Nenhum dos textos brasileiros mencionou tentativa de consulta às mulheres islâmicas acerca desse curioso pressuposto, o de que o livre arbítrio é exercido pelas mulheres que escolhem utilizar crucifixos ou quipás, mas que aquelas que optam pelo niqab são vítimas de sua cultura. Nenhuma das defesas da lei de que tomei conhecimento parece ter suspeitado da contradição entre esse pressuposto e o fato de que a maioria das mulheres islâmicas não usa a burca. Algumas islâmicas são vítimas de sua cultura mas a maioria não o é? Dizer que o crucifixo não fere a integridade física da mulher como faz a burca não resolve o problema teórico: o conceito de livre arbítrio no Ocidente é inseparável de uma história etnocêntrica na qual as sociedades euroamericanas sistematicamente arrogaram para si a prerrogativa da racionalidade universal, reservando para africanas, orientais, ameríndias e árabes a condição de vítimas de uma cultura particular. Será que aqueles que repetidamente falam em nome da outra sem consultá-la também não são vítimas de sua cultura?
Tendo já algum tempo de engajamento com a causa palestina, sendo estudante ocasional da língua árabe e residente de um país onde a islamofobia chegou a níveis verdadeiramente assustadores, acredito poder dizer com alguma certeza que desfruto de um leque de amizades árabes e/ou muçulmanas mais amplo que a maioria das pessoas que se pronunciaram sobre a lei. Mesmo assim, achei que, neste caso, antes de opinar sobre o tema, valia a pena a consultar aquelas que são afetadas pela lei, ou seja, as mulheres muçulmanas ou mulheres de ascendência árabe residentes em regiões ou países onde o Islã tem presença importante. Trata-se de um preceito ético básico que tento, pelo menos, seguir de forma rigorosa: em matérias que envolvam racismo, ouvir com a maior atenção e humildade possíveis o que os negros têm a dizer sobre o assunto; acerca da homofobia, escutar gays e lésbicas antes de emitir opiniões peremptórias; sobre machismo, tentar ouvir suas vítimas reais, as mulheres. Isso não quer dizer, claro, que você não vá formar a sua própria opinião com independência. Mas falar de discriminação antes de ouvir o discriminado não costuma ser um bom caminho.
Entre a data da promulgação da lei de Sarkozy e as primeiras prisões, acredito ter entrevistado pelo menos cinquenta mulheres árabes e/ou muçulmanas, residentes de países tão distintos como a própria França, os EUA, Israel, os territórios ocupados da Palestina e as nações do Magreb. Entre as mulheres árabes consultadas, havia não só muçulmanas, mas também cristãs, agnósticas e ateias. Embora o grau de indignação contra a lei de Sarkozy seja variável entre elas, nem uma única defendeu a lei ou deixou de apontar nela uma motivação islamofóbica. Minha pesquisa amadora e precária não está desacompanhada. A Open Society Foundations, através de seu projeto “Em Casa na Europa”, acaba depublicar um relatório baseado em entrevistas com 32 mulheres francesas que usam a burca ou o niqab. Nenhuma delas afirmou ter sido obrigada a usá-los e algumas, inclusive, testemunharam que os utilizam apesar da pressão contrária de familiares. Caramba, será que o livre arbítrio de todas essas mulheres foi sequestrado por sua cultura?
Estimativas publicadas pelo jornal Le Monde apontam que menos de 2.000 mulheres em toda a França usam a cobertura completa do rosto, seja com a burca, seja com o niqab. Por motivos que suponho já óbvios para o leitor da Fórum, o impacto cultural e político da lei de Sarkozy se faz sentir, no entanto, em toda a população muçulmana da França, que anda em torno de 6 milhões de pessoas. Logo depois da entrada em vigor da lei, Kenza Drider, francesa e mãe de quatro filhos, saiu de casa, como disse o Guardian em reportagem sobre ela, disposta a cometer um crime. Usando sua burca em ato de desobediência civil, ela declarou: “continuarei vivendo a minha vida com o véu completo, como fiz ao longo dos últimos 12 anos, e nada nem ninguém vai me deter. Jamais imaginei que veria o dia em que a França, a minha França, país no qual nasci e que amo, o país da liberdade, igualdade e fraternidade, faria algo que tão obviamente viola a liberdade das pessoas”.
Aos opinólogos nacionais que argumentaram a favor da lei de Sarkozy com a premissa de que as mulheres muçulmanas são vítimas de sua cultura e não têm realmente escolha no que fazem, este colunista sugere uma entrevista com Kenza Drider, notável desobediente civil na melhor tradição democrático-iluminista ocidental. Para quem defendeu mais esse ataque contra o mundo árabe e/ou muçulmano com argumentos feministas, sugiro o eloquente texto das feministas Piya Chatterjee e Sunaima Maira, publicado no Alternet e intitulado “Carta Aberta a todas as feministas: Apoiem as mulheres muçulmanas, árabes e palestinas”, onde afirmam: “no atual clima de agressões iniciadas ou apoiadas pelos EUA contra mulheres no Afeganistão, Iraque e Palestina, perturba-nos profundamente um tipo de discurso feminista ocidental hipócrita que continua a se preocupar com alguns tipos de violência contra as mulheres muçulmanas e do Oriente Médio, enquanto escolhe permanecer silencioso acerca da violência letal perpetrada sobre mulheres e famílias pela ocupação militar, os F-16, os helicópteros Apache e os mísseis pagos pelos contribuintes estadunidenses”.
A violência perpetrada pela nova lei francesa sobre o corpo das mulheres muçulmanas não é idêntica, evidentemente, à dos mísseis. Mas a lógica que a justificou é exatamente a mesma, e se repete agora na Líbia: o bom e velho etnocentrismo ocidental continua se perpetuando com o argumento de que é necessário salvar os outros de si próprios.
Fonte: Idelber Avelar - Revista Fórum

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A África tem sede de Brasil

Escrevo este artigo no dia dedicado à celebração do continente africano. E faço isso com muita alegria, por constatar, pela leitura do discurso pronunciado pelo ministro Antonio Patriota na cerimônia com que o Itamaraty marcou a efeméride, que os conceitos e princípios que se desenvolveram durante o governo do presidente Lula continuam a presidir a política africana de Dilma Rousseff. Patriota deu, ele próprio, os dados que ilustram o vertiginoso crescimento das nossas relações com o continente africano durante os últimos oito anos.
A África sempre esteve no imaginário da política externa brasileira, embora nem sempre de forma coerente ou consequente. Durante a ditadura, o Brasil foi lento em dar apoio aos movimentos de libertação das antigas colônias portuguesas. Graças à visão de dois homens, Ovídio Melo e Italo Zappa, nos redimimos em parte desse pecado ao agirmos de forma pioneira e corajosa reconhecendo o governo do MPLA em Angola.
Na primeira viagem que fiz à Africa durante o governo Lula, visitei sete países, seguindo a orientação do presidente, mas instigado também por uma cobrança de minha mulher, que, ao me ouvir relatar iniciativas quanto à Venezuela, Mercosul etc., me interpelou: “E pela África vocês não estão fazendo nada?” Isso foi em abril de 2003, quando decidíamos nossas prioridades e refazíamos nossas agendas, dominadas então por temas impostos de fora, como a Alca.
Desde aquela primeira visita, observei a realidade que inspirou o título deste artigo: “A África tem sede de Brasil”. De Moçambique a Namíbia, de Gana a São Tomé e Príncipe, cada um a seu modo e de acordo com suas características e dimensões, veem no Brasil um modelo a ser seguido. Lula revelou-se o mais africano dos presidentes. Pediu perdão pelos crimes da escravidão, visitou mais de duas dezenas de países e abriu caminho para ações de cooperação e negócios. Essa determinação em não deixar que a África escapasse do radar das nossas prioridades provocou muitas críticas da nossa mídia ocidentocêntrica (o leitor perdoará o barbarismo), que só arrefeceram quando o presidente chinês visitou sete ou oito países em mais ou menos 12 dias. Aí os nossos “especialistas” passaram a dizer que a nossa ação era insuficiente…
Uma agência de notícias publicou, a propósito, em fevereiro um excelente artigo comparativo entre as ações do Brasil e da China na África. Em suma, o Brasil ganha na empatia e no jeitinho (no bom sentido), mas perde de longe nos recursos investidos. E para quem nunca se deu ao trabalho de olhar, além do interesse comercial (a África seria hoje, tomada como país individual, o nosso quarto parceiro comercial, à frente do Japão e da Alemanha), o continente africano é um vizinho muito próximo com o qual temos interesses estratégicos. A distância do Recife ou de Natal a Dacar é menor que a dessas cidades a Porto Velho ou Rio Branco. Nossa zona marítima exclusiva praticamente toca aquela de Cabo Verde. Isso sem falar no enorme benefício que uma maior relação com o Brasil traria para a África, contribuindo para afastar a sombra do colonialismo renascente, agora movido não só por capitais, mas por tanques e helicópteros de combate.
Tive recentemente o privilégio de passar quatro semanas na Kennedy School of Government, em Harvard. Como já comentei em outro artigo, pude observar aí a preocupação (quase obsessão) com temas relacionados com a segurança, até certo ponto compreensível em um país envolvido em duas guerras (ou três, se incluirmos a Líbia, como devemos fazer) e perplexo diante das mudanças que têm ocorrido fora do script inicialmente traçado para a implantação da democracia de fora para dentro e por força das armas.
Houve também oportunidades para conversas sobre temas mais amenos, mas igualmente importantes, com professores provenientes dos mais diversos recantos do planeta. Uma delas foi com o queniano Calestou Juma, que ocupou cargos internacionais na área ambiental e que publicou há pouco um livro sobre agricultura africana. Juma completou seus estudos de doutorado no Brasil, em Piracicaba, atraído pela noção de que o nosso país é um modelo a ser seguido. Não sou técnico em temas agrícolas, mas pude relatar a Juma algumas de nossas iniciativas nesse campo, como o escritório da Embrapa, em Gana, e a experiência pioneira de uma fazenda-modelo de algodão no Mali, que visa a beneficiar alguns dos países mais pobres do mundo. Foi de Juma (a leitura de cujo CV na Wikipédia recomendo aos interessados em aprimorar nossa cooperação com os vizinhos de além-mar) que ouvi a melhor formulação do que o Brasil significa para as esperanças de desenvolvimento da África: “Para cada problema africano existe uma solução brasileira”. Se a nossa agência de cooperação estivesse em busca de um slogan, não haveria melhor. Pagando direito autoral, é claro.
Fonte: Celso Amorin - Carta Capital

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O excesso de confiança no setor nuclear

O segredo em torno dos programas nucleares soviético e americano e o clima de competição da Guerra Fria explicam a falta de transparência tanto dos EUA como da URSS sobre os problemas e os acidentes que iam ocorrendo nas centrais nucleares. Inclusive em nível interno, pequenos incidentes eram prontamente abafados, sobretudo na URSS.

Antes de Chernobyl, os engenheiros soviéticos tinham muito pouca informação sobre os acidentes ocorridos noutras centrais do país, logo na prática estavam convencidos que a probabilidade de ocorrência de acidentes era próxima de zero. Gerou-se assim um clima de excesso de confiança que foi uma das principais causas do acidente de Chernobyl, quer no desleixo na implementação o projeto durante a construção da central, como na negligência dos engenheiros durante o teste de segurança que ironicamente desencadeou o acidente.

No entanto, o excesso de confiança estende-se às sociedades mais abertas, sobretudo quando a lógica de mercado é aplicada aos programas nucleares civis, como adverte Georges Charpak (Nobel da Física e um dos responsáveis do programa nuclear francês) no livro "De Tchernobyl en tchernobyls", Odile Jacob, 2005. O acidente de 1999 em Tokaimura no Japão ocorreu porque a lógica do lucro de uma empresa privada se sobrepôs às regras mais elementares de segurança. Para poupar, foi guardada no mesmo recipiente demasiada quantidade de uma solução com material radioativo, tendo-se atingido a massa crítica para desencadear uma reação em cadeia. A reação emitiu fortes doses de radiação que provocou a morte de dois trabalhadores e sérios problemas de saúde em um terceiro.

A opção de construção de 55 reatores no arquipélago japonês, em permanente risco sísmico, insere-se na mesma lógica de lucro que se sobrepõe à segurança. Não é de estranhar a revelação feita pela Wikileaks de que um dos responsáveis da Agência Internacional de Energia Atômica teria advertido em 2008 o governo japonês para o risco de fortes sismos poderem pôr em causa a segurança das centrais japonesas. A central de Fukushima foi desenhada para resistir a sismos de escala 7, o sismo da passada sexta atingiu o grau 8,9. Aliás têm-se alimentado muitos fantasmas sobre as virtudes da organização da sociedade japonesa, mas a realidade é que o Japão apresenta um dos piores registos de acidentes graves na indústria nuclear. Aos referidos junta-se ainda o acidente de Mihama em 2004.

O excesso de confiança surge ainda nos debates domésticos sobre o nuclear (não apenas em Portugal) quando se reduz o número de acidentes a Chernobyl (nível 7), quando se esquece o acidente de Three Mile Island em que o puro acaso não produziu outro Chernobyl (nível 4), quando se ignora Tokaimura (nível 4) e Mihama no Japão ou os recentes acidentes nas centrais de Sellafield no Reino Unido (nível 3) e de Forsmark na Suécia (nível 2).

A indústria nuclear é mais segura do que a generalidade das indústrias químicas, mas não é uma indústria imaculada, não é uma indústria de risco zero nem nada que se pareça. E como os acidentes da indústria nuclear são potencialmente muito mais perigosos e muito mais caros de remediar, na hora de tomar decisões deve-se oferecer às populações toda a informação disponível, deve-se usar da máxima transparência. Claramente não foi isso que aconteceu no Japão.

Fonte: Rui Curado Silva - Opera Mundi

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A imprensa e o fenômeno mundial das manifestações em praças públicas

A imprensa precisa começar a olhar para o outro lado do poder. Não apenas aqui no Brasil, mas em todo o mundo. É que são cada dia mais claros os sinais de que algo está acontecendo fora dos palácios, parlamentos, ministérios, tribunais, sedes partidárias, organizações empresariais e sindicais. Está acontecendo mais precisamente nas praças públicas, locais que voltam a ser o ponto de encontro de multidões, em plena era das relações virtuais via internet.
O caso mais recente foi o da praça Puerta del Sol, em Madri, onde um acampamento de jovens antecipou uma fragorosa derrota do partido socialista espanhol nas eleições de domingo. O PSOE acabou pagando o preço de uma manifestação que era contra todos os partidos, para expressar o cansaço e a desilusão dos jovens em relação a uma estrutura política e econômica da qual eles se consideram párias.
A Puerta del Sol é a reedição mais recente do mesmo fenômeno que transformou a praça Tahir no epicentro da rebelião de jovens egípcios que levou à derrubada do presidente Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011. Três anos antes, outra praça ficou mundialmente famosa por conta de protestos contra a quebra do sistema bancário da pacata república europeia da Islândia.
Em outubro de 2008, um jovem músico pegou o seu violão e foi para a praça em frente ao parlamento islandês, em Reykjavík, num sábado, e convidou os transeuntes para expressar, cantando, seu descontentamento com as consequências da quebra do principal banco do país, o Kaupthing.
No primeiro dia, o número de participantes não passou de 20 curiosos. No sábado seguinte, o teimoso Hördur Torfason já reunia 200 participantes e, três fins de semana mais tarde, já era uma pequena multidão. Aí o caso se tornou nacional, colocando o governo islandês de joelhos diante da gravidade do protesto.
Se recuar mais tempo poderemos chegar aos acontecimentos da praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989, antes da internet. Mas o que nos interessa aqui mostrar é como a era digital está alterando a forma como o descontentamento político surge aos olhos da opinião publica — e como a imprensa tem uma enorme dificuldade em detectá-lo nos seus primeiros estágios.
Em meados da primeira década do seculo 21, quando os jovens do mundo inteiro estavam fascinados pela descoberta do telefone celular como arma política, surgiram os primeiros protestos rotulados de smart mob (multidões inteligentes), pelo pesquisador norte-americano Howard Rheingold.
O caso mais clássico foi o ocorrido nas Filipinas em 2002, quando 900 mil jovens vestidos de preto usaram torpedos por celular para organizar, em menos de 24 horas, uma manifestação na praça em frente ao santuário da Virgem Maria, na área central de Manila. Eles exigiam a derrubada do presidente Joseph Estrada, cujo governo não resistiu a quatro dias de protestos.
Mas o caso mais curioso da nova tendência, mencionado no livro The Virtual Community (Comunidades Virtuais, de Howard Rheingold), ocorreu a Europa Central, numa antiga republica socialista onde um grupo de jovens resolveu protestar contra o custo de vida convocando uma manifestação em que eles caminhariam em círculos na praça central da cidade, chupando picolé.
Nenhum cartaz e tudo em silêncio, mas os quase três mil jovens que aderiram ao protesto deixaram perplexas as forças da repressão e provocaram reuniões de emergência das autoridades. A manifestação tornou-se um fato político nacional não pelo seus slogans, mas pela forma. A criatividade dos jovens deixou o governo sem ação porque este esperava tudo, menos o uso do picolé como arma política.
As praças passaram a ser vistas pelos jovens como o ambiente presencial que completa o relacionamento virtual que eles criam entre si por meio das redes sociais como Twitter, Facebook e outros. O protesto é combinado pela internet e aparece fisicamente nas praças, mas eles são apenas o sintoma de algo mais amplo e que precisa ser levado em conta pela imprensa.
Estamos diante do surgimento de um novo tipo de expressão da vontade popular que não passa mais pelos mecanismos tradicionais, sejam eles legais ou à margem da lei. Os jovens espanhóis da Puerta del Sol não eram contra este ou aquele partido, mas contra todos eles. Não estavam interessados em votar e pouco lhes importava o resultado do pleito, já que não esperavam nenhuma mudança significativa no poder. Sua desilusão e desesperança estavam expressas em cartazes cheios de ironia e humor.
Mas estão longe de serem niilistas. Eles conseguiram transformar a antipolítica em sua forma política de expressão. E é isso que os torna protagonistas de um processo politico inovador que revela também como a imprensa tornou-se escrava do jogo de poder tradicional.
Fonte: Carlos Castilho - Observatório de Imprensa

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Os perigos para comunidades rurais da exploração de urânio em Caetité

Desde que chegou a Caetité, na Bahia, Pe. Osvaldino Barbosa engajou-se na luta por transparência em relação à exploração de urânio na região. A cultura do silêncio é explícita na cidade.
Primeiro porque as pessoas depositavam confiança e esperança na vinda da empresa que explora o urânio e, depois, porque a empresa impôs o silêncio para que os poucos empregos ofertados fossem mantidos. No entanto, a população cansou de tamanho descaso para com sua dignidade e saúde.
“Não existe nenhum estudo sobre a saúde da população, assim como não existe o cumprimento das condicionantes determinadas pelo Ibama”, afirmou Pe. Osvaldino na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. Ele afirma que o único estudo que existe não levou em conta que quase 40% dos óbitos que ocorrem em Caetité são considerados causas não identificadas.
Com a vinda de uma dezena de carretas contendo lixo atômico para Caetité, Pe. Osvaldino e outros líderes comunitários mobilizaram a população para que não permitissem a entrada desse material que, até então, nunca havia sido depositado na cidade. “
O comum de Caetité é sair comboio com urânio para o porto de Salvador. Nunca houve entrada de comboio com material radiativo. Como os movimentos populares são inquietos, e questionam o Programa Nuclear Brasileiro como um todo, eles se mobilizaram contra essa entrada de material porque a população temeu que fosse lixo atômico para ser depositado na cidade”, explicou.
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor se envolveu com a luta contra a mina de urânio em Caetité?
Vai fazer cinco anos que assumi a paróquia de Caetité, que é formada por dois municípios: Caetité e Lagoa Real. Eles representam uma extensão de três mil quilômetros e uma população de 60 mil habitantes, desenvolvida em 174 Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.
Já no passado, quando foram instaladas as minas e as jazidas de urânio em Caetité, a Igreja se posicionou, através de uma religiosa chamada Irmã Ida, que acompanhava o povo, alertando para os riscos que iriam enfrentar, e previa o que a população iria encarar no momento em que a mina estivesse funcionando.

Quando cheguei, comecei a visitar as comunidades. Irmã Ida já fazia um bom tempo que tinha sido transferida daqui. Percebi que o distrito de Caetité é o que tem a maior concentração de comunidades rurais. Esse distrito compõe a maior área pastoral dentro da paróquia; ele possui 45 comunidades eclesiais. Dessas, cerca de 20 são diretamente atingidas, visto que ficam bem próximas à mina de urânio.

Com isso, fiz um levantamento para saber como é que andava a situação da população que teve sua vida modificada em função da exploração de urânio. Percebi que muitas comunidades viviam sob um silêncio imposto pelos dirigentes e pessoas ligadas às empresas.
Com o passar do tempo, adquiri confiança das pessoas que começaram contar suas dificuldades, principalmente em relação ao acesso e à qualidade da água. A empresa abriu, através de comodato, vários poços artesianos e cedia parte desta água para as famílias da região. No entanto, a maior parte da água era utilizada pela empresa para poder minerar urânio. Isso porque os seus processos de lixiviação [1] têm muita demanda de água.

Como essa cultura do silêncio foi imposta aos moradores da região?
A principal característica estrutural da empresa é que ela carrega, na sua legislação, o silêncio. A sua comunicação não passa de panfletos de propagandas. Além disso, ela pressionava os trabalhadores ameaçando-os de demissão caso contem sobre os processos vividos dentro da empresa para alguém de fora. O pessoal daqui tem uma índole muito boa. Desta forma, depositaram muita confiança na empresa que prometia desenvolvimento e crescimento para a região. Eu posso dizer que a população foi enfeitiçada pela “flauta mágica” do emprego que não chegou.

Por que vocês bloquearam a entrada dessas carretas?
Porque nunca, que se tenha conhecimento, entrou uma quantidade de lixo nuclear como aquela carregada pelos caminhões que entraram na cidade na última semana. O comum de Caetité é sair comboio com urânio para o porto de Salvador. Nunca houve entrada de comboio com material radiativo. Como os movimentos populares são inquietos, e questionam o Programa Nuclear Brasileiro como um todo, eles se mobilizaram contra essa entrada de material nuclear porque a população temeu que fosse lixo atômico para ser depositado na cidade.

Qual tem sido o seu impacto sobre a vida do município e da população? Quantas pessoas precisam da mina para sobreviver?
A empresa emprega muito pouca mão de obra do ponto de vista orgânico. Ela tem muito mais empregados terceirizados. Atualmente, e esse dado não é oficial, há em torno de 200 empregados orgânicos. Ainda que gere esses empregos, os impactos e os prejuízos causados são muito maiores do que os benefícios trazidos. A cidade lucra com os tributos que a empresa paga, pois as jazidas que são exploradas atualmente ficam em Caetité. Nesse sentido, Lagoa Real sai perdendo porque possui diversas jazidas de urânio, mas nenhuma é explorada e não recebe qualquer tributo por isso. Lagoa Real sai perdendo duas vezes, pois possui um grande lençol freático que está sendo contaminado e utilizado pela exploração de urânio.
Quais são os principais efeitos negativos visíveis?
As casas dos que moram próximos à mina estão todas estragadas e quebradas em função do impacto dos dinamites para romper as rochas no intuito de retirar o urânio. Quando essas rochas são dinamitadas, liberam um gás chamado radônio que cai sobre as casas das pessoas, sobre os poços, e que acaba contaminando as águas. Por outro lado, a empresa continua dizendo que isso acontece em função da radiatividade natural. Não existe, porém, um estudo comprovando essa tese. De qualquer forma, natural ou por mineração, passando o limite permitido determinado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, a população não pode consumir essa água.

Falta comunicação e transparência por parte da empresa. Ela se coloca numa posição de quem não precisa dar satisfações à população local. A terra das pessoas que vivem no entorno da mina perdeu seu valor. Assim, ninguém quer investir na região. Mais de 30 famílias da comunidade de Mineira querem ser realocadas. Essas pessoas só querem um pedaço de terra para viver com dignidade. As comunidades vivem o dilema de não saber a qualidade da água que estão consumindo, nem se seus produtos que produzem estão ou não contaminados por material radiativo. Não existe nenhum estudo sobre a saúde da população, assim como não existe o cumprimento das condicionantes determinadas pelo Ibama.

No ano passado, depois de muita crítica e luta, a empresa contratou alguns pesquisadores para fazer um estudo. No entanto, esse não passou de cruzamento dos dados da Secretaria do Estado e do Município. Ou seja, o resultado se deu com um controle ideológico. Não levaram em consideração que quase 40% dos óbitos de Caetité são por causas não identificadas. Além disso, várias pessoas que estão com câncer vão a São Paulo ou a Belo Horizonte fazer tratamento e acabam morrendo por lá. Uma vez que essas pessoas morrem fora do estado, as mortes não são contabilizadas como de Caetité. É por esses e por outros motivos que nós queremos que a população que vive num raio de 20 quilômetros em torno da mina seja periodicamente examinada e acompanhada.

Quais são as lições que ficam depois da mobilização das populações de Caetité-BA contra o urânio e seu lixo atômico?
Primeiro, ficará a lição para a empresa. Ela não pode continuar agindo como antes, em sigilo, subestimando a população, sem fornecer informações claras.

Segundo, a população mostrou que quer tomar as rédeas da situação e, portanto, quer participar, quer ter voz para dizer e ser ouvida que não aceita mais esse tipo de coisa.

Terceiro, esse fato será considerado um marco simbólico histórico da população de Caetité. Neste país, pela primeira vez, uma população para um comboio com material radiativo e coloca em pauta a discussão sobre a energia nuclear no país.

O senhor coordena a Comissão Paroquial do Meio Ambiente de Caetité. Como funciona essa Comissão? O que ela promove?
A Comissão foi criada em abril de 2008. Além da mina de urânio já explorada há mais de 10 anos, Caetité possui outros minérios. Tudo indica que, no próximo ano, começará uma nova onda de exploração do ferro por uma empresa chamada Bahia Mineração que já se instalou no outro lado do município. Essa empresa tem capital do Cazaquistão [2], mas pertence aos Estados Unidos porque quem manda neste país asiático são os estadunidenses.

Essa nova empresa já tem licença do órgão regulador para começar uma mina de ferro. Para isso, ela vai abrir um buraco de 400 metros de profundidade e baixar o lençol freático em 300 metros. A Comissão foi criada, portanto, para poder assessorar as comunidades e para tentar compreender, refletir, estudar e aprofundar esse tema na região. Temos contato com várias assessorias, tais como: Comissão Pastoral da Terra e Movimento Paulo Jackson. Nossa missão é acompanhar a questão dos direitos humanos negados nesse processo de mineração e fortalecer as organizações populares para defendê-los.

Notas:

[1] Lixiviação é o processo de extração de uma substância presente em componentes sólidos através da sua dissolução num líquido. É um termo utilizado em vários campos da ciência, tal como a geologia, ciências do solo, metalurgia e química. O termo original refere-se à ação solubilizadora de água misturada com cinzas dissolvidas (lixívia) constituindo uma solução alcalina eficaz na limpeza de objetos. Em geoquímica ou geologia, usa-se para indicar qualquer processo de extração ou solubilização seletiva de constituintes químicos de uma rocha, mineral, depósito sedimentar, solo, etc.. pela ação de um fluido percolante.

[2] O Cazaquistão é um país fundamentalmente asiático, embora também inclua uma região relativamente pequena que, geograficamente, pertencente à Europa. Limita-se a norte e oeste com a Rússia, a leste com a China, a sul com o Quirguistão, o Uzbequistão e Turcomenistão e a oeste com o mar Cáspio.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

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Os ‘perigos’ da política e do bem comum

Recentemente, um famoso teólogo da libertação, que já foi criticado por usar marxismo na sua reflexão, postou em uma rede social: "Não confiemos muito nos partidos. Eles são sempre parte e nós queremos o todo. Política não é busca comum do bem comum, mas busca de interesses”. Penso que ele estava se referindo ou reagindo ao que passou na Câmara dos Deputados na votação do código florestal.
Estou comentando essa "mensagem” porque fiquei incomodado. Textos em redes sociais são escritos sem muita reflexão ou revisão, pois são de produção e consumo rápido. Mas, por isso mesmo podem ser expressões do que realmente pensamos. Mesmo que este texto não expresse corretamente o pensamento do autor, ele chega a milhares de pessoas e são replicados para tantos outros. Assim, acaba sendo parte da cultura política das pessoas e grupos que estão descontentes com a situação atual. Por tudo isso, penso que vale a pena fazer algumas reflexões.
A primeira frase é bastante genérica, pode ser interpretada de vários modos e não causa maiores problemas. Pois, não confiar muito nos partidos políticos é sempre uma boa postura. Mas, o restante da mensagem revela o seu sentido específico. Ao afirmar que os partidos são sempre "parte” e que "nós”, isto é, ele e os que seguem a mesma linha querem o "todo”, o autor mostra que a sua primeira afirmação é uma crítica aos partidos. Mais do que isso. Ele não critica somente o modo como os partidos atuais funcionam, mas critica a própria política enquanto instrumento de organização do Estado e de luta. Ao afirmar que "política não é busca do bem comum, mas busca de interesses”, ele, em nome do bem comum, deslegitima a política e a luta dos partidos por determinados interesses.
Em nome de uma visão holística, que pensa a partir do todo, e de um bem comum acima dos interesses de grupos ou de partes, ele propõe a defesa do meio ambiente e de um futuro de harmonia para humanidade. É uma proposta de visão da realidade e de luta que superaria a razão moderna e a própria prática política moderna. Não mais partes, mas sim o todo; não mais pensar e lutar a partir dos interesses, sejam dos trabalhadores ou dos capitalistas, mas em nome do bem comum.
O que me incomoda, e que me faz escrever este texto sem nenhuma intenção de criticar o autor, é que, se desqualificamos as lutas políticas feitas em nome de interesses, estamos afirmando que não há diferenças importantes ou conflito entre os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas. Em outras palavras, a luta pela defesa do meio ambiente, que é um bem comum à toda humanidade, não pode nos levar a esquecer que existe de fato conflito de interesses entre trabalhadores e capitalistas (incluindo neste grupo a elite da burocracia privada que administra o capitalismo global). Este conflito não nasce por falta de consciência do bem comum ou da carência de consciência ecológica, mas do lugar que ocupa no processo de produção econômica em escala mundial.
Se desqualificarmos a política como espaço de luta em torno do Estado, feita através dos partidos políticos, abandonamos uma instância fundamental de onde podemos tentar controlar o sistema de mercado capitalista global. Sem este controle, em nível nacional e mundial, teremos o sonho dos neoliberais: mercado livre para continuar explorando sem restrição os trabalhadores e o meio ambiente. Devemos lutar pelo bem comum, mas isto não pode nos levar a uma postura abstrata que não reconhece a objetividade da existência de conflito de interesses, de lugares distintos na divisão social do trabalho e no sistema econômico global. Lutar pelo bem comum passa pela defesa dos interesses de uma parte, a dos mais vulneráveis, fracos e pobres.
É claro que devemos melhorar o sistema de partidos, a política e o Estado como funcionam hoje. Mas, a luta por bem comum e o meio ambiente não podem nos levar a perder uma das grandes "conquistas” da TL: a opção pelos pobres e vítimas (opção por uma parte) que se concretiza também através da inserção na luta política.
Fonte: Jung Mo Sung – Adital

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Os gigantes das micro e pequenas empresas

Uma das chaves para o Brasil manter a economia aquecida é aumentar sua competitividade. De um lado, como já reforcei em outras ocasiões, está a importância de se investir pesado em tecnologia e inovação. De outro lado, há um caminho rápido e complementar: estimular o empreendedorismo, a partir de mudanças na atual legislação associadas a medidas que favoreçam a criação de micro e pequenas empresas (MPEs).
O País registra hoje mais de 1 milhão de empreendedores individuais. Trata-se de setor crucial à geração de novos empregos e ao crescimento. Para se ter uma idéia do tamanho desse potencial, no ano passado, os pequenos negócios registraram 62% de expansão no valor total do que foi exportado – as vendas ao exterior passaram de R$ 2,1 bilhões, em 2009, para R$ 3,4 bilhões, em 2010. O resultado é quase o dobro do crescimento de 32% registrado pelo total de exportações de toda a economia nacional no mesmo período – de R$ 247,9 bilhões para R$ 327 bilhões.
Evidente que esse avanço se deu, essencialmente, com a combinação de dois fatores: estabilidade monetária numa economia em crescimento e apoio do governo federal, que adotou políticas específicas à exportação e teve na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) um dos seus braços. De fato, a Apex vem fazendo um excelente trabalho de promoção brasileira no exterior, aproximando os mercados de nossos produtores.
Há de se considerar também a melhoria na qualidade da produção brasileira que chega ao mercado internacional. Além disso, houve aumento de crédito destinado às micro e pequenas empresas pelo BNDES, que teve recuperado no governo Lula seu papel primordial de fomento.
O volume mais que dobrou de 2009 a 2010: foi de R$ 11,6 bilhões para R$ 23,7 bilhões. Segundo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, uma das causas foi o uso do Cartão BNDES, que movimentou, no período, quase o dobro (81%) dos resultados obtidos no ano passado, alcançando R$ 1,3 bilhão – em 2011, as projeções do banco são de R$ 8 bilhões.
A taxa de juros praticada para esse setor da economia foi outro atrativo: desde março, a taxa para a compra de bens é de 6,5%, enquanto que o índice destinado às grandes empresas é de 8,7%.
Se existe consenso de que o setor é fundamental ao País, há também a certeza de que é preciso criar condições para a expansão das MPEs. Nesse sentido, o País necessita de reformas que barateiem o crédito e tornem mais ágil sua obtenção.
Está na agenda aprovar no bojo da reforma tributária, como propõe o governo, a ampliação do teto do SuperSimples, a alteração das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a redução da contribuição na folha para a Previdência e o salário educação.
Esses caminhos retiram entraves burocráticos ao empreendedorismo, fortalecem as MPEs, estimulam exportações, ampliam a produtividade e geram mais postos de trabalho com Carteira assinada. Afinal, tornar nossa economia mais competitiva passa por investir nesses gigantes chamados micro e pequenas empresas. (José Dirceu – Agência Sindical)

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Acordo para o desenvolvimento

Há sinais de que está se formando no Brasil uma coalizão política desenvolvimentista constituída por empresários industriais, trabalhadores e profissionais do setor público. Um acordo político dessa natureza é fundamental para o desenvolvimento econômico, porque este implica sempre a transferência de mão de obra para setores com valor adicionado per capita cada vez maior.
O tema central de meus estudos foi sempre o desenvolvimento ou o progresso; foi a busca pelas sociedades modernas dos grandes objetivos políticos que elas definiram historicamente para si próprias: segurança, bem-estar econômico, liberdade, igualdade e proteção do ambiente.

Esses objetivos nem sempre são coerentes uns com os outros, mas existe uma sinergia básica entre eles que faz com que os países mais desenvolvidos economicamente -aqueles que garantem a seu povo maior bem-estar econômico- tendam a ser também os que mais se aproximam dos outros quatro objetivos. Há exceções, mas países do norte da Europa são a melhor comprovação desse fato.

O desenvolvimento econômico não é, portanto, o único objetivo político das sociedades modernas, mas é seu objetivo mais estratégico.

Nesses estudos aprendi também que o fator político fundamental por trás de todos os países que se desenvolvem vigorosamente e realizam o "catching up", ou alcançamento, é uma nação forte ou coesa, que se mostre capaz de constituir um Estado capaz e um mercado eficiente: um Estado que lhe sirva de instrumento principal na busca de seus cinco objetivos políticos e um mercado livre e bem regulado, que premie as inovações dos empresários e os esforços dos trabalhadores e dos profissionais.

Ora, uma nação só é forte quando é capaz de tecer um grande acordo social entre empresários industriais, profissionais públicos e os trabalhadores.

Um acordo que defina de maneira informal uma estratégia nacional de desenvolvimento. E que crie oportunidades de investimento lucrativo para os empresários, ao mesmo tempo em que promove no médio prazo o aumento dos salários. Porque é o aumento do investimento, e, em consequência, da poupança que promove o crescimento.

Para que esse pacto político faça sentido, há um pressuposto e duas condições. O pressuposto é o de que o investimento será tanto maior quanto maiores forem as oportunidades de investimento lucrativas, que, por sua vez, serão tanto maiores quanto mais o país conseguir neutralizar a tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio e exportar bens manufaturados.

A primeira condição é "externa": que essa coalizão política derrote politicamente a coalizão alternativa formada principalmente por rentistas e pelos interesses estrangeiros, para que parte de suas rendas possam ser transferidas para os lucros das empresas produtivas. A segunda é "interna": que os trabalhadores aceitem uma redução provisória de seus salários, porque a necessária desvalorização inicial do câmbio tem essa consequência.

A notícia de que a Fiesp, duas centrais sindicais e os dois grandes sindicatos estão em fase adiantada de negociação de um grande acordo pró-indústria ("Valor Econômico", 20.mai.2011) é uma indicação de que, afinal, uma grande coalizão desenvolvimentista está se constituindo no Brasil. Resta saber se esta coalizão terá apoio político na sociedade, serão criadas mais oportunidades de investimento e o país voltará a crescer aceleradamente como o fez entre 1930 e 1980, ou se nós continuaremos reféns do rentismo e dos conselhos vindos do Norte. (Luís carlos Bresser Pereira – Folha)

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Um código florestal para o planeta B612

Quem não se lembra do planeta (na verdade um asteroide) B612? Era o lar de “O Pequeno Príncipe”, escrito por Antoine de Saint-Exupéry. Lá, nosso herói precisava urgentemente de um carneirinho para comer os pés de baobás que cresciam e ameaçavam seriamente seu pequeno mundo. Seria uma forma ecologicamente correta (ou ambientalmente amiga) de se controlar aquela “praga”. Mas infelizmente (ou felizmente) não vivemos no B612 e as relações ecológicas, ambientais, sociais, econômicas e políticas em nosso país são bem mais complicadas e dinâmicas.

Mesmo diante desta complexidade em que vivemos, algumas organizações ambientalistas (não todas, diga-se de passagem) creem que vivemos em outra realidade ou dimensão. Querem fazer crível, por exemplo, ser possível derrubar todos os baobás existentes em nosso planeta através do pastejo de lindos carneirinhos. E que não se iluda o incauto leitor, pois no dia que uma destas ONGs alienígenas chegar ao B612 poderá perfeitamente encrespar com o nosso “principezinho” acusando-o de haver promovido a compactação do solo pelo pisoteio das patas do carneiro, ter alterado a atmosfera pela emissão de CO2 da ruminação do pobre animal ou não ter feito corretamente a compostagem de todo o excremento produzido.

Em nosso planeta tudo é muito mais difícil, a começar pelo fato dele ser habitado por mais de seis bilhões de pessoas que necessitam consumir carboidratos e proteínas, a preço acessível, diariamente. Não podemos esquecer-nos deste “pequeno” detalhe. Concretamente, qual é a fórmula mágica para se proteger as florestas, a agricultura e a nação? Creio, firmemente, que a resposta passa pela proposta final contida no relatório do deputado Aldo Rebelo que mais uma vez foi adiada por forças que recusam a ceder minimamente em suas posições para se alcançar algo próximo do razoável ou do “consenso”.

No B612, o pequeno príncipe tinha a tarefa de, todos os dias, limpar dois vulcões (o terceiro estava inativo) para que eles não entrassem em erupção. Os vulcões que o paciente Aldo Rebelo tem que apagar diuturnamente em busca de um documento que consiga agregar todos os agentes interessados parecem ser bem mais explosivos. No fogo das vaidades, acaba voando labaredas para todos os lados e esquentando um debate que deveria ser mais frio e voltado aos interesses da maioria do povo brasileiro, além de respeitar aqueles que produzem alimentos em nosso país (sejam eles grandes, médios ou pequenos).

Muito cômodo, de dentro de um escritório climatizado, tomando um cafezinho ou comendo uma barra de cereal, condenar a “isenção” dada aos agricultores que plantam há décadas em topo de morros ou em várzeas. Mais que isso, beira a insensibilidade - típica daqueles que no livro confundiram o desenho de um elefante dentro da jiboia com um chapéu -, querer que um ribeirinho amazônico sobreviva em dez hectares tendo que preservar oito ou que um agricultor da serra gaúcha troque sua videira por área de preservação permanente. Cada caso guarda suas especificidades e tem de ser levado em conta e deliberado, inclusive pelos estados (como propõem o relatório). Ademais, a questão ambiental não pode ser entendida separada das necessidades básicas do povo brasileiro, e vai muito além do Código Florestal.

Certamente em B612 não há necessidades de se construir uma hidrelétrica da envergadura de Jirau ou Belo Monte; ou se promover a integração energética com outros mundos através de oleodutos e, muito menos, produzir biocombustíveis. Pois bem, todas essas ações geram impactos ao meio ambiente, mas, são fundamentais para que a economia continue gerando milhões de empregos, elevando o nível de vida do povo e sacando milhões da linha de pobreza como já vem ocorrendo. Todas elas, e outras mais, são necessárias para que nossa economia alce voos mais altos e mais duradouros que o de uma galinha.

Enquanto não superarmos o sectarismo político, por vezes importado de outras realidades, ficaremos reféns de alguns lunáticos que querem fazer crer que moramos num planeta fictício ou de conto de fadas. (Luciano Rezende – Vermelho)
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Crise na Europa não é econômica, mas política

Despenca furiosamente o nível de vida da população da Grécia. Deprecia-se incessantemente a Grécia sob o regime de extrema frugalidade. Ofende-se com sordidez de atos e linguagem a independência do país, inclusive até em seu direito fundamental de definir seu padrão de governança, quando um finlandês, comissário da União Européia, tenta forçar os partidos de oposição na Grécia a concordarem e apoiarem a política do governo, definida pela União Européia (UE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Para milhões de gregos, o problema da sobrevivência econômica torna-se tanto agudo, quanto nunca antes ao longo dos últimos 50 anos. A desgraça de nossa pátria limita nossos horizontes políticos. E enquanto a propaganda do governo dissimula os motivos da crise, a fim de ser facilitada a aprovação da política governamental de arrocho máximo, turva o critério político dos gregos, os quais, enquanto tentam enfrentar os crescentes problemas do cotidiano, ficam impossibilitados de integrá-los ao âmbito pan-europeu.

A crise é européia, não é simplesmente da Grécia, de Portugal, da Irlanda ou da Espanha, como pensa a maioria das pessoas. Naturalmente, manifesta-se com particular violência nestes países, que constituem os mais fracos elos da Zona do Euro, mas a crise é muito mais ampla e muito mais séria.

Não é só crise dos países da periferia européia, não é só simplesmente crise pan-européia de dívida pública, assim como não é simplesmente crise da moeda comum européia, do euro. Estamos enfrentando a crise da própria estrutura da complementação européia.
Europa das elites
"Crise estrutural da Europa" é como a denomina em editorial o jornal político do mundo empresarial alemão Frankfurter Algemeine Zeitung. Em grego simples, este título significa que a própria UE enfrenta risco de derrocada e dissolução. Nós, na Grécia, estamos tentando solucionar nossos próprios problemas. Mas os alemães vêem mais longe, sentem muito mais rapidamente os perigos em gestação na UE, a qual constitui o espaço da hegemonia econômica e política do governo de Berlim.

Dez anos de euro já têm mostrado a todos o que, exatamente, significa na prática a moeda comum européia. Dez anos de funcionamento da Zona do Euro levaram à apoteose da superioridade econômica da Alemanha, à séria queda da França, à derrocada da competitividade da Itália, da Espanha, da Grécia, de Portugal e outros.

"O euro deveria unir os povos da Europa, mas, ao invés disso, agora divide o Velho Continente", constata em artigo o jornal alemão Die Zeit.

Outra importantíssima constatação do ex-chanceler alemão Helmut Schmidt, em seu artigo, publicado no mesmo jornal: "Não temos crise do euro, mas crise da UE", enquanto o jornal, em seu subtítulo, sentencia: "Os problemas econômicos do euro, por mais sérios que sejam, são solucionáveis. Se em algum momento a União Monetária Européia for despedaçada, isto acontecerá por motivos políticos".

A crise observada em determinados países da Zona do Euro não limita-se somente à economia. Envenena as relações dos países que a integram. Envenena as relações dos povos da Europa. Resulta no ressurgimento de todos os preconceitos nacionalistas e racistas, do tipo "todos os povos mediterrâneos são preguiçosos", "cada alemão traz um nazista".

"A crise rompe a urdidura política da Europa", escreve a revista britânica Economist, e tem absoluta razão.

Última advertência formula o jornal alemão Die Zeit, dirigindo-se, principalmente, aos alemães. "A exemplo de como unificou-se a Europa, poderá, também, dissolver-se. Cada vez torna-se mais claro que a Europa, como objetivo das elites, sem a participação dos cidadãos comuns, não funciona mais", destaca. (Petros Panayotídes – Monitor Mercantil)

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Nas malhas da crise

Seja qual for a verdade dos factos – e no momento em que escrevemos muita coisa está ainda por esclarecer – é uma evidência que o caso Dominique Strauss-Kahn está longe de ser uma pura questão de polícia e muito menos uma manifestação de exemplar independência e isenção de classe do sistema de justiça norte-americano, sistema que dá cobertura aos piores crimes do imperialismo por todo o mundo. Mas se DSK, o principal dirigente de uma das mais poderosas organizações internacionais caiu nas malhas da justiça dos EUA, caiu também nas malhas da crise do capitalismo e da agudização da luta entre as diferentes fracções do grande capital e entre as grandes potências pela maior fatia possível do bolo imperialista.

Não há qualquer razão para erguer um só dedo em defesa de DSK, um daqueles «socialistas» – como Sócrates, Papandréou ou Zapatero – absolutamente indispensáveis à sobrevivência do capitalismo. É sabido que preconizava soluções de algum pendor keynesiano, aí residindo possivelmente uma razão para o seu meteórico afastamento. É sabido que partilhava a opinião de que a situação da Grécia era insustentável e que, obviamente no interesse do euro e do sistema financeiro, era realmente necessária alguma reestruturação da dívida grega, apesar do risco de «contágio» que Merkel e quejandos tanto temem. Uma posição que estava longe de ser pacífica no seio do directório de grandes potências que comanda a UE e que entretanto, não só se prepara para impor ao povo grego um novo pacote de pesados sacrifícios, como – declarações do patrão do euro Jean-Claude Juncker ao Der Spiegel em 21.05.11 propondo a criação de uma Treuhand (*) grega – congemina para a Grécia formas de ingerência institucionalizada de recorte abertamente colonial.

DSK é um homem do sistema que servia diligentemente a alta finança capitalista, mas que dificuldades e contradições terão tornado incómodo e descartável. Um daqueles políticos burgueses que nos tempos da juventude navegaram em águas de «esquerda» e que o grande capital descobriu, comprou e formatou para o servir. Um típico exemplo daquela categoria de tecnocratas que transformaram a social-democracia num pilar do imperialismo mas exibe uma fachada «anti-neoliberal» e um verniz de «esquerda» utilíssimos ao capitalismo para travar a erosão da sua base de apoio. DSK foi um dedicado servidor do grande capital e nada garante, como tantas vezes aconteceu com expoentes da classe dominante «caídos em desgraça», que não regresse ao primeiro plano da cena política.

Mas pelos vistos o sistema sente-se melhor servido de momento pela srª Christine Lagarde à frente do FMI: França, Alemanha e Grã-Bretanha já se entenderam para apoiar a candidatura da actual ministra da economia de Sarkozy, conhecida pela sua trajectória e orientação anglo-saxónica. A importância do FMI na cúpula do sistema capitalista torna-o objecto de uma disputa particularmente intensa no quadro do aprofundamento da crise capitalista. Independentemente do apuramento da verdade sobre o «caso DSK», esta é uma questão incontornável.

A crise que percorre a UE e que os portugueses vivem na pele, a persistência da recessão no Japão (que o desastre de Fukushima veio agravar ) e o espectro que pesa sobre a economia dos EUA em consequência do seu brutal endividamento e das faraónicas injecções da Reserva Federal no sistema financeiro, são realidades que ensombram de incerteza a situação internacional, num quadro em que avulta como grande questão não resolvida a reforma do sistema monetário, e com ela o questionamento do domínio do dólar e do papel dos EUA no mundo. Os fait divers da vida internacional não devem fazer-nos perder de vista o essencial: a profunda crise estrutural e sistémica do capitalismo, os perigos que comporta e a necessidade de lhe fazer frente com determinação e confiança. (Albano Nunes – Jornal Avante)
GM