segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A força política das mulheres brasileiras

Por Genaldo de Melo
 
 
Um dos movimentos políticos mais extraordinários do últimos tempos que tivemos a alegria de ver e participar foi a Marcha das Margaridas – 2011, que aconteceu em Brasília, entre os dias 16 e 17 de agosto último. Sem falsa modéstia, foi extraordinário mesmo, você ver cerca de 70 mil mulheres, além da participação de vários milhares de homens, de todo o Brasil, marchando juntos nas ruas da Capital Federal rumo a Praça dos Três Poderes, para exigir do poder constituído Políticas Publicas que acabem de uma vez por todas as disparidades nas relações de poder entre homens e mulheres no Brasil.

Essas mulheres de todas as cores, de todas as crenças, de todas as vozes, rurais e urbanas, vieram de todas as partes do Brasil. Faltam palavras para definir o acontecimento e sobram naturalmente emoções virulentas em nossa alma, ao ver que a luta de mulheres que morreram na luta pelos direitos das próprias mulheres, agora tem um eco de um grito que parou Brasília para começarem de fato a “viver o sonho sonhado”, como disse Letícia Sabatella, grande atriz participante do evento.

Pela primeira vez na vida eu senti a força espiritual das mulheres brasileiras, do mesmo modo vi a força política das mesmas e a capacidade de assumir uma certeza, que lugar de mulher é também na política. Também pela primeira vez eu vi a autoridade máxima de nossa nação, hoje representada por uma mulher, Dilma Rousseff, participar diretamente da maior mobilização social que aconteceu no Brasil nas ultimas décadas. Dilma foi pessoalmente a “Cidade das Margaridas”, no Parque de Exposições de Brasília, para dizer as mulheres presentes que uma das principais prioridades desses próximos anos será a mulher brasileira.

As mulheres do Nordeste foram naturalmente maioria. Deram uma demonstração de que agora elas querem um basta em todo tipo de discriminação, um basta na violência nua e covarde de homens insensatos, querem trabalhar e gozar dos mesmos direitos, porque o sangue é vermelho em todo mundo.

Segundo o Presidente da FETAG-BA, o jovem Claudio Bastos, a Bahia que é o maior Estado do Nordeste, tem na FETAG-BA o instrumento para fazer com que as mulheres trabalhadoras rurais não mais se calem diante de nenhum tipo de discriminação imprimida pela nossa formação cultural, baseada nos meandros do machismo doentio e anacrônico. Para ele a Entidade que sempre teve como bandeira de luta acabar com as disparidades quando o tema é gênero, agora mais do que nunca devemos todos os homens e mulheres aproveitar que temos uma mulher no poder para exigir o que é de direito, o espaço da mulher no mercado de trabalho e na política.

As fotos não mentem.

Dilma quer uma faxina contra a miséria

Editorial Vermelho

O discurso da presidente Dilma Rousseff no lançamento do programa Brasil sem Miséria, em São Paulo, ontem, demonstra a disposição da mandatária de não aceitar a pressão da mídia pela imposição de uma pauta vassoureira ao governo, e reforça a opção pela agenda desenvolvimentista pela qual foi eleita.

A solenidade teve a presença dos quatro governadores dos estados do sudeste: Sergio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro; Geraldo Alckmin (PSDB), de São Paulo; Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo; e Antonio Anastasia (PSDB), de Minas Gerais; além da presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Perante eles Dilma deixou claro que não se afasta do projeto político em curso desde os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da decisão de aprofundar os avanços alcançados desde então.

A melhor forma de “administrar é buscar o bem de todos os brasileiros. É buscar a construção de um projeto nacional acima dos interesses partidários e que articule as dimensões sociais”, disse Dilma num discurso encerrado por uma frase que indica qual é a faxina a que a mandatária adere: “É o Brasil inteiro fazendo um pacto pela verdadeira faxina que esse país tem que fazer: a faxina da miséria”.

Afirmação cujo sentido fica claro se comparada com outra que a presidente vem repetindo, como ocorreu dia 16, quando anunciou a criação de quatro novas universidades federais: “Meu desafio não é isso, meu desafio nesse país é desenvolver e distribuir renda. Esse é meu grande desafio. O resto a gente tem que fazer por ossos do ofício.”

O debate político em curso opõe, de um lado, a oposição conservadora e neoliberal que, sem poder bater de frente contra o programa de desenvolvimento, investimentos e distribuição de renda do governo dirigido por Dilma Rousseff, insiste naquilo que chama de “faxina”.

Não que sejam partidários firmes do rigor no uso dos recursos públicos – basta a recordação dos escândalos não investigados do período em que os tucanos estiveram à frente da Presidência da República e governos estaduais dirigidos por eles. Na verdade, o objetivo da “operação faxina” da oposição conservadora é trincar a unidade na base aliada, tentando separar a presidente dos partidos que a apoiam, particularmente o PMDB.

A bandeira esfarrapada que resta à oposição de direita, o moralismo, tem contudo pouca repercussão entre o povo, e os altos índices de aprovação popular a Dilma Rousseff se repetem, como revelam as últimas pesquisas de opinião. A mais recente, da CNT/Sensus, traz uma aprovação de 49% (ótimo/bom) mais 37% (regular), contra uma condenação baixa, de apenas 9% (ruim/péssimo).

As declarações feitas de maneira insistente por Dilma Rousseff nas últimas semanas ilustram a distinção correta entre as duas agendas, a falsamente moralista da oposição, que se opõe à pauta desenvolvimentista do governo. A bandeira do governo não é a ética e a lisura no uso do dinheiro público; elas são obrigação de todos os homens públicos e pré-requisito para a função pública, e o governo tem demonstrado que não vai tolerar infrações deste princípio.

A bandeira do governo é afirmativa: é a “obsessão” pelo desenvolvimento e pela elevação da qualidade de vida dos brasileiros. Não há contradição entre estes dois objetivos, ao contrário da insistência interessada da oposição que, no parlamento e na mídia, quer impor um roteiro político economicamente conservador e recessivo, oculto pelo biombo frágil representado pela “faxina” contra a corrupção.

A encruzilhada brasileira

 O processo democrático das três últimas eleições nacionais conformou uma nova maioria política comprometida com a sustentação do atual ciclo de expansão econômica. A antiga maioria política, constituída pela Revolução de 30, e que por cinco décadas conduziu o projeto de industrialização nacional, desfez-se com a crise da dívida externa (1981-1983).

Por Marcio Pochmann, em Folha de S.Paulo

A imposição imediata da queda na taxa de lucro do setor produtivo se manteve sobretudo pelas medidas macroeconômicas de esvaziamento do mercado interno em prol de alta exportação e baixa inflação.

Nesse contexto, as alternativas implementadas por acordos políticos de ocasião buscaram compensar o sentido redutivo da taxa de retorno dos investimentos produtivos por meio da crescente valorização dos improdutivos ganhos financeiros. Assim, o Brasil mudou da macroeconomia da industrialização para a da financeirização da riqueza, com elevados ajustes fiscais.

Nos anos 1990, por exemplo, a sustentação do custo ampliado com o pagamento do endividamento público, derivado de altas taxas de juros reais, se mostrou capaz de repor aos grupos econômicos tanto o retorno econômico perdido pelo fraco desempenho da produção como a garantia do próprio sucesso eleitoral. Mesmo assim, os sinais de regressão econômica e social tornaram-se maiores.

Nas eleições de 2002 a 2010, contudo, fortaleceu-se inédita força política gerada pela aglutinação dos setores perdedores do período anterior com parcela crescente de segmentos em trânsito do ativo processo de financeirização da riqueza para o novo ciclo de expansão dos investimentos produtivos.

Com isso, reacendeu-se o compromisso da maioria política emergente com a manutenção da fase expansiva da economia, embora dúvidas permaneçam em relação ao perfil do desenvolvimento brasileiro. A encruzilhada nacional dos próximos anos reside aí: o resultado da disputa no interior da maioria política pelo Brasil da Fama (fazenda, mineração e maquiladoras) ou pelo Brasil do Vaco (valor agregado e conhecimento).

O cenário atual de moeda nacional valorizada faz avançar o Brasil dependente da exportação de matérias-primas e da geração de produtos internos com forte conteúdo importado. Dessa forma, a taxa de investimento abaixo de 20% do produto é suficiente, assim como a contenção da inovação tecnológica, suprida por compras externas.

O Brasil da Fama cresce, gerando mais postos de trabalho na base da pirâmide social e ocupando maior espaço global. Sua autonomia e sua dinâmica parecem menores diante dos imutáveis graus de heterogeneidade econômica e social que marcam o subdesenvolvimento.

O Brasil do Vaco, por outro lado, pressupõe reafirmar a macroeconomia do desenvolvimento sustentada em maior valor agregado e conhecimento. A superimpulsão dos investimentos é estratégica, pois gera agregação de valor em cadeias produtivas e ampliação da inovação tecnológica e educacional. Assim, o novo desenvolvimento brasileiro rompe com o atraso secular da condição subordinada do Brasil no mundo.

* Marcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Governados por cegos e irresponsáveis

Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a mídia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.

Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.

As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.

No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele país, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos
informa a Carta Maior de 12/08/2011.

Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.

O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.

Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?

O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.

Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.

É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos. A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

A "guerra ao terror", 10 anos depois

“Os EUA, como o mundo sabe, nunca começam uma guerra”, dizia John Kennedy em 1963. Vinte anos depois, Ronald Reagan reiterava: “A politica de defesa dos EUA está baseada numa única premissa: os EUA nunca começam um enfrentamento. Nós nunca seremos um agressor.”

A reação aos atentados de setembro de 2001 fizeram com que os EUA mudassem formalmente sua doutrina. Richard Armitage, Secretário de Estado naquele momento, anunciou o que mudava: “A História começa hoje. Decretava-se o fim da doutrina da contenção, enunciada quando os EUA anunciavam o começo da “guerra fria”, recém terminados os armistícios da Segunda Guerra. O Secretario de Defesa, Donald Rumsfeld dizia: “a melhor, e em alguns casos, a única defesa, é uma boa ofensiva”. Indo mais longe na sua nova doutrina de guerra, os EUA passaram a reivindicar o direito ao ataque preventivo, alegando o caráter da guerra informal, contra um inimigo sem território definido.

No marco de um mundo unipolar, com o triunfo absoluto na “guerra fria” e a desaparição da outra super-potência, a Pax Americana já reinava uma década antes. A primeira guerra do Iraque, a guerra da Iugoslávia e outras ações militares – como a fracassada na Somália - prenunciavam que a inquestionável superioridade militar norteamericana reordenaria o mundo conforme seus desígnios.

Dez anos depois, os EUA demonstram que não estão em condições de desenvolver duas guerras simultaneamente, mesmo com uma brutal superioridade militar, contra países virtualmente ocupados. Tanto no Iraque quanto no Afeganistão, a retirada das tropas não dá garantias de controle militar da situação, mesmo ainda com a presença dos EUA, fazendo prever novos adiamentos da retirada do Iraque.

O mundo sob hegemonia imperial norteamericana não é um mundo mais seguro do que antes. A superioridade militar não é garantia de ordem política, como já indicava o velho preceito: Se pode fazer tudo com as baionetas, menos sentar em cima. Essa ilusão tiveram os Estados Unidos. Acreditavam que poderiam envolver o mundo inteiro na sua lógica de represálias contra “o terror” e que a ideologia de militarização dos conflitos seria hegemônica, a ponto de permitir um tranquilo bloco político de apoio.

Se isso se deu no impacto imediato das ações, ainda em 2001, com a invasão do Afeganistão - mesmo sem provas alguma de que dali tinham sido articuladas as ações nos EUA -, a coalizão não resistiu à invasão do Iraque, sem provas e sem a aprovação do Conselho de Segurança. Mas o enfraquecimento das alianças foi efetivamente se dando conforme a guerra se prolongava e os desgastes – financeiros e de baixas – foram se avolumando, incluindo Abu Graieb e Guantanamo.

A estratégia da “guerra ao terror” teve seus ganhos, serviu de álibi para que os EUA consolidassem sua liderança no mundo, ao privilegiar a esfera em que é mais forte – a militar. Mas chegam aos 10 anos desgastados militarmente, enfraquecidos na sua capacidade de liderança política e fragilizados economicamente.

Um balanço duro para quem se erigia como senhor do mundo há uma década. A hegemonia norteamericana entrou em crise, sem que apareça outra força que possa substituí-la. O que se pode vislumbrar no horizonte é um mundo multipolar, que possibilite resolver os conflitos não pelo predomínio militar, mas pelas negociações politicas, em que a “guerra ao terror” possa ser substituída pelo terror à guerra.

Por Emir Sader

Dilma não é Cardoso

O Pensamento Jornalístico Único é pouco objetivo ao conceder tanta transcendência à foto de Dilma com Fernando Henrique Cardoso que, aos 80 anos, deixou de ser um personagem determinante do cenário brasileiro. Houve temas de igual ou maior importância, merecedores de um lugar mais destacado nas capas, mas que não tiveram esse destaque.

A propósito do Pensamento Jornalístico Único. Em bloco, os três maiores jornais brasileiros ilustraram suas capas de sexta-feira com fotos da presidenta Dilma Rousseff, pertencente ao Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda ou centro-esquerda, junto ao ex-mandatário Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB), nascido na centro-esquerda, tornado centrista ou direitista.

Para o Pensamento Jornalístico Único abraçado com maior ou menor ortodoxia pelos jornais Folha, Estadão e O Globo, Cardoso é uma esfinge: sólido intelectual, símbolo e sempre defensor das privatizações dos anos 90, confiável tanto para Washington como para os banqueiros e
consequente antagonista de Luiz Inácio Lula da Silva e do “lulismo”.

Mas se ponderamos a atualidade com mais rigor que ideologia veremos que o referido Pensamento Jornalístico Único é pouco objetivo ao conceder tanta transcendência à foto de Dilma com Cardoso que, aos 80 anos, deixou de ser um personagem determinante do cenário brasileiro. Houve temas de igual ou maior importância, merecedores de um lugar mais destacado nas capas, mas que não tiveram esse destaque.

Por exemplo, no mesmo dia em que se encontrou com Cardoso, Dilma entregou 1.900 casas a famílias pobres de São Paulo, sob a promessa de construir mais dois milhões de casas como forma de enfrentar a crise, mediante uma fórmula distinta da “insensatez” dos Estados Unidos que, conforme disse, insiste em subsidiar os bancos. E declarou que a prioridade de seu governo é o social, muito mais do que “limpeza ética” que causou a renúncia de quatro ministros, a remoção de um quinto que agora comanda uma secretaria sem peso, e tem outros dois sob observação, os de Turismo e Cidades, segundo se informou neste final de semana.

O certo é que esses assuntos significativos, como o Programa Brasil Sem Miséria ou a recente cúpula da Unasul em Lima, passam quase em branco nas manchetes, pois o Pensamento Jornalístico Único (o chamaremos de PJU), antes de responder a critérios noticiosos, responde a um programa de ação política, dado que a imprensa desempenha o papel de principal força opositora, enquanto se reconstrói o Partido da Socialdemocracia, reduzido a escombros após ser derrotados nas eleições do ano passado pelo PT de Rousseff e Lula.

A cruzada de Dilma contra os funcionários desonestos tem a já mencionada aprovação do partido midiático, do líder socialdemocrata Cardoso e da opinião publica, que a premiou com 70% segundo uma pesquisa da semana passada. Em troca, Lula, seu conselheiro e criador político, sugeriu a Rousseff evitar a tentação ética.

Animal político de fino instinto, Lula percebe que o aplauso da imprensa às medidas moralizantes pode ser uma armadilha para que Rousseff acabe abraçando uma agenda exageradamente moralizante, mais própria dos conservadores do que de um governo de esquerda. Ao ex-sindicalista e presidente de honra do PT preocupa que sua companheira descuide o lado social, ainda mais quando começam a se ouvir algumas vozes descontentes.

A Central Única dos Trabalhadores desaprovou algumas reformas anunciadas pelo governo (como a desoneração da folha salarial para os empresários), assim como a vigência das taxas de juro mais altas do mundo que enchem de felicidade e lucro os especuladores. Os camponeses sem terra tampouco aprovam as medidas de austeridade previstas pelo governo para atacar a crise e anunciaram uma marcha de protesto esta semana em Brasília.

Os últimos dias possivelmente deixaram ensinamentos a Dilma, que começa a perceber que sua governabilidade é mais frágil do que supunha, pois depende de uma coalizão de partidos de duvidosa lealdade e de que o impacto da crise, até o momento sob controle, não atinja o apoio popular.
Rousseff sabe que o mapa político brasileiro, para além das instituições formais, está dominando por duas grandes correntes: o lulismo, que ultrapassa o PT e arrasta o espectro progressista, e o Partido do Pensamento Jornalístico Único, em torno do qual orbitam diferentes expressões mais ou menos conservadoras.

Tradução: Katarina Peixoto

Cantanhêde e o "patinhos" do PSDB

Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:

Hoje, na Folha, antes de dar a maravilhosa notícia de que vai tirar férias até 13 de setembro, a inefável Eliane Cantanhêde nos brinda com uma mensagem que, certamente, poderia receber a assinatura de José Serra, ou mesmo de Nélson Jobim, de quem ela é a mais autorizada psicógrafa.

O título é ótimo e resume toda a essência da visão serro-jobinista da situação: “Tucanos caem como patinhos”.

E aí, com a mesquinhez eleitoreira que marca o pensamento do xiismo tucano, ela discorre sobre o que seria uma maquiavélica manobra da presidenta para, na visão dela, virar “estrela de uma frente pluripartidária contra a corrupção e contra a miséria”.

A Cantanhêde acha – qualquer um pode achar qualquer coisa na democracia – que a presidenta está se pendurando, como papagaio de pirata, na foto com Fernando Henrique, o Amado e Inesquecível, e os campeões de simpatia Geraldo Alckmin e Antonio Anastasia.

“O aparato marqueteiro que Dilma herdou de Lula não dá ponto sem nó: a solenidade do Brasil sem Miséria com o tucanato foi justamente em São Paulo, coração do PSDB e do seu eleitorado.”

Claro, se Dilma não se reúne com o governo paulista e mineiro, é partidária, se o faz, é oportunista. E o que dizer de aparecer na foto com FHC? Com o prestígio transbordante do ex-presidente, uma foto com ele quase chega a ser um problema.

Mas ela lança o alerta dos bolsões serristas: “assim ela vence resistências entre os 40 milhões que votaram na oposição, contra Lula e o lulismo. Por trás do discurso de que o Brasil sai ganhando, a oposição não lucra nada, Dilma fica com tudo”.

Como qualquer pessoa que encare o exercício do poder de forma mesquinha, sem se dar conta que o Presidente ou a Presidenta é chefe de toda a Nação, inclusive daqueles 40 milhões que votaram no “coiso”, esquece daquele papo “republicano” que gostam de invocar quando é para criticar.

Mas Cantanhêde e os espíritos desencarnados que inspiraram seu raciocínio acerta numa coisa, na frase final, definitiva:

“Dilma é Lula”.

É essa a verdade e é isso que tem de ficar claro para a população, em meio a todos estes rapapés da turma que perdeu o único discurso que tinha – o (falso) moralismo – e das fotografias com o Brasil que já era.

Que os tucanos caiam como patinhos, problema deles. Mas não deixemos o povo brasileiro pensar que é verdade algo diferente do que é verdade: “Dilma é Lula”.

FHC e Dilma, Lula e Serra


Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Minha avozinha diria que “o mundo está de cabeça para baixo”. Era o que dizia, em seus últimos anos, enquanto via seu mundo mudar – nem sempre para melhor. Certamente é o que diria vendo Fernando Henrique Cardoso defendendo que seu partido apóie o governo Dilma e manifestando preocupação com a queda contínua de seus ministros.

A aproximação de políticos como Dilma, FHC e Geraldo Alckmin no âmbito de algum tipo de mutirão suprapartidário contra a pobreza e a miséria, porém, é ruim para dois políticos que têm muito pouco em comum: Lula e José Serra, que vêm mantendo o tom beligerante contra seus adversários.

Tanto o ex-presidente quanto o ex-governador de São Paulo continuam batendo nos adversários – o petista bate na mídia e na oposição e o tucano na herança lulista e na “corrupção e falta de rumo deste governo”. E parecem pouco dispostos a contemporizar.

Nos respectivos partidos de Lula e Serra, a situação é parecida. PT e PSDB abrigam setores inconformados com a aproximação entre petistas e tucanos, mesmo que tal aproximação venha se resumindo ao “namoro” entre Dilma, FHC e, agora, Alckmin.

É difícil dizer, ainda, quais facções são majoritárias dentro desses partidos. No PSDB, parece haver um interesse maior pela aproximação. Talvez até por falta de opções – Serra estaria isolado dentro de seu partido devido à sua pregação a favor da beligerância contra o governo Dilma e a herança de Lula. Já no PT, ainda não está claro qual é a corrente majoritária.

Quem conhece algum petista de relevância sabe quanta preocupação há devido à “faxina ética” de Dilma – que, nos últimos dias, ela passou a negar – e ao discurso tucano-midiático sobre “herança maldita” – que vem recebendo, da presidente, um silêncio ensurdecedor. Esse setor do PT julga que tanto a “faxina” quanto a “herança maldita” depõem contra a liderança maior do partido.

São justas as preocupações desses setores do PT. Durante seu período na Presidência e mesmo antes dele, Lula foi sempre maior do que o partido. Elegeu milhares de petistas e aliados pelo Brasil afora e, sem seu apoio, todos teriam sucumbido durante a artilharia midiática da década passada contra o governo do país, seu partido e aqueles aliados.

Dilma passou a negar a “faxina” e a contrapor feitos do governo anterior à tal “herança maldita”, mas a mídia insiste. Setores restritos do PT reclamam da falta de empenho de quem tem a caneta presidencial em combater teses da oposição midiática que se teme que afetem a imagem daquele que é o maior ativo eleitoral petista.

Enquanto Dilma e FHC não saem da mídia com as palavras melosas que vêm dedicando um ao outro em encontros freqüentes, Serra passou a ser ignorado e Lula, metralhado.

Por outro lado, é prematuro dizer que a mídia aderiu a FHC e isolou Serra. Não se pode esquecer de que o ministro demissionário Wagner Rossi atribuiu ao ex-governador a autoria das acusações que culminaram a com a sua saída do governo. Seria verdadeiro, assim, esse “isolamento” de Serra? Como pode estar isolado quem continua puxando os cordões da mídia?

Sem dúvida, a política sofisticou-se no Brasil. As estratégias são muito menos evidentes, chegando ao ponto de fazerem crer, a muitos, que não são estratégias. Há quem acredite, por exemplo, que PT e PSDB se uniriam contra a miséria. Estariam superando as divergências por causa nobilíssima, acreditam.

A divisão de lucros e prejuízos, por incrível que possa parecer, tem sido pior para os petistas e aliados apesar de terem começado o ano por cima da carne seca. O governo Dilma aparece prejudicado nas pesquisas e a mídia – sempre um braço da direita – ganha credibilidade com a concordância desse governo às suas denúncias.

De qualquer forma, a prevalência de Dilma e FHC sobre Lula e Serra é clara ao menos no noticiário. Só não se sabe se os líderes petistas e tucanos não engendraram uma estratégia do tipo “tira bom, tira mau”, imortalizada por Hollywood em filmes em que um policial bonzinho e outro malvado interrogam um preso.

Vale a pena deixar a imagem de Lula se deteriorar para obter um pacto de convivência com a mídia? O que será do PT sem um Lula forte e influente, capaz de transferir a outros a popularidade que transferiu a Dilma no ano passado? E para o PSDB, vale condescender com um governo contra o qual fez tantas acusações?

Por enquanto, só quem vem ganhando com o novo quadro político, é a mídia. Como tem lado, no entanto, os tucanos acabarão sendo beneficiados. Ano que vem, durante as eleições municipais, a tal “corrupção” herdada de Lula pode diminuir o poder dele de transferir votos. E a mídia ganhou credibilidade para indicar os “melhores” candidatos.

Os riscos da "faxina" de Dilma

Wilson Dias/ABr
Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:

No Brasil, o moralismo foi sempre a principal – quando não a única – arma dos setores conservadores contra os governos progressistas. Está fresca na memória de todos a estratégia do demotucanato, em conluio com a mídia, durante os oito anos em que Lula ocupou a Presidência: um jogo de derruba-presidente alimentado por denúncias semanais de corrupção.


A prática é antiga, e, em maior ou menor grau, tanto o Getúlio Vargas eleito quanto Juscelino Kubitschek e João Goulart foram alvos de tais táticas - o primeiro tendo toda a imprensa contra si, à exceção da Última Hora de Wainer; JK atacado incessantemente por O Cruzeiro, David Nasser à frente, para quem Brasília era uma mera desculpa para engrossar a corrupção; e quanto a Goulart, basta lembrar que o combate à corrupção foi inúmeras vezes elencado por fontes militares e editoriais jornalísticos como uma das motivações centrais do golpe que o derrubara.

Denuncismo vazio

Não interessa, nesses denuncismo que ora tem no governo Dilma o seu alvo, se as denúncias procedem ou não. O objetivo não é a moralização do Estado ou de coisa alguma, como fica evidente pelo fato de que tanto a mídia quanto os partidos patrocinadores das denúncias se desinteressam pelos desdobramentos das investigações tão logo o personagem acusado deixa o governo.

Os objetivos - cujo fim último é, como os casos de Goulart e de Getúlio evidenciam, o golpe contra o presidente -, são outros:

1) Manter a opinião pública permanentemente indignada, com a certeza de que vive no mais corrupto dos países, e ora administrado pelo partido mais vil e pelos mais degenerados dos políticos.

2) Impor sucessivos cortes à equipe governista, estreitando sua margem de quadros e de manobras e, ao mesmo tempo, minando suas relações com os partidos da base, que não gostam de ter seus indicados forçados a deixar os cargos.

Dilma na mira

Filiam-se à mesma estratégia golpista acima descrita as denúncias de corrupção contra o governo Dilma, ininterruptas desde fevereiro e que já custaram o cargo de quatro ministros. A diferença, agora, é a postura da presidente. Ao invés de denunciar a estratégia midiática, como Lula fazia, ela não só tem se deixado pautar pela mídia mas, ultimamente, vem aceitando o apoio de cardeais tucanos para a sua “faxina”.

Ora, é preciso uma enorme dose de ingenuidade para não se aperceber dos riscos que tal estratégia traz consigo. Em primeiro lugar, não é preciso nenhuma expertise para se dar conta de que uma matéria com FHC e Dilma na foto, o primeiro saudando o combate o combate à corrupção promovido pela presidente, leva diretamente ao legado de outro ex-presidente, ausente na foto: se há corrupção a ser combatida e este combate é apoiado até por FHC é porque Lula a deixou.

Além disso, a mídia demotucana já se deu conta - graças, entre outros fatores, à repercussão do desempenho da Polícia Federal no governo Lula - de que a opinião pública não tende a associar o aumento de investigações sobre corrupção ao combate desta - pelo contrário. O mito acachapante de que durante a ditadura militar praticamente não havia corrupção alimenta-se precisamente desse paradoxo: como não se podia noticiar a corrupção é como se ela não existisse. De forma inversa, a impressão, amplamente difundida em certos estratos, de que os governos Lula e Dilma são extremamente corruptos viria justamente da profusão de denúncias e anúncios de investigações em curso.

Refém em potencial

Por fim, parece evidente que esse apoio público de setores conservadores à “faxina” promovida por Dilma vai retroalimentar e hiperdimensionar o tal combate à corrupção, e que a mídia, a cargo de pautar e ditar o ritmo de ação da “limpeza” pode levar o governo a uma situação vulnerável, tendo de cortar na carne seus quadros no Executivo, gerando atritos cada vez maiores com a base aliada e tornando mais vulnerável a própria autoridade presidencial.

É urgente, portanto, que Dilma Rousseff repense os termos de sua relação com a mídia e com a oposição, de modo a abrir mão do populismo neoudenista implícito no conceito de “faxina” contra a corrupção (sem abrir mão do combate a esta) e sem se deixar pautar. Do contrário, a possibilidade de se tornar refém da agenda tucano-midiática é real.