segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Bate-boca entre parlamentares no plenário vai ao Supremo

“Um dano moral não tem dinheiro que cubra, mas é bom que ocorra uma condenação em dinheiro para inibir que outros políticos façam a mesma coisa.”
Bate-boca entre parlamentares no plenário vai ao Supremo
Os nobres parlamentares brasileiros terão que pensar duas vezes antes de partir para o ataque verbal a seus desafetos. Pelo menos aqueles que não quiserem correr o risco de perder dinheiro. É que bate-bocas durante a discussão de projetos ou debates políticos podem obrigá-los a indenizar aquele que se sentir ofendido.

A justificativa da imunidade no exercício da função — prevista nos artigos 29 e 53 da Constituição Federal — já não é garantia de liberdade de dizer tudo o que quiser. A palavra final sobre o assunto será dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará um recurso envolvendo dois vereadores de Tremembé (SP).

A briga entre os vereadores começou no plenário da Câmara da cidade em maio de 2001 e, ao longo dos últimos 10 anos, percorreu o fórum de Tremembé, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, desde 25 de março, está no STF nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello.

Ao julgar o recurso, os ministros decidirão que tipo de manifestação está protegida pela imunidade parlamentar. A regra será aplicada a todas as ações semelhantes no órgão e servirá como orientação para os juízes e desembargadores do país.

A discussão tem como pano de fundo uma representação feita pelo então vereador Sebastião Carlos Ribeiro das Neves contra o prefeito da cidade. Por isso, Sebastião teve a honestidade questionada durante uma reunião plenária.

“Podia ser de qualquer um, qualquer outra pessoa que tem o direito, mas não dessa pessoa que apoiou a ladroagem, que apoiou a sem-vergonhice, que apoiou a corrupção até o último minuto. Que moral essa pessoa tem? Nenhuma”, teria dito o colega de plenário José Benedito Couto Filho, segundo o texto da ação.

Batalha

Enquanto os ministros do Supremo não definem se as palavras de José Benedito são passíveis de indenização, os ex-vereadores se valem de decisões favoráveis a eles para tentar vencer a batalha judicial. Na primeira instância, o “ofensor” saiu vitorioso.

Ao julgar a ação em julho de 2002, a juíza Claudia Calles Novellino Ballestero a considerou improcedente por se tratar de declarações feitas durante o exercício parlamentar. O processo foi parar no TJ, por meio de um recurso apresentado por Sebastião Ribeiro, que conseguiu convencer os desembargadores de sua teoria.

“São ofensivas as investidas que recebeu, as quais extrapolaram as imunidades parlamentares ou o direito de palavra previsto constitucionalmente, de maneira que não se pode entender como mero aborrecimento o ocorrido”, afirmou o relator da ação no TJ, desembargador Joaquim Garcia.

A indenização pedida há 10 anos foi de 100 salários mínimos. Em janeiro de 2009, no entanto, o valor foi reduzido para R$ 45 mil pelo TJSP. O advogado de Sebastião Ribeiro, Luiz Carlos Pontes, minimizou a redução da quantia.

“Um dano moral não tem dinheiro que cubra, mas é bom que ocorra uma condenação em dinheiro para inibir que outros políticos façam a mesma coisa.” O advogado de José Benedito, Marco Antonio Queiroz Moreira, não foi localizado pela reportagem.

Voto distrital é curral eleitoral; por isso é preciso derrotá-lo

Editorial do Vermelho

Em tempos de reforma política os conservadores, como não poderia deixar de ser, querem puxar a brasa para sua sardinha e uma campanha pelo voto distrital começa a se delinear, puxada por setores atrasados da burguesia e da classe média alta, para reunir um milhão de assinaturas em um abaixo assinado em defesa dessa forma restritiva de votar.

As alegações em sua defesa são irrisórias e frágeis. Dizem que é uma forma de votar que reduz a corrupção, aproxima o eleitor de seu representante, e aumenta o poder de decisão do cidadão.

Estas alegações beiram a má-fé ou a ignorância. O voto distrital já foi usado no Brasil no Império e na República Velha, sendo condenado por impedir a representação das minorias, rebaixar a representação parlamentar (os deputados estaduais e federais passam ligar-se mais às questões paroquiais de seu distrito e menos aos grandes temas coletivos e nacionais), e por transformar os distritos em verdadeiros currais eleitorais comandados por notáveis de aldeia.

A principal característica (e defeito fundamental) do voto distrital é a inevitável distorção da representação política que ele representa. Em artigo recente, publicado no Valor Econômico, o analista político Alberto Carlos Almeida dá a base matemática dessa distorção. Um partido pode eleger a maioria dos deputados federais obtendo apenas 25% dos votos populares: para isso ele precisa obter metade dos votos (50%) em metade dos distritos (50%). Metade da metade dos eleitores – isto é, um quarto deles.

Esta é a matemática eleitoral perversa que conduz, em todos os países que usam esta maneira de voto pouco democrática (particularmente Estados Unidos e Inglaterra) a um sistema de dois partidos, no máximo três, sem chance de representação política para outras correntes opinião, que ficam obrigadas a acomodar-se a um destes partidos e a submeter-se a seus caciques se quiserem ser agraciadas com pelo menos um candidato para apresentar suas ideias perante o eleitorado.

O voto distrital destrói os partidos e falsifica as eleições. Esteriliza votos de opinião que se apresentam geralmente dispersos geograficamente e pouco concentrados em distritos. Mesmo alcançando 10% dos votos nacionais uma corrente de pensamento A estará fora da representação parlamentar pois os 10% de um distrito não se somam aos 10% de votos nos demais distritos, sendo assim literalmente jogados fora. Em consequência, os 10% de eleitores que concordam com aquela corrente de pensamento A são radicalmente excluídos da representação parlamentar e destituídos de voz nos assuntos nacionais.

Um artigo publicado na retrógrada e direitista Veja (7/9/2011) apresenta outro argumento a favor do voto distrital: ele destrói a representação operária e popular: as bancadas de deputados ligados a sindicatos (ou aos movimentos sociais, poderia ter acrescentado) ficariam severamente reduzidas; 35 deputados ligados a sindicatos teriam deixado de serem eleitos em 2010 se o voto fosse distrital.
O autor daquele artigo comemora como uma “vantagem” o fato de que os votos de uma base operária dispersa enfraqueceriam “o pode de fogo” de um candidato ligado a um sindicato. O partido mais prejudicado na eleição passada, caso o sistema de voto fosse o distrital, teria sido o PT, que elegeria menos oito deputados federais; o PCdoB teria deixado de eleger cinco, reduzindo sua bancada de 15 para 10 parlamentares.

O voto distrital (puro ou misto) é um retrocesso eleitoral que favorece os conservadores, a direita, o poder econômico, os interesses locais e os caciques partidários. Por isso, precisa ser combatido com vigor por todos os democratas. É conhecida a opinião de Tancredo Neves que, no ocaso da ditadura militar, rejeitou esta forma de votar pois levaria à eleição do padre, do comerciante, do prefeito, das notabilidades paroquiais, para a Câmara dos Deputados, amesquinhando o tratamento político das grandes causas sociais. Tancredo Neves raciocinava de olho na experiência distrital do Império e da República Velha com seus currais eleitorais oligárquicos aos quais se reduzem, lembrou Walter Sorrentino, em artigo recente, os distritos eleitorais.

Alega-se que o voto distrital aproxima o eleitor do eleito e limita a manifestação do poder econômico. Não é verdade. Os distritos eleitorais, em São Paulo, teriam 430 mil eleitores – fazendo parte de unidades imensas com algo com algo em torno de 600 mil habitantes. Daí a pergunta: onde, em unidades tão grandes, existe a tal proximidade entre o eleitor e o eleito, mesmo tratando-se de vereadores?

Além disso, a proximidade "geográfica" é artificial; ela só é efetiva quando há coincidência programática e de pensamento, facilitada no âmbito partidário, e não municipal ou distrital. Além disso, todo parlamentar, não importa o sistema eleitoral (distrital ou proporcional), está naturalmente em constante contato com sua “base”.

Quanto ao poder econômico, a experiência do voto distrital pelo mundo afora mostrado o contrário do que se alega: no distrito, ele fica mais concentrado e é exercido de forma mais efetiva, esmagando oponentes mais pobres. Era o combustível do mando oligárquico nos velhos currais coronelísticos do Império e da República Velha.

Há mais de 150 anos, em 1868, o escritor e político do Império, José de Alencar, se insurgiu contra o sistema distrital (a “lei dos círculos” de então) defendendo la superioridade do voto proporcional (o modelo que o Brasil adotou a partir da década de 1930). “É evidente”, escreveu, “que um país estará representado quando seus elementos integrantes o estiverem na justa proporção das forças e intensidade de cada um.”

O autor de O Guarani tinha razão. O princípio democrático mais efetivo é aquele que garante a participação política de cada corrente de opinião na medida de sua força social e política. E, à medida que a democracia se aprofunda e consolida, este princípio – representado pelo sistema proporcional – garante a ampliação da participação de candidatos e partidos ligados ao povo, à sua luta e aos seus interesses.

Daí o desespero dos setores mais conservadores e reacionários, dos sem voto ou com voto declinante, em impor um sistema de votação no qual, com pouca representatividade política, possam continuar exercendo um poder político que não corresponde mais à sua expressão na sociedade. Quem defende o voto distrital são estes com voto declinante que pretendem barrar, no tapetão legislativo, a livre e ampla expressão da maioria do povo e dos trabalhadores. Precisam ser denunciados e suas pretensões derrotadas, em benefício da consolidação e avanço da democracia.

Minhas lembranças do 11 de setembro

Por Emir Sader

Não era a primeira vez que eu despertava com o ruídos dos aviões sobrevoando a região. Dois meses e meio antes, no final de junho, tinha vivido essa circunstância angustiante. Tinha descido correndo até o Palácio da Moeda, que ficava a duas quadras do prédio de apartamento central onde eu morava.

A imagem era a que voltaria a presenciar poucas semanas depois: tropas cercando o palácio presidencial. Setores das FFAA mais radicalizados forçavam o resto das instituições militares a acelerar o golpe em preparação. Mas as condições não estavam dadas, a tal ponto que o Comandante-em-chefe das FFAA ainda era leal a Allende – Carlos Prats, que percorreu todos os quarteis rebelados e, com argumentos e força moral, conseguiu a rendição dos golpistas.

Nessa noite, com a Praca da Constituição, em frente ao Palácio da Moneda, mais lotada do que nunca, Allende optou por consagrar as autoridades militares vigentes, não apenas, com justiça, a Prats, mas aos comandantes das outras armas, suspeitos de estar nas articulações golpistas. Estes seguiram seus planos, conseguiram tirar Prats e substituí-lo por Pinochet que passou, agora de dentro do governo mesmo, a articular o golpe.

No dia 4 de setembro, aniversário da vitória eleitoral de Allende, três anos antes, a maior multidão que o Chile tinha conhecido saiu às ruas para expressar seu apoio ao governo. Mas nada brecou as articulações golpistas. Quando Allende se preparava, dia 11 à noite, para fazer um pronunciamento ao país em rede de radio e televisão, os militares golpistas, alertados por Pinochet, anteciparam o golpe, aproveitando-se também das manobras militares de um porta-aviões norteamericano, no porto de Valparaíso.

Assim, poucas semanas depois, voltei a ser acordado pelo zumbido dos aviões sobrevoando. Desta vez não havia dúvidas que era uma nova tentativa de golpe, desta vez a definitiva. Desci da mesma maneira e fui à Praça da Constituição. Desta vez o Palácio da Moeda estava cercado por um contingente claramente maior de tropas.

Santiago já estava sendo ocupada, Valparaíso era a sede do movimento golpista, que tomava as rádios e TVs e Pinochet anunciava o ultimato a Allende, com prazo do meio dia, hora em que o Palácio da Moeda seria bombardeado. Paralelamente mandaram a Allende a proposta de que ele abandonasse o Palácio, com seus parentes, para ser enviado por helicóptero ao exterior. Ressoou por toda a Cordilheira o palavrão com que Allende rechaçou a oferta dos golpistas.

Allende se dirigiu pela última vez ao povo na rádio da central sindical, seu famoso discurso em que nanuncia que “mais cedo do que se imagina as grandes alamedas da democracia se reabrirão no Chile”. E seguiu resistindo, a partir da janelinha mais alta do Palácio, de onde se dirigia ao povo, com o capacete que os mineiros tinham dado a ele a o fuzil soviético AK-47 que Fidel tinha lhe presentado. Allende, um pacifista por excelência, empunhava armas para defender a democracia e o mandato que o povo lhe havia concedido.

O prazo foi adiado um pouco, mas finalmente os caças bombardeiros ingleses despejaram todo seu poder de fogo sobre o palácio presidencial, símbolo da extraordinária continuidade democrática chilena, só rompida, até ali, em dois breves momentos, desde 1830. A imagem que se reproduz sempre é significativa do que se vivia naquele momento: um presidente legitimamente eleito pelo povo chileno, cercado pelos militares golpistas, bombardeado, como resultado de um complô que tinha se iniciado assim que Allende ganhou as eleições, antes mesmo que tomasse posse.

Em reunião no Salão Oval da Casa Branca, Agustin Edwards, proprietário do jornal El Mercurio, se reuniu com Nixon e com Kissinger, começando a planejar o golpe. Kissinger afirmou que era preciso “salvar o povo chileno das suas loucuras”. Essa articulação desembocou no golpe, na destruição da ditadura chilena e na instauração do regime mais feroz que o Chile conheceu.

Allende preferiu o suicídio a abandonar o Palácio vivo. Neruda morre poucos dias depois de 11 de setembro. Victor Jara teve seus pulsos amputados e morreu no então Estadio Chile, rebatizado no fim da ditadura como Estadio Victor Jara. Milhares de pessoas foram presas, torturadas, assassinadas, desaparecidas, exiladas. A democracia chilena foi destruída, com ela o Parlamento, a Justica, os sindicatos, os partidos políticos, a imprensa democrática.

Tudo começou naquele 11 de setembro. Fui detido, junto com outros brasileiros, numa delegacia de polícia, assim que o toque de recolher foi suspenso e pudemos sair à rua. O Estádio Chile estava superlotado, não sabiam o que fazer com tanta gente esperando nas delegacias. Antes que voltasse o toque de recolher, liberaram uma parte dos presos, com o que pudemos ser liberados. Há 38 anos. O Chile começava a viver apenas o início do inferno de terror da ditadura pinochetista.

As dúvidas sobre a morte de Pablo Neruda

No dia 11 de setembro de 1973, quando o governo de Salvador Allende foi derrubado por um golpe de estado liderado por Augusto Pinochet, a casa de Pablo Neruda, na Isla Negra, foi saqueada e seus livros, queimados. Enquanto tudo isso ocorria, o poeta estava no hospital, afetado por um câncer de próstata. Desde que escutou no rádio as últimas palavras de seu amigo Salvador Allende, Neruda foi se apagando aos poucos. Finalmente morreu no dia 23 desse mês fatídico.

Em 11 de setembro de 1973 o governo de Salvador Allende é derrubado por um golpe de estado protagonizado por Augusto Pinochet, durante o qual a casa na Isla Negra do poeta prêmio Nobel de Literatura Pablo Neruda é saqueada e seus livros, queimados. Enquanto tudo isso ocorre, o poeta está no hospital, afetado por um câncer de próstata, moribundo, e pede notícias. Às vezes consegue dormir, às vezes delira. Desde que escutou no rádio as últimas palavras de seu amigo Salvador Allende, Neruda foi se apagando aos poucos. Finalmente morreu no dia 23 desse mês fatídico.

“Dos desertos do salitre, das minas submarinas de carvão, das alturas terríveis onde se faz o cobre e de onde é extraído com trabalhos inumanos das mãos de meu povo, surgiu um movimento libertador de magnitude grandiosa. Esse movimento levou à presidência do Chile um homem chamado Salvador Allende, para que realizasse reformas e tomasse medidas de justiça inadiáveis, para que nossas riquezas nacionais fossem resgatadas das garras estrangeiras”, escreveu Pablo Neruda. A oito dias do golpe de estado no Chile, o poeta era transportado de ambulância da sua casa na Isla Negra, um pequeno povoado na costa da zona central, situada a uns poucos quilômetros ao sul de Valparaíso, até a Clínica Santa María, de Santiago.

No estado de saúde delicado em que se encontrava o poeta e ex-senador do Partido Comunista chileno, seus pensamentos naquele dia não podiam deixar de estar submetidos à tristeza pelo que havia ocorrido no país que, de imediato, transformou-se numa nação onde a crueldade se vivia nas ruas, com milhares de pessoas mortas ao longo do país.

O câncer que afetava Neruda tinha se agravado depois do golpe e a partir da violência dos militares que também tinham invadido a casa que o poeta tinha em Santiago.

O embaixador do México no Chile reservou uma peça de sua casa para o poeta e político na Clínica Santa María. Na ambulância, sua mulher, Matilde Urrutia, o acompanhou. Atrás da ambulância um fiat branco 125 o seguia, conduzido por seu chofer, Manuel Araya.

Cinco dias depois, em 23 de setembro, Pablo Neruda morre, segundo os médicos, devido ao seu câncer. Agora, há quase 40 anos, o motorista, Manuel Araya, afirma que Pablo Neruda foi assassinado por agentes do regime militar, como o assegurou, numa entrevista publicada na revista mexicana Proceso, o que provocou uma polêmica inevitável.

No quarto estúdio em sua casa, onde há um quadro com a imagem de Neruda e uma série de livros com suas obras, Araya, em seus 65 anos e calvo, com cabelos grisalhos do lado, aumenta a voz para relatar sua versão dos fatos, quando afirma que Neruda foi transportado para a clínica não por seu estado delicado de saúde, mas para esperar um avião que, em 24 de setembro o levaria para o México, em direção a um autoexílio, devido à tragédia que se desencadeava nas ruas chilenas por esses dias, contra quem fizesse parte do governo de Allende, simpatizantes, parlamentares de governos, dirigentes sindicais e sociais e gente dos setores mais pobres.

Araya acredita que o escritor tinha recebido sua injeção letal no estômago. O ex-motorista assegura além disso que Matilde Urrutia não quis dar início a ações legais, por medo de perder seus bens. “Por volta das quatro da tarde entrou um médico na casa e lhe deu uma injeção. Fomos arrumar nossos pertences e, quando chegamos na clínica Neruda tinha como que uma mancha roxa no estômago. Entrei no banheiro para lavar o rosto, quando chegou um médico e me mandou comprar um remédio”, disse o ex-motorista.

Esta hipótese não é absurda para o senso comum de muitos chilenos, pois o ex-presidente democrata cristão, Eduardo Frei, também morreu num hospital, em 1982, depois de ter recebido uma injeção letal dos agentes dos serviços de inteligência do regime militar. Mas o certo é que a versão relatada por Araya em pouco tempo foi desvirtuada por amigos e biógrafos de Neruda. Darío Oses, chefe da biblioteca da Fundação Neruda, diz que o poeta morreu por motivos de saúde.

Jaime Quezada, diretor das oficinas de poesia da fundação, tampouco dá crédito ao motorista. “Eu entreguei alguns papéis para a fundação mas não aconteceu nada. Além de sua própria doença, Neruda estava emocionalmente afetado e isso deve ter influído em sua morte”.

A mesma fundação, em junho passado, emitiu um comunicado público no qual nega a tese de assassinato. “Não existe evidência alguma nem prova de natureza alguma que indiquem que Pablo Neruda tenha sido morto por uma causa distinta do câncer em estado avançado que o acometia”.

De todo modo, o alvoroço das declarações do ex-motorista produziu o efeito concreto de iniciar uma investigação judicial a cargo do juiz Mario Carroza, que acolheu a representação do Partido Comunista chileno. Araya se mostrou satisfeito com a decisão da Justiça, pois disse que passou “anos batendo em portas e ninguém me escutou. Sempre pensei que morreria e esta verdade não seria revelada”.

“Estou à disposição de tudo o que venha pela frente: não tenho medo porque tenho a verdade. Aqui não há ninguém mais que tenha a verdade, porque eu sou o único, eu vivi os últimos dias com ele”, foi um dos comentários de Araya aos meios de comunicação, depois que ficar sabendo da abertura do processo judicial.

Por sua vez, o juiz Carrroza disse que o informe que o Serviço Médico Legal do Chile a partir da análise forense dos restos de Neruda, é uma prioridade, visto que a partir deste documento serão fixadas as próximas diligências do caso, daí porque não se descarta pedir a exumação do corpo que está enterrado na sua residência em Isla Negra.

“Além da investigação que está a cargo da Brigada de direitos humanos, parece-nos necessário, e sobre isso se conversou com o Serviço Médico Legal, estabelecer os antecedentes médicos que existiam antes do câncer que ele tinha”, disse Carroza.

Assim, Araya não é o único dos chilenos que esperam tranquilamente as conclusões da investigação judicial, pois o informe final dirá se Neruda foi assassinado e, se confirmado, isso incentivará a cerimônia pública de despedida que mereceu, por parte do povo que tanto o amou e que ainda lê suas poesias, além de admirarem seu compromisso político e social e de sua amizade com outro grande, como Salvador Allende.

Tradução: Katarina Peixoto

As consequências do 11 de setembro

Por Thassio Borges, no sítio Opera Mundi:

Os ataques de 11 de setembro de 2001 se tornaram o estopim de uma nova estratégia militar dos Estados Unidos, popularmente conhecida como “Guerra ao Terror”. Também chamada de Doutrina Bush, em referência ao então presidente norte americano George W. Bush (2011-2009), a ofensiva gerou duas guerras além-mar, no Afeganistão e Iraque. O custo dos conflitos para os Estados Unidos, segundo pesquisa recente, superou os da Segunda Guerra Mundial (1943-1945).

Os dados foram divulgados no último mês de junho pelo projeto Cost of War, composto por especialistas da Universidade Brown, nos EUA. De acordo com pesquisadores, os norte-americanos já teriam gastado de 3,7 trilhões a 4,4 trilhões de dólares (quase sete trilhões de reais), mais do que 4,1 trilhões de dólares despendidos na Segunda Guerra. Os números também incluem valores gastos em conflitos no Paquistão.

Para a professora de História Maria Aparecida de Aquino, da USP (Universidade de São Paulo), as perdas norte-americanas com os conflitos não se resumem apenas às questões de ordem financeira. “Eles não ganharam nada e perderam uma coisa que não se ganha com facilidade. Na Primeira e Segunda Guerra Mundial, os EUA conquistaram dividendos econômicos, um ganho efetivo. No entanto, há coisas que você ganha ou perde e são muitos difíceis de serem mensuradas. É o que eu chamaria de capital moral”, afirmou.

Esse capital moral pode ser entendido como um respeito global que os Estados Unidos obtiveram por conta de suas atuações em conflitos anteriores e também por sua posição destacada no cenário econômico e político mundial. Foi esse capital moral, segundo a professora, que deu respaldo ao país para que este sustentasse posições muitas vezes questionáveis em organismos internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas). Ainda segundo ela, tal respeito da comunidade internacional tornou-se mais forte após a Segunda Guerra e foi abalado com os conflitos da Guerra ao Terror.

"Os EUA saíram da Segunda Guerra, juntamente com a União Soviética, como os responsáveis por livrar o mundo de algo que naquele momento era considerado muito negativo e, se expandido, tornaria o mundo pior: o fascismo e o nazismo. No entanto, esse capital moral foi perdido”, completou.

Guerra contra o Talibã

A guerra contra o Afeganistão foi uma resposta imediata aos atentados de 11 de setembro. Os EUA, contando com o apoio da Otan e de outros países ocidentais, como Reino Unido e França, invadiram o país em outubro do mesmo ano sob o pretexto de encontrar Osama Bin Laden, mentor dos ataques, enfraquecer a Al-Qaeda e remover do poder o regime Talibã, que teoricamente dava apoio ao grupo.

Após anos de conflitos, Hamid Karzai, cientista político afegão, chegou ao poder do país, apoiado pelos EUA. Sua reeleição, no entanto, foi considerada fraudulenta. Sem perspectivas para o país, e sob fortes críticas a respeito dos gastos destinados aos conflitos, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou que as tropas norte-americanas deixariam o país sistematicamente.

Flávio Rocha de Oliveira, professor de Relações Internacionais na UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), considera que a instabilidade no Afeganistão, gerada pela guerra, pode trazer consequências ainda mais sérias para os vizinhos da região. “Essa situação de instabilidade contagia o Paquistão, que tem armas nucleares. Parte do Talibã tem um ramal muito ativo dentro do território paquistanês, com o apoio de grupos étnicos e do serviço de inteligência do país”, afirmou. Ele acredita ainda que os EUA já trabalham com a hipótese de o Talibã voltar ao governo.

“Vende-se para o mundo a idéia de que as eleições foram fraudadas, mas que este governo dá o mínimo de estabilidade ao país. Estabilidade relativa, pois o Talibã ataca com frequência as forças do governo e também as norte-americanas. É provável, inclusive, que existam canais de negociação aberto entre o governo norte-americano e certos setores do Talibã, prevendo sua volta ao poder”, declarou.

Terror Internacional

Para justificar os conflitos e as invasões, os EUA se apoiaram à época no medo que dominava as principais potências mundiais. Segundo Aquino, foi vendida a ideia de que, a partir dos ataques, o terrorismo deixava de ser localizado para se tornar internacional.

“Os EUA tentaram mudar a concepção de terrorismo (a partir dos ataques). Todas as pessoas, nesta concepção, poderiam ser atingidas independentemente do local em que estivessem. Isso gerou muito medo, o que justificaria os atos cometidos pelos norte-americanos”, explicou a professora.

Wikicommons

Dessa forma, a Guerra ao Iraque não foi imediata aos ataques e começou em 2003. O objetivo oficial era remover o governo de Saddan Hussein, que estaria supostamente fabricando armas de destruição de massa. Apesar da oposição de certos setores contrários ao conflito, o medo falou mais alto e os EUA invadiram a nação árabe. No mesmo ano, Saddam Hussein, que havia fugido, foi capturado. Três anos depois, ele foi enforcado após ser condenado por um tribunal iraquiano.

Tanto os EUA quanto seus aliados, no entanto, não conseguiram restaurar a ordem do país. Isso fez com que diversas nações aliadas retirassem suas tropas do Iraque nos anos seguintes. A operação no país foi encerrada em agosto de 2010 e a expectativa é que toda a tropa deixe o país até o final de 2012.

Consequências

As consequências das guerras para o Iraque e Afeganistão foram terríveis. Para Aquino, a intervenção “desastrosa” dos EUA na região transformou um país em “uma cratera a céu aberto”, observou. “Mesmo que os EUA retirem todas as suas tropas, como será possível acabar com a guerra civil?”.

Para Oliveira, a estabilidade do Iraque está intrinsecamente ligada à situação do vizinho Irã, que a qualquer momento pode agravar-se. “O Iraque sofre a todo momento uma influência pesada do Irã. Não há estabilidade no país se não houver em alguns termos com o Irã”, explicou. Para ele, a retirada das tropas norte-americanas poderá levar a uma aproximação maior entre as duas nações que já estiveram em guerra na década de 80.

“Para o Iraque, com a retirada das tropas norte-americanas, o Irã se torna cada vez mais essencial para manter a estabilidade do país. Isso por conta do apoio econômico e político que o Irã oferece a varias lideranças políticas xiitas iraquianas”, explicou o professor.

A guerra entre os dois países (1980-1988) foi motivada, dentre outras coisas, pelo medo do presidente iraquiano Saddam Hussein, junto com outros países, que a Revolução Islâmica no Irã se espalhasse por outras nações de maioria xiita. Como o Iraque, por exemplo.

Com a saída de Saddam do poder, houve uma certa aproximação entre os dois países no que diz respeito, principalmente, aos setores compostos por maioria xiita. Dessa forma, uma crise no Irã poderia gerar uma instabilidade na população xiita iraquiana.

“Sabendo disso, os iranianos usam esta carta para mostrar aos EUA que caso eles os ataquem por conta do programa nuclear, o país poderá criar uma instabilidade forte dentro do território iraquiano”, acrescentou Oliveira.

Outro problema originado pelos conflitos, segundo o professor, foi o abalo nas relações entre os EUA e os países árabes. Para ele, o país entrou em guerras que não conseguiu resolver e levou instabilidade e medo para a região.

“A imagem de que os EUA sucedem os impérios coloniais europeus no Oriente Médio foi fortalecida. Isso criou ainda mais instabilidade, já que a população árabe passou a temer ainda mais as elites aliadas aos EUA, como Egito e Arábia Saudita, e estes por sua vez passaram a confiar ainda menos nos norte-americanos”, completou.

Crise Financeira

Para Aquino, a crise financeira que os EUA enfrentam nos últimos anos não pode ser atribuída apenas à Guerra contra o Terror. Segundo ela, no entanto, a crise atual tem sim relações com os conflitos dos últimos dez anos.

“Muito do que está acontecendo atualmente com os EUA, até pouco tempo atrás inimaginável, se deve a essa loucura que foi o investimento pesado nas guerras, particularmente a do Iraque”, explica a professora. “Afinal, quanto custa uma guerra?”, completa. Os EUA conhecem bem a resposta e ela, definitivamente, não é agradável ou otimista.

Regulação da mídia e o erro do governo

Por Daniel Cassol, no sítio Sul21:

A “ameaça à liberdade de imprensa” voltou a ser pauta nacional nesta semana, depois de o PT ter defendido, em seu 4º Congresso, o marco regulatório da comunicação. Debate travado há décadas no Brasil, a regulação do mercado das comunicações não avança pelo interesses das grandes empresas mas, também, pela ausência de uma proposta concreta do atual governo federal, que debate o tema há nove anos. A avaliação é do sociólogo e jornalista Venício Artur de Lima, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB).

“Na medida em que o governo não coloca na rua um projeto, ele próprio dá margem a que os interesses contrários a qualquer forma de regulação façam as mais estapafúrdias acusações”, aponta o pesquisador, em entrevista ao Sul21.

Autor dos livros “Mídia: Teoria e Politica” e “Regulação das Comunicações: História, Poder e Direitos”, entre outras obras, Venício Artur de Lima sustenta que o marco regulatório da comunicação é uma regulação do mercado, e não uma censura aos veículos de imprensa. Questões como a formação de monopólios e oligopólios, propriedade cruzada de meios de comunicação e controle de emissoras de rádio e TV por parlamentares precisam ser regulamentadas. ”O marco regulatório é uma regulação de mercado e a regulação do que já existe na Constituição, por exemplo, em relação a princípios e normas de programação, proteção de populações específicas como crianças em relação à publicidade, que existe no mundo inteiro”, explica.

Na entrevista, o pesquisador defende que o governo apresente logo a proposta, gestada pelo ministro Franklin Martins durante o governo Lula e trabalhada, este ano, pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Mas vê com pessimismo que as mudanças sejam aprovadas no Congresso Nacional. “Se você tomar como referência as duas últimas décadas, a possibilidade de haver alguma modificação no Congresso é muito difícil”, afirma.

Qual o significado de o PT ter defendido, em seu congresso, o marco regulatório da comunicação, apesar das notícias de que houve um recuo do partido?

Quem recuou na verdade foi o noticiário da mídia. Aqui em Brasília, provincianamente o Correio Braziliense, por exemplo, deu capa dizendo que o PT ia controlar a mídia. Ao invés de sair uma resolução, saiu uma moção. Na resolução política, saíram dois parágrafos, e mais ainda, na fala inicial do Rui Falcão (presidente do PT), o discurso de abertura tem um parágrafo e meio falando da questão da mídia. Para a mídia, não ter saído a resolução foi um recuo. Eu não sou do partido e não estava presente, mas não vi como recuo nenhum. O PT tirou uma posição do partido priorizando, colocando na agenda política a discussão da regulação da mídia.

Diz-se que o governo apresentaria uma proposta no segundo semestre. O senhor acredita nisso?

Passaram-se oito anos do governo Lula e a proposta do marco regulatório não aconteceu. No final do governo Lula, saiu um terceiro decreto pra fazer o projeto do marco regulatório, elaborado sob a coordenação do então ministro da Secretaria da Comunicação, Franklin Martins. A expectativa era de que esse projeto fosse divulgado, mas não foi. O que foi dito foi que o projeto foi passado para o novo governo e, desde então, espera-se que o novo governo divulgue.

O atual ministro das Comunicações (Paulo Bernardo) deu declarações desencontradas e disse que a partir de julho o projeto seria colocado em consulta pública. Nós já estamos em setembro. As notícias que saem do ministério das Comunicações dizem que o projeto, ou pré-projeto, que teria sido preparado pelo ministro Franklin Martins, estaria sendo reexaminado por esse governo. Pessoalmente acho que não dá mais pra esperar. A explicação de que isso está sendo estudado, quer dizer, se esse governo é continuidade do outro, já são nove anos.

Segundo informações, o governo quer atualizar a Lei Geral das Telecomunicações, para ter o apoio das teles.

Do meu conhecimento, esse foi o último senão acrescentado pelo ministro Paulo Bernardo. “Não, agora está demorando porque vamos fazer um plano que vai rever também a LGT, de 1997”. Eu não sou mais menino, já ando velho, e escuto essas coisas a vida inteira. Para uma pessoa como eu, essas explicações não significam nada. Se o projeto existe, a divulgação dele está sendo protelada pelo governo, porque tempo para estudar e tempo para mudar e tempo para corrigir, é o tempo de sempre.

O Brasil é totalmente desatualizado nessa área, é só olhar no que está acontecendo em volta, na América Latina, o que aconteceu em outros países de democracia liberal. Até a própria relação da grande mídia atual revela como nós somos atrasados nessa área. Um partido político vai reafirmar a posição de princípios que estão na Constituição, que já foi resultado de uma negociação extremamente penosa. Depois de 23 anos um partido reafirma, por exemplo, que é contra a propriedade cruzada dos meios, que está implícita no parágrafo quinto do artigo 220, que diz que nos meios de comunicação não pode ter nenhum oligopólio nem monopólio, e provoca reações desse tipo. Nessa área há um nó que não consegue ser desatado.

Quais são os principais pontos que o senhor defende no marco regulatório da comunicação? Seria vetar propriedade cruzada, proibir políticos de controlar rádios e TV? O que é que mais urgente na regulamentação da comunicação no Brasil hoje?

A primeira coisa, quando se fala em marco regulatório, e isso é absolutamente claro nas declarações de governo, é uma regulação do mercado, porque o mercado brasileiro dessa área é oligopolizado ou monopolizado em algumas regiões. Então, mesmo as regras que existem, por exemplo, com relação à concentração da propriedade, que estão no decreto 236 de 1967, não são obedecidas. E há casos gritantes de oligopólio que têm sido inclusive judicialmente confirmados, em função de ações no Ministério Público Federal, porque os juízes que tratam disso alegam que há decisões administrativas do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que não reconhecem a existência do monopólio.

Há uma conduta do ministério das Comunicações que faz de conta que não existe um grupo que, em rede, controle um número grande de concessões de radiodifusão, porque as empresas individuais estão em nomes de pessoas, de indivíduos, são pessoas jurídicas distintas. No resto do mundo, há controle sobre a formação de redes. No Brasil não tem nada. O caso da RBS no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina é o mais evidente. Acabou de haver uma resolução legal, tomada em março desse ano por um juiz federal em Florianópolis, que não reconhece a existência de um oligopólio em Florianópolis.

E da propriedade cruzada, que alega que o CADE não reconheceu e fala que as normas do artigo 221 e 220 da Constituição não foram regulamentadas. O marco regulatório é uma regulação de mercado e a regulação do que já existe na Constituição, por exemplo, em relação a princípios e normas de programação, proteção de populações específicas como crianças em relação à publicidade, normas para publicidade de alimentos nocivos à saúde, que existe no mundo inteiro.

Cotas de produção regional e independente também.

São esses tipos de questões, e as mais recentes ligadas ao desenvolvimento tecnológico. O PL 116, que foi aprovado outro dia no Senado, é complicado porque trata de um questão específica, a TV paga, num contexto muito mais amplo das transformações que hoje unem telecomunicações com radiodifusão e têm as suas diferentes manifestações na TV paga, na TV aberta. Há as questões das rádios comunitárias. Há outras questões que também estão na Constituição. Essa, de em exercício de mandato não poder ser concessionário, está no artigo 54. Mas tem interpretações diferentes, polêmicas, inclusive do judiciário. Essas coisas que precisam ser assentadas. Marco regulatório no Brasil é isso. E, no entanto, não consegue avançar.

Quais são as chances do marco regulatório avançar no Congresso, sendo que muitos parlamentares possuem concessão de rádio e TV, além de haver pressão das grandes empresas? E por que o governo não apresenta a proposta?

Nos últimos anos, se você tomar como referência o processo da Constituinte, que vai fazer 23 anos, não conseguimos avançar em nada em relação ao que já está na Constituição. Teve a decisão sobre a TV digital, que no meu ponto de vista foi um retrocesso, houve de positivo a criação da EBC, a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação. Mas avanço mesmo, não houve nada. Se você tomar como referência as duas últimas décadas, a possibilidade de haver alguma modificação no Congresso é muito difícil.

A esperança sempre foi que um governo, um Executivo eleito com apoio popular, tivesse condições de mobilizar parcelas significativas da sociedade, mostrar a importância da questão, em ultima análise, do direito à comunicação, e conseguir fazer modificações tipo o marco regulatório. Eu não vejo essa vontade expressa, por exemplo, nas falas do ministro das Comunicações. Vejo com muita simpatia, como algo muito positivo, as decisões do 4º Congresso do PT, porque mostram que há uma diferença entre o PT e o governo. Quer dizer, o PT está no governo mas o PT tem que ter, como partido, as suas próprias posições e metas e lutar por elas. Nesse sentido, o PT reiterar posições que não têm nada de extraordinário… Eu não sou um otimista, em relação a estas questões, até porque eu já estou há muito tempo nesse negócio e não vejo luz no fim do túnel.

Algo que assusta a mídia é o controle social sobre a comunicação. O que significa esse controle social?

A Constituição fala na questão do controle social nas várias áreas de políticas públicas. Educação, saúde, assistência social. O controle social é uma forma de descentralização administrativa e de ampliação da participação direta da população na formação, acompanhamento, e até mesmo na gestão de políticas públicas. No caso da saúde, há mais de 40 anos existem no Brasil os conselhos. Porto Alegre é pioneira na experiência de controle social dos orçamentos, os chamados Orçamentos Participativos.

Agora, na medida em que o governo federal não coloca na rua um projeto de marco regulatório, ele próprio dá margem a que os interesses contrários a qualquer forma de regulação, ou a qualquer coisa que seja diferente ao status quo, façam as mais estapafúrdias acusações, porque não se tem um texto de referência para fazer a discussão. Se você tiver um texto de referência de uma proposta do marco regulatório, vai ter que ser discutido o que está lá. O sujeito fala em conselhos estaduais de comunicação, por exemplo, como acontece aqui em Brasília. Vários setores dizem que se trata de censura. Mas na lei orgânica do Distrito Federal está aprovado desde 1993, tem um artigo que fala na criação de um conselho e tem que regulamentar. É um órgão de assessoramento do poder executivo para a formulação dos planos regionais de comunicação. Você vê que isso não tem nada a ver com censura, então a discussão fica mais fácil de ser feita, porque você tem um projeto.

Mas um dos exemplos que se tem é a Argentina, onde há uma disputa entre a presidenta Cristina Kirchner e o Grupo Clarín.

Mas, mesmo na Argentina, tem censura? O debate é falso, é porque existem certas bandeiras que são universais e uma forma de defender interesses é empunhá-las, mesmo quando você faz exatamente ao contrário. Quem faz censura na Argentina e no Brasil são os oligopólios de mídia. Porque a partir do momento em que são oligopólios, impedem que vozes se expressem. Eles não deixam que haja liberdade de expressão. Eles dificultam a consolidação do direito à comunicação. Eles é que são os agentes da censura, mas empunham essa bandeira da censura e da liberdade. Isso é um recurso político histórico.

Quem é contra a liberdade? Quem é contra a censura? Eles promovem a censura e impedem a liberdade de expressão da grande maioria da população, mas empunham a sua bandeira. Como têm o poder de gestão da agenda de debate público, isso passa a ser verdade para muita gente. Esse é o problema, por isso que essa área é tão difícil. Mas o que acontece na Argentina, com todas as letras, é uma regulação de mercado. Inclusive atribui cotas de participação no mercado, para vozes que não tinham voz. E regula áreas como a transmissão esportiva, que é uma forma de entretenimento vinculada a cultura desses países, Argentina e Brasil.

Em resumo, o senhor defende que haja um texto para que o debate seja feito em cima de algo concreto.

Eu falo isso há décadas. No governo Lula, há vários casos de projetos que nunca se materializaram, sequer na forma de projeto, e que foram combatidos com versões que foram vazadas, e ninguém assumia a paternidade. O exemplo mais óbvio é o da transformação da Agência Nacional de Cinema (Ancine) em Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Faz um projeto, bota na rua e vamos ver as coisas que estão lá. O equívoco maior, no meu ponto de vista, foi a questão do Conselho Federal de Jornalismo. Os fatos mais recentes da conduta ética e profissional de alguns jornalistas de veículos da editora Abril mostram a necessidade de um conselho, tipo a Ordem dos Advogados do Brasil, que funcione como forma de acompanhamento do exercício profissional dentro de normas da própria profissão.

Normas éticas, morais, de conduta. Isso está acontecendo no mundo inteiro. Na Inglaterra, com o caso do News of the World, mas no Brasil não tem nada, não tem autorregulação, não tem absolutamente nada. O Brasil só regula o que é do interesse da radiodifusão. Regula as concessões, fala que para poder renovar as concessões precisa de dois terços do Congresso. Para cancelar, precisa de decisão judicial. Regula as rádios comunitárias pra impedir que elas tenham autonomia e ameacem essas emissoras comerciais.

Agora, o que interessa mesmo, a propriedade cruzada, a questão das normas de regionalização da produção, prioridade pra produção independente, tudo que está na Constituição, nada disso é regulamentado. Mesmo o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, é regulamentado mas não é cumprido. O conselho funcionou durante menos de quatro anos e depois não funcionou mais porque o Congresso não convoca os seus membros pra instalá-lo novamente. A situação é essa.