quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

História da intervenção da Cablevisión está mal contada

Na Argentina, a mídia ligada à oposição da presidenta Cristina Kirchner fez muito barulho, ontem, com a ocupação pela polícia da TV Cablevisión, pertencente ao Grupo Clarín. Não foram poucas as ilações de que o dedo do governo estaria por trás da medida, uma vez que o Clarín é uma das pontas de lança da oposição ao governo Kirchner. O próprio Clarín distribuiu nota em que relaciona a medida ao conflito aberto que seu grupo trava com o governo. A afirmação foi rechaçada pelo ministro do Interior, Florencio Randazzo. Para ele, a versão do Clarín não passa de “um disparate”.


A verdade é que lá, como aqui, a grande imprensa esqueceu-se de informar um dado crucial. A invasão se deu diante de uma ordem judicial, assinada pelo juiz Walter Bento, em resposta às denúncias feita pelo concorrente Supercanal, empresa de TV a cabo do grupo Vila-Manzano.


O imbróglio teve início em 2007, quando da fusão entre TV Cablevisión e a Multicanal. De lá para cá, a emissora resultante tem sido denunciada por práticas de concorrência desleal. Segundo o jornal independente Página 12, o juiz que assinou a intervenção designou Enrique Anzoise para separar as duas empresas de TV a cabo, medida que deve ser cumprida em 60 dias. Para ele, os pleitos do grupo Vila-Manzano “têm base verossímil”.


Agressões ao interventor judicial


No entanto, informa o Página 12, o interventor não pode cumprir seu trabalho devido a agressões que sofreu dos empregados do Grupo Clarín. A sentença argumenta que “A concentração empresarial que se materializa na Cablevisión determina um modus operandi que (...) não se parece apegado ao ordenamento jurídico em vigor em matéria de competência”.


Entre as práticas denunciadas estão preços abusivos cobrados pela empresa de TV a cabo nos territórios em que tem permissão para atuar e a imposição de cotas, bem como a prática de preços abaixo dos custos de mercado nas regiões em que busca ganhar mercado. Também constam a manipulação da grade de programação a favor do seu próprio sinal e a exclusão dos sinais de notícias a que seria obrigada retransmitir. Em vários pontos, a sentença se baseia na nova lei de Serviços e Comunicação Audiovisual. Leia a íntegra da matéria aqui.


*Artigo originalmentre publicado no Blog do Zé Dirceu

Fatos em foco

Pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo indica que o setor industrial fechou 46,5 mil postos de trabalho no mês de novembro

Hamilton Octavio de Souza - BF

Comissão paulista
Por iniciativa do deputado Adriano Diogo (PT), a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou a constituição de uma Comissão da Verdade para apurar os casos de tortura, morte e desaparecimento no Estado e contribuir com a Comissão Nacional da Verdade. A comissão paulista será composta por cinco deputados, vai funcionar a partir de março de 2012 e terá dois anos para apresentar suas conclusões. Uma importante conquista!

Cadeia lotada
O ex-presidente da França, Jacques Chirac, de 79 anos, foi condenado a dois anos de prisão pela Justiça francesa. Crime: quando era prefeito de Paris, nos anos 1990, criou 21 empregos fictícios, pagos com o dinheiro público, para remunerar funcionários do seu partido político. Imagine se a Justiça daqui fosse mandar para a cadeia todos os vereadores, prefeitos, governadores, deputados e senadores que fazem a mesma coisa no Brasil!

Concentração
A fusão de dois gigantes do suco de laranja, Citrovita e Citrosuco, aumenta ainda mais a força do oligopólio nesse setor industrial sobre os produtores de laranja e o mercado consumidor. A nova empresa passa a controlar 45% da produção de suco. É cada vez mais acintosa a omissão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a ausência de políticas públicas para promover a desconcentração empresarial. Quem paga é o trabalhador!

Invasão bárbara
No dia 15 de dezembro os Estados Unidos declararam formalmente o fi m da guerra contra o Iraque e a retirada de seus últimos soldados. Após oito anos e oito meses desde a invasão, eles deixaram um saldo de quase 119 mil mortos, a grande maioria de civis iraquianos (104 mil), além de 4,4 mil soldados estadunidenses. Uma agressão com justificativa falsa e brutal destruição. Uma tragédia para milhares de pessoas que perderam familiares e amigos.

Lucro fácil
As fábricas de diplomas universitários do Brasil estão em acelerado processo de concentração empresarial, especialmente porque a liberação do ensino à distância potencializou as margens de lucro muito acima dos ganhos obtidos no ensino presencial. A fusão dos grupos Kroton e Unopar dará um faturamento acima de R$ 1 bilhão em 2011, a maior parte proveniente dos 228 mil alunos do ensino à distância. O MEC assiste de camarote!

Direitos humanos
Importante documento para quem se interessa em acompanhar as violações e as lutas em defesa dos direitos humanos, no Brasil, o relatório anual produzido pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos já está disponível no site
www.social.org.br – com análises sobre a situação nas mais diferentes áreas de atividades, desde as mortes no campo até a exploração do trabalho infantil. Um documento necessário!

Comunistas
No dia 16 de dezembro completaram-se 35 anos do episódio conhecido como a Chacina da Lapa, quando agentes da repressão, no governo Geisel, assassinaram três dirigentes do PCdoB – Pedro Pomar, Angelo Arroyo e João Batista Drummond – durante reunião do comitê central do partido, na Lapa, em São Paulo. Por iniciativa do vereador Jamil Murad, a Câmara Municipal de São Paulo rendeu homenagem aos mártires comunistas.

Privatização
O governo Dilma, além de continuar firme no processo de privatização dos aeroportos, contra a vontade dos trabalhadores, agora introduziu uma cláusula bastante questionável no edital de licitação: a exigência de participação do capital estrangeiro, sob a alegação de experiência na gestão de grandes aeroportos. A estatal brasileira Infraero, que tem essa capacidade operacional, ficará com apenas 49% de participação.

Desemprego
Pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo indica que o setor industrial fechou 46,5 mil postos de trabalho no mês de novembro e que deverá ter no mês de dezembro uma variação negativa de 2% em relação ao ano passado. Agora em dezembro foram registradas demissões em massa também no setor bancário e de professores de escolas privadas. A crise do emprego avança para 2012!

A Privataria Tucana

É hora do Parlamento brasileiro tentar, ao menos, diminuir a nódoa que criou ao sepultar – com ajuda do PT, de acordo com o livro – a CPMI do Banestado

Editorial da edição 460 do Brasil de Fato

Dia 15 de dezembro, o ex-presidente francês Jacques Chirac foi condenado a dois anos de prisão, culpado por “desvio de fundos públicos, abuso de confiança e aquisição ilícita de interesses”. Aos 79 anos, é o primeiro presidente francês condenado por um tribunal correcional.


Nessa mesma semana, em menos de 48 horas após o lançamento, esgotaram- se as 15 mil cópias do livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. O livro está sendo considerado a mais completa investigação jornalística sobre as privatizações ocorridas no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995- 2002) e, especialmente, a roubalheira promovida por um grupo de familiares e de pessoas que circulam em torno do então ministro José Serra (PSDB).


Após doze anos de pesquisas, o autor conseguiu provas documentais, e abundantes, sobre as roubalheiras ocorridas com as privatizações. Um saque do patrimônio público que, no cenário internacional, deve ter perdido apenas para a máfia russa, após o desmonte da URSS.


De forma clara e com incomum habilidade o jornalista expõe os complexos e tortuosos caminhos que a riqueza surrupiada do povo brasileiro percorreu até os chamados paraísos fiscais e, depois, retornou ao país legalizada. Ou melhor, lavada e cheirosa, como quis aparecer a elite tucana nas ultimas eleições presidenciais. As conexões de um governo que dilapidou o patrimônio público com os grupos privados que foram beneficiados, juntamente com a complacência da mídia e do conluio com os que operam a lavagem de dinheiro, ficam completamente expostas no livro.


Mas, além da roubalheira, A Privataria Tucana escancara o jeito de fazer política de José Serra. A elaboração de dossiês para chantagear seus inimigos, tanto os do seu partido quanto os adversários de outros partidos, se constitui num dos alicerces de fazer política desse tucano. Enquanto, com apoio da mídia, cultivava a imagem de austero e competente nos cargos públicos que ocupava, seus arapongas se encarregavam da fazer com que os interesses e objetivos do Capo fossem alcançados. O caso Lanus que fez a Roseana Sarney (PFL) desistir da campanha presidencial de 2002, exemplifica a prática desse conluio.


Além de documentar a roubalheira ocorrida nas privatizações, o livro arrasta para o olho de furacão o parlamento, a mídia e o Ministério Público. Onde estão aqueles parlamentares que, desde 2003 quando apearam do governo federal, ficaram apenas brandindo a espada da moralidade pública e contra a corrupção? Os parlamentares, como o senador Álvaro Dias (PSDB) e o deputado federal Roberto Freire (PPS), que a cada mentira publicada pela revista Veja pediam a instauração de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra os movimentos populares, sindicais e ONGs, irão agora apoiar a CPI das privatizações? O jargão que mais usavam, “quem não deve não teme”, não vale mais? E os tucanos, continuarão reféns da ala que chafurda na lama e idealizou a campanha presidencial do ano passado, e que confabula com a extrema direita e com os setores mais reacionários da sociedade brasileira?


É hora do Parlamento brasileiro tentar, ao menos, diminuir a nódoa que criou ao sepultar – com ajuda do PT, de acordo com o livro – a CPMI do Banestado. Ela foi instalada no governo Lula, em 2003, e concluída sem punir os responsáveis pela evasão de mais de 84 bilhões de dólares do país para os paraísos fiscais, entre 1996 e 2002.


É instigante ver, frente ao sucesso de vendas do livro, como a imprensa burguesa toma partido e não hesita em enlodar-se. Primeiro, com um ruidoso silêncio sobre o livro e seu sucesso. Depois, ensaiando uma defesa dos acusados e acusando o autor do livro. Agora retirando o livro das listas dos mais vendidos na semana. O PIG (Partido da Imprensa Golpista), capitaneado pelos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e pela revista Veja, acreditam que ao esconder a realidade ela deixa de existir. A Rede Globo tentou o mesmo no início da Campanha das Diretas Já, em 1984. Deu no que deu.


O livro escondido pelo PIG continua sendo um sucesso de vendagem e atesta a necessidade de democratizar a comunicação em nosso país. É hora do governo Dilma atender aos anseios da população e fazer a lei que democratize a comunicação brasileira.


Preocupante é o silencio do Procurador- Geral da República, e chefe do Ministério Público Federal, Roberto Gurgel, sobre as denúncias do livro. O livro apresenta provas documentais de crimes cometidos e que exigem do representante da sociedade civil, o Ministério Público, um posicionamento sobre os fatos ali apresentados.


No governo de FHC, Geraldo Brindeiro, que ocupava o cargo que hoje é de Roberto Gurgel, ficou conhecido com o apropriado apelido de “Engavetador Geral da República”. Esperamos que o governo Dilma, que dá mostras de não pactuar com qualquer forma de corrupção, não deixe essa figura ressuscitar.


A França acaba de dar uma amostra de que o acerto de contas com as praticas condenáveis, exercidas por quem quer que seja, fazem bem à democracia e ao país. O livro escondido pelo PIG certamente nos ajudará a trilhar um caminho que abale a impunidade, já histórica, dos crimes cometidos contra o país e o povo brasileiro.

Maia vai instalar CPI da Privataria?

Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:
Dia desses, debatia com alguns tuiteiros a possibilidade de a CPI da Privataria Tucana ser enterrada num grande acordo entre tucanos e petistas. Internautas que defendem o governo de forma incondicional ficaram ofendidos. Aí, lembrei o episódio (narrado no livro de Amaury Ribeiro Jr.) do acordo entre parlamentares do PT e do PSDB pra encerrar a CPI do Banestado sem alardes e sem escândalos, em 2003.

Não acho impossível que um outro acordo desses seja costurado ou desejado por alguns “pragmáticos” do PT. Mas tenho certeza que, se fizer isso, o partido pagará um preço muito alto. Talvez, mais alto do que na Reforma da Previdêcia no início do governo Lula ou mesmo na “Crise do Mensalão” em 2005. Naqueles dois episódios, o PT e o governo sofreram desgaste, houve defecções de parlamentares que seguiram para o PSOL. Mas boa parte da ”base organizada” petista e lulista (falo de sindicatos, movimentos sociais e partidos) seguiu a apoiar o governo. Viu nos episódios fatos graves, mas deu o desconto: era o preço a se pagar (será?) para obter “governabilidade”. As concessões (e os erros) de Lula foram compensados por resultados concretos que melhoraram a vida de milhões de brasileiros.
Agora, é diferente. O livro de Amaury traz à tona denúncias graves contra os maiores adversários do lulismo. Não são críticas no vazio. Mas fatos e documentos, a mostrar o percurso suspeito de dinheiro rumo a contas em paraísos fiscais. A filha de Serra e amigos muito próximos do tucano estão citados no livro. Serra recusa-se a falar sobre os fatos. Tenta desqualificar o livro (“lixo, lixo, lixo”, balbuciou para as câmeras de TV).
A imprensa serrista também se recusa a falar sobre o livro. De forma didática, nas duas últimas semanas, ficou desmonstrada a hipocrisia da mídia que cobra “moralidade pública” desde que isso não inclua o Serra… O PT também não fez muito alarde. Até porque parte do partido não sai bem da história (Amaury narra a guerra interna no comitê petista em 2010, que teria incluído parceria de petistas com a “Veja”, para atingir outros petistas).
Coube ao deputado Protógenes Queiroz (PCdoB/SP), um franco atirador com fama de “doido”, botar o livro debaixo do braço e sair pedindo assinaturas para uma CPI da Privataria. Mais de duzentos deputados assinaram. A ‘Veja”, a “Folha”, os mervais e outros bossais tentaram desqualificar Amaury. Ainda assim, mais de 200 deputados assinaram. É a força da internet: dos blogs “sujos” e das redes sociais… Por isso, falei que a CPI é uma vitória dos “sujos” e “doidos”.
Nessa quarta-feira, Protógenes entregou o pedido de CPI ao presidente da Câmara. Marco Maia (PT-RS) diz que é preciso conferir as assinaturas e, lá por fevereiro de 2012, quem sabe, pode ser instalada a CPI.
Hum…
Natal, Reveillon e férias de janeiro. Os tucanos ganharam 45 dias para negociar o enterro da CPI. Emissários de banqueiros, políticos e empresários vão conversar muito nos próximos dias… Dilma já disse que CPI só se faz “em casos extremos”. Governo não quer marola nem confusão. Quer administrar a economia e gerar emprego. Isso até se compreende.


Mas será que o PT vai entrar nessa? Como eu disse acima, dessa vez não haverá boa vontade na base lulista. Como acalmar as bases organizadas, se o PT por acaso aliviar pro Serra e deixar de investigar denúncias (concretas, graves e documentadas) contra o maior (e mais ardiloso) adversário? Dessa vez, um acordo com o PSDB seria visto como traição.


Por isso tudo, acho difícil que um ”acordão” prospere. Seria visto como traição pela base. Falando português claro: seria como se o time do Flamengo entregasse o jogo pro Vasco. No dia seguinte, a Gávea viraria uma praça de guerra. Jogador pode não ter amor à camisa. Mas tem medo da reação da torcida. Nesse caso da CPI, também, o resultado depende da “torcida”. Da pressão social. Do “bafo” das ruas e da internet… Claro que existe gente séria no Parlamento, e muito deputado combativo no PT e nos partidos aliados. Mas a maioria atua na base da pressão.


Não se espera que o governo e o PT trabalhem ardorosamente pela CPI. Mas se perceberem que a base quer a CPI será difícil aos parlamentares do PT e dos partidos aliados dizerem “não”. É essa a chance de ver instalada a CPI. Uma chance histórica para o país. Seria a primeira CPI – em muitos anos – que não surgiria das pautas impostas pela velha mídia. Seria uma CPI feita contra a vontade da velha mídia. Por isso, essa briga é tão importante: estratégica!

Milícias no campo miram nas lideranças

Por Jorge Américo, no jornal Brasil de Fato:

O campo de atuação das empresas de segurança privada não está restrito às cidades. É cada vez mais comum, no meio rural, a presença de grupos armados contratados por fazendeiros. Em 27 de julho de 2011, foi realizado em Curitiba (PR) o Tribunal de Júri que puniu pela primeira vez um caso de milícia privada no campo.

Os jurados consideraram Jair Firmino Borracha culpado pelo assassinato do agricultor Eduardo Anghinoni, irmão de uma das principais lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná. O réu foi condenado a 15 anos de prisão. O crime ocorreu em 1999, no município de Querência do Norte (PR). As provas e os depoimentos apresentados no julgamento reforçaram a hipótese da existência de uma organização criminosa que atuava contra militantes de movimentos sociais na região.

Um caso semelhante permanece sem solução. Após uma ação articulada pela empresa NF Segurança, o trabalhador rural Valmir Mota de Oliveira, mais conhecido como Keno, foi morto por um funcionário que prestava serviços para a transnacional Syngenta. Outros cinco trabalhadores ficaram gravemente feridos. Ambos participavam do acampamento Terra Livre, em Santa Tereza do Oeste (PR), área na qual a empresa promovia experimentos ilegais de sementes de milho transgênico. Embora o crime tenha ocorrido no final de 2007, o processo se encontra na fase inicial de consulta das testemunhas.

O advogado da ONG Terra de Direitos, Fernando Priospe, demonstra preocupação com a atuação de milícias privadas na região. “Basicamente não houve alteração na situação no que diz respeito às milícias privadas. Por exemplo, a NF Segurança continua atuando na região de Cascavel clandestinamente”. A Syngenta acusa os trabalhadores rurais de serem responsáveis pelo assassinato de Keno e de um pistoleiro. O Ministério Público do Paraná, que acatou a denúncia, alega que o fato de ocupar uma propriedade rural significa assumir o risco de provocar o assassinato das próprias pessoas que ocuparam a área.

Indígenas, ditadura e escravidão

A privatização do setor de segurança tem mais implicações negativas do que se supõe, segundo o presidente do Conselho Estadual da Defesa da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), Ivan Seixas. “Elas [empresas de segurança], além dos serviços tradicionais, fazem arapongagem particular, espionagem eletrônica, industrial, militar, política. Isso tudo faz com que o Estado brasileiro esteja refém dessa gente”.

Nem mesmo os povos indígenas escaparam desse aparelho repressivo descrito por Ivan, que é ex-preso político da ditadura civil-militar (1964-1985). Em outubro, um grupo de homens armados – contratados por donos de construtoras – avançaram contra as comunidades instaladas no local conhecido como Santuário dos Pajés, no Setor Noroeste, em Brasília (DF). Estavam em disputa 50 hectares de terras tradicionais, onde vivem cerca de 30 pessoas das etnias tuxá, fulniô, kariri xocó e tupinambá. Na ação, foram registrados espancamentos, uso de spray de pimenta e arma de choque elétrico.

A consolidação do setor da segurança privada nos últimos anos e a exacerbação de seu poder deve-se muito à presença de militares ainda em atividade ou aposentados. A conduta repressiva contra cidadãos, de acordo com Ivan, é sintoma do autoritarismo herdado do período ditatorial. Para ele, “há uma ligação direta entre ditadura e empresas de segurança porque vários torturadores, civis e militares, são donos dessas empresas”.

Racismo

O professor de história e integrante da UNEafro-Brasil Douglas Belchior vê na escravidão as raízes dos excessos que são cometidos hoje. Para ele, as empresas de segurança não substituem as forças militares do Estado, mas atuam de forma complementar. “Os capitães do mato foram a primeira polícia da história. Eles tinham a função de correr atrás dos negros rebelados. Essa lógica se repetiu ao longo dos anos e, quando os policiais migraram para a segurança privada, levaram consigo essas práticas abomináveis. Daí a razão de os negros serem as principais vítimas da truculência, ao lado dos camponeses e indígenas.”

Para Marcelo Braga Edmundo, coordenador da Central de Movimentos Populares e do Comitê Social da Copa 2014 e dos Jogos Olímpicos, a segurança privada está tão estruturada que consegue obter vantagens de todos os lados. Isso se dá ou por meio da repressão ou por meio da extorsão. “Recentemente, isso aconteceu no Jardim Botânico [no Rio de Janeiro]. Algumas pessoas se recusaram a pagar os seguranças e de repente começou a ter assaltos na rua, o que claramente se configurou como uma forma de pressão”. Braga afirma que o processo de coação é parecido. “Estigmatizam a população mais pobre da zona oeste, dominada pela milícia, enquanto a classe média que vive nas áreas mais abastadas há muito tempo aceita a ação delas passivamente, as paga e fica por isso mesmo”.

Os gastos públicos são uma ameaça? Para quem?

Editorial do Vermelho


A definição dos gastos do governo, fixados pelo Orçamento da União, sempre envolve uma disputa que, sob o disfarce da técnica econômica, é fundamentalmente política. Este é um braço de ferro que se recoloca neste final de ano, na véspera da votação da proposta orçamentária para 2012 pelo Congresso Nacional. Ela não contempla, segundo o parecer do relator Arlindo Chinaglia (PT-SP), reajustes para o conjunto dos servidores públicos (das três esferas do poder – Executivo, Legislativo e Judiciário) nem correções acima da inflação para os aposentados do INSS, que não terão reposição acima da inflação.

O pretexto, implícito numa proposta tão draconiana, é a necessidade do enfrentamento da crise econômica, embora o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, já tenha minimizado seus reflexos no Brasil, garantindo que o crescimento do PIB de 2012 ficará dentro dos parâmetros definidos pelo governo.

Um outro lado deste debate – que vai se traduzindo em medidas duras contra trabalhadores e aposentados – pode ser visto nas páginas dos jornais, onde é frequente a pregação do caos econômico na esteira do crescimento dos gastos do governo. O gasto público de Dilma vai superar o de Lula, anuncia-se com certo frenesi. Artigo recente, em O Estado de S. Paulo, esforça-se em alardear esse “perigo” prevendo o crescimento das despesas financeiras do governo até 2014 (no final do mandato de Dilma Rousseff) com maior velocidade. Calcula que os gastos com investimentos, benefícios previdenciários atrelados ao salário mínimo e saúde chegarão a R$ 104 bilhões, representando um aumento de 1,4 ponto percentual em relação ao PIB. Nos dois mandatos de Lula, diz o jornalão paulistano, as despesas não financeiras do governo pularam de 15,7% do PIB para 18% – um aumento de 2,3 pontos em oito anos. Com Dilma, temem, podem crescer ainda mais, seja pelo desenvolvimentismo da mandatária, seja pelos investimentos que serão feitos envolvendo eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Os economistas e analistas econômicos especializados em destrinchar as contas do governo, que geralmente são profissionais ligados a grandes consultorias financeiras, costumam alardear, ao comparar despesas e receitas do governo, o temor de que as contas não fechem, e isto tem um significado claro: pode faltar dinheiro para o pagamento dos juros e rendimentos aos especuladores da dívida pública. E defendem a manutenção da meta de superávit primário (o dinheiro economizado pelo governo para pagar estes juros) no patamar predefinido, que é de 3,1% do PIB.

Isto é, empregar 3,1% do PIB para pagar juros pode, mas aumentar os gastos sociais em 1,4% do PIB até 2014 é arriscado e não pode. E arriscado para quem? Usar mais dinheiro do governo para investimentos, saúde e melhoria em salários e aposentadorias tem um enorme significado para melhorar a vida de milhões de brasileiros e fortalecer o mercado interno, baseando a retomada do crescimento e solidificando o fortalecimento da economia nacional, como vem ocorrendo nos últimos anos. Garantir o pagamento de juros extorsivos atende apenas aos interesses de uma pequena e privilegiada parcela da população, aqueles que vivem da especulação financeira. Este é o centro da questão, ele está fundamentalmente ligado à política, à distribuição relativa do poder na sociedade, e não à técnica econômica, que é um disfarce para a manutenção de privilégios parasitários.

Naturalmente, num sistema capitalista como o vigente no mundo atual, o dinheiro tem um custo que qualquer política econômica precisa levar em conta. E este custo se traduz nos juros pagos ao capital e no compromisso dos governos nesse sentido. Mas o grande problema (que é político, não é demais insistir) é definir os limites para estes juros. No Brasil – como em todo lugar – esta definição decorre da correlação de forças existente e da capacidade de cada protagonista fazer valer seus interesses.

As notícias recentes, que sacrificam servidores públicos e aposentados, apontam para um ainda excessivo poder da especulação financeira, que impõe seus interesses e legitima seus privilégios com oráculos de aparência técnica difundidos pelos jornais. E indicam a necessidade de alterar a correlação de forças a favor do desenvolvimento com uma plataforma que uma o povo brasileiro contra os juros e o superávit primário e a favor do progresso econômico e social da nação.