terça-feira, 20 de setembro de 2011

Na ONU, Dilma critica uso da força na solução de conflitos

A presidente Dilma Rousseff criticou nesta segunda-feira o uso da força na solução de conflitos, durante evento realizado na ONU, em Nova York, sobre a participação das mulheres na política.

Na ONU, Dilma critica uso da força na solução de conflitos
"As mulheres são especialmente interessadas na construção de um mundo pacífico e seguro. Quem gera vida não aceita a violência como meio de solução de conflitos", afirmou a presidente.

Em março, o Brasil se absteve em votação no Conselho de Segurança da ONU que aprovou a criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia para proteger civis das forças leais ao líder líbio Muamar Khadafi.

À época, o Itamaraty afirmou que a intervenção de forças estrangeiras na Líbia permitida pela resolução poderia acirrar os confrontos no país, além de incluir atores externos em um processo que, segundo o governo, deveria ser conduzido pelos líbios.

Segundo Dilma, "a existência de conflitos armados vitima principalmente mulheres e crianças".

Ao falar sobre políticas públicas, ela afirmou que, no Brasil, as mulheres têm prioridade nos programas de transferência de renda e habitação.

"São as mulheres que tanto sofrem com a pobreza as maiores aliadas das políticas para a sua superação", afirmou. "Também são aliadas do desenvolvimento sustentável e da necessária mudança nos padrões de consumo".

Além da presidente, compareceram ao evento a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, a ex-presidente do Chile Michele Bachelet, e a representante da União Europeia para Assuntos Externos, Catherine Ashton, entre outras mulheres chefes de Estado e altas funcionárias de órgãos globais.

Políticas para saúde

O encontro foi o segundo de que Dilma participou desde que chegou em Nova York, no domingo.

Na manha desta segunda-feira, ela fez sua estreia na ONU como chefe de Estado ao discursar em um evento sobre doenças crônicas não transmissíveis.

Em sua fala, a presidente defendeu a flexibilização dos direitos de propriedade intelectual em políticas para saúde.

"O Brasil respeita seus compromissos em matéria de propriedade intelectual, mas está convencido de que as flexibilizações previstas no acordo Trips da OMC (Organização Mundial do Comércio) são indispensáveis para políticas que garantam o direito à saúde", afirmou.

O acordo Trips busca reduzir as assimetrias entre as diferentes legislações nacionais sobre propriedade intelectual, tornando-as sujeitas a regras internacionais comuns e estabelecendo níveis mínimos de proteção que cada governo deve dar à propriedade intelectual.

Ela disse ainda que seu governo tem ampliado a distribuição de medicamentos, especialmente para o tratamento de diabetes e hipertensão, e combatido outros fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis.

Agenda

Nesta terça-feira, Dilma se reunirá com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para dar continuidade às conversas iniciadas em março, quando o americano visitou o Brasil.

Após o encontro, a presidente participará do lançamento da Parceria para a Transparência Governamental, que engloba 60 países que se dispõem a adotar medidas em favor da transparência e de apoio mútuo contra a corrupção.

Segundo o porta-voz da Presidência da República, Rodrigo Baena, a próxima reunião do grupo deve ocorrer no Brasil, em 2012.

No mesmo dia, Dilma receberá o prêmio Woodrow Wilson para Serviços Públicos, concedido pelo instituto Woodrow Wilson International Center for Scholars.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a médica e fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns (morta em 2010), já receberam a mesma premiação.

O evento mais importante da agenda da presidente em Nova York ocorrerá na quarta-feira, quando ela discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU. Será a primeira vez que uma mulher proferirá o discurso de abertura do evento, tradicionalmente a cargo do Brasil.

Fonte: BBC Brasil

Ministério Público recorre de decisão que liberou supersalários na Câmara dos Deputados

No entendimento de Menezes, a suspensão do pagamento poderia gerar danos à ordem pública e a paralisação do trabalho na Casa legislativa, o que foi contestado pelo procurador, para quem não há indícios de que isso ocorreria.


Brasília – A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) entrou com um recurso na Justiça Federal para tentar derrubar decisão que liberou o pagamento de salários acima do teto constitucional na Câmara dos Deputados.

Na semana passada, decisão do presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Olindo Menezes, derrubou entendimento anterior que suspendia o pagamento.

De acordo com o procurador Marcus da Penha Souza Lima, o desembargador distorceu o conceito de ordem pública e “enveredou por trilhas que não parecem as mais adequadas”.

No entendimento de Menezes, a suspensão do pagamento poderia gerar danos à ordem pública e a paralisação do trabalho na Casa legislativa, o que foi contestado pelo procurador, para quem não há indícios de que isso ocorreria.

“O que se observa, portanto, é que o debate sobre eventuais danos pelo corte de horas extras é impossível, à míngua de elementos que atestem o prejuízo à continuidade do serviço público”, afirmou o procurador. Ele acredita que, para impedir a realização de horas extras, basta fazer o remanejamento de funcionários.

O procurador também lembra que a incidência do limite constitucional, de R$ 26,7 mil, não impede horas extras, apenas coloca um limite de pagamento.

Ele alega ainda que o juiz de primeiro grau que suspendeu o pagamento embasou seu entendimento em diretrizes firmadas pelo Supremo Tribunal Federal.

“Também é importante registrar o paradoxo que advém de considerar que o cumprimento do teto remuneratório pelos servidores atenta contra a ordem administrativa, uma vez que o preceito normativo que impõe o limite remuneratório partiu justamente do Poder Legislativo”.

No final de agosto, a PRR1 também entrou com recurso contra decisão semelhante que liberou pagamento de supersalários no Senado Federal.

Fonte: Agência Brasil

Um desastre impecável

Por Paul Krugman - O Esatdo de São Paulo
 
Na quinta-feira passada, Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), perdeu o sangue frio. À indagação se o BCE estaria se tornando um “banco ruim” por causa das compras da dívida podre de nações em dificuldades, Trichet levantou a voz e reiterou que sua instituição agiu “de maneira impecável, impecável”, como guardiã da estabilidade dos preços.

E de fato agiu. E é por isso que o euro agora está à beira do colapso.

A turbulência financeira na Europa deixou de ser um problema das pequenas economias periféricas, como a Grécia. O que se aproxima neste momento é uma corrida dos mercados em grande escala nas economias muito maiores da Espanha e da Itália. A esta altura, os países em crise representam um terço do Produto Interno Bruto (PIB) da área do euro, portanto é a própria existência da moeda que está ameaçada.

Tenho lamentado bastante a “fiscalização” do discurso econômico aqui nos Estados Unidos, o fato de uma preocupação prematura com os déficits orçamentários ter desviado a atenção de Washington do atual desastre do emprego. Mas não somos os únicos a esse respeito e, na realidade, os europeus estão em condições muito piores.

Se dermos ouvidos a muitos líderes europeus – principalmente, mas não apenas aos alemães – acharemos que os problemas do continente se reduzem a uma simples alegoria moral sobre dívida e punição: os governos que se endividaram demais agora pagam o preço do seu endividamento, e a austeridade fiscal é a única resposta.

Entretanto, essa história se aplica apenas à Grécia e a nenhum outro país. A Espanha, particularmente, registrava um superávit orçamentário e um baixo endividamento antes da crise financeira de 2008; poderíamos dizer que a sua situação fiscal era impecável. E embora tenha sido profundamente afetada pelo colapso do seu boom da habitação, é ainda um país relativamente pouco endividado, e é difícil afirmar que a condição fiscal subjacente do governo da Espanha seja pior do que, por exemplo, a do governo da Grã-Bretanha.

Portanto, por que a Espanha – juntamente com a Itália, que tem um endividamento maior, mas déficits menores – enfrenta um problema tão grave? A resposta é que esses países poderão sofrer algo muito semelhante a uma corrida aos bancos, com a exceção de que a corrida é aos seus governos e não, ou mais precisamente também, às suas instituições financeiras.

Essa corrida funciona da seguinte maneira: os investidores, por qualquer razão, temem que um país deixe de pagar a sua dívida. Por isso, não estão mais dispostos a comprar os títulos daquele país, ou pelo menos não até receberem a proposta de um juro muito elevado. Por outro lado, o fato de aquele país ter de rolar sua dívida a altas taxas de juros agrava as perspectivas fiscais, mais provavelmente dificultando o calote, e a crise de confiança se torna uma profecia que acaba se realizando. Quando isso ocorre, torna-se também uma crise do setor bancário, porque em geral os bancos de um país investem pesadamente na dívida do governo.

Agora, um país com uma moeda própria, como a Grã-Bretanha, pode impedir que isto aconteça. Espanha e Itália, entretanto, adotaram o euro e não têm mais moeda própria. Consequentemente, a ameaça concreta de uma crise é muito real – e os juros da dívida espanhola e italiana são mais que o dobro dos da britânica.

O que nos traz de volta ao impecável BCE. O que Trichet e seus colegas deveriam estar fazendo, neste momento, é comprar os títulos da dívida espanhola e italiana – ou seja, fazer o que esses países estariam fazendo por conta própria se ainda tivessem suas próprias moedas. O que agrava o problema é a obsessão do BCE em manter seu “impecável” histórico de estabilidade dos preços: num momento em que a Europa precisa desesperadamente de uma recuperação vigorosa e uma inflação modesta, na realidade, ajudaria. Ao contrário, o banco estabeleceu um aperto monetário, tentando afastar a o risco da inflação.

E agora a situação está chegando a um ponto crítico. Não estamos falando de uma crise que ocorrerá daqui a um ano ou dois: esta coisa desabará em questão de dias. E se isso acontecer, o mundo inteiro sofrerá.

Portanto, o BCE fará o que deve ser feito – emprestar dinheiro sem restrições e cortar os juros? Ou os líderes europeus continuarão muito preocupados em punir os devedores para salvarem a si mesmos? O mundo inteiro está observando.

Reforma Política precisa incluir recorte de gênero

Por Érika Kokay - Portal PT

O Congresso Nacional deveria observar o exemplo dado pelo Partido dos Trabalhadores, na etapa extraordinária de seu IV Congresso

A Revolução Francesa de 1789 foi um marco para a construção da sociedade contemporânea, ao abolir formalmente as estruturas do feudalismo na Europa. Ao lado dos líderes mais conhecidos daquele processo, como Robespierre, Marat e Danton, houve uma mulher.

Olympe de Gouges foi o pseudônimo de uma escritora e dramaturga que participou intensamente do processo revolucionário. Ela foi decapitada pelos homens, jacobinos e girondinos, depois de lançar sua Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. Ela e seu grupo reivindicavam a igualdade de gênero no casamento e na participação política.

Mais de trezentos anos se passaram desde o assassinato de Olympe de Gouges, e nós mulheres continuamos sendo “guilhotinadas” simbolicamente quando nos atrevemos a participar da arena política.

Apesar de perfazermos pouco mais da metade da população do país, a proporção de mulheres participando dos espaços de poder permanece incrivelmente baixa. Na Câmara, por exemplo, o número de mulheres recuou da última legislatura para a atual. Somos hoje 45 mulheres, cerca de 8,7%, num universo de 513 deputados federais.

No ano passado, a organização suíça União Interparlamentar divulgou um estudo onde o Brasil aparece em 104º lugar em participação parlamentar feminina, num ranking de 192 países. Mais do que investigar as causas dessa distorção, é preciso que o parlamento, nesse momento no qual se discute a reforma política, tome uma posição contra a exclusão das mulheres da cena política nacional. A desigualdade de gênero na política brasileira é tão aberrante que estamos atrás de países teocráticos, como o Afeganistão, e de maioria muçulmana, como a Turquia.

Além de uma questão elementar de justiça e de respeito às mulheres, a sub-representação das mesmas no poder público e no legislativo, especificamente, acarreta graves problemas à legitimidade política do mesmo e à sua capacidade de avaliação e formulação sobre as questões de interesse da sociedade brasileira.

É vital que possamos promover políticas públicas com recorte de gênero, que atendam às reivindicações das mulheres brasileiras. E especificamente na questão da exclusão das mulheres dos espaços de poder, tais políticas podem e devem ser reforçadas e efetivadas por meio de ações afirmativas.

Vejamos o caso da Argentina. Atualmente, cerca de 40% das cadeiras do Congresso daquele país são ocupadas por mulheres, um resultado muito expressivo. Na experiência argentina, houve a adoção, já em 1991, da lista fechada com a obrigatoriedade da ocupação de pelo menos 30% das vagas por mulheres. Como demonstram os percentuais, a ação afirmativa cumpriu seus objetivos: a proporção de mulheres no parlamento já ultrapassa os limites definidos pela lei. Mas isso só foi possível depois que a lei inicial foi alterada por uma emenda que instituiu a obrigatoriedade da alternância de gênero e as sanções correlatas. Antes da emenda, a lei parecia fadada ao fracasso, pois as mulheres eram sempre relegadas ao final da lista.

Isso demonstra a importância e a capacidade que as ações afirmativas possuem de transformar, de modo estrutural, a realidade social. Tomando por exemplo a implementação das cotas raciais nas universidades públicas, vemos como as ações afirmativas tem a possibilidade de renovar o debate e sensibilizar os espaços para a problemática. Esse processo está acontecendo nas universidades públicas. E pode e deve acontecer também no Congresso.

A paridade de gênero no anteprojeto da Câmara

Temos de saudar como um avanço o anteprojeto de reforma política da Câmara, apresentado em agosto pelo relator Henrique Fontana (PT), sobretudo por estabelecer o financiamento público exclusivo de campanha e instituir a lista partidária pré-ordenada (a lista fechada), dentro do chamado sistema misto. Nesse sistema, a lista fechada se limita a definir a ocupação de metade das vagas conquistadas pelo partido nos cargos proporcionais (vereadores e deputados), ficando a outra metade por conta lista pós-ordenada, que já existe hoje. O financiamento público e as listas partidárias fechadas são medidas que contribuem sobremaneira para o aperfeiçoamento da democracia como representação de projetos políticos, e não de interesses pessoais ou econômicos.

No que se refere ao recorte de gênero, no entanto, a proposta a ser definida pela Câmara pode e deve avançar muito. No anteprojeto, a presença das cotas para mulheres se daria da seguinte forma: dentro dos 50% reservados para a lista partidária, teríamos a cota para mulheres fixada em 2 para 1, isto é, uma mulher para cada dois homens, sem preferência para as mulheres na hora do preenchimento dos cargos.

Baseados na simples aritmética, os defensores da proposta argumentam que dela resultaria um percentual de aproximadamente 16% de mulheres na ocupação dos cargos legislativos. Aparentemente, trata-se de um avanço considerável em face dos cerca de 8% existentes atualmente. Os defensores do anteprojeto vão além, e somam esses 16% aos 8,7% existentes atualmente, antevendo a ocupação de cerca de 24% das cadeiras no Congresso pelas mulheres.

Entretanto, a política não se deixa reduzir à simples aritmética. Em primeiro lugar, é preciso considerar que, para que a cota seja cumprida completamente, é preciso que cada partido eleja pelo menos cinco parlamentares (ou um número múltiplo de cinco) em cada estado. Isso não é a regra. Na verdade, é a exceção.

Além disso, dada a tradicional exclusão das mulheres da arena política e a consequente dificuldade de formação de lideranças femininas, provavelmente as ocupantes das primeiras posições da lista fechada serão aquelas que já exercem ou já exerceram mandato parlamentar, esvaziando-se as candidaturas femininas com capacidade real de vitória na lista pós-ordenada.

Portanto, ao invés da soma dos supostos 16% da cota nas listas fechadas com os 8% já existentes, o resultado mais provável é a divisão dos 8% já existentes entre as listas pós e pré-ordenadas, com dificuldades adicionais para as que participarem da lista pré-ordenada. É possível que a proposta, tal como está, venha a diminuir o número de mulheres no Congresso, ao invés de ampliar.

Nós propomos cotas que estabeleçam a relação de paridade na lista fechada, com preferência para a mulher em cada dupla. Assim, em caso de eleição de um número ímpar de parlamentares, as mulheres sairiam favorecidas, e não prejudicadas.  Somente dessa forma a reforma política poderá criar um saldo positivo, do ponto de vista da igualdade de gênero.

O PT aponta o caminho no IV Congresso

O Congresso Nacional deveria observar o exemplo dado pelo Partido dos Trabalhadores, na etapa extraordinária de seu IV Congresso, realizada no início do mês. Na reforma do estatuto partidário, nós mulheres petistas conquistamos a paridade nas instâncias de direção do PT. As instâncias também terão cotas étnico-raciais, para negros e índios, e para a juventude.

Essas mudanças foram feitas não apenas por uma questão de coerência, mas sobretudo por que o PT compreende com toda a clareza a necessidade de refletir em seus espaços de poder as características da população brasileira, afim de aprimorar sua política e se manter como um veículo de expressão da opinião popular. A população brasileira não é composta majoritariamente por homens brancos e idosos.

É um erro restringir a busca pela igualdade política e social à uma mera reforma das regras eleitorais, como vem se caracterizando o processo atual. A democracia é uma cultura, que precisa ser vivenciada e construída no cotidiano das pessoas. Cabe ao Parlamento caminhar no sentido de se tornar um exemplo desse exercício cotidiano. Precisamos de leis e de parlamentares que trabalhem para democratizar a democracia, inclusive nas relações de gênero.

Erika Kokay é deputada federal pelo PT-DF

A pobreza galopante nos países ricos

Editorial do Vermelho

A crise econômica mundial acentua uma situação descrita por Karl Marx desde o Manifesto do Partido Comunista, em 1848: a tendência “normal” do capitalismo é a concentração escandalosa da riqueza num dos polos da sociedade, em contrapartida à pobreza extrema imposta a grande parte da população.

Na França, em 2008, 7,4% da população vivia abaixo da linha de pobreza, índice que aumentou para 9,1% um ano depois, e envolve hoje cerca de mais de oito milhões de pessoas. Lá são considerados pobres aqueles que ganham menos de 950 euros por mês (pouco mais de dois mil reais). Na outra ponta, os mais ricos (formados pelos 10% da população com renda superior a 35 mil euros) continuaram com ganhos de 0,7%, apesar da gravidade da crise econômica. E os pobres tiveram uma renda média de 773 euros por mês, abaixo portanto do valor que define a linha de pobreza. Os analistas explicam este empobrecimento pelo desemprego que, nos último dez anos, tem se mantido no patamar de 10% da população economicamente ativa, chegando ao máximo de 10,1% em 2005, recuando depois para 7,4% em 2009 mas voltando a crescer desde então, saltando para 9,1% em 2010 e 9,5% em 2011.

Nos EUA a situação pode ser descrita como ainda mais grave por existirem mecanismos institucionais mais precários de atendimento à população empobrecida, além de – claro –ser a principal nação capitalista da atualidade. Em 2010 foram 46,2 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (correspondendo à população da Espanha!), compreendendo 15,1% da população. Isto significa que um em cada seis estadunidenses está na miséria. É a taxa mais alta dos últimos 18 anos. Lá, alinha de pobreza é uma renda mensal de 860 dólares (3.1 mil reais) para uma família de quatro pessoas.

Explicação? Níveis crescentes de desemprego e queda na renda dos trabalhadores. Cumpre adicionar os efeitos da política fiscal iniciada por Ronald Reagan, que primou pelo corte de impostos para os ricos e impôs um caráter regressivo à carga tributária. Calcula-se que existam entre 25 a 30 milhões de desempregados no país, e é entre eles que a pobreza viceja. A consequência é a concentração da riqueza e da renda. Em 1986, os ricos (1% da população) tinham 12% da renda e controlavam 33% de toda a riqueza do país. Hoje, vinte e cinco anos depois, os ricos dobraram a renda, pulando para 25% do total, e aumentaram a riqueza para 40% do total. Nos últimos anos acentuou-se a queda da renda familiar média, que caiu de 4,216 dólares em 2009 para 4.120 dólares em 2010. Trata-se de renda média, que esconde variações diferentes para ricos e pobres. Os dados do governo dos EUA mostram que, nos últimos 30 anos, a renda média total das famílias cresceu 11%; a dos 5% mais ricos foi muito mais rápida e cresceu 42% entre 1980 e 2010.

A situação em outros países ricos não é rósea. Na Bélgica, existem 1,5 milhões de pobres amontoados nas periferias das cidades; um quarto (350 mil) são crianças que muitos dias não terem sequer o que comer. A Inglaterra revive padrões de miséria e desigualdade parecidos à época vitoriana (que foram temas dos lancinantes romances de Charles Dickens); lá, uma em cada cinco crianças é pobre, situação que engloba também 20% da população, e que ajuda a explicar a recente insurreição vivida nas periferias pobres das grandes cidades inglesas, a começar pela capital, Londres. Na Itália, há 3,8 milhões de pessoas vivendo na pobreza absoluta. Em Portugal, mais de um quarto da população (27% do total) tem pelo menos um dia por mês em que não tem o que comer, e 600 mil idosos sofrem de desnutrição. No total, calcula-se que existem, em toda a Europa, 84 milhões de pessoas vivendo na pobreza absoluta; é um número de pessoas da dimensão da população da Alemanha ou Egito; são 12% do total de 710 milhões de habitantes do continente.

Embora conceitualmente associada ao grau de bens disponíveis numa dada sociedade, pobreza e riqueza são realidades concretas vividas pelas parcelas da população submetidas a elas. A pobreza se traduz na falta de acesso a alimentos, moradia e demais bens necessários à vida de acordo com os padrões da sociedade em que se manifesta.

E está ligada também, no sistema capitalista, à situação do mercado de trabalho. O capitalismo exige, para existir, a presença de trabalhadores livres nos dois sentidos apontados pioneiramente por Marx: livres juridicamente, da sujeição a algum senhor e capazes, portanto, de contrair contratos (como o contrato de trabalho); mas também destituídos dos instrumentos e demais meios de trabalho sendo forçados, para sobreviverem, a vender sua força a um patrão que necessite dela para tocar seus empreendimentos.

A pobreza representa, em consequência, uma dupla destituição, intimamente articulada sob a forma de produção capitalista: ao perder o emprego e ver-se impedido (nos momentos de crise como a atual) de vender sua força de trabalho para poder prover seus meios de vida, o trabalhador afunda na pobreza, destituído do acesso regular aos meios necessários à sua sobrevivência e à de sua família (alimentação, moradia, medicamentos, etc., etc.).

A apologia do capitalismo dizia, até poucos anos atrás, que a polarização entre riqueza e pobreza teria sido uma previsão de Marx que não se realizou, argumento usado para desqualificar o pensamento marxista.

A realidade histórica desmente aqueles apologistas e se traduz numa realidade cruel que se acentua, nos últimos anos, nos países ricos, cuja realidade social dava uma aparência de verdade para a recusa às conclusões de Marx, conclusões que se fundamentam justamente na rigorosa análise da lógica do capitalismo. Uma realidade que só pode ser posta de lado, temporariamente, num período de crescimento do capitalismo (a chamada época de ouro que vai do final da Segunda Grande Guerra até a década de 1970). E de intensas lutas de classe que levaram, sob forte pressão dos trabalhadores, à intervenção do Estado para amenizar as mazelas do capitalismo. No momento da crise, quando os donos do dinheiro e do poder preconizam a retirada do Estado e o fim da ação social pública e da legislação que defende os direitos dos trabalhadores e do povo, ao mesmo tempo em que os governos burgueses injetam trilhões de dólares e euros na economia para salvar bancos e banqueiros, reaparece com força a tendência “normal” do capitalismo à concentração das riquezas nas mãos de poucos e ao empobrecimento de amplos setores da população.

O PÊNDULO DA HISTÓRIA ESCAPA AO CONSERVADORISMO

Há uma travessia em curso no pêndulo da crise mundial. Sua velocidade é crescente . A esquerda brasileira, as forças progressistas e o próprio governo devem apertar o passo para não se perderem na inútil batalha do dia anterior. Vive-se um deslocamento de forças e percepções para fora do centro de gravidade do conservadorismo mercadista. O discernimento da sociedade já não cabe mais em velhos perímetros calcificados pela ortodoxia. O campo conservador desidrata a ponto de regurgitar expoentes e agendas do centro político. Editoriais e o colunismo da chamada grande imprensa colidem diariamente com o seu próprio noticiário. O dispositivo midiático demotucano apregoa aquilo que a página seguinte evidencia ser a catástrofe em marcha na vida das nações. Por mais que se desvirtue a realidade o efeito espelho percola a formação das consciência, argui certezas e desacredita receitas. A agenda que dobra a aposta na doutrina neoliberal perde legitimidade na esteira de uma contradição insolúvel: as bases sociais mais amplas beneficiadas por esse modelo estão agora sendo pisoteadas por ele. A classe média europeia ou a norte-americana verga sob o peso brutal da instabilidade que devora o lastro econômico e a sua contrapartida subjetiva. A mudança é abrupta e truculenta. Se a esquerda não se credenciar, a extrema direita só ocupará o vácuo pela violência, a intolerância e a xenofobia. A 2ª feira foi particularmente pedagógica na exposição dessa nova moldura. Nos EUA, o presidente Barack Obama --um exemplo de centro expelido pelo estreitamento conservador- demarcou seu campo na luta pela reeleição. E o fez afrontando o fiscalismo suicida que ancora a doutrina do Estado mínimo. O resumo de sua diretriz orçamentária poderia ser traçado em uma frase: Obama corta R$ 1 trilhão da guerra e quer US$ 1,5 trilhão em impostos dos ricos. Os republicanos acusaram o golpe duplo contra o seu altar. E voltaram a falar o idioma da guerra fria para carimbar a plataforma orçamentária de Obama de 'guerra de classes'. A coalizão conservadora que no Brasil se opõe ao financiamento do SUS com uma taxa de 0,1% sobre operações financeiras ainda não se expressa assim. Mas age como se tal fosse. Se Obama afrontou o extremismo, por que haveriam de recuar as forças que expressam a angústia da fila do SUS? (leia reportagens sobre o assunto nesta pág). O outro impulso pedagógico no pêndulo político da crise teve como alavanca a imolação final da Grécia cobrada pela ortodoxia do euro. Ao pedir mais sacrifícios a uma sociedade que arde na pira neoliberal, os guardiões da fé conservadora vestiram ostensivamente o capuz do algoz. A tal ponto que Nouriel Roubini, o outrora mister catástrofe, ao apregoar o calote da Grécia em entrevista ao Financial Times, soou apenas como sensato, em contraposição à estridência alucinada dos que verbalizam a 'razão' dos mercados.
(Carta Maior; 3ª feira,20/09/ 2011)

Obama e a luta de classes nos EUA

Por Antonio Luiz M. C. Costa, na CartaCapital:

A prolongada crise capitalista declarada em 2008 trouxe as teses de Karl Marx de volta ao debate em lugares inesperados – incluindo, por exemplo, as páginas do Wall Street Journal e da Bloomberg News. Mas raramente foram citadas de forma tão cínica quanto no discurso político do Partido Republicano e da Fox News ao falar de “luta de classes”.

Não há boas razões macroeconômicas para que a redução do déficit público seja vista como a questão mais urgente e prioritária dos Estados Unidos no momento, mas nesse ponto, Obama rendeu-se à agenda republicana. Insiste, porém – e é sensato –, em que se essa redução precisa ser feita, que o seja em parte por aumento de impostos e não só corte de gastos públicos. Seguindo a sugestão de Warren Buffet, sugere um imposto extra às pessoas físicas que ganhem mais de um milhão de dólares por ano.

Atualmente, esses contribuintes são, em média, muito menos tributados que a classe média, pois as rendas, lucros e ganhos de capital são taxados em apenas 15%, ao passo que a alíquota sobre a renda do trabalho chega a 35%. Isso afetaria apenas os 450 mil estadunidenses mais ricos – 0,3% dos contribuintes – e proporcionaria, em 10 anos, uma arrecadação extra de 1,5 trilhão de dólares, que representariam cerca de um terço do total de 4,4 trilhões previstos no pacote. O restante viria de cortes nos programas de saúde pública Medicare e Medicaid e do (incerto) fim das guerras no Iraque e Afeganistão.

Para os apresentadores da Fox e o presidente republicano da Câmara, John Boehner, Obama está “recorrendo à luta de classes”, “penalizando a classe mais produtiva” e “minando o espírito empresarial dos Estados Unidos”. Poderia ser, quando muito, defesa de classe. A resposta de Obama foi correta: promover a histeria sobre o déficit público e contra os gastos sociais e ao mesmo tempo proteger os cortes nos impostos sobre os ricos aprovados em 2001, no início do governo Bush júnior, como insistem os republicanos, já é pura luta de classes.

O problema não é Obama reagir à guerra de classes dos republicanos: é fazer isso de mentirinha. É evidente para quem acompanha o cenário político dos EUA que essa parte da proposta não tem nenhuma chance de ser aprovada no atual Congresso – e se as eleições de 2012 o mudarem, dificilmente será para melhor. Quanto à guerra no Oriente Médio, é também claro que acabará ou não em função da situação geopolítica e não de decisões orçamentárias. Ou seja, passará apenas a parte do pacote que penaliza os usuários da saúde pública, que nos EUA são os pobres e os idosos. O melhor que se pode dizer da proposta é que dá aos democratas um discurso e uma bandeira, o que lhes dá uma chance de se saírem menos mal do que se marcharem em silêncio para o matadouro.