sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Conquista terá seis novos edis. Feira veta projeto

Fernanda Chagas



Após a Câmara de Vereadores de Salvador dar a largada e aprovar, em segundo turno, o aumento do número de vagas de 41 para 43 já para a próxima legislatura, ontem foi a vez dos vereadores de Vitória da Conquista, terceiro maior colégio eleitoral do estado, com 300 mil habitantes, elevar em seis o número de edis, passando de 15 para 21 representantes em 2013.

As justificativas para o aumento são embasadas na nova Emenda Constitucional número 58, aprovada pelo Plenário do Senado em 2009, que majora o número de vereadores de acordo com a população dos municípios de todo o país. Contudo, todos os dois parlamentos asseguram que a decisão não irá implicar em elevação de custos para os cofres públicos.

Em Conquista, por exemplo, conforme atestou em entrevista, o primeiro secretário da Câmara, Alberto Gonçalves, isso só aconteceria se a Câmara optasse por elevar para oito o número de representantes. “O novo número poderia estar em até 23 pelo número de habitantes. Mas quando a gente trata a questão do repasse, que é de apenas 5%, o salário do vereador ficaria defasado. Então para  evitar impacto nos salários, batemos o martelo em 21”, explicou.

Ainda segundo ele, a Casa recebe um repasse de 5% da arrecadação do município, que não será alterado com os novos vereadores. Alberto Gonçalves disse ainda que o mesmo valor será destinado às despesas para pagamento dos salários dos vereadores, assim como dos assessores e demais funcionários.

Indo na contramão de Salvador e Vitória da Conquista, a Casa Legislativa de Feira de Santana que ganha para a de Conquista em número de habitantes, optou por reprovar  Proposta de Emenda à Lei Orgânica de autoria do vereador José Carneiro (PDT) que aumentava de 21 para 23 o número de vereadores na segunda maior cidade da Bahia. O projeto precisava de, pelo menos, 14 votos favoráveis. Mas conseguiu apenas nove.

No entanto, já tem gente, a exemplo do vereador David Neto (PMN), pensando em reapresentar o texto. Foram contra a proposta Carlito do Peixe (DEM), Justiniano França (DEM), Lulinha (DEM), Maurício Carvalho (PR), Tom (PMN) e Eremita Mota (PP).
Fonte: www.tribunadabahia.com.br

A hora dos movimentos sociais

Uma das personalidades mais atuantes nas edições do Fórum Social Mundial, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos analisava, em 2009, as possibilidades do recém-eleito Barack Obama e via no enfrentamento à crise global uma importante oportunidade para a sociedade civil de todo o mundo.

Por Rita Freire - Revista Fórum

O sociólogo e as muitas crises

Eu e o fotógrafo André Veloso encontramos o sociólogo Boaventura de Sousa Santos em sua sala na Universidade de Wisconsin-Madison, alguns dias após as celebrações da vitória do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama, em 2008. Mesmo sem a ilusão de que Obama viesse a modificar a obsessão imperialista da Casa Branca, havia sentimentos e fatos novos no cenário mundial em torno de sua eleição: o alívio com o fim da era Bush, marcada pelo terror de Estado contra o terrorismo, a expectativa quanto ao futuro do próprio capitalismo, chacoalhado com a crise financeira que se irradiava dos EUA para o mundo, e o orgulho afrodiaspórico com a chegada de uma família negra ao comando da potência, compartilhado por defensores dos direitos civis e da diversidade no mundo todo.  Boaventura, e nós também, que vimos a tremenda vibração popular que tomou as ruas de Illinois e o Grant Park de Chicago, onde Obama fez seu primeiro discurso após contabilizado o voto da vitória, compartilhávamos a expectativa reinante sobre o significado desses acontecimentos. A filha de André, Lara Rosa, com seus 2 anos de idade e falando apenas português, aprendera a gritar "yes, we can" no colo do pai ao ouvir pessoas a caminho do parque fazendo o mesmo.

A entrevista com Boaventura tinha um motivo especial. Estávamos a poucos meses da realização do Fórum Social Mundial em Belém, que ocorreria em janeiro de 2009, colocando foco, de um lado, nos desafios e ensinamentos dos povos da floresta, anfitriões do evento, e de outro, no debate das alternativas para as muitas crises em curso: econômica, financeira, energética, ambiental e das relações humanas com seu futuro. Era importante refletir sobre a turbulência no coração do império e também oferecer subsídios, por meio da imprensa alternativa, para os debates que viriam. O FSM seria precedido do I Fórum Mundial de Mídia Livre, uma aposta de que a transformações pela frente se dariam pelo compartilhamento da informação e dos meios, independentes da grande mídia, e a revista Fórum decidiu ouvir Boaventura para a ediçao que circularia no FSM.

Sociólogo e um dos fundadores do processo FSM, Boaventura reside seis meses do ano  em Portugal, outros seis, nos Estados Unidos,e procurava identificar naquele momento as responsabilidades do movimento social, especialmente a de não baixar a guarda diante da vitória "simbólica". Obama tinha promessas a cumprir, como fechar Guantánamo e retirar as tropas do Iraque, mas já se anunciava o reforço das tropas no Afeganistão. Boaventura enxergava uma Europa no contrapé da história, devido à xenofobia, confiava em um maior alinhamento regional na América Latina e na África e explicava a dificuldade de  caracterizar a crise: "Tudo leva a crer que pelo menos nos próximos anos ... teremos uma recessão. É preciso lembrar que a recessão de 1929 só chegou ao bolso das famílias em 1933", alertou.
(Rita Freire)

Fórum – O senhor costuma sempre passar uma parte do ano nos Estados Unidos. Comemorou a eleição de Barack Obama ou chegou a se emocionar com a festa dos estadunidenses?


Em 2009, um presidente negro vai entrar em uma Casa Branca que foi construída por escravos. Há 40 anos, em alguns estados nos quais ele ganhou eleitoralmente, branco não podia casar com preto. Sua mulher descende de escravos e vai entrar para a Casa Branca como primeira dama. É uma grande transformação simbólica, um grande ato de política simbólica e não uma vitória qualquer. Um ativista dos direitos civis nos anos 60 e 70, ao ver a vitória de Obama, me disse: “Durante todos os anos tenho me considerado um afroamericano, mas a partir de hoje tenho a impressão de que eu sou simplesmente um americano”. É uma transformação simbólica de identidade.

Depois que a autoestima dos americanos foi completamente corrompida pela incompetência, avareza, belicismo inconsequente e absolutamente frustrante, esta transformação é importante para os Estados Unidos. Foram guerras ilegais e agressivas que não resolveram nenhum dos problemas apontados, exceto aquele objetivo nunca confessado, que era assegurar o controle da produção de petróleo no Oriente Médio.
Apesar de terem sido grande referência para muita gente no mundo, já que a globalização cultural é também a americanização através da grande indústria do entretenimento, a imagem dos EUA degradou-se extraordinariamente, a tal ponto que os americanos às vezes tinham vergonha de visitar alguns países, uma situação absolutamente inaudita para eles. É evidente que deste ponto de vista a eleição do Obama permitiu o orgulho de outra vez serem americanos.

Isto pode ser bom e pode ser mau. Pode trazer de volta o triunfalismo e o sensacionalismo porque foram capazes de fazer o provável pior presidente dos EUA, Bush, mas também de eleger um negro num país que teve uma situação de escravatura e discriminação racial tão fortes.

Fórum – E para além dos Estados Unidos?


Não podemos minimizar em termos políticos o significado da vitória de Obama. É evidente que ela ocorre no pior período dos Estados Unidos, e talvez só por isso tenha sido possível. Não só por causa das guerras que não se podem ganhar e que foram erradas desde o primeiro momento, mas da crise financeira que vai ter certamente as mesmas dimensões da Grande Depressão.

Nesse momento de declínio entra um homem de uma etnia que não é a eurocêntrica que sempre dominou os EUA. Ele pode ter algum êxito e ser a afirmação que a diversidade deste país enriquece politicamente. E, se as coisas correrem mal, tenho certeza de que muitos racistas deste país – que não deixou de ser racista no dia 4 de novembro – vão dizer que as coisas não deram certo porque um negro não deu conta da situação
Ele já trouxe inovações extraordinárias de campanha que foram uma vitória para a democracia liberal. Não para a democracia participativa, como a defendemos, mas com alguma virtualidade desta. Um novo conceito entrou no vocabulário político, que são os netroots, pessoas que contribuíram com seu dinheiro, percorrendo bairro a bairro, exatamente uma estratégia das organizações comunitárias, e que o levaram ao poder. Num cenário otimista, se estes grupos não se desarmarem, continuarem ligados, mantiverem a sua rede, sua lista, poderão e deverão cobrar o presidente por promessas que, sem essa cobrança, ele não viria a cumprir. E esta energia não terminaria nas eleições. É uma suspensão histórica que acontece em determinados momentos. Como eu disse, é a realidade que foi almoçar e vamos ver como regressa do almoço. E ela está a regressar.

Fórum – Há sinais de algum movimento organizado já cobrando Obama, como por exemplo o chamado feito na imprensa estadunidense pelo movimento das Liberdades Civis para que já no primeiro dia o presidente tome algumas medidas para sinalizar a disposição de mudança, entre elas a de fechar Guantánamo. Que medidas tomadas no início poderão indicar o rumo que terá esse governo?

Boaventura – Se eles [os ativistas] continuarem e puderem sustentar a pressão sobre ele, ou obviamente pode sucumbir às forças de centro e de cima. De alguma forma aconteceu nos EUA algo comparável ao que aconteceu com o Lula, quando alguém de um grupo discriminado, um metalúrgico, chegou à presidência do Brasil. De alguma maneira os movimentos sociais, com exceção talvez do MST, se desarmaram um pouco no primeiro momento, porque tinham um amigo no Planalto. Não pode acontecer isso nos Estados Unidos. Os movimentos não podem se desarmar, e muito especificamente o movimento negro e o movimento dos direitos civis, que são muito grandes.

Política simbólica é algo que tem efeitos reais imediatos mas que não afeta o sistema no seu núcleo duro. Fechar Guantánamo é uma coisa que se pode fazer, não é tão difícil. São 255 detidos dos quais Bush disse que não vai levar a tribunal mais de 80 e, segundo grupos de direitos humanos, não serão 24. São todas pessoas detidas ilegalmente e, se não há nenhuma razão para estarem lá, por que não soltá-los?

Por outro lado há os que devem ser julgados. O próprio Obama já disse que as comissões militares são tribunais fantoches, uma farsa de Justiça, e portanto devem ser julgados em tribunal convencional. Pode ser um sistema novo, porque no tribunal vão ser mostradas muitas provas consideradas secretas e se considera que isto afeta a segurança dos Estados Unidos. Isso naturalmente cria uma fricção dentro do próprio grupo de Obama. Mas fechar Guantánamo não é tão difícil. É preciso coragem para tirá-los de lá e pensar como poderão regressar aos seus países de origem. Em alguns casos, não poderão. E aí, com toda franqueza, por que os EUA não os podem aceitar se não há nada contra eles? Não cometeram nenhum crime como aquele caso escandaloso dos 17 chineses que foram detidos porque foram encontrados no Afeganistão, sem nada a ver com terrorismo. Foi um ato de autoritarismo da pior espécie, quase primitivo. Há uma possibilidade de Obama responder positivamente a esta demanda e é fácil acabar com Guantánamo porque é um tumor cancerígeno instalado dentro de Cuba.

Fórum – Com a celebração da vitória de Obama, o senhor disse que a realidade foi almoçar mas já estava voltando. Acho que a parte da realidade que já voltou tem a ver com as finanças mundiais. Pergunto qual a palavra certa: estamos vivendo uma crise ou um colapso do sistema?


Uma reivindicação dos movimentos sociais é acabar com o Banco Mundial, FMI e OMC, e que se volte o sistema para as Nações Unidas e a Unctad e instituições onde a Assembleia da ONU tenha um papel mais democrático. O FMI foi autorizado agora a analisar a situação dos Estados Unidos, mas é ridículo, eles não vão se deixar analisar pelo, como não vão deixar pelas organizações dos direitos humanos quando as violações são óbvias neste país.

Um dos papeis fundamentais vai ser jogado pelos países que, desde o primeiro Fórum, dizemos que só se eles se unissem teríamos uma mudança no sistema. Os grandes países periféricos, de desenvolvimento intermediário, e com uma população grande, que são o Brasil, Índia, África do Sul e talvez a China; se estes países se unissem, este sistema hipócrita que impõe o liberalismo a todos menos na Europa e nos EUA acabaria. Para esses países, é uma janela de oportunidade para impor outras regras. Os próprios chineses estão muito divididos, porque investiram demasiado nos EUA, ao contrário do Brasil e da África do Sul, e estão muito mais dependentes do futuro da economia norte-americana. A última coisa que podem querer é o aprofundamento da crise.

Lula deixa muito claro não pode tolerar o alinhamento total com os EUA, pelo contrário, fez um alinhamento em termos econômicos, de promoção neoliberal, mas politicamente escolheu uma certa solidariedade com os países irmãos na América Latina. Esse regionalismo a emergir na região é muito evidente também na África, com a proposta de uma unidade monetária como na Europa, e também na Ásia há sinais de um certo regionalismo que atenda mais às necessidades dos países. Se assim for, poderíamos ter relações menos imperialistas e mais difusas em função de o mundo ser mais partilhado por estes grandes regionalismos que podem enfrentar Europa e EUA.

Eu, ao contrário dos que pensam que a solução tem de vir da Europa e dos EUA, penso que eles precisam ser pressionados pelo resto do mundo, porque é fora dos EUA e da Europa que hoje estão as energias transformadoras do sistema. O Brasil, por exemplo, está numa posição diferente, embora se houver uma recessão na China vai se refletir no Brasil. Agora, a arrogância unilateral dos EUA, a arrogância unilateral das organizações multilaterais, que são multilaterais apenas no nome, essa terminou. Portanto, vamos ver como as coisas vão se posicionar e que janelas de oportunidades existem para algumas questões no movimento social. Por exemplo, para a Via Campesina, é muito importante eliminar o capital especulativo nesta área de soberania alimentar. No momento, há aqui alguma oportunidade quando as estruturas hegemônicas estão um pouco fragilizadas. Mas não sabemos até que ponto.

Fórum – O presidente Lula, na discussão em Washington sobre a solução para a crise internacional, fala em concluir a rodada de Doha, e isso soa um pouco estranho ao movimento social depois de tanta luta para desgastar a OMC, que hoje realmente não tem mais o papel que pretendia. O que o senhor pensa disso?

Boaventura – O Brasil é a ambiguidade dos países semiperiféricos, tem uma capacidade de manobra que lhe dá uma certa arrogância neste momento. Nota-se na área da biotecnologia, porque o Brasil tem uma grande diversidade, mas tem também uma indústria biotecnológica que quer produzir e portanto as suas posições na área do patenteamento da biodiversidade são muito ambíguas.

A diplomacia brasileira é que tem sido muito boa em muitos níveis. O desgaste dos Estados Unidos e do sistema que até agora era imposto na Organização Mundial de Comércio (OMC), e contra o qual o Brasil lutava ao questionar o protecionismo na Europa e nos EUA, criou novas possibilidades para o que este grupo vinha colocando dentro da OMC. O que temos de ver é se o que é bom para o Brasil é também para os países do Quarto Mundo, os periféricos, que não estão nesta fatia intermediária do rendimento mundial. Estou falando da África e de muitos países da América Latina, da Ásia e de muitos outros que são dependentes em relação a estes países, como a Tailândia é em relação à China. Eu ainda temo que este regime seja tão viciado que as potências intermediárias, como no caso brasileiro, quando têm alguma capacidade de manobra, comportem-se como virtuais potências hegemônicas.

Aqui, o distanciamento de um Chávez é muito salutar. Ou nós temos uma lógica não-capitalista, uma lógica outra, ou não vamos a lado nenhum. E o Brasil não tem tido de modo nenhum esta posição, pelo contrário: faz desalinhamento político mas alinhamento econômico, o que funcionou até agora porque coincidiu com o grande boom da China, que resolveu muitos problemas brasileiros, se não contarmos com os indígenas e camponeses que estão sofrendo com o alargamento da fronteira agrícola e a destruição da Amazônia, que ocorre no Pará e no Mato Grosso do Sul. Mas isso obviamente permitiu ao Brasil o que até agora não tinha tido, que é uma certa autonomia em relação ao FMI e portanto houve um segundo Grito do Ipiranga: Nós podemos ditar nossa política.

Mas a burguesia nacional, altamente transnacionalizada desde a ditadura, não mudou com a democratização, está totalmente vinculada a este sistema, e quando tem qualquer margem de manobra para ter os seus lucros, não vai querer mais mexer no sistema e nem nesta ideia de que não se pode ter tratado de comércio sem direitos sociais e econômicos e sem uma outra política ambiental. Porque há uma crise econômica, energética e climática. Não podemos usar a lógica economicista do neoliberalismo, temos de usar uma lógica mais ampla, e o Brasil está relativamente atrasado porque entrou naquela onda do agrocombustível, que se chama no Brasil biocombustível, mas que é um nome errado porque não é energia renovável e é extremamente destruidor da soberania elementar. Energia renovável são os ventos, o sol e as ondas. O Brasil não tem mostrado muito interesse nisso mas sim nos combustíveis fósseis e no agrodiesel. Como vai se comportar neste momento que vai trazer as questões climáticas para o centro das discussões, mesmo nos EUA.

Foi um erro do Lula desvincular-se de algumas outras políticas ambientais que estavam em curso para uma aliança com os EUA, não se dando conta de que seria de curta duração porque não é uma energia renovável. No domínio energético e climático não vejo o Brasil muito bem equipado para uma resposta inovadora porque não foi por aí que a diplomacia se orientou. Mas vamos ver porque não acredito muito naquilo que os governos podem fazer, mas no que os movimentos podem pressionar.

Penso que o FSM pode assumir uma liderança maior, com espaço aberto. Se os movimentos sociais estivessem preparados com propostas muito concretas do que pode ser feito, neste momento de suspensão do sistema mundial devido à crise e ao novo governo dos EUA, penso que algumas alianças poderiam ser feitas com organizações e mesmo com partidos dentro do establishment que percebem que suas soluções não funcionaram.

Fórum – Então vou citar uma fala de Chomsky que não vê nessa crise o ocaso da economia dos EUA e que também não vê sinal de alternativas construídas pelo movimento para um momento destes, em um artigo bem recente. Em sendo verdade, isto significa que o processo do FSM falhou ao afirmar a possibilidade de outro mundo?


Muita gente pensou que era só a revolução e o socialismo que estavam em crise, mas que o reformismo socialdemocrata, pelo contrário, teria sua vingança e o seu momento de apogeu. Longe disso. Quando morreu a revolução, morreu também o reformismo socialdemocrata. O capitalismo livre de qualquer ligações e regulações keynesianas dos Estados tentou libertar-se dos direitos laborais e da regulamentação e foram estes anos que nós tivemos.
No fundo, a busca do Fórum Social Mundial por uma sociedade alternativa começou de uma crise que agora atinge este sistema. Começou no final da década de 80 e foi um período de rejeição e um grande inconformismo com a situação de desigualdade social dos últimos anos. E também uma maturidade que ajuda a florescer um sentimento muito vago de que não temos alternativas. Por isso que a gente diz que um outro mundo é possível, é um “outro mundo” porque não sabemos qual é esse mundo.

Para muitos movimentos, falar do socialismo é um erro. Se vamos para a África ou pra Ásia vão nos dizer que o socialismo é uma armadilha eurocêntrica como qualquer outra. Não sou tão negativo como Chomsky e é curioso que um intelectual por quem temos um grande respeito possua essa ambiguidade que vem do movimento anarquista. Por um lado, fazem uma luta por todos os movimentos de base e uma desconfiança total dos Estados terroristas, mas todos os Estados o são, a começar pelos Estados Unidos. São grandes críticos deste sistema mas ao mesmo tempo são maximalistas.

Se quisermos uma revolução ou uma alternativa verdadeiramente pós-capitalista, não imagino que isso seja possível sem termos um Estado que seja efetivamente democrático e popular. Nunca uma ditadura de um partido único. Mas enquanto não tivermos um governo mundial, democrático, que seria o sonho do movimento social internacionalizado mas que está como uma possibilidade utópica, nós, os movimentos sociais em nível regional e internacional, poderíamos ter interlocutores fortes com quem se possa promover políticas fortes. E não conheço nenhuma instância que garanta direitos senão os Estados. Vamos entrar no domínio das religiões e da filantropia? Francamente, não é uma solução socialista.

Eu acho que o movimento de esquerda deixou-se desarmar extraordinariamente nos últimos anos, exatamente porque aquela alternativa não era possível, o marxismo deixou de estar na moda, deixou de estar na agenda, de estar nas universidades, no movimento social. Curiosamente está voltando porque a situação financeira veio a provar que Marx tinha muita razão na análise que fazia da sociedade capitalista. O marxismo regressa, mas só pode regressar parcialmente, como uma análise lúcida das crises do capitalismo e, portanto, de que é preciso uma sociedade pós-capitalista. Mas uma sociedade assim não pode ser aquela nos termos em que previu.
Boaventura – Estamos provavelmente em um processo de transformação que é quase simétrico a este outro que nós estamos analisando. Desde o final de 1989, quando tivemos a queda do Muro de Berlim, aquelas alternativas socialistas, pelo menos que haviam sido desenhadas ao longo do século XX, entraram em crise.
Boaventura – Nós assistimos de fato a um colapso de uma parte, exatamente o sistema financeiro que existiu até agora. Dá-me a impressão que o neoliberalismo se autodestruiu. Se calhar, nem foi derrubado pelos movimentos sociais que têm lutado contra os paraísos fiscais ou defendendo a taxa Tobin. Tantas coisas que têm sido promovidas pelos movimentos sociais para pôr fim a este capitalismo de cassino que funcionou nos últimos 30 anos, e ele se autodestruiu. Como Marx disse, o limite do capitalismo é o próprio capital, que tem uma ambição tão grande por acumulação que acaba por destruir as fontes que poderiam lhe dar sustentabilidade, portanto entra regularmente em crise. A crise significa o colapso do sistema financeiro, mas não é uma crise final do capitalismo, é um realinhamento que se vai dar mas não sabemos com que perfil.
É difícil caracterizar essa crise. Tudo leva a crer que pelo menos nos próximos anos, se não houver uma política agressiva de promoção de emprego, teremos uma recessão. É preciso lembrar que a recessão de 1929 só chegou ao bolso das famílias em 1933, levou tempo porque o sistema tem uma certa inércia. Mas não estamos em 1929 e penso que existem muitos mecanismos internacionais que não existiam antes e que agora estão a forçar o controle da crise.
Boaventura – Essa eleição também é importante para a Europa, que tem uma certa arrogância em relação aos EUA. Mas o que aconteceu nos Estados Unidos não podia acontecer lá. A Alemanha tem 800 mil cidadãos turcos, em uma população de imigrantes por volta de 3 milhões. A França também tem muitos imigrantes com cidadania. Mas quando olhamos para seus parlamentos a composição é quase totalmente branca. Na Inglaterra, de 600 membros da Casa dos Comuns, 15 pessoas não são brancas. Dá-me a impressão de que a Europa se vê em um contrapé da história, porque os EUA são capazes de eleger um presidente que não tem a história a que os europeus se habituaram como sendo as suas próprias, sobretudo depois do que temos visto com a xenofobia, as leis de imigração, os Berlusconi e Sarkozy que têm transformado a Europa em uma fortaleza, a se defender sobretudo dos imigrantes, e que tenta evitar a todo custo que eles possam se estabilizar com suas famílias, que suas culturas possam enriquecer a cultura do continente.
Boaventura de Souza Santos – É evidente que pela minha formação marxista não estou acostumado a que os homens individualmente transformem a história e tenho reservas em relação a esperar demasiado de uma pessoa quando o sistema que a elegeu praticamente se mantém o mesmo. Mas, dito isto, não há dúvida para uma pessoa que, para lembrar José Martí, vive nas entranhas do monstro, onde este sentimento de crítica à orientação imperialista agravou-se extraordinariamente durante o governo Bush, que a vitória do Obama foi um acontecimento muito especial. Aliás, especial não apenas para os EUA como para o mundo.

Há dez anos do mesmo lado

Editorial da Revista Fórum

O atento leitor já deve ter percebido na capa que esta é a edição comemorativa dos 10 anos da Fórum. Por isso, está um pouco diferente. Em primeiro lugar, mais robusta. Ao invés de 52 páginas, tem 64. Além disso, menos inédita e mais histórica. Traz uma seleção das dez entrevistas que consideramos as mais importantes desta década, com uma contextualização daqueles que as realizaram.

Cada uma das entrevistas remete a um momento histórico.

A começar pela primeira, de Mano Brown, que de algum jeito tem potencial tanto para nos fazer pensar sobre o que era o Brasil de 2001 como qual era a expectativa que tínhamos do País. Por outro lado, é simbólica do ponto de vista da importância que a periferia tinha há dez anos e da importância que tem hoje. Tanto por conta da visibilidade alcançada por projetos de cultura, como pela ascendência social de 35 milhões de brasileiros.

Depois, há três que de alguma forma abordam o contexto do governo Lula, incluindo sua principal crise, a do mensalão. As de José Dirceu e de Ciro Gomes tratam fundamentalmente disso, mas a da filósofa Marilena Chauí também pode ser incluída neste rol, porque suas reflexões se concentram em uma avaliação sobre o que foi o primeiro mandato do ex-presidente.

As entrevistas realizadas com Yasser Arafat e Raul Reyes (líder morto das Farc) são importantes não só pela relevância dos personagens, mas pelo contexto que aconteceram. Em ambos os casos nossos repórteres estiveram com esses líderes pouco antes de suas mortes. E Fórum foi o último veículo brasileiro a publicar entrevistas com eles.

Afora essas, completam a edição mais quatro entrevistas. As de Saramago, Boaventura de Sousa Santos, Eduardo Galeano e Sebastião Salgado. Quatro intelectuais comprometidos com o seu tempo. Sendo que os três primeiros tiveram alguma vinculação com o Fórum Social Mundial, que de alguma forma é o pai e a mãe desta publicação.

Por isso, nesta edição, renovamos o nosso compromisso da edição número 1. Naquele número, a frase que fechava o editorial era:

“Há lados. Enquanto houver. Um. O valor das coisas. Não às coisas do valor. Gente.”

Permanecemos do mesmo lado.

Lula ganha prêmio por ação contra fome

Ex-presidente recebeu prêmio dado a pessoas que combateram fome. 'Pobres gostam de comer bem, não gostam de miséria', disse sob aplausos.

Lula ganha prêmio por ação contra fome
Após receber, na noite desta quinta-feira (13), o World Food Prize nos Estados Unidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a fome é "a maior arma de destruição em massa que a humanidade já inventou" e que os governantes, em vez de guerras, devem "lutar pela vida, não pela morte".

"Ela [a fome] não mata inimigos, ela não mata terroristas. Ela mata crianças, e às vezes, no útero da própria mãe, que não teve direito de comer as calorias necessárias ao nascimento de uma criança".

O ex-presidente foi um dos agraciados neste ano pelo prêmio, criado em 1970 para prestigiar personalidades que contribuíram para a diminuição da fome no mundo.

Durante o discurso de agradecimento, que durou cerca de 12 minutos, Lula disse que democracia não é apenas poder "dizer que está com fome... é a gente poder comer, de manhã, de tarde e de noite". Ele mencionou o Bolsa Família e destacou a obrigação de o dinheiro ser entregue à mulher, "mais responsável por levar comida para dentro de casa".

Ele pregou que não basta aos governantes um diploma de universidade para conduzir um país. "É preciso que ele governe com sentimento, como uma mãe", disse. Depois arrancou risos e aplausos ao dizer que "os pobres gostam de comer bem. Pobre não gosta de miséria".

Em seu site, a organização do prêmio disse que Lula, antes mesmo de chegar à Presidência, deixou claro que o combate à fome e à pobreza seria a maior prioridade de seu governo. O texto lembra frase do ex-presidente de que trabalharia para possibilitar que todo brasileiro tivesse três refeições por dia.

Há elogios ao programa Fome Zero e seu desdobramento no Bolsa Família, no Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que compra alimentos de pequenos produtores, e do Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Na viagem a Des Moines, Lula foi acompanhado do ex-ministro José Graziano, que entre 2003 e 2004, coordenou o Fome Zero. Em junho deste ano, Graziano foi eleito diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Na fala, Lula disse que dividia o prêmio com o ex-ministro.

Prêmio

O World Food Prize foi criado pelo cientista e prêmio Nobel da Paz de 1970 Norman E. Borlaug, um dos principais responsáveis pela “revolução verde”, com tecnologias e técnicas agrícolas que aumentaram a produção de alimentos no mundo.

Neste ano, Lula dividiu o prêmio com o ex-presidente de Gana, John Agyekum Kufuor. Sob seu governo (2001-2009), a população pobre reduziu de 51,7% para 26,5% do total de habitantes. A fome caiu de 34% para 9%.

Antes de Lula, dois brasileiros já haviam recebido o prêmio. Em 2005, a entidade laureou o agrônomo Edson Lobato e o ex-ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, por pesquisas e políticas de desenvolvimento do cultivo no Cerrado.

Fonte: G1

Para Dilma, ingerência do FMI agrava a crise

A presidente Dilma Rousseff (PT) lembrou e criticou hoje (13) a "ingerência do Fundo Monetário internacional" (FMI) sobre a economia nacional e os investimentos do governo brasileiro durante os anos 1980 e 1990, considerados as duas décadas perdidas. Na época, o país viveu um longo período de crise. O Fundo agora faz novas vítimas na Europa.


"Nós sabemos o quanto perdemos de oportunidades nas duas décadas em que estivemos sob a ingerência do FMI", declarou Dilma, durante anúncio de investimentos PAC Mobilidade Urbana Grandes Cidades em Curitiba (PR).

O Brasil chegou a exibir taxas de crescimento médio de 7% ao ano entre os anos 1950 e final dos anos 1970. Com a emergência da crise da dívida, no início dos anos 1980, o governo militar (então presidido pelo general João Figueiredo) recorreu ao FMI e o resultado foi recessão e uma queda substancial no ritmo de crescimento, que desceu a pouco mais de 2% ao ano, em média. A renda per capta ficou estagnada durante mais de 20 anos.

A exemplo do que ocorre com países imersos na crise da dívida, o FMI impôs duros programas de ajuste fiscal e cambial para viabilizar o pagamento da dívida externa, o que impulsionou o desemprego e a inflação, enfraquecendo o mercado interno e alimentando a estagnação econômica. 
Crise similar
A presidente comparou a situação brasileira daquele período com a atual crise que passam os países europeus e os Estados Unidos (EUA). "O Brasil passou por um momento muito difícil em 1982, com a crise da dívida soberana. A Europa passa por algo similar.", declarou.

Com os auspícios do FMI, impõe-se à Grécia, Portugal, Irlanda e outros países altamente endividados uma receita amarga, que traz recessão, desemprego, arrocho de salários e supressão de direitos trabalhistas, enfraquecendo o mercado interno e perpetuando a estagnação. A economia grega caminha para o quarto ano consecutivo de recessão.

Já vimos este filme


Para Dilma, falta uma convicção política uniforme aos líderes internacionais sobre como lidar com a atual crise econômica. "Nós já vimos uma parte desse filme. Nós sabemos o que é a supervisão do FMI. Nós sabemos o que é proibir que o país faça investimentos.", lembrou a presidente, que criticou a limitação dos investimentos federais imposta pelo FMI.

Ela ressaltou que o Brasil só voltou a crescer quando começou a investir e a incluir mais pessoas na classe média. "É isso que nos torna fortes; esse mercado interno da proporção que nós temos."

Remédio para crise

A presidente Dilma Rousseff afirmou que o país possui armas importantes para conter os efeitos da crise econômica mundial como instituições financeiras fortes e um mercado interno em expansão.

'É isso que nos torna fortes hoje: é nós termos o mercado interno da proporção que nós temos... (e) porque temos bancos fortes, porque temos uma política fiscal consolidada, porque temos reservas internacionais', disse Dilma durante anúncio de investimentos PAC Mobilidade Urbana Grandes Cidades em Curitiba (PR).

Dilma enfatizou que o Brasil tem condições de resistir a esse momento grave da economia internacional e, reafirmou, que o governo manterá sua responsabilidade em relação à economia, sobretudo a inflação. Para ela, é preciso ver a inflação "... com um olho e o crescimento com o outro".

Seriedade e prudência


“A gente tem que continuar firme, macroeconomicamente muito sérios, muito prudentes, dando passos que a gente pode dar com as nossas pernas, olhando a inflação com um olho e o crescimento com outro”, disse.

As declarações de Dilma ocorrem no mesmo dia em que o Parlamento da Eslováquia aprovou um plano para impulsionar o fundo de resgate europeu --último membro da área comum a fazê-lo, após tentativa frustrada na véspera que derrubou os mercados globais.

Durante o evento, Dilma anunciou recursos na ordem de R$ 2,250 bilhões para sistemas de transporte da capital paranaense, que será uma das sedes da Copa do Mundo de 2014.
Para o metrô de Curitiba, o governo federal vai disponibilizar R$ 1 bilhão do Orçamento da União. Outros R$ 750 milhões serão financiados com recursos do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS).

O investimento vai beneficiar 400 mil usuários do transporte público da capital do Paraná, ao dia, afirmou a presidente em seu discurso. Ela também citou a parceria entre estados, municípios e governo federal na recuperação dos espaços urbanos.

Dilma defendeu, como já fez em outras ocasiões, investimentos em infraestrutura, uma das reclamações de empresários que têm interesse em investir no Brasil.

Vermelho, com agências

O Estado, a crise e os bancos

O que não se viu nesse processo de ajuda governamental às instituições financeiras em crise nos EUA e Europa, foi uma ação mais incisiva do Estado em tomar assento nos conselhos de administração e mudar a gestão dos bancos. Na prática, romper com a irresponsabilidade das gestões até a véspera da crise.

A avalanche de notícias a respeito da crise econômico-financeira a cada dia, a cada hora, é tão grande que às vezes perdemos a capacidade de avaliar o processo de forma mais abrangente. No entanto, uma questão que surge de forma recorrente, e confirma um dos traços característicos da crise atual, é a relação dos governos com os bancos. Em especial, no caso, com as instituições financeiras que apresentam dificuldades de caixa e que ameaçam “quebrar”, como se diz no jargão dos operadores do mercado. Aliás, eis uma boa imagem para descrever o processo de falência.

O modelo adotado pela grande maioria dos países do mundo capitalista incorpora, na verdade, o risco e a probabilidade da falência dos bancos. A regulação e a fiscalização do mercado bancário por uma autoridade monetária – ao estilo do Banco Central – é a expressão de tal incerteza.

Com o agravante de que as instituições financeiras, cada vez mais nos últimos tempos, passaram a exercer um papel estratégico na manutenção da ordem social e econômica em todo o mundo globalizado. Na prática, converteram-se em um foco particular de poder não eleito pelo povo, assim como ocorreu também com os grandes meios de comunicação. Daí a generalização de uma a expressão - “ditadura do mercado financeiro” – que bem representa esse fenômeno de nossos tempos.

O processo de fusão e concentração nesse ramo tão especial da economia – seja nos níveis local, regional ou mundial – terminou por gerar “criaturas” que escaparam a todo e qualquer controle de seus “criadores”, se é que podemos pensar numa analogia com os mitos do tipo do Frankenstein. A idéia subjacente era de que, também nas finanças, para ser eficiente era necessário ser grande, monstruoso mesmo. E logo em seguida, a realidade começou a pressionar em direção a outra lenda: aquela que ficou conhecida em inglês como “too big to fail”. Ou seja, grande demais para quebrar. Uma sutil ameaça velada que passou a pairar sobre a cabeça dos governantes, em uma operação coordenada a partir da divulgação dos interesses dos dirigentes dessas mega-corporações do mundo financeiro. E assim estaria fechado círculo vicioso da pseudo-perenidade dos hiper oligopólios: foram estimulados pelo próprio poder público a crescer, a ponto de não poderem mais quebrar sob pena de colocar o sistema “em risco”!

A hegemonia político-ideológica conservadora exercida ao longo de três décadas de supremacia da ordem neoliberal contribuía ainda mais para que esse estado de coisas parecesse imutável e inquestionável. As universidades, em sua maior parte, formavam seus alunos já sob esse novo paradigma, com a incorporação dos modelos neo-clássicos carregados de fórmulas econométricas e pouca capacidade analítica ou crítica. As organizações multilaterais como FMI, Banco Mundial e similares cumpriam papel estratégico na formulação e implementação dos dogmas do tristemente famoso Consenso de Washington. A grande imprensa não oferecia espaço, via de regra, para outras vozes interpretativas da crise que se anunciava há tempos. No entanto, apesar de todo esse arcabouço em defesa do sistema, o fato é que o modelo, além de injusto e desigual, era inviável no médio e no longo prazos. A História – que não havia chegado a seu fim como previra Fukuyama – encarregou-se de demonstrar a falência do modelo.

Criou-se o mito de que os grandes bancos deveriam ser intocáveis, para o que contavam com a demagogia tão difundida a respeito da suposta necessidade de Bancos Centrais “independentes”. E mais do que isso: eles não poderiam quebrar, pois operavam em áreas vitais para o sucesso da política econômica levada acabo pelos Estados. Há vários exemplos sintomáticos: i) o financiamento das dívidas públicas através das compras de títulos públicos; ii) a presença ativa no mercado cambial (definição da taxa de câmbio) seja comprando ou vendendo moeda estrangeira; iii) o papel essencial na definição da taxa de juros nas operações de crédito e empréstimo na ponta, para empresas e indivíduos; iv) a ação de peso no chamado mercado de derivativos, onde são definidas as grandes tendências especulativas de futuro para todo tipo de papel ou título financeiro em que se queira apostar. Em poucas palavras, o recado era claro: não mexam com os bancos e demais instituições financeiras, pois eles detêm tamanho poder que são capazes de criar instabilidade e provocar ruídos políticos para qualquer que seja o governo de plantão.

A partir dos eventos de 2008 nos Estados Unidos e seus desdobramentos para a Europa e o resto do mundo, a questão bancária ganhou o foco das atenções. Aqueles que eram considerados sólidos e robustos passaram a quebrar em seqüência. Frente ao risco da chamada “crise sistêmica” generalizada, os governos foram chamados a adotar uma postura mais pró-ativa, uma vez que as evidências gritavam a respeito da incapacidade do “mercado” em resolver a crise apenas por suas próprias regras de oferta e demanda. Era um simplismo exagerado tratar os mastodontes do mercado financeiro como agentes de um mercado da batatinha dos manuais de micro-economia.

Lá se foram Lehman Brothers, Citibank e tantos outros em uma primeira onda há 3 anos atrás. A ajuda do governo Obama ao sistema financeiro superou a cifra do US$ 1 trilhão. Agora os holofotes giraram para o espaço europeu e suas instituições bancárias. A bola da vez foi o banco Dexia, de origem franco-belga-luxemburguesa. Uma operação coordenada pelos governos dos 3 países e pela União Européia foi avaliada em garantias concedidas no valor de 90 bilhões de euros para assegurar a solvência da instituição.

A questão que se coloca não é tanto a respeito de se ajudar ou não os bancos, com o intuito de evitar sua falência. Talvez o ponto mais polêmico esteja associado aos mecanismos adotados e às cifras utilizadas para tanto. Afinal, os bancos operam com recursos de terceiros, inclusive de pequenos empresários, assalariados, trabalhadores, servidores públicos, camponeses e pensionistas. A postura de “deixa quebrar que eu não tenho nada a ver com isso” talvez não seja a mais adequada. Quando um banco quebra, não são os detentores das grandes fortunas que sentem os maiores prejuízos. Na maioria dos casos, eles detêm informação privilegiada e meios suficientes para salvar a própria pele. Já com os pequenos e médios correntistas ocorre exatamente o contrário: como estes não têm muita escolha e são os últimos a saber das dificuldades, acabam por se revelar como os grandes perdedores.

O que não se viu nesse processo de ajuda governamental às instituições financeiras foi uma ação mais incisiva do Estado em tomar assento nos conselhos de administração e mudar a gestão dos bancos. Em geral, os governos estão apenas injetando recursos (públicos!!) nas instituições e deixando a administração privada livre para encontrar as saídas que quiserem para a crise. Apesar da aparência de discurso progressista e preocupado com a ordem social, trata-se na verdade de um suposto keynesianismo completamente às avessas, sem pé nem cabeça. Sim, pois uma coisa é o Estado aumentar seus gastos em áreas que impulsionam a demanda, gerando emprego e renda. Outra, sem nenhum sentido, é promover a elevação dos gastos públicos, dirigindo-os aos caixas dos bancos privados, sem nenhum controle de como será sua gestão.

Caberia aos governos, em tais circunstâncias, condicionar a recuperação das instituições financeiras à alteração da maioria nos órgãos de decisão das mesmas. Na prática, romper com a irresponsabilidade das gestões até a véspera da crise. E com isso adotar medidas importantes e exemplares, tais como: i) a eliminação dos altos salários e bônus pagos aos próprios dirigentes; ii) a separação dos ativos bons e dos ativos podres para evitar a contaminação de uns pelos outros; iii) a identificação das operações fraudulentas e especulativas levadas a cabo pelas gestões anteriores e transformar esses casos em dossiês para incriminação judicial; entre tantos outros.

Assim, dessa forma, a sociedade poderia identificar as boas razões que justificariam a injeção de recursos orçamentários para recuperar a saúde financeira das instituições e apresentar um horizonte futuro de nova modalidade de gestão dos bancos. Recuperar a faceta pública da atividade de intermediação bancária e financeira. Uma orientação que se descole da ação associada à especulação e que se traduza pela recuperação das funções clássicas de tais entidades: recolher depósitos do grande público e oferecer crédito e empréstimos em condições de responsabilidade e sustentabilidade.

Caso contrário, ficaremos na situação atual, em que a opinião pública condena qualquer tipo de ajuda ao sistema financeiro, pois identifica nele - de forma correta, aliás! – uma verdadeira forma de ditadura que se exerce sobre o conjunto da sociedade. Isso porque se revolta contra a injustiça gritante com que a maioria dos governos vêm tratando seus recursos orçamentários. De um lado, rigor e austeridade nas despesas de natureza social como saúde, educação, previdência e outras. Cortes dolorosos! E de outro lado, a generosidade e a complacência para com a irresponsabilidade dos dirigentes dos bancos, que recebem somas incalculáveis de recursos orçamentários, sem qualquer exigência de contrapartida. Salvar por salvar! Com isso, realmente fica difícil escapar da imagem de dinheiro público sendo jogado fora! Ou melhor, dirigido para os eternos beneficiários da ação do Estado, seja na crise ou no período de bonança.


*Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Não podemos ceder ao possível

A ditadura resultante do golpe de 1964 segue sendo o grande trauma do povo brasileiro. Enfrentar a verdade é nosso desafio histórico

Editorial da ed. 450 do Brasil de Fato

A “política como a arte do Possível” é o fundamento que justifica toda a lógica dos que recusam uma luta quando a correlação de forças se mostra desfavorável.

Para os que apostam em transformações sociais profundas, a política deve ser a arte de “tornar possível o que se aparenta impossível”.

Realmente existem correlações de forças que aparentam impossíveis de serem confrontadas. E muitas vezes, a habilidade de um lutador do povo reside justamente em reconhecê-las. Saber recuar, quando isso implica em preservar forças. Porém, a lógica da política como “arte do possível” encerra uma grande armadilha.

O debate retoma com o episódio da Comissão da Verdade. As intensas pressões das forças conservadoras incidiram no Congresso Nacional para descaracterizar o projeto do governo. E não poderíamos esperar nada diferente.

É certo que mesmo o projeto original continha sérios limites. Mas, em geral, na prática fica para a Presidência da República definir seu prazo de abrangência, prazo de duração, escolha dos membros e definição do orçamento.

Mas um ponto é especialmente grave: o dispositivo que nega peremptoriamente que os dados, informações e documentos sigilosos que chegarem ao conhecimento da comissão não poderão ser levados ao conhecimento de terceiros, ficando os integrantes da comissão responsáveis pela guarda do sigilo.

Este é um ponto inaceitável. O parágrafo 2°, do artigo 4º que dispõe que “os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo”, deve ser totalmente suprimido pela necessidade de amplo conhecimento pela sociedade dos fatos que motivaram as graves violações dos direitos humanos.

Da supressão desse dispositivo depende, também, que a Comissão Nacional da Verdade possa contribuir para a produção da Justiça. Afinal, se esses dados sigilosos não puderem ser conhecidos por terceiros, não poderão ser conhecidos pelo Ministério Público, o que garantirá de antemão a impunidade dos responsáveis por sequestros e desaparecimentos, ocultação de cadáveres e supressão de documentos.

Não são pontos secundários de que possamos abrir mão para não enfrentar as forças reacionárias. Uma Comissão Nacional da Verdade que não é obrigada a revelar a verdade perde seu sentido.

Isso significa que não estaremos construindo uma memória da sociedade, mas da Comissão. Significa que essas informações não poderão constar do relatório; que não poderão chegar ao conhecimento do Ministério Público. Significa que a impunidade estará protegida. É a descaracterização do significado principal de uma Comissão da Verdade.

E não podemos nos contentar com tais limites com o argumento de que essa é a Comissão da Verdade possível na atual correlação de forças. É possível pressionar e lutar. E a luta está em curso. Diversos setores populares reforçam o abaixo assinado exigindo mudanças no Projeto de Lei n. 88/2011 no Senado, para que a Comissão da Verdade apure os crimes da Ditadura com autonomia e sem sigilo.

Como diz o texto do abaixo assinado: “presidenta Dilma Rousseff poderá passar à história como aquela que ousou dar início a uma investigação profunda dos crimes da Ditadura Militar, como subsídio para a punição dos agentes militares e civis que praticaram torturas e assassinatos e promoveram o terrorismo de Estado, bem como sustentáculo indispensável da construção da memória, verdade e justiça em nosso país”.

Mas sem pressão, contentando-se, desde já, com os limites do projeto apresentado pelo governo, sofreremos ainda mais recuos, embalados sempre pelo argumento de que é melhor aceitar para não perder ainda mais.

Da mesma forma, devemos seguir lutando para que se cumpra integralmente a sentença da Organização dos Estados Americanos – OEA, no caso da Guerrilha do Araguaia.

A ditadura resultante do golpe de 1964 segue sendo o grande trauma do povo brasileiro. Enfrentar a verdade é nosso desafio histórico. Não podemos nos contentar com o possível. O verdadeiramente possível se constrói na luta pelo necessário.

Pitbull da Veja ataca José de Abreu

Por Altamiro Borges

As badaladas "marchas contra a corrupção", ocorridas no feriado de ontem (12) em algumas capitais, tem gerado intensa polêmica na velha mídia e nas redes sociais. O clima esquentou e alguns fascistóides, inclusive, partiram para a baixaria - o que poderia até resultar, e seria bom, em processos judiciais.

Os jornalões, que costumam esconder qualquer protesto popular, deram destaque para o assunto nas suas edições de hoje. "Calunistas" avessos às passeatas ou greves - tratadas sempre como "badernas que tumultuam o trânsito" - não esconderam sua simpatia militante pelas marchas de ontem. Já nas redes sociais, muitos ativistas digitais denunciaram os "protestos" como manobra da direita golpista.

O real significado das "marchas"

As motivações e a real força destas marchas ainda demandarão muita reflexão. Hoje mesmo, num excelente seminário sobre comunicação promovido pela CUT do Rio de Janeiro, vários presentes abordaram o tema com preocupação. O deputado petista Robson Leite, um ativo participante da luta pela democratização dos meios de comunicação, foi duro nas críticas.

Para ele, as tais "marchas" são incentivadas pela mídia direitista e são perigosas para a democracia. Negam os partidos e os sindicatos, fazem a escandalização da política e atentam contra as instituições democráticas da sociedade. Robson coloca em dúvida a "espontaneidade" destas manifestações, lembrando que lideranças da oposição de direita e a mídia tentam usar parcela da juventude como bucha de canhão. A ditadura no Brasil e o nazifascismo na Europa também nasceram com o discurso da negação da política.

Mídia lamenta o refluxo

O tema é polêmico. De consenso, até a própria mídia concorda que as marchas do Dia da Padroeira diminuíram de tamanho. Alguns jornais falam em 30 mil participantes, outros em 20 mil, mas todos os veículos lamentam que o ímpeto das marchas do 7 de setembro refluiu. E olha que as emissoras de televisão, especialmente a TV Globo, os jornalões e as revistonas se esforçaram para mobilizar gente.

Só alguns malucos da mídia é que insistem em dizer que as marchas foram um sucesso. Um deles, talvez o mais patético, é Reinaldo Azevedo, o tucano fascista da Veja que acha que o PSDB é muito moderado e que o terrorista George Bush é um "pacificador". E o pitbull não aceita críticas. Ele se acha. Parece que está doente! Precisa ser internado urgentemente!

O "vagabundo metralha"

Diante das críticas bem-humoradas e irônicas à "marcha" do ator José de Abreu - ativista das redes sociais e reconhecido pela sua dignidade e coragem na luta pela democracia e justiça social no Brasil -, Reinaldo Azevedo partiu pra baixaria. Sem citar seu nome, talvez com medo de um processo, o pitbull esbravejou em seu blog na revista Veja:

“Até um ator do terceiro ou quarto escalão da TV Globo, que vive de braços dados com notórios detratores da emissora, um desclassificado que deve estar lá por conta de alguma cota (partidária talvez), um mamador asqueroso de dinheiro público, até esse vagabundo petralha decidiu atacar as marchas contra a corrupção. E, de quebra, me xingou também porque, como é público e notório, apóio os protestos. Urubus quando se sentem ameaçados vomitam e começam a soprar nervosamente. É o caso desse asqueroso: sempre fazendo o trabalho de sopro. Um ladrão que vive de joelhos!”

Nem os Irmãos Metralha aceitariam este "vagabundo" como membro da sua gangue. Ele é muito "asqueroso"! Toda a solidariedade a José de Abreu - inclusive num processo contra o pitbull da Veja.