quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Um desabafo negro

Por Genaldo de Melo

Comemoramos no último 20 de novembro o Dia da Consciência Negra, porém considerando que todos os dias do ano devem ser naturalmente comemorados o valor dos povos afrodescentes, que foram os grandes responsáveis pela construção das riquezas do Brasil. País este formado predominantemente por populações negras.

Com esse fato devemos fazer uma profunda reflexão do que foi a escravidão no Brasil, se ela de fato acabou, bem como também passar um olhar mais profundo sobre os novos aspectos da escravidão moderna imprimida pelo poder econômico dos dominadores do Capital.

Precisamos não somente do dia 20 de novembro para relembrar nossas raízes africanas, deveremos o tempo todo repensar novas formas de consciência e de luta perante um inimigo que hoje consegue superar inclusive os métodos de escravizar pessoas do antigo Império Romano, que é o Capital. Com a queda deste Império acaba-se oficialmente a escravidão no mundo, apesar dela nunca ter deixado de existir, pois o Capital necessariamente sustenta-se da escravidão de seres humanos, subjugados ao interesses particulares de poucos.

Com a necessidade de manutenção de seu “status quo”, o Capital, diga-se os ricos de Portugal, Espanha e outros países que por estas terras pararam, calculadamente, segundo Celso Furtado, inventou de novo de modo oficial a escravidão negra. Quem eles escolheram para isso? O povo da África que viviam tranqüilos com seus valores culturais, religiosos e paradigmas, porém desarmados. E um homem ou mesmo um povo desarmado jamais enfrenta um carrasco “armado até os dentes”.

Quando a gente fala contra o Capital, às vezes ainda somos chamados de comedores de crianças indefesas. Quando a gente fala sobre a escravidão no Brasil e nas Américas, somos considerados os românticos adeptos da subversão do Oficial. Quando a gente chama as pessoas para fazerem uma profunda reflexão no dia 20 de novembro, a gente precisa ter o cuidado, como se fossemos culpados de alguma coisa, para não sermos observados pelos 20% da população detentora do Capital, como negros metidos “a besta”, querendo formar opinião no vazio.

Porém o Dia da Consciência Negra e todos os dias do ano são mesmo para darmos nosso grito de liberdade, mesmo que seja apenas um, já que somos os novos escravos modernos da máquina do Capital. Quem foi mesmo que disse que hoje os negros são livres? Quem foi mesmo o falsário que conseguiu até os dias de hoje nos convencer que trabalhar de segunda-feira a sábado, e até mesmo em domingos e feriados, sem uma justa remuneração por nossa força de trabalho, seja a tão esperada liberdade de nossas raízes que vieram da África para aqui sofrer os horrores e a maldade da escravidão?

Ora, deixe-nos em paz para pensar como deve ser nossa liberdade, mesmo obedecendo aos rigores da lei, porque não somos anarquistas somos gente e somos povo! Foi o Capital que criou a escravidão, por necessidade nos libertou mentirosamente, e por necessidade criou os novos métodos de escravidão. Porém vamos aproveitar para também criar nossos métodos de nos libertar.

Consciência negra neles sempre, gente...!

A hora e vez do marxismo

Por Carlos Pompe - Vermelho


A crise econômica na Eurolândia e nos Estados Unidos trouxe de volta às ruas as populações de vários países em protestos contra a degradação de suas condições de vida. Parodiando James Carville, que escreveu “É a economia, estúpido!” num quadro de avisos da campanha de vitoriosa de Bill Clinton, “É a economia, mas também é a política, gente boa que protesta!”


E por ser a economia e também a política, nada melhor do que a teoria de Karl Marx, economista, político, filósofo – comunista, enfim – para iluminar caminhos. O fundador do comunismo científico alertou nO Capital, que tem o sugestivo subtítulo de “Crítica da economia política”, que os economistas burgueses clássicos, em especial Adam Smith e David Ricardo, buscavam entender o mundo que os cercava, mas que a limitação de suas posições de classe impediam que eles chegassem a uma visão totalizante do sistema capitalista, inclusive da luta de classes entre proprietários dos meios de produção e vendedores da força de trabalho. Marx valorizava, porém, a analise que fizeram: “Acumulação pela acumulação, produção pela produção, é a fórmula com que a economia clássica expressou a vocação histórica do período burguês”, escreveu no volume I dO Capital.


Mas Marx também acusou que, depois de consolidado o sistema burguês, uma nova safra de economistas, que ele chamava vulgares, abandonou a visão científica e passou a fazer a apologia do sistema vigente: “A doce intenção de ver num mundo burguês o melhor dos mundos possíveis substitui, na economia vulgar, o amor à verdade e a paixão pela pesquisa científica”, notou, no volume III dO Capital. Nesse mesmo volume, registrou: “Na realidade, a economia vulgar se limita a interpretar, a sistematizar e a pregar doutrinariamente as ideias dos agentes do capital, prisioneiros das relações de produção burguesa”.


Em novembro de 1969, o marxista norte-americano Paul M. Sweezy escreveu que, para os economistas burgueses, a ordem social existente é um fato definitivo, “o que significa que sanciona, implícita ou explicitamente, a permanência do sistema capitalista”. É o que expõe um dos mais influentes ideólogos capitalistas do Brasil, o ex-ministro Antonio Delfim Netto, que, analisando a atual crise sistêmica, escreveu na Folha de S.Paulo, dia 16 passado: “É preciso reconhecer que o ‘mercado’, como instrumento alocativo eficiente, não encontrou, ainda, nenhum substituto, como mostram o fracasso soviético e o sucesso chinês, e que o seu bom funcionamento não depende do irrestrito movimento internacional de capitais e, muito menos, de mistificações ‘científicas’ de ‘inovações’ financeiras”. Simples assim: neste mundo tudo passa, menos o mercado (capitalista).


No mesmo artigo, Delfim declara: “Para que o sistema de economia de mercado (que é compatível com a liberdade individual) funcione adequadamente, ele precisa de um Estado constitucionalmente limitado que: 1º) seja fiscalmente responsável; 2º) tenha poder para mitigar os seus defeitos (a flutuação que lhe é incitada e a redução das desigualdades que ele produz); 3º) seja capaz de controlar o sistema financeiro. Deixado a si mesmo, este tem a tendência de servir-se do setor real e de controlar o poder incumbente, pondo em risco, ao mesmo tempo, o ‘mercado’ e a ‘urna’".


Tal como expôs Sweezy, para o apólogo burguês considera que, no capitalismo:
“a) Os interesses dos indivíduos, grupos e classes são harmônicos (ou, se não são harmônicos, são pelo menos conciliáveis);
b) existem – e afirmam-se a longo prazo – tendências para o equilíbrio;
c) a mudança realiza-se e continuará a realizar-se sob a forma de uma adaptação gradual”.
Em contraposição, o marxismo aponta no capitalismo, ensina o economista estadunidense, os conflitos de interesse, a tendência para a ruptura, mudanças bruscas e violentas. Por não perceber estas características, a economia burguesa é incompetente e incapaz de dar solução para a crise que atenda às demandas populares. Para tal, voltemos ao marxismo, proletárias e proletários indignados de todo mundo. Unamo-nos por um novo mundo possível, socialista!
Errei, sim, manchei o teu nome...


O camarada Wellington Pinheiro dos Santos, de Jaboatão dos Guararapes/PE, informa que o bispo Robinson Cavalcanti não é da Diocese Anglicana do Recife (informação que obtive na revista Cristianismo Hoje e reproduzi no artigo “O contra-ataque dos igrejeiros”). Segundo o Wellington, ele é bispo da Diocese do Recife, ligada à Província Anglicana do Cone Sul (Argentina, Uruguai e Chile). O camarada afirma que a Diocese Anglicana do Recife “possui valores progressistas e vários de seus membros são militantes de partidos de esquerda”.


Caminhemos, entre erros e acertos, também no twitter: @Carlopo

As bravatas de FHC sobre as ONGs

Por José Dirceu, em seu blog:


Falou demais e fez mal o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao generalizar acusações a ONGs, ontem, em seu pronunciamento no 3º Congresso Brasileiro de Fundações e Entidades de Interesse Social, no Memorial da América Latina, na capital paulista.

O ex-presidente falou sobre o papel do 3º setor no País, quando criticou a relação governo e ONGs hoje e considerou que a visão correta de organização social "é oposta a que está tão em moda, aí, de ONGs que pegam dinheiro para corrupção". Advertiu sobre a "relação delicada" que pode surgir de ONGs ligadas a partidos, acentuando ser necessário "muito cuidado para que elas não sejam apenas uma extensão do partido".

Fez bem o ministro-secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, em corrigir a generalização do ex-presidente. Até porque estas máximas externadas por FHC, se dirigidas ao seu partido, o PSDB, os tucanos ficariam muito mal.


Fala de FHC se aplica ao seu PSDB que vende emendas


O fato é que elas se encaixam como uma luva, poderiam ser aplicadas ao escândalo da venda de emendas parlamentares por deputados tucanos e dos partidos da base que apoiam o governo do PSDB em São Paulo.

O ex-presidente se esqueceu, mas nunca é demais lembrar que o Estado de São Paulo é governado há 20 anos pelos tucanos. Sempre acompanhados em suas administrações por graves denúncias de corrupção, licitações e concorrências públicas dirigidas - há um caso, ainda, agora, envolvendo o metrô paulistano - pagamento de propinas e comissões, e formação de Caixa Dois.

Muito pertinentes, portanto, os reparos do ministro Gilberto Carvalho ao deixar claro que o governo rejeita "o perigoso processo de criminalização" de todo um setor por causa de erros cometidos por uma minoria. "Entendo a fala do (ex) presidente porque, de fato, houve incidência de problemas. Mas essas incidências nós acreditamos que sejam exceções e estão recebendo o devido combate", destacou.


As soluções para o problema da relação ONGs-governo


As soluções para o problema, que realmente é sério como deixam antever os pronunciamentos do Gilberto e do ex-presidente, passam por dois caminhos. Segundo adiantou o ministro, o primeiro é a conclusão, dentro de 90 dias, do marco regulatório da área, já determinada pela presidenta Dilma Rousseff; o segundo, a necessária alteração da atual Lei de Doações ao 3º setor.

A Lei não pode continuar a ensejar absurdos como o citado pelo ministro, do escritor Raduan Nassar, que doou uma fazenda para pesquisas de uma universidade "e, na transferência, teve de pagar R$ 400 mil de imposto". Tem toda razão o Gilberto quando afirma que a remoção desse tipo de exigência pode "estimular o exercício de responsabilidade social de empresas e pessoas físicas".

Já que discutimos marco regulatório e revisão da Lei de Doações, entendo que o melhor é rever toda a sistemática de convênios e patrocínios, toda a legislação a respeito e aumentar os controles sobre as ONGs e congêneres que já são muitos, mas sempre podem melhorar.


Privatização da rede pública de saúde


Sem esquecer que a mudança deve aperfeiçoar, inclusive, e principalmente, o controle de Organizações Sociais de Saúde (OSSs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), às quais os governos tucanos de São Paulo já entregaram mais de 60 hospitais no desmonte que promovem no setor, na privatização da rede pública de saúde do Estado.

A grande mídia e a falsa disputa entre liberdade vs. censura

A grande mídia está vencendo a “batalha das idéias” e tem conseguido construir como significação dominante no espaço público que a sociedade brasileira estaria diante de uma disputa entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do estado (regulação, autoritarismo).

Por Venício Lima* - Carta Maior


Diante da feroz reação da grande mídia às propostas apresentadas (e àquelas que sequer foram apresentadas) no IV Congresso Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, relativas a um Marco Regulatório para as Comunicações, escrevi no Observatório da Imprensa nº 658: A saída parece ser colocar imediatamente para o debate público um projeto de marco regulatório. (...) Diante de uma proposta concreta de regulação democrática – a exemplo do que acontece nos países civilizados – seus eternos opositores terão que mostrar objetivamente onde de fato está a defesa da censura e onde se postula o controle autoritário da mídia. Não há alternativa.

Menos de três meses depois, o fato de o Governo Dilma não haver ainda apresentado um projeto de Marco Regulatório, aliado à incapacidade dos “não-atores” [organizações da sociedade civil; entidades representativas da mídia pública (comunitária) e o próprio Ministério Público] de interferir efetivamente na definição da agenda pública e, mais do que isso, no enquadramento dos temas dessa agenda, vai aos poucos consolidando um falso cenário (“communication environment”) em relação ao que de fato está em jogo.

A grande mídia está vencendo a “batalha das idéias” e tem conseguido construir como significação dominante no espaço público que a sociedade brasileira estaria diante de uma disputa entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do estado (regulação, autoritarismo).


Quem é contra a liberdade?


Na verdade esta é uma velha e conhecida tática utilizada por certos setores da sociedade brasileira. Escolhe-se um princípio sobre o qual existe amplo consenso e desloca-se a questão em disputa para seu campo de significação. Como em política, apoiar uma posição significa estar contra outras, é preciso identificar um adversário, no caso, os inimigos da liberdade. A quem se convenceria se ninguém defendesse a posição contrária? É necessário, portanto, que a grande mídia convença a maioria da população de que “alguém” é contra a liberdade – mesmo que nossa história política, em várias ocasiões, revele exatamente o inverso. Como a grande mídia (ainda) tem o poder de construir a agenda pública e enquadrá-la, repete exaustivamente a “inversão” até criar um ambiente falso no qual ela – a grande mídia – se apresenta como a grande defensora da liberdade. Resultado: se interdita a possibilidade de um debate racional do que de fato está em jogo.

Manuel Castells – um dos maiores estudiosos da comunicação nas “sociedades em rede” globalizadas – explica que o poder é exercido através da construção de significados na base dos discursos que orientam a ação dos atores sociais. E, claro, o significado é construído pelo processo de “ação comunicativa” na esfera pública, isto é, na rede (network) de comunicação, informação e pontos de vista [cf. “Communication Power”, Oxford, pbk. 2011].

Liberdade tem sido um dos termos mais problemáticos e difundidos do pensamento moderno, tanto na consciência popular quanto na conceituação de “experts”. Junto com outros termos como desenvolvimento e democracia, é parte da história da modernidade que tem dominado o pensamento ocidental pelos últimos três séculos. Durante a Guerra Fria, liberdade serviu como argumento central na disputa ideológica entre o ocidente e o oriente e, em parte, também contra o “Terceiro Mundo”. Com o fim da União Soviética, o uso ideológico da liberdade ganha novas dimensões e contornos [cf. K. Nordenstreng, “Myths about press freedom”, Brazilian Journalism Research, vol. 3, nº 1, 2007; p. 15 e segs.].


Censura vs. liberdade de expressão


Nesse contexto, não basta comprovar que a mídia é regulada nas democracias mais avançadas do mundo; não basta propor que as normas e princípios já constantes da Constituição de 88 sejam o “terreno comum” para as negociações (como fez o ex-ministro Franklin Martins recentemente em Porto Alegre); não basta mostrar que as mudanças tecnológicas exigem uma atualização da legislação; não basta reiterar compromissos com a Constituição Federal e com a liberdade de expressão. Nada é suficiente.

O vazio provocado pela ausência de propostas concretas do governo e a incapacidade dos “não-atores”, faz com que o campo de significações sobre o que constitui um Marco Regulatório das Comunicações esteja sob o controle daqueles que são contrários a ele.

Essa é a situação em que nos encontramos hoje.



O que fazer?


É possível alterar “o ambiente de comunicação” vigente e recolocar o debate em termos compatíveis com a convivência democrática entre opiniões e idéias divergentes?

Para os “não-atores” e os partidos políticos que agora se comprometem diretamente com essa bandeira, não existe outra forma senão pressionar o Governo para que torne público “um” Projeto de Lei e insistir, através de todos os recursos alternativos existentes – e aqui as novas TICs desempenham um papel fundamental – que um Marco Regulatório para as Comunicações significa, de fato, a garantia de que mais vozes se expressem no debate público, que haja mais participação, mais pluralidade, mais diversidade, isto é, mais – e não menos – liberdade.

É exatamente a possibilidade de ampliação da democracia que contraria os (ainda) poderosos interesses dos poucos grupos que, ao longo de nossa história, tem entendido, praticado e defendido a liberdade de expressão como se ela fosse somente sua e impedido que a voz da imensa maioria da população seja ouvida.

A ver.


* Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

A primavera dos direitos humanos apenas começou

Por Emir Sader


Quando finalmente ia se votar na Camara o projeto de lei da Comissão da Verdade, dissemos aqui que se abria a primavera dos direitos humanos. O projeto já foi aprovado também no Senado e sancionado pela Dilma. As próprias condições do ato de sanção revelam como se trata apenas de um começo, da abertura de um espaço de disputa, que pode se ampliar e efetivamente não apenas cumprir com os objetivos que se propõem, como ir mais além, ou fracassar e frustrar mais uma vez a possibilidade de virar dignamente essa página triste da nossa história que foi a ditadura militar.

Os problemas não residem no prazo, nem no número de membros da Comissão. Nos outros países da região o numero dos componentes de comissões similares foi mais ou menos esse, o que interessa é a capacidade de ação, de mobilização e de coordenação que a Comissão tenha. Ela poderá contar com todas as pesquisas feitas até aqui, com a colaboração de grande quantidade de centros de pesquisas e de materiais já coletados e colocados à disposição da Comissão.

O prazo tampouco deve ser um problema, já que ela não começará do nada, sistematizará materiais já existentes e buscará preencher lacunas pendentes. A dedicação dos seus membros às suas funções pode permitir plenamente o cumprimento delas.

Provavelmente a Comissão não poderá elucidar o que não foi elucidado até aqui, mas sistematizará o que já foi investigado. Os arquivos em mãos dos militares, segundo eles, teriam sido destruídos. Nesse caso, a Comissão tem a responsabilidade inquirir sobre as responsabilidades dessa eventual desaparição e apontar os que teriam cometido esse crime de sonegação de informação essencial aos direitos humanos.

Muitos depoimentos, mesmo já conhecidos, permitirão reavirar a memória das brutalidades cometidas pela ditadura, assim como fazer conhecer a novas gerações como atuava o Estado do terror. O clima que possa gerar e os materiais acumulados – que deverão ser entregues à Justiça – podem propiciar as condições para rediscutir a anistia autoconcedida pelos militares.

Mas talvez o mais importante seja a versão oficial do Estado brasileiro sobre a ditadura militar, a ruptura da democracia e de um governo legitimamente eleito pelo povo, o Estado de terror que foi instalado, as barbaridades que cometeu, etc.

A tentativa de colocar, no mesmo nível, verdugos e vítimas, ao reivindicar a palavra para um militar, caso um familiar de vítima da ditadura tivesse falado – que infelizmente terminou por impedir que o familiar falasse, equívoco grave cometido pelo governo -, revela as resistências de fora e de dentro do próprio governo, para os trabalhos da Comissão.

O que conquistamos foi um espaço, no qual se desenvolverá uma disputa, sobretudo sobre a interpretação do que foram o golpe de Estado de 1964 e a ditadura militar. Há setores militares que ainda mantem a versão de que o golpe foi para “salvar o pais da subversão”, há outros que defendem a teoria de equidistância da democracia entre os que a assaltaram e destruíram e os que resistiram a isso.

A primavera é assim um avanço na conquista de um espaço para o estabelecimento da verdade. Ela continuará até que a verdade seja reconhecida oficialmente e os resultados da Comissão sejam entregues à Justiça. Teremos avançado para superar a anomalia da anistia, que incluiu o crime imprescritível – segundo documentos do direito internacional, assinados pelo próprio Brasil – da tortura. Aí sim, teremos passado a limpo o nosso passado recente e teremos estabelecido critérios que fortalecem e ampliam a democracia no Brasil.

O Brasil quer mesmo acabar com os índios

A continuar assim o Brasil ainda irá chorar por não ter passado, nem história para contar

Dora Martins - Brasil de Fato


Uma nota, pequena, sem destaque, no Caderno "Ciência", da Folha de São Paulo de 11 de novembro, diz que o Senado Federal, através da Comissão de Constituição e Justiça, irá por em votação proposta de emenda à Constituição, PEC 215, que, com um jeito deslavado, quer mesmo acabar com as terras dos indígenas brasileiros e quiçás, quer acabar com todos eles.


Pela tal emenda pretende-se que seja o Congresso Nacional o competente para "aprovar a demarcação das terras ocupadas pelos indígenas e ratificar as demarcações já homologadas". Desse jeito, querem os senhores senadores e deputados deste Brasil rever tudo o que já foi feito em termos de reconhecimento do que são e onde estão as terras dos índios. Tal poder hoje, pela Constituição Federal, é exclusivo da nossa Presidente da República.


A nota termina de forma triste, senão risível, ao dizer que os deputados que defendem a Emenda e os empresários ruralistas, especialmente os de Roraima, estão inconformados, porque, segundo eles, "metade do território roraimense, por exemplo, foi "perdido" para os índios, ficando "inviabilizado" para a agropecuária.
Ora, à parte do equívoco histórico, que não vê que o indígena é dono destas terras brasilis bem antes de o agronegócio aqui chegar, há que se atentar que existem outras onze propostas de emendas à constituição que seguem o mesmo caminho dessa de n. 215.


A questão do índio brasileiro precisa levar gente para a rua, suscitar debates e acontecer na mídia No último dia 28 de outubro, foi baixada Portaria Interministerial de número 419, assinada pelos ministros da Justiça, Meio Ambiente, Saúde e Cultura, pela qual se regulamenta, de acordo com os interesses do governo, a atuação da Funai, da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Saúde na elaboração de pareceres em processos de licenciamento ambiental de competência federal, a cargo do Ibama.


A portaria acaba por reduzir prazos para a tramitação de tais processos e, poderá assim permitir que concessões de licenças ambientais sejam dadas, no afogadilho, a grandes e ávidos projetos econômicos que envolvem construção de hidrelétricas, mineração, rodovias e expansão da agricultura e pecuária em regiões onde habitam o povo indígena.


A justificativa de que a lentidão para a aprovação de tais concessões impede o progresso e o desenvolvimento do país é falácia para esconder o desrespeito e o avanço destruidor sobre bens e patrimônios nacionais. O índio brasileiro precisa sobreviver e viver em suas terras.


Quando leio este texto, ainda não se sabe o destino do corpo do cacique Nisio Gomes, executado, há dois dias, em 18 de novembro, em meio ao seu povo, os Guarani Kaiowá, que lutam para ocupar suas terras, no Mato Grosso do Sul. A população indígena desse estado vem sendo vítima de violências constantes e, tudo indica, que o que se quer é o seu total extermínio. O cacique Nisio foi executado por pistoleiros, com vários tiros e agressões, diante de seus familiares. Seu corpo foi levado numa camionete, não se sabe para onde. Talvez para distante de suas terras, com o fim de impedir que seja ele enterrado onde estão suas raízes e sua história. A ação dos poderosos extrapola a sanha do poder econômico e fere fundo os direitos humanos fundamentais.


A continuar assim o Brasil ainda irá chorar por não ter passado, nem história para contar. A presidenta Dilma precisa voltar seus olhos, com urgência e sinceridade, para a questão indígena sob pena de ostentar em seu governo a triste marca do descaso, da violência e do extermínio do povo mais brasileiro deste país.

Virada à direita: os desafios da Espanha em crise

Essa virada à direita leva ao autoritarismo, ao racismo, à discriminação. São esperados tempos muito duros

Elaine Tavares - Brasil de Fato

A cidade de Madrid é um espaço urbano com todas as mazelas da grande metrópole. Apesar da relativa segurança que permite o povo de andar pelas ruas mesmo pela madrugada, é fácil perceber a concretude da crise que se abate por quase todos os países da Europa. Entre os jovens há um tremendo pessimismo a ponto de muitos deles estarem vivenciando sua diáspora, abandonando o país em busca de melhores espaços para ganhar a vida. “Não temos casa, nem emprego, nem futuro. Por isso nos resta apenas duas opções, ou sair ou lutar. Alguns já se foram e a gente está aqui, resistindo, buscando mudar as coisas”, afirmava um dos indignados, na passeata de domingo, 13 de novembro. Essa angustia de um futuro não sabido também aparece no número elevado de moradores de rua, coisa que até bem pouco tempo era uma exceção. Agora, por todas as ruas, ali estão os desalojados, dormindo sobre folhas de papelão, e em cada bar do centro da cidade peregrinam os pedintes em busca de moedas e pão.


A crise que consome o povo espanhol não é nova, mas só começou a aparecer a partir da luta dos despejados do setor imobiliário. De repente, por conta do não pagamento das hipotecas as famílias foram obrigadas a abandonar as casas e os apartamentos financiados junto aos bancos. O trabalho escasseou, a economia desacelerou e o dinheiro sumiu. Sem casa e ainda com uma dívida enorme para pagar, as pessoas decidiram lutar e foi aí que começaram as marchas e os protestos dos desalojados. Esse movimento colocou à nu uma situação que se escondia sob a velha cantilena da mídia que anunciava serem esses manifestantes apenas caloteiros de plantão. Quando o banco começou a bater na porta, as pessoas foram se dando conta de que isso poderia passar com qualquer um e que a falta de pagamento não era por safadeza ou preguiça, mas porque o emprego havia sumido. Hoje, na Espanha, a cifra de desempregados passa dos cinco milhões, o que representa 20% da população ativa.


A vertiginosa escalada da luta dos desalojados encontrou guarida no movimento “juventude sem futuro” que já se articulava em várias universidades do país. Saídos da faculdade os jovens viam suas possibilidades de emprego se desmanchar no ar e o Estado, antes benfeitor, já não lhes garantia qualidade de vida. Era preciso fazer alguma coisa. Enquanto isso, no mundo árabe, iniciavam as revoltas por democracia, tais como em Túnis e no Egito. As praças se enchiam, as gentes se levantavam em rebelião. Foi o estopim para que as gentes espanholas espremidas pelo sistema capitalista em crise decidissem fazer sua própria luta. Assim, os desalojados, os jovens sem futuro, os militantes sociais de outros movimentos que desde há muito vinham organizados foram para a praça. Só que aí já não estavam mais sós. Juntaram-se a eles multidões de indignados. Pessoas que tinham um grito guardado na garganta e que viam que era hora de soltar. “Foi uma coisa muito incrível porque a gente, que estava sempre nas lutas, quando ia para uma marcha já sabia quem ia encontrar. E de repente, a gente não conhecia ninguém. Era uma maravilha”, conta Érika Gonzáles, da organização Paz con Dignidad.


Uma dessas manifestações acabou sendo violentamente reprimida pela polícia, o que levou ao fortalecimento do movimento. O povo decidiu resistir e acampar na Praça do Sol. Nascia assim, para o mundo, a batalha dos indignados e para os espanhóis, o movimento 15-M, uma alusão à data do embate com a polícia, 15 de maio. O acampamento seguia a lógica já vitoriosa em outros países, com assembleias gerais decidindo tudo na democracia direta. Foi um processo de profundo aprendizado, tanto para os que já andavam na luta em outros movimentos como para os que nunca haviam participado de qualquer ação política. “O acampamento acabou porque era muito difícil tocar a vida, o trabalho e tudo mais. Além disso, era igualmente muito dificultoso intermediar a luta política que ali se fazia com a presença de pessoas drogadas ou em sofrimento mental que acabam se acercando do acampamento. Precisávamos de gente capacidade para lidar com isso e não tínhamos. Mas foi uma experiência muito rica, até por isso. Tínhamos de nos enfrentar com todos os medos e preconceitos”, conta um dos manifestantes.


De qualquer forma, mesmo sem o acampamento, o 15-M decidiu manter assembleias nos bairros e elas acontecem todas as semanas tentando organizar as pessoas e apontar propostas de luta. Da mesma forma, as marchas também não param e acontecem geralmente aos domingos. Já virou rotina organizar a vida para participar cotidianamente da “mani”, como chamam, carinhosamente as manifestações.


Ainda assim, com toda essa efervescência nas ruas, a vida política ainda não conseguiu organizar novas forças de transformação. No último domingo (20) aconteceram as eleições gerais e o que se vê é muito pessimismo entre o povo. Os dois candidatos que disputavam os primeiros lugares das pesquisas não merecem crédito dos manifestantes do 15-M. O PP, que representa a direita é rechaçado e o PSOE, da socialdemocracia é responsabilizado pelo que acontece hoje. O que se percebe é que os setores que já vinham organizados seguem no rumo dos partidos de esquerda, como a Esquerda Unida (levou apenas um milhão de votos). No geral são pessoas politizadas e que levam longa data em partidos, sindicatos ou movimentos organizados. Sabem muito bem o que querem. Mas são poucos. A maioria dos manifestantes, que gritam “não nos representam”, preferem desconsiderar o processo eleitoral. Acreditam que qualquer um que ganhe não garantirá a melhoria da vida. Preferem o voto nulo ou não votar. Uma pequena parcela aposta na construção de alguma coisa nova, que vingue em algo como o poder popular. “Esse tempo todo de democracia representativa já mostrou que os políticos não ouvem o povo. Temos de garantir que nossa voz seja ouvida e nossa vontade atendida. Isso só com outra política”.


Ocorre que esse caminho da construção do novo é lento e a conjuntura apresenta tendências perigosas. As pesquisas de intenção de voto davam vitória ao PP, partido de direita, cujo candidato não mostra qualquer medo em dizer na televisão que vai ter de revisar as aposentadorias, que o povo vai ter de dar sua cota de sacrifício para salvar o país, que serão necessários os ajustes na economia, cortes no orçamento. A mesma ladainha já bem conhecida dos latino-americanos que passaram por processos semelhantes de aprofundamento das medidas neoliberais. Nesse sentido, cresce também o medo de que a crise, o desemprego e a desesperança leve o país a uma guinada conservadora e até fascista. Isso se expressa na fala de outro candidato, de outro partido de direita, que declarou estarem nascendo muitos Mohamades na Espanha e que isso precisa parar. Uma clara alusão aos migrantes, que já se contam aos milhares no país. Ivan Forero, colombiano radicado na Espanha, membro do movimento “Justiça por Colômbia”, conta que a pressão contra os imigrantes, que já era grande, agora tende a se agravar. “Temos a informação de que na Mauritânia está sendo construída uma espécie de prisão para encerrar qualquer um que, desde a África, tente passar pelos caminhos que levam à Europa. É uma nova versão dos campos de concentração, buscando evitar a entrada, para barrar o problema antes que ele se expresse. E tudo isso está sendo feito com a ajuda do governo espanhol”.


O resultado das urnas na eleição geral não foi diferente do que anunciavam as pesquisas. A Espanha votou pela direita e deu maioria ao PP (quase 10 milhões de votos, 4 milhões a mais que o PSOE), que é quem deve agora comandar os destinos da crise. O medo dos protestos, das greves, das manifestações fez a população acudir ao discurso mais conservador, de “manutenção da ordem”. Coisa que parece paradoxal uma vez que a proposta de Mariano Rajoy (candidato vencedor) é fazer mais ajustes, cortando 18 milhões de euros do orçamento, e iniciar uma reforma trabalhista que certamente aumentará o desemprego, aprofundando ainda mais a crise.


Entre os que caminham nas marchas que enchem as ruas existe também um pouco de medo. Essa virada à direita leva ao autoritarismo, ao racismo, à discriminação. São esperados tempos muito duros. Mas, de qualquer forma, quem participa cotidianamente do 15-M acredita que o movimento massivo das ruas pode alterar a balança do poder. É por isso que lutam. O certo é que a Espanha inicia agora um novo ciclo e só o tempo poderá dizer o que vai passar. Os indignados, os militantes sociais, os ativistas ecológicos, enfim, toda a gente organizada seguirá apostando na construção do novo. Que pode vir...

Brasileiros que se cuidem na Espanha

Por Altamiro Borges


A folgada vitória de Mariano Rajoy nas eleições da Espanha deve preocupar os milhares de brasileiros que vivem e trabalham naquele país. O ultradireitista Partido Popular (PP) é conhecido por sua postura raivosa contra os imigrantes. Com o agravamento da crise econômica, o sentimento xenófobo, de aversão aos estrangeiros, cresceu nos últimos anos e foi um das causas da vitória de Rajoy.


Humilhados no aeroporto de Madri


Durante os sete anos do governo social-democrata de José Luis Zapatero, os imigrantes já sofreram forte discriminação, seja para ingressar naquele país ou para obter trabalho. Em junho passado, entrou em vigor a nova lei de imigração, que fixa multa de até R$ 130 mi para quem ajudar estrangeiros com emprego e impõe limites para quem quiser levar a família para viver na Espanha.

Esta política atingiu duramente os brasileiros. Eles foram os mais humilhados no aeroporto de Barajas, em Madri, segundo dados do próprio Ministério do Interior da Espanha. De cada cinco estrangeiros barrados em seu ingresso no país, um tinha passaporte brasileiro. O Itamaraty chegou a criticar, de forma bastante tímida, estas ações discriminatórias, de viés fascista.


Direita prega a xenofobia


Com a vitória do PP, essa situação deve se agravar. A direita espanhola sempre estimulou o sentimento racista e anti-imigrantes. Ela utiliza a alta taxa de desemprego, que hoje atinge 22,6% da força de trabalho – e mais de 40% entre os jovens – para atiçar o ódio aos estrangeiros. A mesma burguesia que usa o trabalho precário dos imigrantes, incentiva cinicamente a discriminação. O Ministério das Relações Exteriores estima que haja entre 2 milhões a 3,7 milhões brasileiros morando no exterior. Mais de 21% dos emigrantes são paulistas, seguidos pelos mineiros (17%) e paranaenses (9% do total). O Censo de 2010 identificou a presença de brasileiros em 193 países. A Espanha é o terceiro destino escolhido (9,4%). EUA (23,8%) e Portugal (13,4%) são os primeiros.


Desilusão e luta por direitos políticos


O agravamento da crise nas potências capitalistas e a adoção das políticas xenófobas têm revertido o fluxo da migração. Pesquisa da agência Randstad revelou que 65% dos imigrantes ilegais na Espanha querem deixar o país. No ano passado, 48 mil imigrantes chegaram e 43 mil estrangeiros retornaram aos seus países de origem – e 90 mil espanhóis também deixaram o barco à deriva.


Já entre os optaram por ficar na Espanha, cresce a pressão pela ampliação dos direitos políticos. No início do ano foi lançada uma campanha com o lema “Aqui vivo, aqui voto". Cerca de 20 organizações de imigrantes exigem que o governo garanta o direito de voto aos 2,4 milhões de estrangeiros que vivem e trabalham no país e também a revisão da lei discriminatória aprovada no ano passado.


No manifesto de lançamento da campanha, as entidades criticam “a utilização da xenofobia para tirar lucro eleitoral por parte de diferentes partidos políticos”. O PP de Rajoy, por exemplo, prega o corte de serviços públicos para os estrangeiros, “esquecendo-se de que nos anos do ‘milagre econômico’ foram os imigrantes que contribuíram para a criação da riqueza”, critica o manifesto.