terça-feira, 22 de novembro de 2011

A Chevron não se preparou para enfrentar o vazamento

Editorial do Vermelho


O vazamento de petróleo num poço de petróleo da Chevron, no Campo de Frade, no litoral do Rio de Janeiro, iniciado em 7 de novembro, permite uma comparação entre as atitudes do governo brasileiro e a de outros governos na qual o Brasil sai bem no retrato, como se diz. E revela o despreparo de empresas que absolutizam o lucro e descuidam das regras de segurança.

A empresa responsável pelo desastre não é novata no ramo. É a norte-americana Chevron, atual nome da antiga Standard Oil, que opera no Brasil desde 1915 e, no passado, usava a marca Texaco. É a terceira maior petroleira do mundo e uma das tristemente célebres “sete irmãs” do petróleo, símbolo do imperialismo mais ganancioso e de uma história marcada pelo desrespeito e pela agressão à soberania e aos direitos dos povos.

Tudo indica que, no litoral fluminense, tenha tentado aplicar os velhos truques do imperialismo. Ela estava autorizada a perfurar ali até 3329 metros abaixo do nível do mar, mas usava uma broca capaz de chegar a 7600 metros, despertando a suspeita, na Polícia Federal, de tentar roubar o pré-sal, atingindo profundidades de exploração para as quais não fora autorizada no contrato de concessão assinado com o governo brasileiro. Suspeita que, se for comprovada, indicará uma grave quebra de contrato e a intenção de criar um fato consumado para chegar a um petróleo cobiçado mas cuja exploração é regida por regras especiais – o rico petróleo do pré-sal.

Todos os sinais são de que a empresa norte-americana cometeu ilegalidades graves que serão punidas com multas e podem chegar inclusive à proibição de continuar operando no Brasil.

A primeira foi o descumprimento das obrigações que assumiu ao assinar o contrato de concessão : a empresa, diz a ANP, não tinha equipamentos adequados para estancar um vazamento, atuando portando em desacordo com a legislação brasileira. “Eles não estavam preparados”, explicou o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima; “não tinham equipamentos para o plano que eles próprios propuseram”.

Outra ilegalidade foi a tentativa de minimizar o vazamento. Seus diretores, acusa a ANP, tentaram esconder informações importantes e fotos do vazamento, para ocultar a verdadeira extensão do desastre. Segundo a ANP, vazaram, durante mais de uma semana, acima de 2.700 barris, mas a Chevron admitia muito menos: 650. Na segunda feira (21), diante das evidências, ela corrigiu sua “avaliação”. Além das duas multas, há uma terceira em estudo.

A Polícia Federal acusa também a Chevron de tentar esconder o petróleo vazado empurrando-o para o mar usando jatos de areia de alta pressão. Essa técnica é proibida no Brasil pois dispersa pelo oceano o petróleo vazado que deve ser recolhido. Jatear é um procedimento mais barato, daí a preferência por este método que permite fugir dos altos custos da limpeza com o uso de uma técnica ambientalmente mais correta.

A investigação vai avaliar se houve erro deliberado ou má-fé, e não vai “passar a mão na cabeça”, disse Haroldo Lima. A Transocean – terceirizada pela Chevron para perfurar o poço, e envolvida no desastre do Golfo do México, em abril de 2010 – também será multada e pode ser proibida de atuar no Brasil. O governo do Rio de Janeiro já anunciou que vai cassar sua licença de funcionamento no estado, por imperícia e descumprimento da legislação ambiental. Para coroar este roteiro que confronta a legislação brasileira, a Chevron também é suspeita de ter trazido para atuar em suas perfurações funcionários estrangeiros sem autorização para trabalhar no país, denúncia que está sendo investigada pela Polícia Federal.

A diferença marcante na comparação entre o vazamento da Chevron no litoral fluminense e o ocorrido no Golfo do México, em abril de 2010, foi a rapidez da resposta do governo brasileiro e a pronta ação da ANP para exigir a tomada de providências pelos responsáveis pelo desastre.

Elas contrastam com a lerda resposta do presidente Barack Obama. Lá, o desastre ocorreu em 20 de abril de 2010 e matou onze trabalhadores. Mesmo assim, foi só um mês depois, em 18 de maio, que seu governo nomeou uma comissão para apurar as responsabilidades. Aquele acidente revelou a escandalosa cumplicidade entre os executivos das empresas petroleiras e a agência norte-americana que controla o petróleo – a ANP deles. A subserviência da agência empresas era tamanha que o diário The New York Times condenou, em editorial, a corrução e a ineficiência do governo em controlar os desmandos das empresas cuja atuação deveria fiscalizar.

No Brasil ocorre o contrário. A presidente da República, Dilma Rousseff, determinou a "rigorosa apuração" assim que tomou conhecimento do ocorrido, e a ANP agiu com presteza semelhante e imediatamente pôs seu corpo técnico a campo para apurar as responsabilidades.

Essa ação desmente comentaristas apressados que, na mídia dos patrões, acusam o país de não ter um plano para enfrentar desastres desse tipo. O que fica claro, no episódio, é o despreparo das petroleiras estrangeiras, e não das autoridades e técnicos brasileiros.

Haroldo Lima: Chevron pode ser proibida de operar no áís

O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, fez nesta segunda-feira (21) uma análise do desastre ocasionado pela empresa estadunidense Chevron, responsável pelo vazamento de óleo que atinge o Campo de Frade, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Haroldo disse que a Chevron pode até ser proibida de operar no país, a depender das investigações que estão sendo feitas pela própria agência.

Haroldo: "Não vamos passar a mão na cabeça"Segundo ele, a agência já está preparando duas multas para a empresa, uma delas pela falta de equipamento adequado para estancar o vazamento e a outra por ocultação de informações. O diretor-geral informou que “eles [diretores da empresa] mitigaram informações importantes sobre o vazamento e esconderam fotos que mostravam a real proporção do acidente”.

Pelos cálculos da ANP, uma média de 330 barris por dia vazaram durante mais de uma semana - informou Haroldo.Dos 28 pontos de vazamento, um ainda continua escapando e outros nove estão gotejando. A ANP informou que está acompanhando todo o processo, examinando as causas e avaliando os possíveis erros na operação da empresa. A agência está preparando uma terceira autuação, que deve ser divulgada até o final do dia.

Para haroldo, a Chevron não estava preparada para executar o plano de abandono do poço que foi apresentado. "A multa máxima para o acidente é de R$ 50 milhões, que considero um valor pequeno para o que houve. Vamos investigar se a empresa cometeu um erro deliberado ou se houve má-fé. A ANP vai investigar a fundo e não vamos ‘passar a mão na cabeça’", afirmou.


Dilma entra em campo


A presidente Dilma Rousseff deve se reunir ainda nesta segunda-feira (21) com o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, para falar sobre o vazamento. Lobão deve apresentar um relato da situação no local e das providências que já foram tomadas. O encontro não está na agenda da presidente.Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Chevron responde por menos de 4% da produção nacional de petróleo.

A empresa produziu, em setembro, uma média de 74,7 mil barris de óleo por dia, que corresponde a 3,5% da produção nacional, de 2,1 milhões de barris.Em meses anteriores, a produção da Chevron não chegou a 4% do total nacional. Na área de exploração e produção de petróleo, a empresa norte-americana opera no país apenas o Campo de Frade, com 51,7% de participação no negócio. Entre seus parceiros no Frade, está a estatal brasileira Petrobras.


Campo de Frade


O campo de Frade produz desde 2009 e, até o final deste ano, a empresa previa concluir a perfuração de mais oito poços, para se somar aos 12 que já funcionavam no Campo de Frade desde o ano passado.Segundo informações da própria Chevron, o Brasil é um mercado “chave” e “crescente” para lubrificantes.

Por isso, a empresa mantém duas plantas industriais no país, com produtos voltados para o mercado nacional: uma no Rio de Janeiro, que produz 1 milhão de barris de óleo lubrificante, e outra em São Paulo, que fabrica graxas industriais e fluidos de arrefecimento.

A Chevron já atua há quase 100 anos no Brasil. A companhia começou a operar no país em 1915, quando recebeu uma licença do então presidente Wenceslau Braz, para vender produtos petrolíferos sob o nome Texaco (Texas Company).Da redação com agências

A dívida pública desnuda

Por Gustavo Capdevilla - Opera Mundi


Com a profunda crise de endividamento público em países industrializados como pano de fundo, a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) procura fazer com que prestamistas e credores assumam princípios de responsabilidade. Estes tendem a reduzir a frequência das crises de dívida mediante o estímulo das partes, credores e tomadores de títulos soberanos, para agirem de maneira responsável, afirmou o secretário-geral desta agência da ONU, Supachai Panitchpakdi.


A severidade, especialmente na Europa, da crise de dívida, formada por obrigações contraídas pelos Estados, ameaça frustrar a frágil recuperação da economia mundial, disse o chefe da Unctad. Ao mesmo tempo, os superendividamentos públicos aumentam em alguns países em desenvolvimento e os níveis de compromissos financeiros do setor privado interrompem o crescimento em muitas nações. Nessas condições, Supachai comprovou que o mundo cai novamente na conta da importância de formas eficazes de prevenção, gestão e solução das crises de endividamento.


A Unctad discutiu na semana passada um projeto de 15 princípios sobre promoção de outorga e tomada responsáveis de empréstimos soberanos. O texto teve aprovação de delegações governamentais e personalidades presentes ao encontro, como o presidente da Islândia, Olafur Ragnar Grimsson, que expôs os ensinamentos que seu país tirou do “tsunami financeiro” que o sacudiu a partir de 2008. A única delegação que se opôs ao texto apresentado pela Unctad foi a dos Estados Unidos, que fez constar que não atende algumas de suas preocupações, e também pediu que fosse reconhecido o caráter de simples rascunho do documento.


Grimsson destacou que os princípios ressaltam as responsabilidades dos tomadores de créditos, ao mesmo tempo que se estendem sobre os deveres dos prestamistas. Isto é de importância fundamental, afirmou. As causas dos fracassos não devem ser atribuídas exclusivamente aos que tomam emprestado, insistiu. O presidente islandês afirmou que os grandes bancos e as agências de qualificação financeira “não podem agora dizer que não têm nenhuma culpa”.


Também lembrou que a crise financeira na Europa é um alerta de que a arrogante visão ocidental, que prevaleceu em décadas recentes, segundo a qual os problemas de endividamento excessivo eram apenas do mundo em desenvolvimento, “se tornou dramaticamente desatualizada”. Grimsson perguntou se os países devem ter um sistema bancário que privatiza os benefícios mas socializa as perdas, já que transforma os fracassos privados em dívida soberana.


Se surge um conflito entre os interesses do mercado financeiro e a vontade popular, sobre quem recai a supremacia?, perguntou Grimsson. Quando essa situação ocorreu na Islândia, diante da exigência dos governos da Grã-Bretanha e da Holanda para que fosse dada prioridade aos interesses dos mercados financeiros, “ficou óbvio para mim que a democracia tinha que prevalecer”, ressaltou.


Neste aspecto, Supachai refrescou posições sustentadas pela Unctad há muitos anos, antes do surgimento da atual crise, e demandou a regulação dos mercados financeiros. Os princípios propostos pela entidade para promover a responsabilidade dos atores do endividamento público se baseiam também em que, ao contrário do que ocorre no comércio internacional, não existem normas, princípios ou regulações para o financiamento soberano.


No campo do comércio internacional, quando um governo tenta adotar certas ações deve fazer com que estas estejam de acordo com as normas da OMC (Organização Mundial do Comércio). Por outro lado, para as operações de endividamento público o único limite é o mercado, segundo a Unctad.


A conferência convocada pela Unctad também analisou a questão da auditoria das dívidas externas para separar o joio do trigo, ou seja, as dívidas legais das que antes se chamavam “dívidas odiosas”, como são as ilegais. Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, uma organização não governamental brasileira, disse à IPS que após 30 anos de auditoria do Equador e 39 do Brasil concluiu que o sistema da dívida só beneficia os grandes bancos internacionais.


O sistema não serve como mecanismo para financiar nossos países como deveria ser, segundo a definição de dívida pública cunhada pela teoria econômica, afirmou Fattorelli. A atual crise financeira demonstrou a usurpação dos instrumentos de dívida pública, usados como mecanismo de transferência de recursos públicos para cobrir um problema do sistema financeiro privado, afundado em operações duvidosas de produtos derivados sem apoio, acrescentou
Por Wladimir Pomar
Fonte:
Portal PT


A Europa está numa turbulência econômica, financeira, social e política como não vivia há muito tempo.


Embora as tormentas mais fortes pareçam concentrar-se, agora, na Grécia, Itália, Espanha e Portugal, estes países talvez sejam apenas a ponta de um iceberg cuja profundidade e extensão ainda não se conseguiu medir com precisão.


Com a unificação monetária, através do euro, e a adoção de políticas de transferência de renda para países e regiões menos desenvolvidos do bloco, os povos locais acreditaram que haviam, finalmente, alcançado um padrão de vida semelhante ao dos países mais desenvolvidos, como Alemanha, França e Inglaterra. Governos de direita e de esquerda davam-se ao luxo de disputar a radicalização de programas sociais, sem considerar que a conta deveria ser paga em algum momento. E não se empenharam em desenvolver suas cadeias produtivas, de modo a reforçar sua competitividade regional e internacional. Nessas condições, enquanto os sistemas produtivos da Alemanha, França e, em certa medida, Inglaterra, mantinham seu dinamismo, exportando seus produtos para os países mais atrasados do bloco, estes viam eliminados diversos de seus setores produtivos, inclusive agrícolas, pioravam sua capacidade competitiva e tinham que ampliar seus programas de suporte social, de modo a manter a ilusão de prosperidade econômica e bem-estar social.


O bloco europeu como um todo também não prestou a devida atenção às consequências futuras dos movimentos de suas corporações transnacionais. Estas, especialmente a partir dos anos 1990, passaram a transferir unidades inteiras de suas plantas industriais para a Ásia, em especial para a China, aproveitando-se das condições favoráveis que aqueles países ofereciam para frear ou reduzir as tendências de declínio das taxas médias de lucro das corporações empresariais. Tais movimentos corporativos eliminaram postos de trabalho em seus países de origem, aumentando as pressões sociais pela distribuição de mais recursos estatais.


Paralelamente, esses diversos movimentos abriram condições para o surgimento de novos países emergentes e transformaram a Ásia do Pacífico no principal pólo industrial do mundo. Com isso, contribuíram para reduzir, em certa medida, a transferência de riquezas dos antigos países do terceiro mundo para os países do segundo e primeiro mundo. Embora as corporações transnacionais continuem se apropriando de parte considerável dos produtos internos brutos desses novos países emergentes, tais recursos entram principalmente nos circuitos da especulação financeira, sinalizando o quanto as corporações transnacionais se tornaram autônomas em relação aos Estados de seus países de origem e o quanto contribuíram para a desindustrialização dos Estados Unidos e de vários outros países desenvolvidos.


A Alemanha, porém, conseguiu manter sua prosperidade relativamente inalterada, em grande parte por haver aplicado um golpe econômico e financeiro sobre os demais países do bloco europeu e sobre seus próprios trabalhadores. Ao manter desvalorizado o antigo marco alemão em relação ao euro, e controlado os salários dos trabalhadores, o governo germânico elevou a produtividade e a competitividade das suas empresas nacionais e de suas exportações, em especial para os países do bloco, e conquistou uma situação que parecia inalterável. Aquele golpe, porém, pode se tornar fatal para a própria Alemanha. Os povos dos países que afundam na crise de endividamento e de quebra da prosperidade, com milhões de desempregados e cortes nos programas sociais, à medida que se apercebem do golpe aplicado pela Alemanha, em conluio com seus governos “socialistas” (Grécia, Espanha e Portugal) e para-fascistas (Itália), tendem a exigir a saída do país da zona do euro, a declaração da moratória da dívida, e a re-adoção de suas moedas nacionais, como forma de recuperação econômica e financeira nacional. A Alemanha se encontra, assim, diante de pelo menos dois cenários nada agradáveis. Por um lado, ela pode continuar achando que a culpa pelas crises grega, italiana, espanhola e portuguesa é de seus povos, que pouco trabalhavam e pouco produziam, que é a forma pela qual o governo Merkel vinha enfrentando a situação e explicando-a para o povo alemão. A perseverança nesse caminho deve levar à destruição do euro como moeda única, tirando da Alemanha todas as vantagens econômicas competitivas que lhe haviam propiciado anteriormente, além lhe causar um enorme desgaste político.


Por outro lado, a Alemanha também pode bancar a recuperação dos países em crise, de modo a salvar o euro como moeda única. Em outras palavras, ela terá que investir cerca de um a dois trilhões de euros para reerguer a economia daqueles países, provavelmente numa situação política em que não mais poderá aplicar golpes lucrativos. Saber se o governo alemão se convencerá disso é algo ainda a ser comprovado.


Em qualquer das hipóteses, esses cenários terão consequências sobre a economia mundial e devem rebater sobre a economia brasileira. Mais do que antes, o Brasil deverá ser compelido a rebaixar suas taxas de juros, aplicar taxas de câmbio que elevem a competitividade de seus produtos industriais, direcionar investimentos para melhorar sua infra-estrutura e elevar sua industrialização, e intensificar a redistribuição de renda para reforçar o poder de compra de sua população e, portanto, o mercado interno.


O tucanato propõe a velha receita neoliberal para o país. E aposta que o governo Dilma será incapaz de enfrentar a crise, cuja profundidade e extensão deve ser ainda mais grave do que o nível que apresenta na atualidade, em especial porque se conjuga com a crise norte-americana. Por outro lado, a atual crise mundial capitalista é uma oportunidade impar para o Brasil.


Ela abre condições econômicas, sociais e políticas para o governo Dilma dar uma virada ainda mais profunda na situação brasileira. Ele pode reformar a agricultura, ampliando o papel da economia agrícola familiar na produção de alimentos para o mercado interno. Pode intensificar a reforma da infra-estrutura e o adensamento das cadeias produtivas industriais, definindo mais claramente as formas de investimentos estrangeiros diretos e restringindo os investimentos especulativos de curto prazo. Pode estimular o desenvolvimento de setores industriais nacionais, estatais, privados e mistos, naquelas áreas industriais oligopolizadas ou monopolizadas por multinacionais estrangeiras.


Com essas reformas e estímulos, pode criar as condições econômicas para gerar os recursos necessários para modificar para cima a situação dos miseráveis e dos pobres. E pode gerar as condições políticas para realizar as reformas tributária e política, que ampliem a democratização da propriedade e da cidadania. Este é o momento.

Sociedade Civil, ONGs e esfera pública

Por Emir Sader


A grande virada na obra de Marx vem da descoberta de que as relações de classe cruzam o conjunto da sociedade capitalista. Depois de operar com as categorias herdadas do liberalismo, como Estado/sociedade civil, ele fez o que chamou de “anatomia da sociedade civil” e encontrou la dentro as classes e a luta de classes.


Nas últimas décadas, conforme a luta democrática voltou a ter peso – depois de subestimada, em geral, pela esquerda – a categoria de sociedade civil reapareceu. Como está na sua própria natureza, ela se opõe ao Estado e desloca as relações de classe, como um retorno ao liberalismo clássico, de forma paralela à volta do liberalismo no plano econômico – com o nome de neoliberalismo.


No marco dessa categoria passaram a abrigar-se organizações de distinto tipo, desde aquelas estreitamente ligadas aos movimentos sociais e a outras formas de resistência à ditadura militar, até outras, muito mais ambíguas. Esse amálgama é possível porque a categoria de sociedade civil se presta a isso. Ela significaria “o que não é Estado”, permitindo que se abriguem nesse amplo guarda-chuvas as associações do agronegócio e as dos trabalhadores rurais, as dos proprietários de bancos e as dos bancários, a dos donos de escolas privadas e as dos estudantes, além de outras expressões da “sociedade civil” ainda mais problemáticas, como os narcotraficantes, as milícias, etc., todas pertencentes à “sociedade civil”.


Todas elas tem em comum falta de transparência, porque se autoproclamam representantes da sociedade civil, mas a eleição dos seus dirigentes, as origens dos fundos, a forma de tomada de decisões, tendem a não ser transparentes. Basta ver como se pode facilmente fundar uma ou varias ONGs e se candidatar a receber recursos públicos ou simplesmente acobertar negócios escusos.


Além da ambiguidade – para não dizer má fé - da definição de “não governamentais”. Essa posição antigovernamental se soma facilmente às posições neoliberais, não tem fronteiras em relação a “parcerias” com grandes empresas privadas e suas fundações, embora definam limites frontais contra o Estado.


Com a reaparição do liberalismo, ressurgiu com força sua visão da democracia e do Estado. A democracia viria da delimitação e do controle externo da ação do Estado, que seria, por definição, o inimigo central da democracia, que teria nos indivíduos, congregados na sociedade civil, seus elementos constitutivos.


Do que se trataria seria de controlar o Estado pela sociedade civil, para garantir a democracia. Quanto mais Estado, menos democracia, o que o neoliberalismo teorizou como Estado mínimo. Limitar o Estado, para que o mercado assuma a centralidade. Na teoria, esse papel seria o da sociedade civil, que mal recobre, na realidade, o mercado.


Essa concepção negativa do Estado abandona o caminho da democratização do Estado. É a concepção liberal, reatualizada pela ideia de controle do Estado pela sociedade civil – representada por ONGs e outras associações que pretendem assumir essa representação.


A política que mais avançou na construção da democracia no Brasil foi a do orçamento participativo, que fortaleceu a esfera pública no interior do próprio Estado, em detrimento dos interesses mercantis. A luta democrática não é externa ao Estado, mas o cruza. No Estado estão representados interesses distintos, até mesmo contraditórios, os mesmos que cruzam a sociedade.


A separação entre os dois, de caráter liberal, perde esse aspecto, fundamental, da realidade – toda ela cruzada pelas determinações sociais. A sociedade civil é uma ficção, assim como o Estado que se contrapõe a ela, todos sem determinações de classe.


Democratizar é desmercantilizar, é afirmar a esfera pública em detrimento da esfera mercantil. É fortalecer o papel dos cidadãos em detrimento dos consumidores. É levar a democratização para o próprio seio do Estado.

O direito de ver

Se a censura oficial deixou de existir, a empresarial cresceu de forma assustadora. Hoje quem impede o brasileiro de saber muito do que ocorre no país e no mundo são os grandes grupos de comunicação. Mostram um recorte da realidade produzido segundo seus interesses e escondem o que não lhes convêm.


Laurindo Lalo Leal Filho _ Carta Maior


Publicado originalmente na Revista do Brasil (Novembro, 2011)Quem viveu a ditadura militar no Brasil sabe o que é censura. Jornais publicavam poemas e receitas de bolo no lugar dos textos cortados pelos censores. Nas redações temas proibidos estavam nos murais para nenhum jornalista tocar naqueles assuntos.


Felizmente isso acabou e o Estado agora é responsável pela garantia da liberdade de expressão. Mas se a censura oficial deixou de existir, a empresarial cresceu de forma assustadora. Hoje quem impede o brasileiro de saber muito do que ocorre no país e no mundo são os grandes grupos de comunicação. Mostram um recorte da realidade produzido segundo seus interesses e escondem o que não lhes convêm.


Como são poucos, com orientações editoriais semelhantes, a diversidade de notícias e de interpretações da realidade desaparecem. Em política e economia a prática é diária. Basta ver o alinhamento do noticiário com os partidos conservadores e a exaltação da eficiência do mercado. Na televisão, a censura vai mais longe e chega até ao esporte.


De disputas esportivas, quase todas as competições foram sendo transformadas em programas de televisão, subordinados aos interesses comerciais das emissoras. Tornaram-se produtos vendidos por clubes e federações às TVs que, em muitos casos, compram e não transmitem os eventos, só para evitar que os concorrentes o façam.


Há um caso exemplar ocorrido em Pernambuco. Enquanto a Rede Globo transmitia para o Estado jogos de clubes do Rio ou de São Paulo, a TV Universitária local colocava no ar as partidas do campeonato estadual. Claro que estas despertavam maior interesse, elevando a audiência da emissora. A Globo, sentindo-se incomodada, comprou os direitos de transmissão do campeonato para não transmiti-lo, retirando do torcedor local o direito de ver o seu time jogar.


Quando passamos do regional para o global a disputa fica ainda mais acirrada, como vimos com o recente duelo travado entre Globo e Record em torno dos jogos Panamericanos de Guadalajara. Salvo em raros momentos, a emissora da família Marinho nunca deixou de ditar a pauta esportiva nacional. Além das transmissões de eventos, seus noticiários foram sempre contaminados por exaustivas coberturas das competições.


Quantas vezes o Jornal Nacional dedicou mais tempo à seleção de futebol ou a uma corrida de carros do que a assuntos de relevante interesse político ou social? Com a ascensão da Record o quadro mudou. E o Pan do México ficará na história da televisão brasileira como o momento de ruptura do monopólio das transmissões esportivas no país.


Se há o lado positivo da entrada de um novo ator em cena, há a constatação de que o direito de ver segue sendo usurpado do telespectador.No caso da Globo, seus decantados “princípios editoriais”, segundo os quais “tudo aquilo que for de interesse público, deve ser publicado, analisado, discutido” foram, outra vez, ignorados.


Nos primeiros dias de disputa o Pan não existiu para a Globo e, depois, ficou restrito a míseros segundos no ar. Na concepção da emissora, por serem transmitidos pela concorrente, deixaram de ter “interesse público”.Por outro lado a Record não fez por menos e de olho na audiência, em muitos momentos, não transmitiu os jogos – e só ela podia fazer isso – para manter no ar sua programação normal. Frustrou inúmeros telespectadores que num domingo foram em busca do Pan e se viram diante do Gugu.


A aplicação das leis de mercado, sem controle, ao mundo da TV é a causa desse desconforto. Não há como mudar a situação sem a inteferência do Estado, colocando algumas regras para proteger o telespectador. No caso específico do futebol, o governo argentino resolveu o problema comprando os direitos de transmissão dos jogos do campeonato nacional, passando a transmiti-los em sinal aberto pelo Canal 7, a emissora pública do país.


Não é uma boa ideia para começar?

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Egito: a indignação concsequente


A praça Tahrir, no centro do Cairo, sugere uma dessas rotatórias inóspitas,como tantas outras, destinadas a ordenar o fluxo do trânsito nas grandes metrópoles subdesenvolvidas, pouco ou nada pensadas para o convívio humano. Mas desde fevereiro deste ano, quando foi palco de 18 dias consecutivos de protestos gigantescos que derrubaram o ditador amigo das potências, Hosni Mubarak, a praça Tahrir ingressou definitivamente no panteão dos símbolos libertários do nosso tempo. Na sua textura inóspita o povo egípcio plantou uma das mais vigorosas sementes da primavera política que sacode o norte africano e todo o Oriente Médio. Desde a última 6ª feira, a semeadura tem sido regada a sangue outra vez (veja as cenas: http://www.youtube.com/user/AhramOnline). Novos confrontos, a partir de Tahrir, espalham-se por todo o país com um saldo devastador nas últimas 72 horas: 33 mortos pela repressão do Exército; 1.500 feridos e a renúncia do gabinete civil que desde a queda de Mubarak ordena a transição democrática, subordinado à mão dura militar. A uma semana das eleições parlamentares, a sociedade egípcia está farta da tutela que pretende se sobrepor à nova institucionalidade, esvaziando-a na prática, a exemplo do que os mercados financeiros fazem com as democracias maduras de uma Europa em transe. No Egito, o definhamento opera pelo canal do adiamento das eleições presidenciais; na zona do euro, com a captura do Estado pela lógica financeiro, tornando ornamental a rotatividade do poder. A principal singularidade egípcia está na eficácia das grandes mobilizações de massa. Armadas de alvos claros, cirúrgicos e avessos às tergiversações conservadoras --mas permeados de intensa capilaridade junto a organizações civis e partidos políticos, ao contrário do mito da 'revolução digital'-- , elas arremetem contra o despotismo de plantão com uma contundência pavorosa para os seus ocupantes. Foi assim que Tahrir derrubou Mubarak em 11 de fevereiro, após 18 dias de protestos que custaram 300 mortos e cinco mil feridos. É assim que ela se volta agora contra o cabresto militar, unificando partidos e vozes em uma exigência clara, incontornável, de rápida aderência popular: fim da tutela --ou como se ouve em Tahrir, 'deixem-nos respirar; deixem-nos viver'. A articulação e a objetividade das jornadas nascidas na praça política mais eficaz do mundo talvez tenham algo a ensinar aos indignados do resto do planeta, ainda carentes da mesma habilidade para traduzir o descontentamento social em alvos progressivos, práticos, de precisão egípcia.
(Carta Maior; 3ª feira; 22/11/ 2011)

A crise econômica e os dilemas da União Européia


A classe trabalhadora, mais cedo ou mais tarde, buscará uma alternativa para a crise


Editorial da edição 455 do Brasil de Fato

Até a década de 1990, era comum nas análises econômicas encontrarmos o Japão, os EUA e a Europa caracterizados como o tripé da economia mundial. De fato, depois da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) os EUA emergiram como a principal potência capitalista do planeta. Ao mesmo tempo, para se contrapor à influência da URSS, os EUA contribuíram decisivamente para a recuperação econômica do Japão e da Europa arrasados pela guerra. Desde então, EUA, Japão e Europa se destacaram como o centro dinâmico do capitalismo.


A partir da década de 1970, o capitalismo adentrou, gradativamente, numa etapa de acumulação marcada pela hegemonia do capital financeiro, por constantes crises cíclicas de superprodução e baixas taxas de crescimento econômico. A economia japonesa está estagnada desde o início da década de 1990. A economia estadunidense, também estagnada, acumula seguidos déficits fiscais e altas taxas de desemprego. Agora, a crise econômica mundial castiga principalmente a Europa.

As projeções da Comissão Europeia (CE) para 2011 revelam que a taxa de desemprego na zona do Euro vai atingir os 10%. Um percentual considerado preocupante e com tendência de subir. A projeção para o presente ano é que o crescimento econômico da zona do Euro será mínimo, em torno de 1,5%. Prevê ainda que, em 2012, ocorra uma expansão na economia de 0,5%. Isso se tudo der certo, ou seja, se a União europeia conseguir manter sob controle a crise da dívida que ameaça afundar o Euro e aprofundar a crise econômica mundial. Diante desse nebuloso cenário em que se encontra o Velho Continente, podemos tirar algumas conclusões:


Estamos assistindo à dissolução da utopia liberal e capitalista que concebeu a construção da União Europeia. Ou seja, uma crise do projeto de integração econômica e política de uma Europa inclusiva e sem fronteiras. Predominou a velha desigualdade de riqueza e poder que sempre impulsionou os revanchismos, xenofobismos e rivalidades de um continente historicamente belicoso.


O atual endividamento dos Estados nacionais da Zona do Euro foi agravado, em grande parte, porque na crise de 2008 e 2009 esses países se endividaram para socorrer o setor privado: as corporações capitalistas e os grandes bancos.


A União Europeia entrou numa camisa de força ao estabelecer unidade monetária sem unidade fiscal. Secundarizou, portanto, a desigualdade entre as nações, algo inerente ao desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo. A atual crise da dívida gerou uma crise fiscal que é incompatível com a meta do euro forte e estável.


A União Europeia não orienta a Grécia e outros países a aplicar políticas anti-cíclicas baseadas no investimento produtivo para gerar demanda efetiva e, assim, potencializar o consumo dinamizando a economia. Insiste nas receitas ortodoxas neoliberais como recomenda o FMI. Outra expectativa do capital financeiro para minimizar a crise é que os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) contribuam financeiramente para o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Os BRICS não concordaram. O governo brasileiro, corretamente, descartou essa possibilidade. A China, fundamental no xadrez geopolítico mundial, se mostrou reticente.


Existe um esforço por parte do mercado financeiro, dos grandes bancos e corporações para evitar a participação popular na solução da crise. É uma tentativa inútil, desautorizada pela história, de separar as contradições da economia da política de massas. Prova disso é o caso da Grécia. No momento em que se colocou a possibilidade de fazer um plebiscito para saber se a população concordava ou não com os termos do acordo de salvação financeira daquele país, ocorreu uma reação imediata e contrária à realização do plebiscito. É o mercado financeiro atentando contra a soberania dos Estados nacionais.


A solução institucional do “governo de união nacional” viabilizada na Grécia e, provavelmente, na Itália é uma tentativa do capital financeiro de legitimar os draconianos ajustes neoliberais. Ao mesmo tempo, esse tipo de governo tem uma tendência a frustrar as massas abrindo uma nova etapa de lutas sociais. Esse sentimento de frustração das massas europeias poderá ser potencializado por uma socialdemocracia sem projeto, frágil e descaracterizada ideologicamente. A classe trabalhadora, mais cedo ou mais tarde buscará uma alternativa para a crise. Esperamos que seja uma alternativa pela esquerda.

Pensamentos e sonhos sobre o Brasil

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital
1. O povo brasileiro se habituou a "enfrentar a vida” e a conseguir tudo "na luta”, quer dizer, superando dificuldades e com muito trabalho. Por que não iria "enfrentar” também o derradeiro desafio de fazer as mudanças necessárias, para criar relações mais igualitárias e acabar com a corrupção?
2. O povo brasileiro ainda não acabou de nascer. O que herdamos foi a Empresa-Brasil com uma elite escravagista e uma massa de destituídos. Mas do seio desta massa, nasceram lideranças e movimentos sociais com consciência e organização. Seu sonho? Reinventar o Brasil. O processo começou a partir de baixo e não há mais como detê-lo.
3. Apesar da pobreza e da marginalização, os pobres sabiamente inventaram caminhos de sobrevivência. Para superar esta anti-realidade, o Estado e os políticos precisam escutar e valorizar o que o povo já sabe e inventou. Só então teremos superado a divisão elites-povo e seremos uma nação una e complexa.
4. O brasileiro tem um compromisso com a esperança. É a última que morre. Por isso, tem a certeza de que Deus escreve direito por linhas tortas. A esperança é o segredo de seu otimismo, que lhe permite relativizar os dramas, dançar seu carnaval, torcer por seu time de futebol e manter acesa a utopia de que a vida é bela e que amanhã pode ser melhor.
5. O medo é inerente à vida porque "viver é perigoso” e sempre comporta riscos. Estes nos obrigam a mudar e reforçam a esperança. O que o povo mais quer, não as elites, é mudar para que a felicidade e o amor não sejam tão difíceis.
6. O oposto ao medo não é a coragem. É a fé de que as coisas podem ser diferentes e que, organizados, podemos avançar. O Brasil mostrou que não é apenas bom no carnaval e no futebol. Mas também bom na agricultura, na arquitetura, na música e na sua inesgotável alegria de viver.
7. O povo brasileiro é religioso e místico. Mais que pensar em Deus, ele sente Deus em seu cotidiano que se revela nas expressões: "graças a Deus”, "Deus lhe pague”, "fique com Deus”. Deus para ele não é um problema, mas a solução de seus problemas. Sente-se amparado por santos e santas e por bons espíritos e orixás que ancoram sua vida no meio do sofrimento.
8. Uma das características da cultura brasileira é a alegria e o sentido de humor, que ajudam aliviar as contradições sociais. Essa alegria nasce da convicção de que a vida vale mais do que qualquer coisa. Por isso deve ser celebrada com festa e diante do fracasso, manter o humor. O efeito é a leveza e o entusiasmo que tantos admiram em nós.
9. Há um casamento que ainda não foi feito no Brasil: entre o saber acadêmico e o saber popular. O saber popular nasce da experiência sofrida, dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos. O saber acadêmico nasce do estudo, bebendo de muitas fontes. Quando esses dois saberes se unirem, seremos invencíveis.
10. O cuidado pertence à essência de toda a vida. Sem o cuidado ela adoece e morre. Com cuidado, é protegida e dura mais. O desafio hoje é entender a política como cuidado do Brasil, de sua gente, da natureza, da educação, da saúde, da justiça. Esse cuidado é a prova de que amamos o nosso pais.
11.Uma das marcas do povo brasileiro é sua capacidade de se relacionar com todo mundo, de somar, juntar, sincretizar e sintetizar. Por isso, ele não é intolerante nem dogmático. Gosta e acolhe bem os estrangeiros. Ora, esses valores são fundamentais para uma globalização de rosto humano. Estamos mostrando que ela é possível e a estamos construindo.
12. O Brasil é a maior nação neolatina do mundo. Temos tudo para sermos também a maior civilização dos trópicos, não imperial, mas solidária com todas as nações, porque incorporou em si representantes de 60 povos que para aqui vieram. Nosso desafio é mostrar que o Brasil pode ser, de fato, um pedaço do paraíso que não se perdeu.

O Brasil e a arma supersônica

Por Mauro Santayana, em seu blog:


O fato de os Estados Unidos, mesmo em crise econômica e política - com milhares de pessoas ocupando as ruas para protestar contra o sistema - terem anunciado o sucesso, há três dias, do vôo de teste, entre o Havaí e as Ilhas Marshall, de uma nova bomba voadora, de velocidade supersônica, capaz de atingir qualquer ponto do globo em menos de uma hora, tem que servir de alerta para o Brasil e para os BRICS.E

nquanto investimos bilhões na compra de equipamento e tecnologia militar obsoleta, como os submarinos Scorpéne e, eventualmente, o Rafale, desenvolvidos há mais de 30 anos, os Estados Unidos não cessam de pesquisar novas armas de destruição em massa, e sistemas de armamento naval como o canhão magnético de munição cinética, anunciado no ano passado, que não depende de combustível para atingir alvos a uma distância de 300 quilômetros.

Isso, apesar de Washington ter um déficit de 7 trilhões de dólares, boa parte dele derivado dos 35 bilhões de dólares que gasta, por semana, para manter seus soldados no Iraque e no Afeganistão, países dos quais já prepara a retirada de suas tropas convencionais - com o rabo entre as pernas - a partir do ano que vem.

A insistência de os Estados Unidos em continuarem se armando, mesmo em uma situação de crise econômica e institucional crescente, aponta para a cristalização de uma perigosa equação, que, do ponto de vista do resto do mundo – excetuando-se a Europa, cada vez mais submissa aos interesses norte-americanos - equivale a um mendigo louco com uma arma na mão na praça de alimentação de um Shopping, ou, à velha metáfora, mais usada antigamente, de um macaco solto em uma loja de louças.

Como a história mostrou nos anos do equilíbrio do terror da Guerra Fria, quando os EUA não ousariam invadir países como o Iraque e o Afeganistão, sem a aquiescência tácita da URSS, de nada adianta construir uma nova ordem multipolar, se o poder no mundo continuar obedecendo a uma situação unipolar do ponto de vista militar.O BRICS tem se erguido, nos últimos anos, na economia e na diplomacia, justamente para fazer frente à Europa e aos Estados Unidos, porque o mundo não pode continuar refém, como tem acontecido, das decisões que são tomadas em uma Europa e em uma América do Norte cada vez mais frágeis, no âmbito político-institucional, e cada vez mais decadentes, do ponto de vista econômico.

Nada disso funcionará, no entanto, se a projeção do crescente poder do BRICS não se fizer, também, na área militar. Não dá para se pensar em uma estratégia de defesa viável, no futuro, se não juntarmos nossos recursos financeiros e tecnológicos, nosso conhecimento e nossos pesquisadores militares aos da Rússia, da China, da Índia e da África do Sul para o desenvolvimento de uma nova geração de armamentos que vá, como está ocorrendo com os Estados Unidos, um pouco além do armamento convencional hoje existente.

Não se pode confiar nem cooperar com os países ocidentais nessa área. Eles só nos vêem como “parceiros” da hora dos coquetéis de seus adidos militares, ou no quando tem interesse de nos vender material obsoleto para utilizar o lucro no desenvolvimento de novas gerações de armamentos. Quando chega o momento de a onça beber água, eles se aliam entre si, e nos vêem como sempre nos viram, como um bando de subdesenvolvidos. Que o diga a Argentina, que até hoje não esqueceu as lições que aprendeu quando precisou de armamento para reposição na Guerra das Malvinas.