quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cuidado Dilma, eles querem te derrubar!

Por Genaldo de Melo

A parcela da sociedade brasileira considerada séria que se dispõe a formar opinião, principalmente aquela que já compreendeu que o Brasil tem um projeto de nação e está bem colocado nos índices dos países mais promissores do mundo, precisa de modo urgente mandar um recado para Dilma Rousseff, em seus espaços de atuação e convencimento. A presidente precisa abrir os olhos para o modo como duas oposições estão atuando no Brasil. A primeira e mais importante é o denuncismo de duas mídias que está a ocupar todos os espaços de opinião, sem a preocupação da evidência, da comprovação com premissas claras, ou mesmo da apresentação da defesa em contrário. E a segunda não menos importante é a pequena parcela de deputados fracos que está utilizando a primeira vinte e quatros horas por dia.

Observe que no último domingo o ator José de Abreu em seu twitter deu recado claro. Civita diz que vai derrubar Dilma sem piedade e sem misericórdia. “Não tem arrego, vou derrubar a Dilma!”, segundo o homem da Veja. Política não é administrar empresa, que tem a finalidade apenas do lucro. Política é a arte de conduzir a diversidade para a unidade dos pontos em comuns e do Brasil para todos.

Uma parcela da oposição irresponsavelmente está se qualificando em apenas denunciar a tudo e a todos, como se o Brasil fosse apenas existir depois de 2014, quando voltar ao poder, como está sonhando e brincando de fazer política. Ora, Dilma precisa abrir os olhos para isso, porque a Rede Globo e a Revista Veja estão mais poderosos que as forças de oposição no Congresso Nacional, pensando nos quatro anos depois de 2014. Não importa se é verdade ou mentira, quando esse Quarto Poder fala, mais da metade dos formadores de opinião nesse país apenas repetem o que ouvem.

É preciso compreender quem coordena o Quarto Poder no Brasil, mais forte que os rapazinhos que individualmente coordenam os muitos milhões de emendas parlamentares, e são influenciados e financiados em campanhas eleitorais. Para aqueles que utilizam as mídias sensacionalistas que saem fresquinhas nos sábados e que influenciam os principais tablóides dos domingos, o povo é que menos importa, o que importa mesmo é vencer grandes licitações de obras milionárias.

Derrubar Pallocci, Alfredo, Novaes, e até mesmo Orlando, derrubar qualquer componente do Governo é a mesma coisa para quem coordena a mídia sensacionalista, é derrubar a Dilma. Pois essa mídia é financiada pelos mesmos grupos do atraso que governou esse país no passado, e tentou colocar em prática um modo de desenvolvimento criado em laboratórios de Whashington e seus clubinhos particulares espalhados pelo mundo afora, que sempre levou em consideração apenas o mercado em vez do social e do ser humano.

PCdoB investiga armação contra Orlando Silva

O PCdoB vai investigar a origem de uma "grande armação" contra o ministro do Esporte, Orlando Silva Jr., relata o presidente do partido, Renato Rabelo, em entrevista ao Terra Magazine. "É uma questão do partido, cabe a ele fazer. Vamos fazer contatos, pesquisa, avaliação. Juridicamente, podemos ver os processos contra ele. Nós temos esses meios", conta Rabelo, que evoca a disputa política no Distrito Federal como uma das motivações da bateria contra os comunistas.



As declarações foram dadas por conta das denúncias publicadas na edição desta semana da revista Veja. Segundo a matéria, recursos do programa Segundo Tempo, que atende a crianças carentes, teriam sido desviados para o caixa das campanhas eleitorais do PCdoB.

Todas as acusações foram feitas pelo soldado da Polícia Militar do Distrito Federal João Dias Ferreira, que até agora não apresentou as provas que diz possuir. Ferreira responde por fraudes nos convênios de sua ONG com o governo federal, firmados em 2005 e 2006. Houve o pedido de devolução de R$ 3,16 milhões.

Renato Rabelo argumenta que João Dias Ferreira nunca foi militante do PCdoB, apenas filiou-se para disputar uma eleição, em 2006. "Foi um filiado muito temporário. Ele era soldado, tinha que se afastar da corporação e se filiar a um partido, para ser candidato (a deputado distrital) (...) Ele se filia por alguns meses, logo depois das eleições se desfilia. Foi uma passagem muito temporária, efêmera. Ele não foi militante do PCdoB", diz o presidente da legenda.

Terra Magazine: Como o senhor avalia as denúncias contra o PCdoB e o ministro Orlando Silva?
Renato Rabelo: Acho que a posição do ministro tem sido sóbria, mostra que não tem vinculação com aquilo que esse soldado depõe contra ele. O problema é o seguinte: numa hora como essa, se você é sujeito a uma denúncia, a uma armação... O PCdoB acha que é uma grande armação contra o ministro e, de tabela, ao PCdoB. A reportagem da Veja é um jornalismo vulgar, com interesse político. Esse grau de denúncia é baseado em uma pessoa que ninguém sabe qual é a trajetória ou quem é... E a trajetória desse soldado é muito obscura.

Terra Magazine: E por que ele foi filiado ao partido, se é obscura? Qual foi a trajetória dele no PCdoB?
RR: Sim, mas você veja: a denúncia é de 2005, de 2006. Foi um filiado muito temporário. Ele era soldado, tinha que se afastar da corporação e se filiar a um partido, para ser candidato (a deputado distrital). É só isso, no momento da campanha, na eleição de 2006. Ele se filia por alguns meses, logo depois das eleições se desfilia. Foi uma passagem muito temporária, efêmera. Ele não foi militante do PCdoB. O nosso estatuto tem um instrumento para não dar margem a esse tipo de interpretação. Ele distingue duas categorias: o filiado e o militante – aliás, é o único partido que faz isso. Ele foi filiado temporariamente. O militante é o que se organiza no partido e tem uma série de deveres e direitos. O filiado tem menos direitos e menos deveres.

Terra Magazine: O senhor falou que há uma armação contra o ministro Orlando Silva e o PCdoB. De onde partiria essa armação?
RR: Aliás, é uma boa pergunta. O pior é que a imprensa não procura apurar quem é a pessoa e qual é a motivação. O PCdoB está fazendo isso. É uma grande armação, uma armação grosseira. O tempo dirá.

Terra Magazine:
Tem a ver com as disputas em torno da Copa do Mundo?
RR:
Não, porque o ministro está no centro de muitas contradições. Estão em jogo grandes eventos esportivos, mas tem outros aspectos, como as disputas no Distrito Federal.
Terra Magazine: Envolve opositores do governador Agnelo Queiroz?

RR: Na oposição a Agnelo Queiroz. Ele (João Dias Ferreira) filiou-se através do Agnelo. O Orlando esteve uma única vez com ele, não era ministro, esteve a pedido do ministro Agnelo. E mais nada.

Terra Magazine: De qualquer forma, as denúncias contra o ministério e o PCdoB, no programa Segundo Tempo, não são graves?
RR: Sim, mas o soldado não faz nenhuma acusação contra o Segundo Tempo, o ministério é que acionou, no convênio anterior a 2006. Ele não cumpriu as exigências legais desse convênio. O ministério, através de expediente legal, encaminhou ao TCU (Tribunal de Contas da União) pra que ele devolvesse.

Terra Magazine:
Só que a revista Veja afirma que o ofício do ministério foi revisto e ganhou um tom menos acusatório.RR: Não, não há comprovação disso. O que o ministério explica é que deu direito de defesa. Essa dívida hoje está em torno de R$ 4 milhões.

Terra Magazine: O senhor disse que o PCdoB fará uma investigação sobre uma possível armação contra o ministro Orlando Silva. Como será isso?
RR: É uma questão do partido, cabe a ele fazer. Vamos fazer contatos, pesquisa, avaliação. Juridicamente, podemos ver os processos contra ele (o partido). Nós temos esses meios.

Terra Magazine: Envolverá a esfera parlamentar?
RR: Não, não, é interna, na esfera própria ao partido. O partido tem direito a ver esses inquéritos contra ele, tem direito a examinar.

Terra Magazine:
Pedirá também informações ao TCU, à Procuradoria Geral?
RR: O próprio ministro já pediu que a Polícia Federal e a Procuradoria investigassem a denúncia.

Fonte: Portal Terra

O facismo está à espreita

Por Antonio Luís M. C. Costa* - Opera Mundi

Nove meses após o início da Primavera Árabe, a falta de respostas convincentes às reivindicações, para não falar dos problemas de fundo que as geraram, começa a azedar o caldo. Onde ditadores caíram, na Tunísia, Egito e Líbia, regimes de transição mantêm figuras-chave do antigo regime no poder, adiam eleições, aliam-se a integristas islâmicos ou tudo isso ao mesmo tempo. Onde o conflito continua em aberto, como no Iêmen, no Bahrein e na Síria, as chances de uma saída democrática parece ainda menor. Em Israel, um movimento de “indignados” pressiona por reformas sociais, mas também se vê um recrudescimento do extremismo da direita política e religiosa e atentados a propriedades, mesquitas e túmulos de não judeus. Aonde isso leva?

Embora o Egito tenha marcado as eleições parlamentares para 28 de novembro, o governo militar adiou sine die a entrega do poder executivo e diz que pretende permanecer pelo menos até 2013. E agora moveu contra uma manifestação liderada por cristãos coptas, em 9 de outubro, a repressão mais violenta desde a queda de Hosni Mubarak. Houve pelo menos 550 feridos e 26 mortos, um massacre pior que o atentado contra uma igreja de Alexandria no réveillon de 2011, que hoje se sabe ter sido planejado pelo governo deposto.

Os fundamentalistas da Irmandade Muçulmana e do movimento salafista ganharam espaço, legalizaram seus partidos e esperam controlar o Parlamento e os clérigos muçulmanos são ouvidos pelo governo. Enquanto isso, os coptas, como os liberais laicos e o movimento sindical, protestam contra sua exclusão. A manifestação literalmente esmagada – 17 dos mortos foram triturados por tanques do Exército, que chegaram a subir na calçada para atropelá-los, enquanto outros foram abatidos a tiros – dirigia-se à sede da tevê estatal para protestar contra o incêndio e destruição de uma igreja cristã em Assuã e era majoritariamente de coptas, mas tinha a adesão de muçulmanos laicos e moderados, solidários com sua indignação.

Segundo o governador de Assuã, general Mustafa El-Sayed, os coptas usavam “ilegalmente” uma pensão como igreja (abertura de igrejas cristãs precisam de autorização governamental) e violaram os códigos de construção. Em 30 de setembro, quando jovens do povoado, - incitados por um clérigo -, destruíram a igreja com as próprias mãos, apenas “corrigiram” o erro dos coptas.

Mas, segundo o jornal Al-Ahram, o lugar era uma igreja desde sua construção, em 1949, e sua reconstrução e ampliação com essa mesma função foram autorizadas pelo Cairo em maio. Em setembro, quando muçulmanos vieram pela primeira vez alegar que a presença cristã era muito pequena para justificar uma igreja, os coptas – 250 numa vila de 18 mil habitantes – pediram proteção à polícia e aos militares que, em vez disso, ordenaram o congelamento da obra. Um acordo com os clérigos muçulmanos foi negociado, pelo qual os cristãos abriram mão de sinos, alto-falantes e crucifixos externos. Mesmo assim, um inspetor veio em seguida dizer que a construção era 4 metros mais alta do que o permitido e o “erro” tinha de ser corrigido em 15 dias, o que era impraticável. Então, 3 mil muçulmanos cercaram e destruíram a igreja, com o apoio do governo local e a indiferença do Cairo.

Testemunhas do massacre, inclusive muçulmanas, contaram que as mortes no Cairo nada tiveram a ver com “violência sectária” dos coptas, como propagou a tevê estatal ao convocar os muçulmanos a “proteger o Exército” quando os choques começaram. Extremistas muçulmanos se juntaram à violência contra a manifestação e soldados parecem ter acreditado que estavam sendo atacados por cristãos, mas foram claramente instigados pelo governo, ou por uma de suas facções.

O primeiro-ministro, Essam Sharif, pôs o cargo à disposição e o vice-primeiro-ministro e ministro da Fazenda, Hazem al Beblawi, renunciou em protesto contra a repressão, mas, quando o governo militar do marechal Mohamed Hussein Tantawi rejeitou sua renúncia, disse à Reuters: “Agora estou numa situação difícil, estou confuso”. Ou uma parte – talvez a principal – do governo militar quer se aliar aos partidos fundamentalistas para controlar as massas, fazendo dos coptas (e talvez dos liberais laicos) um bode expiatório ou quer incitar a luta sectária para justificar o cancelamento das eleições, a imposição da “lei e ordem” e uma ditadura militar por tempo indefinido. Ou ambas as coisas.

Na Tunísia, onde mais de cem partidos pretendem participar da eleição inicialmente marcada para 24 de julho e depois adiada para 23 de outubro, o primeiro nas pesquisas é o partido Nahda, “Renascença”, que originalmente se chamou “Ação Islâmica” e é tido como islamista moderado, seguido por três partidos laicos de centro-esquerda e pelo Partido Comunista.

Mas os fundamentalistas também estão presentes nesse que é tido como um dos países árabes mais ocidentalizados. Na sexta-feira 7 de outubro, a tevê privada Nessma os enfureceu ao transmitir a animação Persépolis, da iraniana Marjana Satrapi – no qual ela questiona a revolução iraniana e chega a discutir com o próprio Alá – e um debate sobre o fundamentalismo. Salafistas saíram armados de paus e facas nas ruas da Tunísia e 300 deles tentaram incendiar a sede da emissora, sendo contidos pela polícia. Após dois dias de protestos, o presidente da emissora, Nabil Karoui, pediu desculpas por transmitir o filme “blasfemo”, que já tinha sido exibido nos cinemas, sem incidentes, durante a ditadura de Zine el-Abidine Ben Ali.

Na Líbia, é notório que os fundamentalistas são uma parte importante na coalizão que derrubou Kaddafi. Seu líder militar, Abdel Hakim Belhaj, veio do Grupo Islâmico Combatente Líbio, organização ligada à Al-Qaeda. Em 2004, foi capturado e torturado pela CIA e entregue a Kaddafi, em cuja prisão ficou até o ano passado. Sami al-Saadi, outro líder da mesma organização, abriu processo contra o governo britânico, cujos espiões o entregaram ao regime recém-deposto no mesmo ano. O novo prefeito de Trípoli, Abdel al-Rajazk Abu Hajar, é membro da Irmandade Muçulmana. Um judeu que visitou a Líbia após a queda de Kaddafi contou ao jornal israelense Haaretz que a hostilidade contra judeus e sinagogas cresceu após a queda do ditador, acusado por pessoas ligadas ao novo regime de ter “sangue judeu”. O racismo também veio à tona, com perseguição e prisão arbitrária de negros que, líbios ou imigrantes, eram bem tratados e favorecidos pelas políticas pan-africanas de Kaddafi.

Na Síria, apesar da repressão que, segundo as Nações Unidas, já matou 2,9 mil manifestantes e dissidentes, muitos setores apoiam o regime de Bashar al-Assad. A Irmandade Muçulmana é o foco da oposição, principalmente em Hama, onde promove insurreições praticamente desde o início do regime baathista, em 1963. O autodenominado Conselho Nacional Sírio, formado em agosto para articular as oposições, tem participação de minorias religiosas e é presidido por um intelectual democrata, Burhan Ghalioun, mas qual será o seu papel se Assad realmente cair? Não necessariamente maior que os do Movimento 6 de Abril, da Associação Nacional para a Mudança e de Mohamed ElBaradei, que pareciam representar o movimento egípcio em seus primeiros dias, mas hoje pouco influem nos rumos do país.

Em recente reportagem na Síria, Guga Chacra, de O Estado de S. Paulo, ouviu líderes cristãos dizerem que temem a queda da ditadura. A Síria recebeu mais de 1 milhão de refugiados do Iraque, metade dos quais é de cristãos expulsos pelo fundamentalismo sunita e xiita que teve rédea solta depois que os EUA derrubaram o laicismo baathista de Saddam Hussein. Dois milhões de cristãos sírios temem ter o mesmo destino.

Circula na Síria a tese, alimentada pela mídia governista, segundo a qual o Ocidente, a Arábia Saudita e Israel planejam expulsar as minorias cristãs do Oriente Médio. Formulada dessa maneira, é uma teoria da conspiração absurda, mas a inquietação que a gerou tem razão de ser. No Iraque e na Arábia Saudita, os EUA aceitaram a parceria com os fundamentalistas como um mal menor que lhe permitem reter interesses estratégicos. Talvez até o governo israelense pense assim, pois decidiu um acordo de troca de prisioneiros que prestigia o fundamentalista Hamas no exato momento em que a laica OLP tem seu grande momento ao buscar o reconhecimento da Palestina na ONU.

Por décadas, as massas encontraram no Islã tradicional os laços de proteção e solidariedade que lhe permitiram sobreviver à pobreza, um espaço de organização e protesto contra os abusos autoritários e um foco de afirmação contra as humilhações cotidianas. Neste momento, qualquer coisa que possa passar por democracia na região terá de dar mais voz a essas maiorias e mais poder aos seus representantes.

Isso é diferente, porém, de um regime autoritário que, para fugir da democracia real, promove ativamente a fanatização das massas e a perseguição das minorias étnicas e religiosas (ou mesmo dos muçulmanos laicos) em nome da maioria. Assim faziam os fascismos europeus e talvez pretendam fazer, hoje, os novos regimes líbio e egípcio – principalmente esse último, que lida com um país superpovoado e uma economia frágil. Como escreveu Walter Benjamin, todo fascismo é indício de uma revolução fracassada.

*Antonio Luiz M.C.Costa é editor de internacional de Carta Capital e também escreve sobre ciência e ficção científica.

*Artigo publicado originalmente no site da Carta Capital.

A primavera do senso comum

Por Carlos Melo - Observatório de Imprensa

A revista Veja dá destaque a uma frase de minha autoria na seção “Veja essa” da edição 2239 (data de capa 19/10/2011, pág. 69). Foi pinçada de matéria de O Globo e dizia respeito às manifestações contra a corrupção, ocorridas nos últimos dias. Para mim, “sem organicidade, esse movimento não vai crescer. As manifestações ganham força se tiverem algo orgânico, como partidos e sindicatos”. A revista não se conteve e fez o seguinte comentário: “(...) pode ter razão, mas se esquece de que raposas não cuidam de galinheiros”. Ora, ora, ora... Como poderia me esquecer disso? É um clichê tão presente quanto inútil, por isso dispensável.

Sem generalizar, o que se pode dizer é que essa sabedoria pedestre e essa profusão de senso comum obsediam parte da imprensa nacional. Sobre a revista, mais nada a dizer, a não ser que o interesse em contentar seu leitor médio a faz exagerar com simplificação um mundo naturalmente mais complexo do que supõem os departamentos de marketing, ansiosos por vender publicidade a uma parte da classe média normalmente desinformada e moralista. Mais produtivo será raciocinar a respeito dos fatos: as manifestações contra a corrupção no Brasil e o papel da mídia.

Indignação retórica

Inicio meu raciocínio a partir dessa classe média, leitora de Veja: trata-se de um setor que guarda, justificadamente, ressentimento e críticas aos governos, pois arca com grande parte dos custos de manutenção do Estado. Seus impostos retidos já na fonte somam ao final do ano quantias consideráveis, sobretudo diante do pequeno retorno direto que obtêm. A péssima qualidade dos serviços faz com que esse setor recorra à educação, segurança e saúde privadas, numa espécie de bitributação.

Integrantes desse grupo em geral não toleram, ao final das contas, ser o principal segmento econômico a arcar com o pacto social. Por isso, desprezam políticas públicas compensatórias, como o Bolsa Família, e são tomados por uma ira santa quando se trata de discutir a ineficiência do Estado; abominam a atividade política, corroem-se ao verificar que “políticos possam ganhar sem trabalhar” e, com arroubos retóricos, indignam-se diante da corrupção. Adoram expressões como “choque de gestão”. Esteticamente, não suportam nada que não seja pretensamente chique e refinado. Desamparados nesse reacionarismo solitário, são acolhidos por parte da mídia que lhes fornece o que mais desejam: o sensacionalismo e o gosto de sangue.

Pelo menos em certa medida é preciso admitir que parte desse sentimento é justificada. Estamos realmente muito distantes de um Estado eficiente e de uma sociedade justa, inclusive para a classe média. Todavia, é verdade também que esse segmento social insiste em negar uma questão básica: vivemos em sociedade – seu individualismo não conseguirá suprimir este fato. Margareth Thatcher, ao afirmar que “esse negócio de sociedade não existe”, estava errada. O custo dessa mentalidade se faz sentir agora, na crise econômica mundial, quando há escassez de lideranças políticas capazes de arbitrar os conflitos.

Além disso, se é verdade que a corrupção é digna de ser criticada, não menos verdadeiro é o fato de que não basta indignar-se com ela apenas quando se manifesta no quintal do vizinho. Ela não pode ser menos reprovada por se dar na sala de casa. Quando, por exemplo, os shoppings centers são obrigados a colocar vigias para resguardar vagas de estacionamento destinadas a deficientes e idosos, de modo a que classe média não as ocupe, já há aí um indício de corrupção; quando se sonega impostos, furam-se filas, se corrompe o guarda, se “acerta” com os fiscais, há também aí indícios de corrupção.

Se algo precisa ser mudado – e de fato precisa –, não o será pela lógica da racionalidade apenas administrativa e econômica, do moralismo ou do preconceito social. A mudança de mentalidade mais geral é imprescindível. A começar por compreender que a política ainda é um instrumento fundamental para transformações mais complexas, para processos de disputas e conflitos de interesses; e por admitir que a “política ruim” é resultado da política que, coletivamente, construímos ao longo dos anos.

A indignação apenas – sobretudo retórica – não basta. Ir às ruas de modo atabalhoado, sem foco nem estratégia, sem objetivos nem projetos, sem a perspectiva do dia seguinte, em nada ajuda. Soma zero. Resume-se ao ator shakespeariano “que faz o seu papel em cena para depois ser esquecido. É uma história contada por um idiota cheia de som e fúria, significando nada” – o breve apagar de uma chama.

Cinismo editorial

Nos últimos anos, essa classe média nada mais fez do que “contar essa história”, do que negar a política, maldizê-la e afastar-se do resto da sociedade como se nada tivesse a ver com o contexto social que a cerca. Seus filhos retiraram-se dos debates, desocuparam as ruas, buscaram os altos cargos nos bancos, nas indústrias, nas universidades – o que é legítimo –, mas relegaram a atividade política a algo menor. Os partidos esvaziados, é claro, foram aparelhados; os sindicatos igualmente subsumiram à burocratização e à cooptação dos governos.

Se os partidos atuais não servem, que mudem os partidos, que se lhes negue os votos; se os políticos não prestam, idem. Mas, quem ocupará a cena no longo prazo? Não há vácuo, a política sempre existirá. Quem dirigirá o processo? Qual será o novo instrumento? O iPhone, o Blackberry? Sejamos responsáveis.

Ir às ruas motivados pelos ventos das primaveras árabes, dos outonos europeus ou da agitação novaiorquina pode até soar sofisticado. Mas parece típico daquilo que Sérgio Buarque abominava como “citações em língua estranha que se destinam a deslumbrar o leitor como se fossem uma coleção de pedras brilhantes e preciosas”. É “a difícil arte de pensar o pensado”, de que falou Machado de Assis, na sua “Teoria do Medalhão”.

O país precisa de transformações, ainda que muito tenha se transformado nas últimas duas décadas. Mas não será sem reflexão, não será pelo efeito de enzimas que agem no cérebro mas que são, antes, processadas pelo fígado e estimuladas pelo cinismo editorial. Nossos partidos envelheceram e se acomodaram, nosso sistema político é disfuncional. Mas isso não significa que apenas som e fúria bastem para substituí-los e resolver a situação.

Lê, pensa, questiona

Recebi um desses e-mails anônimos, convidando à mobilização da próxima manifestação: eram 31 pontos de pauta, longos e os mal alinhavados. Começavam basicamente por verbos como “acabar”, “proibir”, “criminalizar”. Verbos no infinitivo inconcreto. Muito som e fúria, mas, e daí? Quem vai “acabar”, “proibir”, “criminalizar”? Quem guardará o guarda?

Quem vai refletir e discutir seriamente o que se passa? Estamos numa encruzilhada entre o desenvolvimento e o eterno retorno ao gigante adormecido. Precisamos de instrumentos novos ou pelo menos renovados, precisamos de gente nova e disposta. Mas há uma crise econômica e um esvaziamento estrutural da política. E, antes de tudo, é necessário admitir que também a mídia vive sua crise e seus vazios. Que fazer?

Partidos políticos e sindicatos – se quisermos dar este nome – ou entidades daquilo a que um dia chamamos “sociedade civil organizada” precisam de novo vigor: carecem de envolvimento, lideranças e espaços para debates, Para tudo isso se requer compreender a natureza da crise, suas causas e consequências; reconhecer o vazio de nomes e instrumentos para superá-lo.

Como é óbvio, não tenho respostas e menos ainda soluções. Contribuo acreditando que não há solução simples. Sei, no entanto, que não serão apenas os 140 caracteres do Twitter que trarão luz à escuridão. Há outros instrumentos: a imprensa tem, é claro, papel fundamental – se se dispuser a ser algo mais do que porta-voz da primavera do senso comum de um segmento de mercado, revoltado e sedento por vingança. Como já fez no passado, pode contribuir para despertar o debate sobre o diagnóstico, estimular a reflexão a respeito de alternativas.

Se já teve papel de vanguarda, à frente de seu tempo, a imprensa não pode agora ficar a reboque dos fatos. O cinismo comodista é nefasto e o farisaísmo é torpe. Ao invés do óbvio e do senso comum, será preciso calma e honestidade para dizer: “Cansou? Senta, respira, descansa. Lê, pensa, reflete, questiona. Nada pode significar nada. Isso! Agora, responda: qual é o seu ponto?”

A classe média, as manifestações e Veja precisam dizer qual é o seu ponto.

A ilusão de uma economia verde

Por Leonardo Boff* - Correio do Brasil

Tudo o que fizermos para proteger o planeta vivo que é a Terra contra fatores que a tiraram de seu equilíbrio e provocaram, em consequência, o aquecimento global é válido e deve ser apoiado.

Na verdade, a expressão “aquecimento global” esconde fenômenos como: secas prolongadas que dizimam safras de grãos, grandes inundações e vendavais, falta de água, erosão dos solos, fome, degradação daqueles 15 entre os 24 serviços, elencados pela Avaliação Ecossistêmica da Terra (ONU), responsáveis pela sustentabilidade do planeta (água, energia, solos, sementes, fibras etc.). A questão central nem é salvar a Terra. Ela se salva a si mesma e, se for preciso, nos expulsando de seu seio. Mas como nos salvamos a nós mesmos e a nossa civilização? Esta é real questão que a maioria dá de ombros.
economia
Limpo na boca da bomba de abastecimento, o etanol tem um processo de produção altamente poluidor

A produção de baixo de carbono, os produtos orgânicos, energia solar e eólica, a diminuição, o mais possível, de intervenção nos ritmos da natureza, a busca da reposição dos bens utilizados, a reciclagem, tudo que vem sob o nome de economia verde são os processos mais buscados e difundidos. E é recomendável que esse modo de produzir se imponha.

Mesmo assim não devemos nos iludir e perder o sentido crítico. Fala-se de economia verde para evitar a questão da sustentabilidade que se encontra em oposição ao atual modo de produção e consumo. Mas no fundo, trata-se de medidas dentro do mesmo paradigma de dominação da natureza. Não existe o verde e o não verde. Todos os produtos contem nas várias fases de sua produção, elementos tóxicos, danosos à saúde da Terra e da sociedade. Hoje pelo método da Análise do Ciclo de Vida podemos exibir e monitorar as complexas inter-relações entre as várias etapas, da extração, do transporte, da produção, do uso e do descarte de cada produto e seus impactos ambientais. Ai fica claro que o pretendido verde não é tão verde assim. O verde representa apenas uma etapa de todo um processo. A produção nunca é de todo ecoamigável.

Tomemos como exemplo o etanol, dado como energia limpa e alternativa à energia fóssil e suja do petróleo. Ele é limpo somente na boca da bomba de abastecimento. Todo o processo de sua produção é altamente poluidor: os agrotóxicos aplicados ao solo, as queimadas, o transporte com grandes caminhões que emitem gases, as emissões das fábricas, os efluentes líquidos e o bagaço. Os pesticidas eliminam bactérias e expulsam as minhocas que são fundamentais para a regeneração os solos; elas só voltam depois de cinco anos.

Para garantirmos uma produção, necessária à vida, que não estresse e degrade a natureza, precisamos mais do que a busca do verde. A crise é conceptual e não econômica. A relação para com a Terra tem que mudar. Somos parte de Gaia e por nossa atuação cuidadosa a tornamos mais consciente e com mais chance de assegurar sua vitalidade.

Para nos salvar não vejo outro caminho senão aquele apontado pela Carta da Terra:”o destino comum nos conclama a buscar um novo começo; isto requer uma mudança na mente e no coração; demanda um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal”(final).

Mudança de mente significa um novo conceito de Terra como Gaia. Ela não nos pertence, mas ao conjunto dos ecossistemas que servem à totalidade da vida, regulando sua base biofísica e os climas. Ela criou toda a comunidade de vida e não apenas nós. Nós somos sua porção consciente e responsável. O trabalho mais pesado é feito pelos nossos parceiros invisíveis, verdadeiro proletariado natural, os microorganismos, as bactérias e fungos que são bilhões em cada colherada de chão. São eles que sustentam efetivamente a vida já há 3,8 bilhões de anos. Nossa relação para com a Terra deve ser como aquela com nossas mães: de respeito e gratidão. Devemos devolver, agradecidos, o que ela nos dá e manter sua capacidade vital.

Mudança de coração significa que além da razão instrumental com a qual organizamos a produção, precisamos da razão cordial e sensível que se expressa pelo amor à Terra e pelo respeito a cada ser da criação porque é nosso companheiro na comunidade de vida e pelo sentimento de reciprocidade, de interdependência e de cuidado, pois essa é nossa missão.

Sem essa conversão não sairemos da miopia de uma economia verde. Só novas mentes e novos corações gestarão outro futuro.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.

A globalização da revolta

Por Antonio Lassance*
 
O que há de comum entre as mobilizações da Tunísia, Egito, Iêmen e Síria, com as do Reino Unido, Itália e Chile; Portugal e Grécia; as da Espanha com as dos Estados Unidos?
 
Muita coisa, mas vamos com calma. A lista de diferenças é ainda maior. Mesmo na Primavera Árabe, a Revolução Jasmim, da Tunísia, e a Revolução de Lótus, do Egito, floresceram em um mesmo terreno, mas são espécimes diversos.

Respeitadas essas diferenças, o que há de semelhante pode e deve ser considerado global. Há questões econômicas, sociais, políticas e culturais comuns.

A mais evidente é a indignação contra as desigualdades econômicas e sociais e a dominação política que as mantém e as faz aumentar. O slogan novaiorquino “somos os 99%” estampou a sensação de que a maioria vive no mundo da carência por se deixar dominar politicamente pelo 1% que vive no mundo da opulência. A mesma ideia ganhou diferentes expressões em todo os cantos. É um sentimento global compartilhado.

A crise internacional é um fator comum. Ela tem gerado a revolta contra o mundo das finanças, que mandou as pessoas desocuparem suas casas hipotecadas, nos Estados Unidos, que demitiu servidores públicos na Grécia, que desempregou em massa na Espanha. A inflação mundial, com tendência de crescimento, tem como uma de suas vertentes o encarecimento dos alimentos, que afeta mais diretamente a população pobre. Este foi um problema de fundo na Tunísia, no Egito e no Oriente Médio. A estagnação econômica elevou o desemprego e todos se perguntam por que os governos ajudam os bancos, mas não ajudam as pessoas em pior situação.

A maneira como os manifestantes foram tratados também tem traços em comum. Primeiro eles foram tidos por vozes isoladas; depois, provocadores, baderneiros, criadores de confusão. O governo sírio chamou os revoltosos de gangues. As autoridades britânicas também. O Partido Conservador cogitou criar um esquadrão especial antiprotestos e restringir o uso da internet, o que, convenhamos, são propostas para ditador algum botar defeito.

O ativista Kevin Young, da Organização por uma Sociedade Livre, dos EUA, uma das organizadoras da marcha “Ocuppy Wall Street”, relembrou o ensinamento de antigos militantes, segundo os quais "primeiro, eles ignoram você. Depois, eles riem de você. Em seguida, eles atacam você, e então você os vence".

Há uma revolta global contra a esclerose das referências políticas tradicionais. Isso vale para a Tunísia, o Egito, a Líbia, o Iêmen, mas também para a Europa, os Estados Unidos e o Chile. No caso das ditaduras, a esclerose estava associada à figura dos próprios ditadores. Ocorre o mesmo com Berlusconi, na Itália. Nos demais países, a esclerose é dos partidos, que não se renovam ou não empunham projetos alternativos, menos capazes ainda de encampar a defesa da igualdade.

As manifestações tiveram referências espontâneas, mas contaram com o apoio e o ativismo de várias organizações, algumas mais, outras menos consolidadas, mas todas essenciais para que a indignação tomasse as ruas. O desafio é justamente conseguir canalizar a energia de sua espontaneidade para referências políticas capazes de montar coalizões governantes e disputar projetos de poder em seus países.

Há mudanças demográficas globais em curso afetando principalmente jovens, mulheres e idosos. Surgiram novas formas de expressão cultural e novos hábitos de consumo de informação. Há uma revolta contra a velha mídia por conta da deturpação ou omissão de informações, do sarcasmo contra os pobres e da celebrização dos opressores.

As marchas desmentiram aqueles que por aí diziam que havia acabado a época das grandes mobilizações populares, e que as novas maneiras de protestar eram cada vez mais individuais e virtuais. A comunicação eletrônica, ou autocomunicação de massa (como diz Manuel Castells), deu fôlego às manifestações, facilitou a mobilização, protegeu ativistas, disseminou a revolta.

O feitiço virou-se contra o feiticeiro, e a tão propalada globalização agora ganha a forma de protesto, com cores muito diferentes, mas com um leve toque de jasmim.

*Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.

A questão do produto nacional bruto

Por Wladimir Pomar - Correio da Cidadania

Todos os países que se industrializaram em épocas recentes, contando com fortes investimentos estrangeiros, como os NIC (Novos Países Industrializados) e a China, enfrentaram, ou continuam enfrentando, a questão da diferença entre seu produto interno bruto (PIB) e seu produto nacional bruto (PNB).

Essa diferença está fundamentalmente relacionada com a dimensão, maior ou menor, da presença de empresas estrangeiras operando em seus territórios. Em geral, o valor agregado obtido pelas empresas nacionais é menor do que o valor agregado obtido pelas empresas estrangeiras, seja no conjunto da economia do país, seja em cadeias produtivas com forte participação na conformação daqueles produtos brutos.

O Japão e a Coréia do Sul escaparam dessa sina, entre os anos 1960 e 1980, por haverem contado, em sua atração de investimentos estrangeiros para a industrialização, com a existência de conglomerados industriais nacionais e com uma conjuntura internacional que induziu grande transferência de recursos norte-americanos, quase a custo zero, para a contenção da China e da União Soviética.

O Brasil, porém, a partir dos anos 50, realizou um novo processo de industrialização através da emissão monetária e de investimentos estrangeiros, estes sem qualquer exigência de contrapartidas para o desenvolvimento das indústrias nacionais. Embora já contando com grandes empresas estatais e grandes empresas privadas nacionais, o Brasil abriu suas portas de tal modo que as empresas estrangeiras passaram a ter uma participação majoritária numa série considerável de setores. Essa situação se agravou com as privatarias praticadas pelos governos neoliberais, entre 1989 e 2002.

Hoje, a maior parte dos produtos fabricados no Brasil pelas indústrias químicas, principalmente farmacêuticas e de fertilizantes e defensivos agrícolas, assim como automobilísticas e eletrônicas, é proveniente de empresas estrangeiras. Não há dúvida que tais empresas geram empregos, contribuem na formação da massa salarial e, portanto, da renda e do consumo, ampliam a balança comercial e ajudam o crescimento do produto interno bruto e a arrecadação de tributos. Sem investimentos estrangeiros, talvez o Brasil não houvesse construído o parque industrial que perdurou até o governo Sarney e que, em parte, resistiu à quebradeira dos governos Collor, Itamar e FHC.

Mas tem nos faltado uma análise mais fina da participação das empresas estrangeiras no mercado brasileiro e nos lucros industriais, aqui incluindo as parcelas que re-exportam para elevar as rendas de suas nações de origem. Se compararmos o crescimento do produto interno bruto (PIB), gerado por todas as empresas presentes no país, com o crescimento menor do produto nacional bruto (PNB), gerado exclusivamente pelas empresas brasileiras, certamente constataremos que esse é um problema que rebate negativamente sobre o desenvolvimento econômico e social do país.

Nessas condições, o Brasil se confronta, mais do que em seus surtos anteriores de industrialização, com uma contradição que parece ainda não merecer a atenção dos planejadores brasileiros. Por um lado, necessita atrair investimentos estrangeiros para remontar sua infra-estrutura e suas cadeias produtivas industriais e elevar seus investimentos de 25% a 30% ao ano. Por outro, precisa evitar que a diferença entre o PIB e o PNB se acentue ainda mais, e que os recursos que entram por uma porta não compensem os que saem pela outra.

Essa situação é ainda mais complexa em virtude do verdadeiro sistema oligopolista que opera vários setores e ramos industriais e comerciais. O Brasil vive uma situação em que veículos produzidos no Brasil pelas mesmas empresas que os produzem na Europa e nos Estados Unidos são mais caros aqui. Em outras palavras, grande parte dos produtos brasileiros não apresenta qualquer vantagem competitiva nos preços e, também, em sua competitividade diferencial.

Esses desequilíbrios ente o PIB e o PNB, assim como a falta de competitividade em preços e em qualidade, tecnologia e eficiência, representam um fator de baixa sustentabilidade em seu processo de industrialização. Falando francamente, a situação geral do desenvolvimento industrial do Brasil pode ser classificada como de pequeno volume, nível médio, pouca tecnologia e pequena auto-inovação. Basta o poder de compra do brasileiro se elevar um ou dois pontos percentuais para que a tensão inflacionária se instale, em virtude da oferta insuficiente.

Nessas condições, os grandes problemas da industrialização brasileira se concentram no adensamento de suas cadeias produtivas e de sua infra-estrutura logística na elevação da participação das empresas nacionais nos ramos oligopolizados por empresas estrangeiras e na redução dos custos dos produtos através do aumento do conteúdo tecnológico e da escala de produção.

Um programa estatal que contemple a solução desses problemas terá que incluir, necessariamente, um aumento da participação das empresas públicas e privadas nacionais no adensamento das cadeias produtivas e da infra-estrutura, o que pode ser resolvido, em parte, através da promoção de associações de empresas investidoras estrangeiras com empresas nacionais, inclusive de porte médio e pequeno, para criar indústrias nacionais em cada um dos elos de todas as cadeias industriais, romper os oligopólios, acabar com os preços administrados, aumentar a oferta e elevar sensivelmente o PNB.

É verdade que essa será apenas a base preliminar para superar a diferença entre o PIB e o PNB. Com uma indústria nacional em condições de competir em preços com as indústrias estrangeiras, o Brasil também terá criado as condições para ingressar fortemente na auto-inovação. E, com isso, realizar com sucesso a competitividade diferencial e alcançar uma participação superior do PNB no PIB.

A crise em que estão afundados os Estados Unidos e a Europa é um desafio imenso para a economia e a sociedade brasileira. Por outro lado, a única forma de enfrentá-la reside em elevar os investimentos e o consumo interno. Portanto, uma oportunidade sem paralelo para, além de baixar os juros, equilibrar o câmbio e reduzir os impostos, colocar em prática um programa industrializante desse tipo.

A mídia mente, mas a verdade está nas ruas

Mais uma vez as ruas demonstram que os prognósticos publicados de que a crise havia passado já estão superados

Editorial do Brasil de Fato

Em 17 de setembro, menos de uma semana após os espetáculos em memória dos dez anos do 11 de Setembro – denominado pelas elites como o maior atentado terrorista da história –, um grupo de quase mil pessoas se aglomeravam nos arredores da famosa Wall Street, centro financeiro dos EUA. Ali montaram acampamento, declararam área ocupada e rebatizaram a praça como Praça da Liberdade. Os dias foram passando e nada de refluir; pelo contrário, o movimento vem aumentando e se espalha para outras cidades e países. 

Não se trata de protestos contra o terrorismo, ou reformas de Washington, ou obra dos republicanos ou democratas. A mensagem central é “a crise não é nossa e por ela não pagaremos”. Mais uma vez as ruas demonstram que os prognósticos publicados de que a crise havia passado já estão superados. 

Aqui no Brasil, a grande mídia burguesa anuncia protestos contra a corrupção, estimulados via redes sociais. Chegam a divulgar as convocatórias, com direito a enumerar as adesões e locais onde estavam planejadas. As pautas sempre vêm acompanhadas de um ar de esperança e bradando o combate ao que seria o mal maior do nosso país: a corrupção generalizada. Protestos livres, espontâneos, apartidários e distantes de sindicatos, movimentos organizados. É o povo falando! Na pauta, ataques explícitos aos setores populares, especialmente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

No caso dos protestos dos Estados Unidos, o descaramento vai perdendo a vergonha. Tratam o movimento Ocupe Wall Street pelo lado folclórico, ridicularizando as mensagens e a presença de diversas personalidades da luta. Tal caricatura convive com pautas descontextualizadas. Já nos protestos fabricados por aqui, o tom é de exaltação, e publica-se entrevistas longas para retratar com detalhes as pretensões de tantos despretensiosos. Sonham em empolgar a sociedade pra recuperar as marchas em defesa da família, Deus e propriedade de tempos atrás. E, claro, silêncio sobre as greves e paralisações dos trabalhadores pelo Brasil afora. 

É claro que as elites, representadas nos grandes meios de comunicação, estão fazendo o seu papel de sempre. É verdade que com algum grau de dificuldade a mais graças às redes de comunicação populares que se espalham aos milhares pelo país e aos milhões pelo mundo. A luta de classes é um transtorno para quem vive de criar-distorcer e mentir sobre realidades e esconder as lutas. 

Novos tempos

As reações aos protestos em todo o mundo não são de espanto. A crise econômica e financeira é mãe desses atos que se avolumam e tornam-se rotina na Grécia, assim como por muito tempo nas ruas da Espanha, Portugal e em vários centros onde a crise se aprofunda. Análises e mais análises tentam encontrar pontos em comum entre tais protestos, para além do caráter de resistência a crise. Alguns chegam a preconizar novas formas de organização, exaltando redes sociais em detrimento dos “velhos” instrumentos como sindicatos e partidos. Aqui, o tom é igualmente de exaltação às multidões e massas supostamente mais amplas do que classes empurrando a história para frente. 

Certamente as ferramentas de comunicação modernas ajudam nas mobilizações. Estiveram presentes na Primavera Árabe, Grécia, Portugal, Londres e Wall Street. Mas não substituem ou suplantam as organizações. São complementares. Essa ansiedade em anunciar novas formas, novos métodos, novas forças, novas bandeiras, é uma velha forma de ler realidades que se repetem no mundo como agora: depois de décadas de neoliberalismo implacável e suas políticas antipopulares, sob controle de governos que combinam muito bem repressão com instrumentos de convencimento, tais forças se levantam e ameaçam explodir. 

Que Wall Street se espalhe

Nesta edição, trazemos, nas páginas 3, 14 e 15, análises e reportagens sobre Wall Street. Não temos dúvidas de que são mobilizações importantes, pelo seu simbolismo e por representar a luta como caminho, o grito ante o silêncio e a ocupação como forma de luta. Torcemos para que esse movimento ganhe força, avance sobre as ruas, convoque os milhares de desempregados e trabalhadores e caminhe para minar a força do imperialismo, os falcões do Pentágono e as grandes corporações que controlam o mercado mundial. Cada ocupação nova é um libelo em defesa de uma outra sociedade. Um sinal de que os povos, mesmo submetidos a duras formas de controle e contenção, como o povo estadunidense, não ficam em letargia indefinidamente. Os pobres se levantam!

Análise Crítica sobre o Projeto de Lei de Criação da Comissão Nacional da Verdade no Brasil

Coletivo RJ
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
Adital
 
O COLETIVO RJ Memória, Verdade e Justiça, que teve início em junho p.p. e teve seu lançamento na OAB RJ em agosto último, é constituído por pessoas, grupos e organizações da sociedade civil, que se reúnem para discutir e promover atividades relacionadas ao reconhecimento do direito à Memória, à Verdade e à Justiça referentes às violações de Direitos Humanos perpetradas durante a ditadura civil-militar no Brasil 1964-85.

Embora saudemos a aprovação do PL na Câmara como um avanço da sociedade, por outro lado repudiamos a forma mediante a qual vem sendo conduzido o processo de criação da Comissão Nacional da Verdade - PL 88/2011, atualmente tramitando no Senado Federal, justamente pela ausência de um diálogo mais qualificado com organizações da sociedade civil. Estamos encaminhando nossa análise crítica (resumida) e solicitamos sua divulgação. Vem sendo largamente distribuída, inclusive em evento ontem à tarde na Cinelândia.

O Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça declara que:

- A Comissão Nacional da Verdade, em vias de ser aprovada pelo Congresso Nacional, é uma demanda antiga e legítima da sociedade civil para o esclarecimento das violações de Direitos Humanos cometidas pelo Estado brasileiro durante a ditadura civil-militar no período de 1964 a 1988.

Há uma enorme expectativa da sociedade civil e dos movimentos organizados de que ela seja implantada e que possa fazer jus à sua função de elucidar a verdade dos acontecimentos daquele período e de que seu relatório final seja um instrumento de esclarecimento efetivo sobre as circunstâncias das violações, de sua autoria e responsabilidades, a ser amplamente divulgado.

- O Coletivo RJ, como parte da sociedade civil organizada, dentre suas atividades realizou uma análise crítica detalhada do projeto de lei e considera fundamental que esta possa ser discutida com outros organismos da sociedade civil e reconhecida pelos órgãos oficiais.
Espera-se que a Comissão Nacional da Verdade, uma vez instituída, possa levar em conta as sugestões do movimento social organizado, ampliando a participação neste processo de formulação da proposta da Comissão - até agora restrita e limitada às autoridades oficiais – porque consideramos a participação social uma necessidade efetiva na construção do fortalecimento da democracia no país.

Neste sentido, o Coletivo RJ considera, resumidamente, que:

- A denominação da comissão deveria ser Comissão Nacional da Verdade e Justiça, indicando sua função de promover a justiça, em sentido amplo – ainda que não jurisdicional.

- Os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade devem ser restritos ao período de 1964 a 1988, ficando bem definido o período de esclarecimento

da verdade sobre as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro durante o regime ditatorial civil-militar.

- Ao invés de constar no documento que sua finalidade é a promoção da reconciliação nacional, valorizamos o propósito de fortalecimento democrático e da garantia da não repetição dos fatos ocorridos durante a ditadura civil-militar.

- Em que pese a existência da expressão "graves violações de Direitos Humanos”, o Coletivo RJ indica a supressão do termo grave, e enumera as violações de direitos humanos definidas por parâmetros internacionais (ainda em discussão).

- Deve ser assegurada a imunidade/inviolabilidade civil, penal e administrativa aos membros designados da Comissão bem como das testemunhas que prestarem declarações.

- Ampla publicação e divulgação dos fatos que motivaram as violações dos direitos humanos e da documentação auferida pela CNV.

- Todas as informações processadas e sistematizadas deverão ser remetidas a órgãos e autoridades competentes, para as providências cabíveis.

- Deve ser garantida autonomia e estrutura administrativa adequada, dotação orçamentária compatível/específica, recursos financeiros, técnicos e humanos para que possa atingir seus objetivos e responsabilidades.

- Deve ser suprimida, na composição da Comissão, o componente militar, a fim de ser garantida a imparcialidade de seus membros com as forças político sociais em luta no passado.

POR UMA COMISSÃO DA VERDADE E JUSTIÇA INDEPENDENTE E AUTÔNOMA!

[NdE.: Leia também: [Brasil] A Verdade: por uma Comissão verdadeira

Globo e Veja protegem Bruno Covas

Por Altamiro Borges

Entre outras motivações obscuras, a campanha midiática de linchamento do ministro Orlando Silva tem servido para acobertar as sujeiras dos tucanos em São Paulo. Há três meses, o deputado estadual Roque Barbieri (PTB), da base de apoio do governador Geraldo Alckmin (PSDB), denunciou um esquema criminoso de venda de emendas parlamentares – um típico mensalão.

Bruno Covas, deputado licenciado do PSDB e “escolhido” por Alckmin para disputar a prefeitura da capital paulista em 2012, deu com a língua nos dentes e confessou que o esquema criminoso virou rotina na Assembléia Legislativa de São Paulo. Ele até gravou entrevista revelando que já fora sondado por um prefeito e que recebeu - "mas recusei" - proposta de propina de 10% para bancar uma emenda.

Um roubo “hipotético”

Diante do seu “lapso de sinceridade”, a oposição tentou convocá-lo para esclarecimentos na Comissão de Ética da Alesp. O tucano “inexperiente” até tentou desmentir a confissão, dizendo que a declaração era “hipotética”. Só que a entrevista foi gravada e não dava mais negá-la. Mesmo assim, os partidos governistas (PSDB, DEM, PPS e outros) estão sabotando até o seu depoimento na Alesp.

O presidente do Conselho de Ética, o tucano Hélio Nishimoto, sequer enviou o convite aprovado pelos integrantes deste colegiado para que Bruno Covas deponha. Os partidos governistas também têm feito de tudo para abortar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a venda de emendas. A oposição tenta conseguir mais três assinaturas para criar a CPI.

Privilégios do “protegido” de Alckmin

A situação de Bruno Covas é complicada. Em cinco anos de mandato, o tucano intermediou R$ 14,8 milhões em emendas. O limite anual é de R$ 2 milhões para cada deputado. Qual a razão deste privilégio? Será que Bruno Covas, o “protegido” de Alckmin, foi abordado por outros prefeitos ou empreiteiras corruptas com propostas indecorosas de suborno?

O PSDB, que cinicamente cobra “ética” dos outros partidos, não quer nem ouvir falar do assunto. O caso do “mensalão” na Alesp tem deixado os tucanos apavorados. Daí o forte empenho para abafar o escândalo. Há quase duas décadas no comando de São Paulo, os tucanos já conseguiram sabotar 91 pedidos de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito.

O silêncio criminoso da mídia

Neste esforço, os tucanos contam com a inestimável ajuda da mídia venal – que inclusive recebe do governo tucano fortunas em anúncios publicitários. A mídia faz escândalo contra o ministro Orlando Silva, que já prestou depoimentos na Câmara Federal e no Senado, concedeu inúmeras entrevistas e abriu o seu sigilo fiscal e bancário.

Mas ela não cobra absolutamente nada do tucano Bruno Covas – que não dá depoimentos na Alesp, evita entrevistas e se esconde covardemente. A mídia julga, condena e fuzila Orlando Silva, mas protege os tucanos. Não apura qualquer denúncia de corrupção no longo reinado do PSDB em São Paulo. O “mensalão” tucano não é capa da Veja e nem destaque no Fantástico. As famiglias Civita e Marinho são amigas do tucanato!

Pressão das ruas contra as manipulações

Diante da vergonhosa partidarização da mídia, só há um jeito. É preciso intensificar a pressão contra as suas manipulações. Daí a importância da reunião ocorrida na semana passada, que juntou deputados e movimentos sociais. Nela ficou acertado colocar o bloco na rua para exigir a abertura da CPI na Alesp. É preciso colocar os tucanos e sua mídia na defensiva, no seu devido lugar.