quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A incógnita Feira de Santana

Por Genaldo de Melo


Dizer de antemão quem será o vencedor do próximo 03 de outubro no segundo maior colégio eleitoral da Bahia é mínimo uma grande heresia, senão uma loucura. Porém todos os cidadãos que conheço, já sabem de antemão, e opinam sobre quem será de fato o próximo Chefe do Executivo Municipal, porque simplesmente todos são apaixonados de alguma forma por um nome, grupo ou mesmo partido político.


Para quem quiser fazer uma análise mais fria de antemão, ou mesmo cientificamente para alguns, Feira de Santana é uma verdadeira incógnita eleitoral em 2012. Quando se fizer a matemática dos fatos infere-se naturalmente em quatro nomes, que em seus entornos giram os mais diversos grupos políticos, bem como os mais variados projetos de poder no município.

Tem o ex-prefeito, José Ronaldo, que conseguiu aglutinar em torno de si vários grupos, lideranças e partidos políticos, embalsamado na condição de maior liderança do interior do Estado de sua agremiação partidária. Oriundo do mesmo projeto político de poder, mas agora brilhando sozinho na condição de Chefe do Executivo Municipal, tem Tarcísio Pimenta, que ungido nessa situação privilegiada, tem em torno de si os mais variados satélites políticos.

Com o mesmo brilho das estrelas que não são cadentes, tem o petista Zé Neto, que a qualidade e a condição de líder do Governo Estadual na Assembleia Legislativa, já são o bastante para qualquer bom entendedor saber qual é mesmo seu projeto, coordenando vários processos que somente os cegos políticos não conseguem enxergar. Do mesmo modo, apesar dos percalços da vida, mas ainda considerado pelos feirenses como uma reserva moral, tem o ex-deputado federal Colbert Martins, coordenando em torno de si movimentos silenciosos, mas para “olhos de lince” não consegue esconder.


Além desses grupos já consolidados na condição de se apresentarem como opção de projetos de poder para Feira de Santana, existe outros paralelos que vão naturalmente vão colocando-se na postura da negociação. Do mesmo modo, tem os vereadores do município e lideranças que não conseguiram uma vaga na Câmara de Vereadores em 2008, onde alguns no auge da capacidade de influenciar grupos colocam-se sempre como articuladores de processos políticos. Mas é bom lembrar que sozinho vereador nenhum tem a condição de eleger prefeito, pois eles que estão na casa da Cidadania, bem como aqueles outros que não conseguiram se eleger, não passaram de cinco mil votos, considerando poucas exceções.


O embate vai ser bom e é melhor os apaixonados trabalharem, pois na politica o maior mistério é não haver mistério algum, pois o maior deles é exatamente o eleitor feirense. Vamos prá frente, que a incógnita vem por aí!

A beleza não é só para os ricos

Elaine Tavares
Jornalista
Adital


Florianópolis é uma cidade que vive da beleza. Esse é o principal "produto” que seus governantes põem à venda para atrair milhares de turistas em todas as temporadas de verão. Não é sem razão que ano após ano as gentes veem subir dezenas de prédios e hotéis, destinados a abrigar aqueles que vêm para a ilha em busca da beleza. E assim, tal qual Hípias na Grécia antiga, os agentes de turismo vendem a beleza de Florianópolis como coisa. "A praia bela, a areia bela, a paisagem bela, a comida bela”. Mas, quem nasceu aqui ou os que aprenderam a amar a cidade como um espaço onde se vive a vida cotidiana, a beleza tem outro sentido. Não é coisa, é ser. Assim, para esses, o que é belo não é a praia, a areia, a paisagem ou a comida, mas sim a ideia que comunica o caráter das coisas. E se beleza é ideia, não pode ser objetivada, nem vendida.
Ainda assim, o que acontece é que os que amam a cidade precisam conviver/com e batalhar contra com os vendilhões capitalistas, os que apenas enxergam a coisa a ser vendida, sem se preocupar com aqueles que vivem e sofrem a cidade no dia-a-dia. Vai daí que aparecem os conflitos.


Um deles acontece bem agora, nesses dias de quase verão. De novo, os vendilhões decidiram atacar mais um espaço de beleza da cidade, transformá-lo em coisa e vendê-lo aos que também só conseguem conceber a beleza como um objeto. A ponta do Coral. Esse lugar é uma pequena ponta de terra que avança sobre a Baia da Beira Mar, isolada da cidade pela via-expressa e os arranha-céus. Ali, desde os anos 80, os movimentos sociais, estudantes e militantes de toda a ordem vêm lutando para que seja construído um parque e um espaço de atividades culturais. Ou seja, é a proposta da beleza democratizada, entregue a toda cidade. Uma coisa muito justa uma vez que o aterro da Baia é hoje o espaço de moradia da classe alta, que acabou privatizando a vista, a terra e tudo mais.


Pois não satisfeitas com isso, agora as forças do capital querem se apropriar da Ponta do Coral, lugar que historicamente pertenceu aos pescadores, às gentes simples da cidade. O projeto das empreiteiras – tendo a frente a empresa Hantei, é fazer um aterro, descaracterizando completamente o lugar, e construir ali uma marina para que os iates e barcos de turismo possam atracar. Também propõem, no lugar do centro cultural público – como é desejo dos movimentos – construir um hotel de luxo. Será o Parque Marina Hotel.


Hoje a Ponta do Coral é espaço conflagrado, uma vez que a cidade luta há décadas para que aqueles 14 mil metros quadrados, onde vive uma fauna exuberante (garça-branca, biguá, baiacu, garça-azul, socó-dorminhoco, bem-te-vi, quero-quero) possa ser utilizado pela comunidade, de forma livre e democrática. Ninguém aceita a conversa de que aquela é uma área privada e que, portanto, o dono pode fazer o que quiser. Não é assim. A propriedade também deve cumprir uma função pública.


A Ponta do Coral, por ser um terreno à beira-mar, deveria ser terreno de marinha, embora conste em documentos que o dono é Realdo Guglielme, empresário de Criciúma. No passado esse terreno pertenceu a Standart Oil Company que ali tinha um depósito, o qual as entidades queriam ver tombado para a concretização da proposta de um casarão cultural. Com a construção do aterro da Beira Mar (nos anos 80), o Estado acabou comprando o lugar e, depois, com a via expressa concluída, a ponta ficou afastada do resto da cidade e foi vendida outra vez. Mas, a população queria preservar o lugar como área verde e fez um grande movimento. Tudo isso foi em vão. A Ponta do Coral seguiu em mãos privadas e logo já apareceu o projeto da construção de um hotel. Houve manifestações, protestos, luta, mas, como quem manda na cidade é o dinheiro, em 1998 Guglielme conseguiu derrubar o prédio da Standart Oil e frustrar uma luta de anos. Ainda assim, os movimentos sociais seguiram lutando e inviabilizando a construção do hotel.


Agora, a queda de braço é com a construtora Hantei, contratada para levar adiante a proposta do hotel e da marina. A Ponta do Coral, velho espaço de pescadores e área de lazer do povo da Agronômica é coisa vendável, é paisagem/objeto, é privilégio para poucos. Na cidade, os movimentos que se levantam contra o empreendimento são tratados como os "inimigos do progresso” ou os "do contra”, como é comum aos capachos do poder tentar ridicularizar e diminuir aqueles que pensam no bem público. O fato é que o "progresso” que a marina e o hotel se propõem a trazer não será para todos. Apenas os donos do empreendimento se encherão de dinheiro com a proposta. O que as empresas envolvidas no processo dizem é que o povo de Florianópolis vai ganhar porque haverá muitos empregos. Outra bobagem. Os empregos que um empreendimento como esse geram podem ser gerados em outros lugares e o serão, uma vez que a vocação da ilha é o turismo. Assim, a vida de nenhuma pessoa será inviabilizada se o projeto não vingar. Pelo contrário. Com um parque cultural, toda a gente da cidade poderá se favorecer e desfrutar de qualidade de vida.


A compra das consciências e as ilegalidades


Como sempre acontece em situações como essas, a empresa construtora iniciou um trabalho de compra de consciências. Contando (ou comprando?) com o apoio de grandes empresas de comunicação a empresa fez um agressivo trabalho de relações públicas, afirmando que a Ponta do Coral não será um espaço privado. Será construído o hotel de luxo e a marina, mas o povo poderá desfrutar de uma série de equipamentos públicos como pracinha para crianças, anfiteatro e praça. O que a empresa não diz é que esse espaço público ficará de cara para a rua, ou seja, completamente desprovido da beleza do lugar. As pessoas terão um lugar, mas ele será de segunda categoria. A beleza da ponta ficará de uso exclusivo dos turistas, hóspedes e navegadores. Para os empresários da construção "a plebe” deve ficar satisfeita com esse acordo e pegar o que pode.


Não bastasse esse engodo de "espaço público”, a empresa ainda anda pela comunidade espalhando a promessa de emprego, o que não deixa de ser algo tremendamente cruel, uma vez que é óbvio que não haverá empregos para todos, e os oferecidos não passarão dos cargos de arrumadeira, garçom ou, quem sabe, de atracadores de barco. E, as gentes, premidas pelas necessidades da vida, acabam embarcando nessa conversa furada.


Isso ficou patente na última audiência pública que aconteceu no dia 22 de novembro, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. A Hantei, buscando criar falsa uma empatia junto aos deputados convocou moradores da Agronômica, empregados da construtora e até das imobiliárias para se manifestarem favoravelmente ao projeto. E o povo lotou a sala. Mas, para surpresa de todos, três horas depois do início da audiência foi descoberta a razão de tanta gente. A maioria havia recebido dinheiro para comparecer. As mulheres levaram 15 reais e os homens 20. Boa parte das pessoas não sabia absolutamente nada do que estava acontecendo ali, apenas seguiam as instruções para bater palma ou se manifestar quando alguém mandasse. Tiveram até direito a um lanche. O blogueiro Mosquito conseguiu a gravação da fala de um grupo de mulheres e denunciou a trama.


A audiência acabou sendo uma rica experiência de desvendamento de máscaras, como bem lembra Loureci Ribeiro, um dos estudantes que participou dos primeiros atos em defesa da Ponta do Coral e que, hoje, como arquiteto, segue defendendo a proposta comunitária. Poucos políticos da cidade compareceram (nenhum vereador), mostrando o quão pouco se importam com os assuntos da comunidade. E o que se viu foi o claro conluio que existe entre os grandes empreendimentos, a mídia, a administração municipal e os órgãos ambientais para o loteamento geral da cidade e da beleza.


Além dos movimentos sociais que historicamente tem lutado contra o projeto de privatização da beleza da Ponta do Coral, apenas a voz solitária da representante do Ministério do Planejamento, Isolde Espíndola, se fez ouvir, dizendo que a lei 180/2005 – que doa 12 mil metros de terra para a Hantei e permite o aterro de mais 30 mil – é ilegal e precisa ser anulada. "A área onde será feita o aterro é federal. A câmara de vereadores não tem ingerência. Essa é uma lei ilegal”. Mas, ainda assim, foi ignorada.


Enfim, a audiência cumpriu seu papel, expôs as feridas, as ilegalidades, as irresponsabilidades e os desejos obscuros das empreiteiras e dos maus políticos. Agora, é hora de a cidade se posicionar. Mas, essa posição precisa ser precedida do conhecimento. Ninguém pode acusar os movimentos sociais de ser "do contra”, sem saber antes contra o quê eles estão.


Nesse caso, os militantes sociais estão contra a apropriação indevida da beleza da Ponta do Coral por um pequeno grupo de empresários. O que os movimentos sociais querem é que aquele seja um lugar de todos, com todo o seu esplendor de flora e fauna, e não apenas uma praça perdida no meio do asfalto. A Ponta do Coral é um pequeno trecho de terra que avança na baia e que condensa uma vida rica e farta. É um lugar de beleza, de simplicidade, de ternura. É um vestígio isolado da velha cidade que foi cedendo passo aos arranha-céus, ao asfalto, aos espaços privados e elitizados. E por isso mesmo deve ser preservada como um patrimônio das gentes, de todos.
Agora, a luta segue, e precisa se encarnar na vida de todas as pessoas que amam de verdade essa cidade "perdida no mar”. Todo o esforço deve ser empreendido para a anulação da lei que entrega a ponta para a Hantei. E lá, naquele ínfimo espaço de pura beleza deve nascer o Parque há tanto tempo sonhado. Porque é direito do povo desfrutar da beleza que essa ilha tem. E que venham muito mais daqueles que são contra o progresso dos bandidos/grileiros do mar e da beleza.

Serra: cronicamente inviável

Editorial de Carta Maior


O desenvolvimento brasileiro é vítima de um desequilíbrio macroeconômico conhecido: os juros escorchantes encarecem o investimento produtivo e estimulam o rentismo; o câmbio, valorizado, inibe exportações e pressiona o déficit externo pelo lado das importações, ademais de corroer o tecido industrial destruindo cadeias produtivas.


Os vínculos são igualmente transparentes: juros altos atraem capitais especulativos que inundam o mercado de câmbio, valorizando artificilmente a moeda brasileira, o que reduz a competitividade industrial, amplia o déficit externo e redobra a dependência em relação a capitais forâneos. Por que uma equação de impropriedade tão evidente demora tanto a ser corrigida?


Porque desenvolvimento não é contabilidade, mas transformação social. Porque o maior desafio do desenvolvimento é construir as linhas de passagem entre um ciclo e outro; nessa travessia de metas e recursos a costura essencial é política e não aritmética. Alianças e hegemonia condicionam a direção e o processo. São platitudes. Mas é forçoso repeti-las quando se trata de analisar a crítica à política monetária do governo Lula emitida pela figura do candidato da derrota conservadora no Brasil, José Serra.


Apontado por amigos e colunistas como alguém que 'entende de economia', Serra classificou como 'o erro mais espetacular da história econômica brasileira', o fato de o BC não ter reduzido os juros na crise de 2008. A observação correta na boca da impostura política amesquinha-se à categoria dos 'faits divers', curiosidades irrelevantes, desprovidas de consequência histórica. Sabedorias de Almanaque do Biotônico Fontoura. É esse enquadramento que faz de Serra uma figura cronicamente inviável em seus próprios termos, um janismo com caspa (falsa) da Unicamp, na medida em que o discurso do qual se apropria contrasta com a aliança política --retrógrada, rentista e midiático-conservadora-- que sempre o abrigou, inclusive nas suas duas derrotas presidenciais, para Lula, em 2002 e para Dilma, em 2010.


Repita-se, são as alianças que condicionam a trajetória do desenvolvimento. Tanto o PT quanto o PSDB estão perpassados por acordos com a plutocracia financeira. A diferença são os contrapesos sociais que determinam o comando do processo em um e outro caso. Serra é o quadro sobre o qual recaem as preferências da santa aliança midiático conservadora, justamente porque sua alegada 'independência' política, no fundo, constitui uma crosta reacionária feita de sobrepostas camadas anti-sindicais e anti-populares. E é sob essa crosta que se reafirma a hegemonia dos que fizeram do desenvolvimento brasileiro um 'case' planetário de desigualdade social.


A ação dessas forças em áreas nas quais Serra costuma alardear proficiência e vanguardismo --saúde e educação-- é pedagógica. Em dezembro de 2007, o Senado brasileiro, capitaneado pela coalizão midiático demotucana --que sustentaria sua candidatura em 2010-- derrubou a CPMF , subtraindo R$ 40 bilhões da saúde pública brasileira.


Vale um esforço de distanciamento para captar melhor o sentido da cena: o Senado, a câmara alta de uma democracia, corta recursos de uma área tristemente deficitária e capenga que pode decidir a vida e a morte de milhões de brasileiros pobres. O Estado brasileiro destina apenas 3,6% do PIB à saúde pública. O restante dos recursos aportados ao setor, de um total de 8,4% do PIB, circulam exclusivamente entre os que tem acesso ao atendimento privado: cerca de 25% da população. À longa fila dos 75% que acorrem ao SUS chegam R$ cerca de 108 bi, enquanto os gastos com juros da dívida pública nos últimos 12 meses até outubro alcançaram R$ 235,8 bi, 5,8% do PIB.


Vista retrospectivamente, a decisão política de suprimir um imposto sobre transações financeiras para acudir à massa desvalida remete às caricaturas históricas mais torpes produzidas pelo elitismo. Um equivalente nativo ao 'comam brioches' de Maria Antonieta. A dirigir a cena vil, os interesses, os partidos e os veículos de mídia que sempre sustentaram Serra.


No caso da educação, um dado resume todos os demais: Serra, governador, respondeu com borrachadas verbais e reais à greve de professores de São Paulo por salários e melhores condições de trabalho, em 2010. Entre outras coisas, o Estado de São Paulo, dirigido há 16 anos pelo PSDB de Serra, e por ele mesmo até 2010, é a unidade da federação que concede aos professores a menor porcentagem de jornada da trabalho (apenas 17% do salário) para a decisiva tarefa de preparação de aula.


Nesta 2ª feira, 28-11, finalmente, um juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, concedeu liminar aos professores determinando ao governo tucano o cumprimento imediato da Lei 11.738/08 (piso salarial profissional nacional), que estabelece um mínimo de 1/3 da jornada de trabalho em atividades extraclasses.


A política educacional brasileira avançou significativamente nos dois governos Lula. O orçamento do setor expressa essa caminhada tendo saltado de R$ 19 bi em 2003 para R$ 70 bi atualmente. Mas ainda é insuficiente. Comparado ao que se destina ao pagamento de juros aos rentistas da dívida pública, por exemplo,é muito pouco para uma área essencial ao desenvolvimento e à cidadania. É preciso ir além. E fazê-lo mais rápido do que se propõe o governo, que prevê elevar em 7% do PIB esse orçamento ao longo de 10 anos. Mas de uma coisa podemos ter certeza: não será com a impostura serrista que as linhas de passagem entre esssencial e o estéril serão erguidas na luta pelo desenvolvimento brasileiro.

Aquecimento global: mais um encontro inconclusivo da ONU?

Editorial do Vermelho


As conferências da ONU sobre o clima têm sido, cada vez mais, cenários de confronto entre os países ricos e as nações emergentes a respeito do desenvolvimento mundial. A reunião iniciada hoje (28) em Durban, na África do Sul – a 17ª Conferência das Partes sobre o Clima, com a participação de quase 20 mil delegados, entre eles diplomatas, ministros, especialistas e militantes ambientais, que vieram de cerca de 200 países – é mais uma etapa nessa disputa. E, face ao agravamento da crise econômica mundial, têm razão os pessimistas que preveem mais um encontro inconclusivo, como ocorreu nas reuniões anteriores de Copenhague (Dinamarca, 2009) e Cancun (México, 2010).


O embate entre a pressão pela mitigação das emissões de gases do efeito estufa, de um lado, e o direito dos povos ao desenvolvimento, de outro, está na base de propostas de ações políticas e econômicas conflitantes sobre o problema. E a consequência é o impasse recorrente nas conferências climáticas, que se aprofunda desde os encontros de Copenhague e Cancun.


Há recomendações ambientalistas que apregoam, desde a década de 1960, a necessidade de contenção do desenvolvimento econômico, pois a Terra teria chegado ao limite da exploração dos recursos naturais. É um argumento repetido desde as reuniões do Clube de Roma (1968) e que mal disfarça a pretensão dos países industrializados de segurar o desenvolvimento dos demais e criar as condições para a manutenção da distribuição de poder político e econômico da qual eles se beneficiam.


Do ponto de vista econômico esta pretensão se traduziu no mercado de carbono criado no contexto do Protocolo de Kyoto – aprovado em 1997 e em vigor desde 2005, pelo qual os quase 40 países desenvolvidos signatários obrigam-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa para os níveis de 1990. O protocolo expira em outubro de 2012 e Durban não deixa esperanças sobre sua renovação.


O mercado de carbono permite que os países industrializados “comprem” direitos de emissão dos países pobres. Isto é, que troquem a obrigação de cortar as emissões em suas próprias indústrias pela renúncia dos países pobres que, a troco do dinheiro recebido, abrem mão de seu desenvolvimento industrial e assim deixam de emitir.


Nos últimos anos este mercado se consolidou e passou a girar bilhões de dólares nas bolsas de carbono, tornando-se um investimento financeiro rentável e recomendado por organismos multilaterais, como o Banco Mundial. Novos desdobramentos levaram à proposta, feita em Copenhague e consolidada em Cancun, de criação do Fundo Verde, que prevê investimento de US$ 100 bilhões por ano, até 2020, dos países industrializados nos países emergentes; também está na mesa de negociação o chamado Redd, um contestado mecanismo proposto para preservar as florestas e reduzir as emissões decorrentes do desflorestamento.


São propostas controversas que enfrentam forte resistência nos países que, supostamente, se beneficiariam com elas porque, comprando direitos de emissão e assumindo o controle de extensas áreas florestais nos países emergentes, os investidores do Fundo Verde passariam a controlar também a soberania nacional sobre os territórios “beneficiados”, inclusive com direitos sobre a vida e os costumes das populações nativas das florestas.


A negociação climática é agravada pela crise mundial, que coloca os países ricos face a graves problemas econômicos que limitam sua capacidade de investimento e comprometem o cumprimento de compromissos financeiros assumidos. E que pode explicar porque o Fundo Verde, surgido em 2009, até hoje não viu um centavo do dinheiro prometido solenemente nos encontros ambientais da ONU.


Esta questão econômica liga-se ao fracasso da pretensão de limitar o desenvolvimento dos emergentes. Crescimento econômico que, sendo cada vez mais uma realidade concreta, começa a alterar a distribuição de poder político e econômico no mundo.


Fazem sentido, assim, as decisões já anunciadas de países como Rússia, Canadá, Austrália e Japão, de abandonar os compromissos assumidos no contexto do Protocolo de Kyoto, mesmo a custo de aprofundar a fragilidade desse acordo internacional que nunca contou com a adesão do maior emissor de gases do efeito estufa, os EUA.


Na outra ponta, países em desenvolvimento como China, Índia, Brasil e demais emergentes não abrem mão do princípio das responsabilidades comuns mas desiguais, que implica uma maior contribuição dos países industrializados para limitar a emissão de gases do efeito estufa, da qual são campeões há pelo menos duzentos anos (desde a Revolução Industrial do século 18).


Em nome daquele princípio os países emergentes não aceitam metas obrigatórias de corte nas emissões que podem comprometer e limitar seu próprio desenvolvimento, embora adotem políticas de mitigação voluntárias.


Os países ricos nunca tiveram boa vontade com aquele princípio que, agora, recusam, como a chanceler alemã Ângela Merkel demonstrou claramente ao exigir responsabilidades iguais para todos, impondo aos emergentes as mesmas metas obrigatórias de corte das emissões que o protocolo de Kyoto determina aos países de industrialização mais antiga. E citou explicitamente Brasil, Índia e China. Esta opinião é partilhada pela Comissária Europeia para Ação Climática, Connie Hedegaard, que também exige, para aceitar a renovação do Protocolo de Kyoto, que o bloco emergente aceite metas obrigatórias de corte.


Se a luta contra as agressões à natureza tem um caráter anticapitalista por exigir condições de produção e consumo menos predatórias, a disputa em torno da mudança climática tem também um caráter anti-imperialista. Ela opõe o direito ao desenvolvimento das nações do mundo à pretensão dos países ricos em manter tudo como está, sem mexer em suas próprias emissões de gases nocivos nem na maneira capitalista como a produção está organizada, nos países industrializados e também nas demais nações. É a disputa entre as potências capitalistas que se recusam a fazer qualquer concessão e o anseio dos povos pelo desenvolvimento. Este é o braço de ferro que pode ter consequências letais para as conferências climáticas e ambientais previstas para o futuro.

Capiberibe: "Sou um político sem controle"

O senador, que havia sido inicialmente barrado pela Lei da Ficha Limpa, toma posse hoje. Em entrevista ao Congresso em Foco, ele diz que processo contra ele teve José Sarney como principal orquestrador


Por Fábio Góis


Depois de mais de um ano de espera, o amapaense João Capiberibe (PSB), segundo candidato a senador pelo Amapá mais votado nas eleições de 2010 (130.411 votos), vai poder ocupar uma das cadeiras azuis do Senado. A cerimônia está prevista para esta terça (29), às 15h30. Segundo o protocolo regimental, o ato da Mesa Diretora deve ser conduzido pelo presidente da Casa – no caso, José Sarney (PMDB-AP). Caso Sarney não decline da tarefa, será o encontro de Capiberibe com aquele que, segundo a sua avaliação, foi o responsável pelas denúncias que o levaram a, inicialmente, ser barrado pela Lei da Ficha Limpa no ano passado. “Será a hora de encarar aquele que mais sintetiza as correntes contrárias ao meu retorno”, disse Capiberibe ao Congresso em Foco.


Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Capiberibe diz contrariar muitos interesses de poderosos, e que por isso sofre perseguição política. Sua conduta, diz, não admite “controle”. “A política é uma atividade muito complicada, não é feita de anjos nem demônios. É feita de cidadãos comuns que têm virtudes e defeitos. E é exercida sob um certo controle. Agora, eu sou um político sem controle. Ninguém me controla, porque eu não represento grupo econômico, não tenho nenhuma relação com banqueiros, com latifundiários”, garante.


Além de ter de conviver com ele no Senado, teoricamente, pelos próximos quatro anos (o peemedebista está na segunda parte do mandato de oito anos), Sarney ainda vê Capiberibe reaver a vaga até hoje ocupada por um de seus aliados no Amapá, Gilvam Borges (PMDB-AP), a quem Capiberibe chama de “aprendiz de feiticeiro’. “O senador Gilvam Borges é um coadjuvante. A figura principal é o senador José Sarney.


É o homem que tem poder, que tem influência, e que é o meu real adversário. Gilvam é um ajudante de feiticeiro”, dispara.Capiberibe foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa após uma denúncia de compra de votos, que levou à cassação de seu mandato anterior como senador. O mesmo processo atingiu também sua mulher, a deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), que já tomou posse. Ele sustenta que a denúncia foi uma armação feita no Amapá por seus adversários políticos. Mas, como político enquadrado na Lei da Ficha Limpa, Capiberibe acaba externando opiniões polêmicas sobre a ficha limpa, a lei de iniciativa popular que em 2010 recebeu o Prêmio Congresso em Foco como melhor iniciativa popular.


Capiberibe chega ao ponto de defender o direito do eleitor de escolher políticos desonestos. “Estamos complicando o processo político na medida da judicialização do processo, e eu acho que isso contraria o fundamento básico da democracia, que é o direito de o cidadão escolher. Se ele quer escolher um sujeito decente, um representante correto, ele vai escolher. Se ele quer escolher um desonesto, ele tem o direito a isso”, argumenta Capiberibe.


Para ele, a Lei da Ficha Limpa foi uma reação da sociedade à falta efetiva de punição dos denunciados pela Justiça. “Eu conheço vários casos no Amapá, por exemplo, várias operações da Polícia Federal em que não se chega a nenhum punido. A polícia vai lá, prende, prova, comprova, o Judiciário não julga, e fica tudo na impunidade.


Aí, a sociedade começa a clamar por justiça, questiona o Parlamento, que vota uma lei, inclusive, inconstitucional. Sabidamente inconstitucional, e que complica o processo político. Eu estou preocupado com o caminho que nós estamos tomando”, diz Capiberibe.Diplomado pela Justiça Eleitoral no último dia 14, Capiberibe disse que, assim que tomar posse como senador, vai “fazer defesa intransigente” contra o foro privilegiado. “Isso é uma pouca vergonha! Só acontece em uma sociedade elitista, de castas, como é o Brasil”, fustigou o político amapaense.


Confira os principais pontos da entrevista:


Congresso em Foco – O senhor foi beneficiado pela interpretação do STF quanto à retroatividade da Lei da Ficha Limpa. Como o senhor analisa tal decisão?


João Capiberibe – A ficha limpa é o clamor da sociedade. A sociedade quer justiça, mas a justiça é lenta, muita das vezes não acontece, não julga. Então, vão-se criando novas leis que tampouco são aplicadas. No caso da ficha limpa, é uma lei que, na minha opinião, contraria alguns princípios constitucionais. E o Supremo, mais uma vez o Supremo, de uma forma muito atrasada, em vez de julgar em tempo hábil para evitar insegurança jurídica, vai julgar a lei seis meses depois das eleições. E o que é mais surpreendente, como no meu caso, é que a corte se reúne, toma uma decisão, e mesmo assim ela demora para se cumprir corretamente. Eu estou realmente, digamos, atônito com o que está acontecendo no Judiciário do nosso país.


CF - As decisões do Judiciário não raro vão de encontro aos anseios da opinião pública. Como o senhor se vê no contexto desta nova situação?


JC - No caso, concretamente, vamos destacar a Justiça Eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral é um tribunal político – até porque julga políticos. E os critérios nem sempre são jurídicos nesses julgamentos. Então, nós estamos complicando o processo político na medida da judicialização do processo, e eu acho que isso contraria o fundamento básico da democracia, que é o direito de o cidadão escolher. Se ele quer escolher um sujeito decente, um representante correto, ele vai escolher. Se ele quer escolher um desonesto, ele tem o direito a isso – a sociedade é feita de pessoas decentes e de pessoas desonestas. No entanto, criou-se agora essa possibilidade para impedir que todo mundo possa se candidatar. Eu acho que a lei é uma tentativa de substituir a pauta de punição pelo Judiciário.


CF - Mas a lei não preenche uma lacuna de impunidade na política?


JC - Veja o seguinte: quando um político ou um cidadão qualquer comete um crime, ele tem de ser julgado e punido. Um cidadão qualquer é julgado e punido – já o político, não. Eu conheço vários casos no Amapá, por exemplo, várias operações da Polícia Federal, desde 2004, em que até hoje não têm um único punido. A polícia vai lá, prende, prova, comprova, o Judiciário não julga, e fica tudo na impunidade. Aí, a sociedade começa a clamar por justiça, questiona o Parlamento, que vota uma lei, inclusive, inconstitucional. Sabidamente inconstitucional, e que complica o processo político. Eu estou preocupado com o caminho que nós estamos tomando.


CF - O senhor acha que recebeu tratamento desigual daquele reservado à sua mulher, deputada Janete Capiberibe, empossada na Câmara em julho?


JC - Eu a deputada Janete [Capiberibe, PSB-AP], além de marido e mulher, somos companheiros de luta política desde a época da ditadura. Somos irmãos siameses no mesmo processo, ele é exatamente igual. Nós fomos cassados sob a acusação de compra de dois votos por R$ 26, pagos em duas parcelas, tanto eu quanto ela. Veio a ficha limpa, mais tarde o Supremo decidiu que ela não vale para 2010, ela [Janete] tomou posse no dia 13 de julho.


CF - Com a interpretação do Supremo, políticos sem qualquer condenação judicial, em qualquer instância, podem dar lugar a outros com diversas condenações por motivos variados – alguns deles com julgamentos em curso, inclusive naquela corte. É o caso de Jader Barbalho, que ameaça o mandato de Marinor Brito (Psol-PA). O senhor acha isso justo?


JC - Acho que deveria ser respeitada a decisão popular. Não tem como ter uma comissão que vá dizer quem pode e quem não pode ser escolhido pelo povo. O povo vai escolher à sua maneira. Agora, se pesa alguma acusação sobre o senhor Jader Barbalho, que a Justiça o julgue. Se encontrar indícios de crime, que o condene. Agora, o que não pode é tratar a lei da maneira como ela está sendo tratada. A lei era para ter sido aplicada em 2010. O Supremo Tribunal Federal disse que não se aplica para 2010 – não se aplica para o senhor Jader Barbalho, não se aplica para mim, não se aplica para ninguém. O que está em jogo aqui é o cumprimento da lei. Volto a insistir: se um político comete um crime, [o Judiciário] tem de ser rigoroso. Na hora em que eu assumir o mandato no Senado, vou fazer uma defesa intransigente para acabar com o foro privilegiado. Isso é uma pouca vergonha! Isso só acontece em uma sociedade elitista, de castas, como é o Brasil. Temos o foro privilegiado, temos prisão privilegiada… Enquanto perdurar o foro privilegiado, não existe julgamento. O juiz da primeira instância é o mais isento, ele está na comunidade.


CF - Então o TSE não era o foro adequado para o seu caso?


JC - É tão injusto o que aconteceu conosco… Eu não tenho um único processo criminal, nenhuma acusação criminal. A deputada Janete não tem absolutamente nenhum processo, nada – nem criminal, nem cível. A única condenação foi pelo TSE, em 2004, que é uma condenação política. Eu só fui condenado na ditadura, a seis anos de prisão, e depois pelo TSE, à perda do mandato e dos direitos políticos por cinco anos. Se o Supremo não tivesse tomado essa decisão, eu iria para 16 anos de inelegibilidade, isso é absolutamente inédito. É claro, a política é uma atividade muito complicada, não é feita de anjos nem demônios. É feita de cidadãos comuns que têm virtudes e defeitos. E a política é exercida sob um certo controle. Agora, eu sou um político sem controle. Ninguém me controla, porque eu não represento grupo econômico, não tenho nenhuma relação com banqueiros, com latifundiários. Eu defendo o MST, os índios, as pessoas que mais necessitam de voz. E aí eu desafio alguns poderosos, e pago um preço muito caro por isso. É a minha opção, eu não tenho mais tempo de mudar. Se tem uma coisa que não me comove é dinheiro, bens, isso não. O que me comove é ver o povo sofrendo, é ver gente que precisa de voz, e é do lado deles que eu quero estar. E do lado deles que vou estar lá no Senado.


CF - A decisão do STF privilegiou o princípio da anualidade em detrimento dos interesses da coletividade. O senhor concorda que um preceito constitucional deve prevalecer sobre os anseios majoritários da sociedade?


JC - Essa questão da anualidade é fundamental. Até porque se o Supremo não tivesse reconhecido o princípio da anualidade, nós teríamos, em cima da eleição, que mudar um governo, por exemplo, que estivesse no poder. Poderia mudar as eleições na véspera, que é o que a ficha limpa fez. Ela alterou o processo eleitoral no ano de eleição, mexeu na regra do jogo no segundo tempo. E também criou uma enorme estabilidade no processo eleitoral. A gente precisa mudar o país, e eu dei a minha contribuição para mudar o país. Aprovei uma lei importante – inclusive, responsável por várias prisões por aí, que é a Lei da Transparência, que obrigou o Estado a abrir as suas contas na internet. E, hoje, fica mais fácil para jornalistas, e até para nós mesmos, fiscalizar os recursos. Nós temos outros meios de agir em cima do estado sem ser criando leis novas a cada momento de crise ética. A gente sabe que isso não muda, não vai mudar criando novas leis. O que muda seria aplicar corretamente as leis existentes, a começar pelo fim do foro privilegiado.


CF - O senhor afirma que a denúncia de compra de votos feita contra o senhor e a deputada Janete Capiberibe foi caluniosa, e, inclusive, acusa o senador Gilvan Borges, que o senhor irá substituir, sobre isso. Como se deu esse processo?


JC - Surgiram informações de que as duas testemunhas no processo foram compradas. Mas o senador Gilvam Borges é um coadjuvante nessa história toda. A figura principal é o senador José Sarney. É o homem que tem poder, que tem influência, e que é o meu real adversário. Gilvam é um ajudante de feiticeiro.


Fonte: UOL