quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Política anti-imigração: Barbarismo com aparência humana

Por Slavoj Žižek, no Blog da Boitempo – traduzido do inglês por Leonardo Gonçalves

Fatos recentes – como a expulsão dos ciganos da França, ou o ressurgimento do nacionalismo e do sentimento anti-imigração na Alemanha, ou o massacre na Noruega – devem ser vistos pelo do viés de um rearranjo que vem ocorrendo há bastante tempo no espaço político da Europa oriental e ocidental.
Até recentemente, na maioria dos países europeus dominavam dois principais partidos que agregavam a maioria do eleitorado: um partido de centro-direita (democrata cristão, liberal-conservador, do povo) e um partido de centro-esquerda (socialista, social-democrata), com alguns partidos menores (ecologistas, comunistas) reunindo um eleitorado ainda menor.
Recentes resultados eleitorais na Europa ocidental e no Leste Europeu sinalizam o surgimento gradual de uma polarização diferente. Agora temos um partido predominante, de centro, atuando em prol do capitalismo global, geralmente acolhendo ideias culturalmente liberais (tolerância ao aborto, direitos dos gays, religiosos e minorias étnicas, por exemplo).
Em oposição a esses, tornam-se cada vez mais fortes os partidos populistas anti-imigração que, pelas beiradas, vêm acompanhados de grupos francamente racistas neofascistas. O melhor exemplo disso é a Polônia onde (após o desaparecimento dos ex-comunistas) os principais partidos são o liberal-centrista “anti-ideológico” do Primeiro Ministro Donald Tusk e o conservador Christian Law, e o Partido da Justiça dos irmãos Kaczynski.
Tendências semelhantes podem ser observadas, como já testemunhamos, na Noruega, na Holanda, na Suécia e na Hungria. Mas como chegamos a este  ponto?
Após décadas de fé no estado de bem-estar social, quando cortes financeiros eram vendidos como temporários, e sustentados por uma promessa de que as coisas logo voltariam ao normal, estamos entrando numa época em que a crise – ou melhor, uma espécie de estado econômico de emergência, com sua necessidade de atendimento para todo tipo de medida de austeridade (cortando benefícios, diminuindo serviços de saúde e de educação, tornando os empregos mais temporários) – é permanente. A crise está se transformando num estilo de vida.
Depois da desintegração dos regimes comunistas, em 1990, entramos numa nova era na qual predomina a administração despolitizada de especialistas e a coordenação de interesses como exercício do poder de estado.
O único meio de introduzir paixão nesse tipo de política, o único meio de ativamente mobilizar o povo, é através do medo: o medo dos imigrantes, o medo do crime, o medo da depravação sexual ateia, o medo do Estado excessivo (com sua alta carga tributária e natureza controladora), o medo da catástrofe ecológica, assim como o medo do assédio (o politicamente correto é a forma liberal exemplar da política do medo).

Uma política assim se sustenta sobre a manipulação de uma multidão paranoica – a assustadora correria de homens e mulheres amedrontados. Eis porque o grande evento da primeira década do novo milênio se deu quando a política anti-imigração entrou para a prática corrente e cortou enfim o cordão umbilical que conectava-a com os partidos da extrema direita.
Da França à Alemanha, da Áustria à Holanda, no novo modelo de orgulho de sua própria identidade cultural e histórica, os principais partidos veem como aceitável insistir que os imigrantes são hóspedes que devem se acomodar aos valores culturais que definem a sociedade anfitriã – “este é o nosso país, ame-o ou deixe-o” é o recado.
Os liberais progressistas estão, é claro, horrorizados com esse populismo racista. Entretanto, uma olhada mais de perto revela o quanto compartilham sua tolerância multicultural e o respeito às diferenças com esses que opõem imigração à necessidade de manter os outros a uma distância apropriada. “O outro é bacana, eu o respeito”, dizem os liberais, “contanto que não interfiram demais no meu espaço pessoal. Quando fazem isso, eles me incomodam – eu apoio enormemente uma ação afirmativa, mas em momento algum estou disposto a ouvir rap a todo volume”.
A principal tendência dos direitos humanos nas sociedades do capitalismo tardio é o direito de não ser incomodado; o direito de manter uma distância segura em relação aos outros.
Um terrorista cujos planos fúnebres devem ser evitados permanece em Guantânamo, a zona vazia desprovida de regras da lei, e um ideólogo fundamentalista deve ser silenciado porque ele espalha o ódio. Pessoas assim são assuntos tóxicos que perturbam a minha paz.
No mercado atual, encontramos toda uma série de produtos despidos de suas propriedades malignas: café sem cafeína, creme sem gordura, cerveja sem álcool. E a lista continua: que tal sexo virtual, o sexo sem sexo? A doutrina Collin Powell de guerra sem casualidades – para o nosso lado, obviamente – como uma guerra sem guerra?
A redefinição contemporânea de política como arte da administração especializada, política sem política? Isto nos leva ao atual multiculturalismo liberal tolerante como uma experiência do Outro desprovida de sua alteridade – o Outro descafeinado.
O mecanismo dessa neutralização foi melhor formulado em 1938 por Robert Brasillach, o intelectual fascista francês, que via a si mesmo como um antissemita “moderado” e inventou a fórmula do antissemitismo razoável.
“Nós nos concedemos a permissão de aplaudir Charlie Chaplin, um meio-judeu, nos filmes; de admirar Proust, um meio-judeu; de aplaudir Yehudi Menuhin, um judeu; não queremos matar ninguém, nós não queremos organizar nenhum pogrom. Mas também achamos que o melhor meio de impedir as ações sempre imprevisíveis do antissemitismo instintivo é organizar um antissemitismo razoável”.
Não seria esta a mesma atitude que entra em funcionamento quando nossos governantes lidam com a “ameaça imigrante”? Após rejeitar diretamente, à moda da direita, o populismo como “irracional” e inaceitável para nossos padrões democráticos, eles endossam “racionalmente” as medidas de proteção racistas.
Ou, como Brasillachs atuais, alguns deles, mesmo os social-democratas, nos dizem: “Concedemos a nós mesmos permissão para aplaudir atletas da África e do Leste Europeu, doutores asiáticos, programadores de softwares indianos. Nós não queremos matar ninguém, não queremos organizar nenhum pogrom. Mas também achamos que o melhor meio de impedir as sempre imprevisíveis e violentas medidas de defesa anti-imigração é organizar uma proteção anti-imigração razoável.”
Essa ideia de desintoxicação do vizinho sugere uma passagem do franco barbarismo para o barbarismo com uma aparência humana. Revela que estamos saindo do amor ao próximo cristão e caminhando de volta para os privilégios pagãos de nossas tribos em detrimento do Outro, bárbaro. Mesmo que esteja sob a máscara da defesa de valores cristãos, esta é a maior ameaça ao legado cristão.

Jobin arrotando


Fonte: Conversa afiada

A FEB, O SANGUE E A OFENSA

31/07/2011

Por Mauro Santayana

As guerras podem ser necessárias ou inevitáveis, segundo alguns. O que as torna mais insuportáveis é que nunca se concluem. Mesmo as contendas míticas, como a de Tróia, permanecem com sucessivas versões dramáticas, em que o heroísmo de alguns é contestado, e a astúcia de outros, execrada.
Neste mês de julho, há 67 anos, o primeiro escalão da FEB desembarcava em Nápoles. Os combatentes eram o sumo da sociedade brasileira de então, em que predominavam as atividades rurais. Mas parte deles procedia da classe média das cidades – como foram os pilotos do Primeiro Grupo de Caça. Há, até hoje, quem faça reparos à nossa participação no grande conflito. Resumo de um livro em que os brasileiros são desdenhados, editado na Itália há algum tempo, está circulando na internet, “Il Brasile in guerra. La partecipazione de la Força Expedicionária Brasileira alla campagna d’Itália, 1944-45, de Andréa Giannasi.
Diz o autor que mais de dois terços dos recrutas foram dispensados com os primeiros exames médicos do Exército ainda no Brasil: eram portadores de verminose, alguns estavam tuberculosos e havia muitos sifilíticos. Isso era verdade entre nós, mas, pelo que sabemos, a sociedade da Itália Meridional de então não era mais saudável. O autor procura menosprezar a necessidade e a importância do Brasil no conflito, e – como muitos analistas – busca atribuir a participação a uma questão de vaidade nacional, que teria custado tantas perdas humanas ao país. Vamos admitir essa razão de natureza política e, em algum momento, de planejamento histórico. Se os aliados ganhassem a guerra, como esperávamos – e ocorreu – o Brasil emergeria do conflito em posição destacada no continente, e no mundo. Não se tratava de razão menor, e procurava afastar um grande risco: se os nazistas ganhassem o conflito, o Sul do Brasil se transformaria, com a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e parte da Bolívia, na desejada “Germânia Austral”, o mais obsessivo dos projetos de Hitler. Não nos esqueçamos do que ocorria nos estados meridionais, de poderosa presença alemã e italiana. Além dos representantes diplomáticos e consulares, havia, na região, os delegados do Partido Fascista italiano e do Partido Nacional-Socialista da Alemanha. Os dois governos financiavam centenas de escolas em que se ensinavam o alemão e o italiano. Em São Paulo era numerosa a presença japonesa. Era poderosa pressão interna para que nos juntássemos ao Eixo, contra os aliados. E havia ainda os integralistas de Plínio Salgado, e outros.
Havia razões não só morais, na reação ao racismo germânico, como de geopolítica, para ficar ao lado dos aliados ocidentais. A declaração de guerra, no entanto, só veio depois da agressão abjeta que sofremos, na costa de Sergipe, com o afundamento de navios nacionais. Tive o privilégio de examinar os documentos alemães do período, e o que mais me tocou foi o Diário de Guerra do submarino U-507 que exerceu, sob a ordem direta de Hitler, a “caça livre” às embarcações brasileiras no quadrado marítimo escolhido. O comandante Harro Schacht anotou em seu Tageskrieg que, ao emergir na área, avistou um veleiro precário (tratava-se de um pequeno saveiro), cujo “capitão” saudara, sorrindo, o submarino, acenando com seu chapéu de palha. Schacht não o poupou: como a caça fosse diminuta, não gastou com ela torpedo: mergulhou e soltou uma bomba de profundidade, emergindo em seguida. De acordo com suas ordens de guerra, não se dispôs a salvar nenhum dos náufragos.
A agressão da costa de Sergipe provocou irada reação do povo brasileiro. Propriedades de alemães e italianos foram destruídas e saqueadas. O povo foi às ruas para exigir a guerra aos atacantes. E foi a morte de mais de mil brasileiros nesses ataques que nos levou à imediata declaração de guerra e à preparação do corpo expedicionário que enviamos à Itália.
Os nossos combatentes foram de extraordinária bravura na Europa. Eles, em sua maioria mestiços e homens do campo, eram rapazes simples. Não tinham o porte atlético dos nibelungos nórdicos, embora também participassem da FEB brasileiros descendentes de alemães e italianos, como o Sargento Wolff, um dos mais bravos heróis de nossas tropas. E foram esses homens simples que, com a sagrada ira da vingança contra a agressão traiçoeira e a bravura nos olhos e na alma, tomaram Monte Castelo, depois de duas tentativas frustradas, com terríveis baixas de nosso lado e se fizeram ainda mais valentes na conquista de Montese. Esses mesmos combatentes, em poucos dias, capturaram dois generais, oitocentos oficiais e 14.700 soldados alemães, em suma, a inteira 148ª. Divisão da Wehrmacht.
O mesmo heroísmo tiveram os jovens pilotos da FAB, quase todos da pequena classe média brasileira. Eram rapazes que haviam adquirido seus brevês pilotando leves aviões de lona, ou que aprenderam a voar para participar da expedição à Itália. Vinte e dois deles tombaram durante as missões.
O editor Leo Christiano reeditou, recentemente, os 34 números de “O Cruzeiro do Sul”, jornal dos pracinhas na Itália. Em seu segundo número, de 7 de janeiro de 1945, o jornal publica crônica de Rubem Braga que deve ser relida sempre. Depois de narrar o dia a dia de duro sacrifício do soldado da FEB, em sua “toca de raposa”, em terreno congelado - buraco onde deviam situar-se para o combate - o grande cronista lembra o dever dos cidadãos brasileiros para com o pracinha sem nome:
“Vocês são responsáveis pelo país dele, para onde ele voltará. Vocês, e não ele, são responsáveis por uma vida de decência, de liberdade do homem, de justiça social verdadeira. Que o sacrifício dele não seja em vão”.
Quando o sentimento de pátria se encontra tão desprezado em nosso país, o apelo de Rubem Braga, nesse texto de há 66 anos, é pleno de atualidade. Mais ainda no que se refere à decência.

Brasil tem 25 parques tecnológicos em operação

 Por
 
Parques tecnológicos (PqTs) reúnem universidades e empresas em um único espaço com a finalidade de produzir produtos e serviços inovadores. Investimentos em iniciativas como essa fazem parte do plano de países que querem aumentar a competitividade de suas indústrias no mercado mundial. O Brasilianas.org conversou com presidentes de PqTs brasileiros e buscou informações de associações de apoio para saber qual é a contribuição desses centros de pesquisa, e o que tem limitado o desenvolvimento desses espaços no país.

O levantamento mais recente sobre a situação dos PqTs brasileiros foi divulgado em dezembro de 2008 pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). O trabalho identificou 74 iniciativas de parques tecnológicos no país: 25 em operação, 17 em fase de implantação e 32 no papel. Mais da metade dessas localidades (64) já abrigariam 520 empresas incubadas, gerando faturamento médio de R$ 1,687 bilhões,  R$ 116 milhões em exportação e R$ 119 milhões de geração de impostos para os cofres públicos, além de 26.233 postos de trabalho.   
Maurício Guedes, diretor executivo do Parque Tecnológico da UFRJ e Presidente da IASP (Associação Internacional de Parques Tecnológicos), explica que no mundo foram registrados 1.400 PqTs.
“Acho que o Brasil não tem capacidade de investimento para montar todos parques tecnológicos (cerca de 70) que estão em fase de planejamento. Esse número é um exagero e decorre, exatamente, da inexistência de diretrizes de um programa exclusivo no país para parques tecnológicos”, aponta.
Apesar disso, Guedes enxerga, nos últimos anos, boa vontade do governo federal em instituir as bases para a criação de um programa nacional de incentivos a parques tecnológicos. O debate vem sendo conduzido na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, que em 2010 teve sua 4ª edição realizada e contou com a participação de entidades acadêmicas, do poder público e civil.

As conclusões obtidas nesse evento, e consolidadas no Livro Azul (
link), podem ajudar o país a acabar com o descompasso que persiste entre os seus setores acadêmico e industrial. O Brasil forma anualmente 10 mil doutores e produz cerca de 2% dos documentos científicos publicados no mundo – metade dessa contribuição vem do Estado de São Paulo, que concentra também a formação da maior parte de doutores.
As regiões Sul e Sudeste têm maior número de parques tecnológicos, tanto em operação, quanto em fase de implantação. Já todos os parques das regiões Centro-Oeste e Norte estão em fase de implantação ou projeto. Para a Anprotec, isso se deve à concentração histórica da produção técnico-científico por essas regiões.


Fonte: ApexBrasil

A participação brasileira na inovação é mais crítica, sendo 10 vezes menor do que sua participação na produção científica. O principal indicador de patentes do mundo, o USPTO (United States Patent Office), aponta que o Brasil detém 0,2% das patentes mundiais. Guedes confirma que isso ocorre porque enquanto em países desenvolvidos três em cada quatro pesquisadores estão na empresa e um na academia, no Brasil ocorre exatamente o inverso.
Em setores onde a indústria brasileira é mais competitiva é possível identificar fortes laços entre empresas, universidades e institutos de pesquisa, e investimentos públicos constantes: Embraer e ITA; Petrobras/CENPES e UFRJ; agronegócio brasileiro e Embrapa. Nessa perspectiva a consolidação de parques tecnológicos seria uma forma viável e bem sucedida para aproximar academia e indústria. O Porto Digital, localizado na Ilha do Bairro do Recife, Estado de Pernambuco, é exemplo disso.
Porto Digital
Lançado em 2000, o Porto Digital atraiu para a região da Ilha do Recife 4.000 postos diretos de trabalho, 10 empresas de outras regiões do país e quatro multinacionais, além da abrigar quatro centros tecnológicos. No entorno do empreendimento, conta Guilherme Calheiros, diretor de inovação, já são 6.500 postos de trabalho criados e 143 empresas.
O parque é um pólo de TIC (tecnologia da informação e comunicação), e agrega seguimentos de softwares, envolvendo sistemas de gerenciamento de tráfego e transporte, gestão de sistemas financeiros, de saúde, games, segurança, entre outros. O local também abriga um cluster composto por pequenas, médias e grandes empresas, como Motorola, Samsung, Microsoft e IBM, que transferiu para a ilha sua sede regional.

“O foco do Porto [Digital] é atrair empresas provendo programas e serviços que às fortaleçam. Para isso, precisamos interagir fortemente com as empresas, instituições de ensino e com o poder público”, explica Calheiros.
Ary Plonski, presidente da Anprotec, afirma que os PqTs são plataformas de desenvolvimento regionais e que as experiências nacionais e internacionais mostram que quanto mais articulados estiverem governo (estaduais, municipais e União), setor privado e universidades, melhor é o projeto do parque científico.
Calheiros explica que desde que o parque foi criado, a iniciativa privada investiu cerca de R$ 30 milhões na recuperação de imóveis, revitalizando o Bairro do Recife. O Porto Digital recebeu outros R$ 33 milhões do Estado de Pernambuco para consolidação de sua infraestrutura.

A gestão do PqT também recorre a recursos da União para manter os projetos e incubadoras. Dos R$ 64 milhões que receberam para serem investidos em 32 projetos nos próximos cinco anos, R$ 25 milhões são do Ministério de Ciência e Tecnologia, a outra parte é distribuída por outros 7 convênios que o parque tem com o governo do Estado, Finep e CNPq.
“Grande parte desses recursos vieram de emendas parlamentares, de bancadas que nós mobilizamos no governo. Para outros projetos captamos recursos em editais competitivos. É um esforço gigantesco que fazemos, todos os anos, para manter nossos programas”, declara.

Os recursos necessários para e manter a infraestrutura e equipe administrativa vêm da remuneração dos ativos do parque: aluguel de prédios, salas de conferência e auditórios. “As empresas não precisam estar especificamente nos prédios do porto e não são obrigadas a pagar alguma taxa para fazer parte do parque tecnológico”, completa Calheiros.

Tendências
A Anprotec identificou tendências em relação aos PqTs no país. Uma delas foi o aumento, entre governantes e setor privado, da percepção de importância de centros de pesquisa e inovação, sejam eles parques tecnológicos ou, simplesmente, incubadoras de empresas.
“Neste ano tivemos cerca de 400 inscritos, entre prefeitos, secretários de estado e pessoas do ministério, para participar de rodada sobre o tema, mas tivemos que fazer um corte, pois só tínhamos vagas para 40 pessoas”, completa Plonski.

Outra tendência no país é a profissionalização de gestores de parques tecnológicos, comum internacionalmente, mas inédito no Brasil. Este ano, uma iniciativa da Anprotec em parceria com o Sebrae formou a primeira turma de pós graduação no tema.
Assim como Plonski, Maurício Guedes ressalta que não há necessidade do país consolidar inúmeros PqTs, pelo contrário, é preciso fortalecer aqueles com melhor êxito.
“Todo lugar em que tiver uma comunidade científica e tecnológica gerando conhecimento, uma sociedade empreendedora, uma base empresarial com vocações compatíveis com essa comunidade científica, ali, talvez se tenha um potencial para uma coisa do gênero parque tecnológico”, e aponta como exemplo a força desse conceito, sem haver um PqT, a cidade de Santa Rita do Sapucaí, do Sul de Minas Gerais, lugar que tem sido chamado de Vale da Eletrônica.
“A cidade tem 33 mil habitantes, uma escola de nível superior de telecomunicações chamada Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), e uma escola de nível médio e técnico, criada no final dos anos 1950, por uma pessoa visionária que se chamava Sinhá Moreira”, conta Guedes que destaca também a importância da gestão do prefeito Paulo Frederico de Toledo, nos anos 1980, de incentivo à incubadoras e pequenas e médias empresas.  
Desafios

Segundo Calheiros, o principal desafio que o Porto Digital tem hoje para continuar desenvolvendo inovação e tecnologia está na geração de conteúdo e serviços mais competitivos. “Cada vez mais tecnologia e inovação está virando uma commodity, o que se faz aqui pode ser feito na Índia, China, Camboja, Cingapura”, diz.
O parque deve lançar, em janeiro de 2012, um centro de economia criativa para avançar mais na qualidade dos produtos que incuba. “Recife já é conhecida pela sua capacidade cultural nas áreas de cinema, games, design e música, que são áreas que precisam fortemente da tecnologia da informação como suporte”, conclui.
O Porto Digital foi escolhido para sediar, em 2013, a Conferência Mundial da Associação Internacional de Parques Tecnológicos (IASP).

Com páginas sujas, Época ataca o PCdoB

A revista Época, em sua última edição – número 689, de 1º de agosto –, publicou um ataque sórdido ao PCdoB por meio de um texto que envergonha o jornalismo que merece esse nome. Sem provas, nem indícios, e sem ouvir o PCdoB – regras éticas básicas do jornalismo –, afirma que o dinheiro proveniente de uma suposta extorsão contra a advogada Vanuza Sampaio, no âmbito da Agência Nacional do Petróleo (ANP), “era para o PCdoB”.


Por Renato Rabelo*
Vamos demonstrar que se trata de uma mentira, de uma acusação leviana que assaca contra a honra da legenda dos comunistas cuja marca destacada é o zelo e a defesa do patrimônio público. Essa montagem grotesca contra o PCdoB não é um fato isolado, faz parte de um movimento orquestrado que, manipulando a justa bandeira do combate à corrupção, tenta paralisar o nascente e promissor governo da presidenta Dilma Rousseff.

Na edição anterior, Época usou a referida denúncia de extorsão como principal pretexto para, em matéria de capa, caluniar a reputação da ANP. O enredo gira em torno de um vídeo gravado em 2008 onde dois personagens, Antonio José Moreira e Daniel de Carvalho Lima, estariam em nome de Edson Silva – membro do PCdoB e ex-superintendente de Abastecimento da ANP –, fazendo chantagens à advogada quanto à tramitação de processos. Moreira e Carvalho Lima são apresentados pela revista como “assessores” da Agência. Outro capítulo do enredo versa sobre um encontro que a senhora Vanuza teria tido com Edson, num café no centro da cidade do Rio de Janeiro, quando a questão teria sido também tratada.

Em nota, a ANP repeliu esta e outras acusações de Época. Em primeiro lugar, Moreira e Carvalho Lima nunca foram assessores da ANP tão pouco pertencem a seu quadro de servidores permanentes. Moreira, servidor da Procuradoria da Fazenda Federal, acompanhava – como de praxe nos órgãos públicos – os processos da ANP. Carvalho Lima foi por lá um estagiário. E os dois estão fora da Agência já há mais de dois anos. A ANP acrescenta ainda que desde 2009 – quando soube da dita gravação – se colocou à disposição do Ministério Público e forneceu à Época essas informações, isto é, há mais de dois anos.

Em relação às acusações feitas contra Edson Silva, diz a nota da ANP que ele afirma categoricamente jamais tê-los autorizado a falar em seu nome na questão em foco e não ter se encontrado com a advogada num café no centro do Rio de Janeiro. E mais. Interpelada judicialmente por Edson Silva, para confirmar as acusações, Vanuza Sampaio – em peça por ela assinada em conjunto com seus advogados e encaminhada com data de 8 de julho de 2009, à 32ª Vara Criminal da Capital (RJ) – diz: “nunca se sentiu prejudicada ou perseguida pelo interpelante”.

Como essa esclarecedora resposta da ANP desmascarou a investida caluniosa de Época, a ponto de esta ficar falando sozinha sobre um pretenso escândalo que somente ela enxergou, agora, na sua edição da semana em curso, “requenta” o assunto e volta sua carga contra a honorabilidade do PCdoB e de uma de suas destacadas lideranças da política nacional, Haroldo Lima, diretor-geral da ANP. Personalidade que vincou sua presença em episódios marcantes da história brasileira e que engrandece o Partido Comunista do Brasil, legenda que ajudou a construir.

A acusação de Época contra o PCdoB seria surreal se não fosse, antes de tudo, criminosa. A revista diz que o PCdoB teria recebido dinheiro por crime de extorsão. Ora, conforme acima exposto, a denúncia de extorsão está sendo investigada, e as instituições encarregadas de apurar o caso têm tido todo apoio do diretor-geral da ANP, Haroldo Lima. Os personagens que aparecem na gravação que seria a prova do referido delito – Antônio José Moreira e Daniel Carvalho de Lima – não são filiados e nunca tiveram qualquer vínculo com o PCdoB. Quanto às acusações da advogada Vanuza Sampaio a Edson Silva, membro do Partido, elas ficam nulas porque para a revista Época ela diz uma coisa, e para a Justiça outra. Senão vejamos. Sobre a resposta dela à interpelação judicial, à revista ela diz: “Apenas neguei que fui fonte da referida matéria. Nunca voltei atrás em nada”. Já para a Justiça, ela proclama outra verdade: “nunca se sentiu prejudicada ou perseguida pelo interpelante”. E a senhora Vanuza vai além, na reposta à interpelação, ela elogia Edson Silva. A advogada diz textualmente: “aproveita a oportunidade para enviar os votos de consideração profissional ao atual Superintendente da ANP, Sr. Edson Menezes da Silva”. Fica nítida, portanto, a má fé da revista Época. O crime de falsidade, de calúnia que cometeu contra o PCdoB.

Além da mentira, da calúnia, a matéria destila o preconceito de um conservadorismo que não admite que forças progressistas, como o Partido Comunista, ou lideranças da esquerda, exerçam responsabilidades relevantes na democracia brasileira. Haroldo Lima, diretor-geral, da ANP, toda vez que é citado na matéria vem com um registro típico da época da ditadura: “o comunista”. Como se convicções e opções ideológicas fossem um estigma e não um direito democrático. É difícil para esse conservadorismo admitir que o engenheiro Haroldo Lima, que foi por cinco mandatos deputado federal, se capacitou como uma das principais autoridades do setor de petróleo e energia do país. Que soube formar e liderar uma equipe plural, de técnicos e profissionais de alto gabarito, e conduziu a ANP para um novo patamar de sua atuação. Teve atuação destacada na elaboração do marco regulatório do petróleo das camadas do Pré-Sal. Dinamizou a ANP com a atuação na área do biodiesel e dos biocombustíveis. Criou a superintendência de fiscalização que nos últimos anos reduziu muito positivamente os índices de adulteração de combustíveis. E com a realização de concursos públicos agregou talentosos recursos humanos à Agência.

O PCdoB na atualidade, decorrente de seu programa partidário e do convite advindo de méritos na sua atuação política, tem quadros e lideranças no exercício de responsabilidades públicas nas distintas esferas de governo. Neste trabalho, tem como princípio e como prática o rigoroso zelo pelo patrimônio público. A gestão de Haroldo Lima à frente da ANP é regida por esse princípio e tem sido fiscalizada e aprovada nos termos da lei. Já o Partido como instituição tem toda sua movimentação contábil e financeira aprovada pelos órgãos competentes da República.

Época tenta enxovalhar uma legenda de 90 anos que, se manchas tem na sua bandeira, são de sangue de seus militantes que morreram na luta contra as ditaduras e pela democracia. Mas, sua investida resultou em fracasso, posto que sua denúncia suja de mentiras revelou-se uma calúnia que não encontra eco.

Brasília, 2 de agosto de 2011

* Renato Rabelo é presidente Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

Bom viver para todo mundo

Marcelo Barros - Brasil de Fato

Em julho, os povos indígenas da Ameríndia recordam a figura de Bartolomeu de las Casas, o primeiro bispo católico que ainda nos primeiros tempos da colonização assumiu o papel de defensor dos índios contra os conquistadores. Este primeiro bispo de Chiapas, no sul do México, faleceu no dia 17 de julho de 1586. Nos Andes, um encontro de povos indígenas propõe ao mundo que, para salvar o planeta Terra, a humanidade deveria aprender o Bom Viver como regra ética e critério de organização das sociedades. É o Suma Kwasay dos quétchuas, ou o Suma Kamana dos aymara. O povo Guarani o chama Lekil Kuxlejal, sinônimo de “vida boa”. Signifi ca o que hoje denominamos de “qualidade de vida” e o Evangelho chama de “Vida em plenitude” (Jo 10, 10).
O mundo capitalista sempre prometeu às pessoas a possibilidade de se viver melhor e fala em otimização da produção e do trabalho. Os povos tradicionais não querem apenas isso. Almejam transformar profundamente o modo de viver. Priorizam a sacralidade da vida humana e de todos os seres vivos. Compreendem isso como compromisso de viver de modo sadio, feliz e harmonioso consigo mesmo, com os outros humanos e com todos os seres vivos. Para os povos tradicionais, não é um ideal irrealizável e sim uma utopia possível que temos de construir.
Antigamente, nas comunidades andinas, o bom viver era um método de vida e espiritualidade social. Com a invasão da cultura individualista e do consumo, para que alcancemos novamente este ideal, precisamos nos apoiar em um conjunto de princípios, critérios e iniciativas como alternativas ao tipo de desenvolvimento que privilegia o econômico, sem levar em conta a dimensão humana, social e ecológica. A Bolívia e o Equador inscreveram o bom viver nas suas constituições, como objetivo do Estado. Nestes países, inúmeras conferências e congressos procuram aprofundar um conhecimento cultural das diversas tradições indígenas. Garantindo, assim, uma conduta ética e espiritual que fundamente uma sociedade dirigida à realização de cada pessoa na comunidade e, a partir do cuidado social, garanta o equilíbrio nas relações entre as pessoas, povos, assim como com a Mãe Terra e toda a natureza.
Na sociedade capitalista, o desenvolvimento dos países era calculado pelo Produto Interno Bruto (PIB). Na década de 1990, o economista indiano Amartya Sem propôs como critério o “Índice de Desenvolvimento Humano”. Isso signifi ca levar em conta não só o aspecto econômico, mas a saúde, educação e liberdade social de cada povo. Já em 1970, no Bustão, país pouco conhecido da Ásia, o príncipe Jigme Singye Wangchuck propôs como critério de classifi cação, não a produção econômica e o desenvolvimento social, mas o “Índice de Felicidade Interna”, qualidade de vida digna, baseada nos princípios espirituais do Budismo. A questão é como avaliar o grau de felicidade de uma comunidade e das pessoas na sociedade. Uma ONG inglesa (Friends of the Earth) publicou uma série de itens para medir o grau de felicidade coletiva. Alguns destes elementos são: saúde, estabilidade social, possibilidade de vida familiar, condições saudáveis de trabalho, liberdade e lazer. No começo deste século, esta ONG elaborou uma pesquisa na qual segmentos da população de vários países responderam a um questionário. Além disso, estas famílias foram visitadas por voluntários que também se pronunciaram sobre as condições de vida nestes países. Os povos que se destacaram pelo índice de felicidade foram pequenos países como Costa Rica, estado desmilitarizado e relativamente pobre, a Colômbia depois da pacifi cação de sua guerra civil, e mesmo Cuba, vítima do bloqueio estadunidense. O povo brasileiro foi considerado dos mais felizes, apesar de tantos problemas sociais e políticos que enfrentamos. Nenhum país rico do G8 aparece na lista dos mais felizes. Os Estados Unidos ocupam o posto 150, igual ao Zimbabue, país africano pobre e ainda imerso em confl itos raciais.
Apesar de que existem grupos religiosos capitalistas que fazem do lucro e da prosperidade econômica um sinal de bênção divina, as grandes tradições espirituais sempre chamaram as pessoas a valorizar mais o ser do que o ter.

Do latifúndio ao agronegócio. A concetração de terras no Brasil

IHU - Unisinos
Instituto Humanitas Unisinos
Adital
Entrevista especial com Inácio Werner

A concentração desequilibrada de terras está na raiz da história brasileira. O antigo latifúndio, responsável pelas extensas propriedades rurais, "se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio", constata Inácio Werner, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo ele, apenas no Mato Grosso, um dos principais pólos do agronegócio no país, a má distribuição da terra é evidente e tem se tornado uma das principais causas de conflitos sociais. No total, "3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras".

Nos últimos 10 anos, 114 pessoas foram ameaçadas e seis foram assassinadas por combater o monopólio do campo. Na avaliação do sociólogo, o Estado não dispõe de uma política pública eficiente de proteção às vítimas porque é "forçado a tomar posição e enfrentar aliados".

Na entrevista a seguir, Werner também comenta a estrutura política do Mato Grosso e fala das articulações entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o ex-governador, Blairo Maggi (PR), que está na "linha de frente do modelo do agronegócio".

Inácio José Werner é graduado em Ciências Sociais pelas Faculdades Integradas Cândido Rondon – Unirondon e especialista em Movimentos Sociais, Organizações Populares e Democracia Participativa pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi Agente de Pastoral da Paróquia do Rosário e São Benedito, e posteriormente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Atualmente, é coordenador do projeto Rede de intervenção social do Centro Burnier Fé e Justiça, com sede em Cuiabá. Atua na luta pela erradicação do trabalho escravo, coordena o Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo e participa da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) e do Conselho Gestor do Fundo de Erradicação do Trabalho Escravo (Cegefete). Integra ainda a coordenação do Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a atual situação agrária do estado de Mato Grosso?

Inácio Werner – O latifúndio se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio, que controla as terras e a produção. Dados do último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras.

IHU On-Line – Em que contexto social e econômico ocorrem os conflitos agrários no campo em Mato Grosso?

Inácio Werner – A concentração das terras traz um reflexo direto para a agricultura familiar. Enquanto a média nacional de apropriação é de 33,92% dos recursos, em Mato Grosso esta fatia cai para 6,86%. Em outras palavras, 93,14% do bolo fica com a agricultura empresarial.
Dom Pedro Casaldáliga, em Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, documento que completa 40 anos no dia 9 de outubro, já denunciava o conflito estabelecido pela ganância do latifúndio, que assalta e expropria comunidades e povos que viviam por gerações em sua terras, destacando as populações tradicionais como quilombolas, retireiros e povos indígenas.

IHU On-Line – Quais são as principais razões de ameaças no campo no estado? Quantas pessoas estão sendo ameaçadas, hoje, no Mato Grosso?

Inácio Werner – A principal causa de ameaça é a resistência na terra ou a luta pela conquista de um pedaço de chão. Também temos ameaças pela denúncia de venda de lotes destinados à reforma agrária, a denúncia de trabalho escravo, desmatamento ou venda de madeira, além do uso abusivo de agrotóxicos.
Segundo o caderno Conflitos da Comissão Pastoral da Terra, em Mato Grosso, entre 2000 e 2010, 114 pessoas foram ameaçadas, algumas mais de uma vez. Uma mesma pessoa chegou a ser ameaçada seis vezes. Deve-se ressaltar que, destas 114 pessoas, seis foram assassinadas. Nos últimos três meses recebemos mais cinco denúncias de ameaças de morte por lideranças ligadas à luta do campo.

IHU On-Line – Quem são os grupos econômicos e políticos que exercem hegemonia em Mato Grosso?

Inácio Werner – O latifúndio, rearticulado através do agronegócio, perpassa e influencia a quase totalidade dos partidos políticos em Mato Grosso. Uns representam o latifúndio e outros, o agronegócio.

IHU On-Line – Quem é Blairo Maggi? Qual é a sua real força política no estado? Como construiu seu poder econômico e político? E como ele se relaciona com o movimento social?

Inácio Werner – Blairo é da linha de frente do modelo do agronegócio, alguém que passou a ser porta voz de uma classe, captando muito bem o anseio dos latifundiários que, em vez de escolherem representantes, apostaram em quem era "um" dos seus.
Blairo, através do Grupo Amaggi (André Maggi, pai de Blairo) foi construindo seu "império" através da diversificação. Não investiu somente na modernização de seu latifúndio: além de rei da soja, ele compra, transporta, tem as barcaças, investe em portos, constrói PCHs (pequenas centrais hidroelétricas).
Blairo também se modernizou na relação com o movimento social. No início de seu governo, em 2003, dizia que no Mato Grosso não existia trabalho escravo. Depois, através da pressão dos movimentos sociais, assinou o Plano Estadual de Erradicação de Trabalho Escravo. Recebeu o prêmio "motosserra de ouro", e depois deu sinais buscando evitar a derrubada da mata.

IHU On-Line – Como o Partido dos Trabalhadores (PT) do estado reagiu ao fato de Maggi ser um dos principais apoiadores de Lula nas últimas eleições e agora de Dilma Rousseff?

Inácio Werner – A aliança entre PT e PPS e, depois, PR foi costurada em nível nacional e repetida no estado com pouca resistência; houve reações de setores minoritários.

IHU On-Line – Como repercutem as denúncias de corrupção do Ministério dos Transportes em Mato Grosso que tem em Pagot um dos personagens centrais e é um dos afilhados políticos de Maggi?

Inácio Werner – No Mato Grosso, a relação Pagot/Maggi é muito conhecida; eles estavam juntos nos dois mandatos do governo Maggi. A reação é pequena, pois a mídia repercute pouco e a relação de ambos é vista como mais um escândalo a se somar a tantos outros.

IHU On-Line – O Fórum de Direitos Humanos e da Terra – Mato Grosso propõe ao governo do estado a criação do Programa Estadual de Proteção à Testemunha. Como o governo mato-grossense recebeu essa proposta e qual sua expectativa em relação ao Programa?

Inácio Werner – O Fórum há anos insiste e faz articulação para que o governo estadual possa aderir aos programas federais de proteção. Estas tratativas de aderir esbarram em diversas desculpas, como as alegações de que não há dinheiro para a contrapartida, que isso iria requerer uma grande quantidade de policiais, que teria que haver leis para poder implantar os programas. Agora, pelo menos um primeiro passo parece ter sido dado à medida que se encontram previstos no PPA recursos para esta contrapartida.

IHU On-Line – O que dificulta, em sua opinião, a constituição de uma política pública eficiente de proteção às testemunhas?

Inácio Werner – O que mais dificulta é o convencimento da importância desta política. O segundo fator é o medo de se comprometer, porque exige uma resposta do Estado. O Estado é chamado a agir sobre as causas das ameaças e, então, é forçado a tomar posição e enfrentar aliados.

IHU On-Line – Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos últimos 25 anos, 115 pessoas foram assassinadas em função dos conflitos do campo em Mato Grosso, e apenas três casos foram julgados. Como o senhor analisa a atuação do sistema judiciário brasileiro nesses casos de violência? Por que é difícil julgar os mandantes dos crimes?

Inácio Werner – A Justiça em nosso país não condena quem tem dinheiro e influência política. Com intermináveis recursos e manobras judiciais, os processos nunca vão a julgamento. Porém, a falha não está só no setor judiciário, à medida que os inquéritos são mal elaborados, muitas vezes propositalmente, para já nesta fase facilitar a absolvição do criminoso influente. Sem dúvida, a lentidão da Justiça contribui com a impunidade e, de certa maneira, incentiva o crime.

IHU On-Line – O Centro Burnier se constitui, hoje, na principal referência do movimento social do Mato Grosso? Quais são as outras organizações com quem vocês trabalham?

Inácio Werner – Não saberia dizer se o Centro Burnier é a principal referência. O que sei é que nos esforçamos para uma mudança na forma de agir, sempre atuando em rede, reforçando espaços coletivos.
O desafio é criar uma rede forte em momento de fragilização dos movimentos sociais onde a luta pela sobrevivência de cada organização está ameaçada. Trabalhamos em várias frentes de luta, em parceria com algumas instituições, como a Comissão Pastoral da Terra, o Centro Pastoral para Migrantes, o Conselho Indigenista Missionário, as Comunidades Eclesiais de Base, o Centro de Estudos Bíblicos, a Operação Amazônia Nativa, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, o Sindicato dos Profissionais da Educação, o Instituto Centro de Vida, além de setores organizados na Universidade Federal de Mato Grosso.

O poder de pensamentos perigosos na internet

Por Timothy Garton Ash - O Estadfo de São Paulo

“Você pode ignorar a jihad, mas não pode evitar as consequências de ignorar a jihad.” Essa foi a primeira reação da blogueira anti-islâmica americana Pamela Geller à notícia dos ataques terroristas na Noruega. No seu site, Atlas Shrugs, ela colocou um link para um vídeo antigo de uma demonstração pró-Hamas em Oslo. Quando se revelou que o assassino em massa não era um terrorista islâmico, mas um terrorista anti-islâmico cujo manifesto online de 1.500 páginas estava repleto de material de escritores anti-islâmicos como o dela, Pamela deu de ombros: “Ele é um assassino sanguinário. Ponto. Ele é responsável por seus atos. Ele e apenas ele. Não há nenhuma ‘ideologia’ aqui”.

“Ninguém explicou nem pode explicar como as supostas opiniões antijihad desse sujeito têm qualquer coisa a ver com seu massacre de crianças”, protestou Robert Spencer da Jihad Watch, outro blogueiro favorecido por Anders Behring Breivik.

Bruce Bawer, americano que mora em Oslo e autor de uma lamentação sobre o crescimento do controle muçulmano sobre a Europa, foi mais ponderado. Notando que em seu manifesto Breivik “cita de maneira aprovadora e por extenso meu trabalho, mencionando meu nome 22 vezes”, reflete Bawer, com decente consternação, “é arrepiante pensar que postagens no blog que eu compus em minha casa na zona oeste de Oslo nos dois últimos anos estavam sendo lidas e copiadas por esse futuro assassino em massa”.

Agentes da violência

Então, qual é, se é que existe, a conexão entre as palavras deles e os atos de Breivik? Quais deveriam ser as consequências para a maneira como sociedades livres tratam escritores que esse assassino em massa citou com tanta deferência? Para começar, pessoas como Pamela e Spencer, para não mencionar o suave Bawer, não são responsáveis pelo que Breivik fez. É tão errado proclamá-los culpados por associação de assassinato em massa como considerar escritores muçulmanos não violentos (embora às vezes não liberais e extremados) culpados por associação com muçulmanos terroristas que cometeram atentados em Nova York, Londres e Madri.

Como esse é um jogo que eles próprios vinham jogando há anos, algumas pessoas podem sentir uma pitada de schadenfreude (pequena alegria com a desgraça alheia) ao ver Pamela & Cia. provando do próprio veneno. Mas não devemos fazer o mesmo. Eles não são culpados por associação. Ponto.

No entanto, se é ridículo sugerir que não há absolutamente nenhuma conexão entre ideologia islâmica e terror islâmico, é também ridículo sugerir que não houve nenhuma conexão entre a visão alarmista da islamização da Europa que esses escritores espalharam, e o que Breivik entendeu que ele próprio estava fazendo.

“Nenhuma ideologia” aqui? Pode apostar que houve. Uma parte significativa do manifesto de Breivik é uma reafirmação – com frequência por citação “recortada e colada” da internet – precisamente de sua história de horror da Europa como “Eurábia”: tão enfraquecida pelo veneno do multiculturalismo e outras doenças esquerdistas que sucumbe sem luta a uma condição de subserviência ante a supremacia muçulmana. Sua mente claramente desequilibrada salta, então, para a conclusão de que o Cavaleiro Justiceiro solitário (ele próprio) deve emitir um sinal de alarme heroico e brutal para sua sociedade fragilizada – um “sinal agudo” como ele disse a investigadores noruegueses.

O que deveria ser feito então a respeito a palavras tão incendiárias? Uma resposta, bastante popular em partes da esquerda europeia, é “proibi-las”! Se o pensamento foi o pai do feito, parem o pensamento. Um novo rol de termos e sentimentos ofensivos e extremados deveria ser somado à já longa lista de “discurso de ódio” pelo qual se pode ser processado em algumas partes da Europa.

Alguns anos atrás, a então ministra alemã da Justiça, Brigitte Zypries, levou a União Europeia a aprovar uma “decisão de estrutura” para uma multiplicação pan-europeia desses tabus embora a prática felizmente tenha ficado aquém das intenções dela. Felizmente – pois essa é uma maneira muito errada de agir. Ela não acabará com esses pensamentos, apenas os empurrará para o subsolo, onde eles se corrompem e ficam ainda mais venenosos.

Isso esfriará o debate legítimo sobre questões importantes: imigração, a natureza do Islã, fatos históricos. Trará aos tribunais fantasistas como Samina Malik, uma ajudante de loja de 23 anos processada na Grã-Bretanha por escrever maus versos glorificando o martírio e o assassinato jihadista, mas não os verdadeiros homens da violência. A incitação direta à violência deve merecer em toda parte, e sempre, o pleno rigor da lei.

Corpo de evidências

Os textos ideológicos que alimentaram a loucura de Breivik, até onde posso ver, não cruzaram a linha. Permitir a expressão das fantasias reformadoras tanto de islâmicos quanto de anti-islâmicos radicais é o preço que pagamos pela liberdade de expressão numa sociedade aberta.

Isso significa que eles devem ficar sem resposta? Evidentemente que não. Como o preço da proibição é alto demais, e na era da internet ela é de qualquer modo irrealizável (“como saltar sobre uma sombra”, como diz o especialista em liberdade de expressão Peter Molnar), precisamos enfrentá-los num combate aberto.
Um campo de batalha decisivo é a política, onde políticos europeus das correntes dominantes, de olho no sucesso eleitoral de partidos populistas xenófobos, estão contemporizando em vez de falar contra os mitos extremistas.

Outro é a mídia chamada dominante. Em um país como a Noruega – e na Grã-Bretanha – as emissoras públicas de rádio e televisão e uma imprensa de qualidade responsável em geral asseguram que, apesar de opiniões extremistas serem transmitidas, os mitos perigosos que elas espalham são esvaziados por fato, razão e senso comum. Para os que ainda leem e ouvem esses meios de comunicação, melhor dizendo. Mas, e se a pessoa obtém suas notícias de tabloides sensacionalistas demagógicos, do tipo favorecido por Rupert Murdoch? Ou de um canal de televisão sistematicamente partidário, seja um de Silvio Berlusconi na Itália ou a Fox News de Murdoch nos Estados Unidos?

Na noite da matança de Oslo, a âncora do programa The O’Reilly Factor na Fox News, Laura Ingraham, reportou “dois ataques terroristas mortais na Noruega, no que parece ser o trabalho, mais uma vez, de extremistas muçulmanos”.

Após descrever o que se sabia até aquela hora sobre dos ataques, ela prosseguiu: “Enquanto isso, em Nova York, os muçulmanos que querem construir uma mesquita no Marco Zero (área onde ficavam as Torres Gêmeas) conseguiram recentemente uma enorme vitória legal”. Muçulmanos sanguinários, percebem, plantando bombas em Oslo, mesquitas em Nova York.

E se a pessoa recebe suas notícias do mundo principalmente pela internet? A história de Breivik mostra de novo o recurso fantástico que a internet é para os que querem buscar com a mente aberta. Em poucas horas, foi possível juntar uma quantidade de informações que em outros tempos exigiria semanas, e provavelmente uma viagem ao país em questão para montá-la. Mas há um corpo crescente de evidências de que a maneira como a internet funciona também pode contribuir para fechar mentes, reforçar preconceitos e nutrir teorias conspiratórias.

Respostas difíceis

Online podem-se encontrar com muita facilidade os milhares de outras pessoas que partilham sua visão pervertida. Obtém-se, então, uma espiral viciosa de pensamento grupal, reforçando o pior tipo de ideologia: uma visão de mundo sistemática, internamente consistente, totalmente divorciada da humanidade real. O manifesto de Breivik, com seus intermináveis pedaços “recortados e colados” de fontes online, é um exemplo didático desse processo.

Não há respostas fáceis aqui. “Proibi-las!” é a errada. O verdadeiro desafio é descobrir como podemos elevar ao máximo a capacidade extraordinária da internet para abrir mentes – e reduzir ao mínimo sua agora evidente tendência a fechá-las.

***
[Timothy Garton Ash é professor de Estudos Europeus na Universidade Oxford E bolsista sênior na Hoover Institution, Universidade Stanford]

Como o sistema financeiro mundial criou a dívida

O colapso econômico é iminente. Os países mais industrializados do mundo enfrentam uma grande crise da dívida provocada pela crise do crédito de 2008, após a crise das hipotecas imobiliárias e a queda do Lehman Brothers. Estas crises originadas por um colapso do crédito costumam ser muito mais prolongadas e profundas que as crises desencadeadas por um surto inflacionário. Grande parte do mundo enfrenta este tsunami da dívida à beira da bancarrota, como acontece com Grécia, Irlanda e Portugal. No entanto, podemos falar de bancarrota quando estes países possuem enormes riquezas em capital humano e recursos produtivos? De acordo com o atual sistema financeiro, sim. E é por isso que os serviços públicos estão sendo cortados e os bens públicos privatizados.

Ao contrário da crença popular, o dinheiro que circula pelo mundo não é criado pelos governos, mas sim pela banca privada em forma de empréstimos, que são a origem da dívida. Este sistema privado de criação de dinheiro tornou-se tão poderoso nos últimos dois séculos que passou a dominar os governos em nível mundial. No entanto, este sistema contém em si próprio a semente da sua destruição e é o que estamos a experimentar na crise atual: a destruição do sistema financeiro que temos conhecido, dado que não tem nenhum tipo de saída pelas vias convencionais. Dados os seus níveis colossais, trata-se de uma dívida impagável.

Para compreender isto, há que referir que o sistema financeiro tem funcionado sempre como um gigantesco esquema ponzi, onde os novos devedores permitem manter a velocidade do crédito. Se se produz um colapso dos novos devedores, o sistema fica sem a opção de conceder mais crédito e, à medida que esta opção se cristaliza com o tempo, o sistema inteiro entra em colapso e requer injeções de liquidez na esperança de que os fluxos voltem à normalidade. A habituação do dna coletivo à dependência do crédito produziu este retorno à normalidade durante várias décadas. Mas até o dna acusa fadiga e nesta co-dependência ao crédito recorda os sintomas da escravatura: é a escravatura da dívida.

A criação de dinheiro através do sistema de reserva fracionada
Os bancos centrais são os responsáveis pela oferta monetária primária, ou base monetária, conhecida também como dinheiro de alto poder expansivo. Este dinheiro de alto poder expansivo é o que chega aos bancos privados, que são quem o reproduz pela via do crédito. A reprodução do dinheiro original depende da taxa de encaixe, ou reservas mínimas requeridas, que produz o efeito inverso: quanto menor é a exigência de reservas, maior é a quantidade de dinheiro que a banca privada cria. Isto conhece-se como o multiplicador monetário e a sua fórmula, muito simples, é m=1/r, onde m é o multiplicador monetário e r o nível de reservas exigidas em percentagem.

Deste modo, perante um nível de reservas de 50% (r=0,5 na equação), o multiplicador monetário é 2, como era nas origens da banca inglesa no ano de 1630. Se o nível de reservas é de 20%, o multiplicador monetário é 5 e se as reservas exigidas são de 10%, o multiplicador é 10 (m=1/0,1), o que indica que está a multiplicar-se dez vezes a quantidade de dinheiro real oferecida pelo banco central.

Grande parte da desregulamentação financeira promovida desde os anos 80 consistiu em dar aos bancos a maior das liberdades para o montante das suas reservas. Deste modo, a clássica norma de reservas em torno de 10% ou 20% foi reduzida a níveis de 1%, e mesmo inferiores, como aconteceu com Citigroup, Goldman Sach. JP Morgan e Bank of America, que, nos momentos mais sérios, afirmavam ter uma taxa de encaixe de 0,5%, com o qual o multiplicador (m=1/0,005) permitia criar 200 milhões de dólares com um só milhão em depósito. E no período da bolha, as reservas chegaram a ser inferiores a 0,001%, o que indica que por cada milhão de dólares em depósito real, se criavam 1.000 milhões do nada.

Esta foi a galinha dos ovos de ouro para a banca. Uma galinha que era de todas as formas insustentável e que foi assassinada pela própria cobiça dos banqueiros que se aproximaram do crescimento exponencial do dinheiro até que este entrou em colapso, demonstrando que toda a ficção se asfixia na conjectura e nada é senão o que é. A solução que os bancos centrais ofereciam era muito simples: mal havia um aumento da inflação, elevavam a taxa de juro para assim encarecerem o crédito e bloquearem os potenciais novos empréstimos (cortando, desta forma, potenciais novos empréstimos) e incentivando, a taxas mais altas, o “aforro” seguro dos prestamistas.
Entende-se agora o abismo em que estamos e por que razão governos e bancos centrais correm a tapar esses enormes buracos que o dinheiro falsamente criado deixou? Entende-se por que razão a Fed e o BCE correm a resgatar o lixo dos ativos tóxicos criado neste tipo de operações? Se ainda há dúvidas, deixo aqui este vídeo (ver acima) que pode ajudar a compreender parte importante deste fenômeno. Este documento foi realizado em 2006 e contém sérias advertências que não foram ouvidas nem pelos governos nem pelas pessoas. Por algo será.
* Artigo publicado em El Blog Salmón, traduzido por Ana Bárbara Pedrosa para Esquerda.net

Murdoch e o enterro do jornalismo liberal

Por Silvio Miele, no jornal Brasil de Fato:

Um dos marcos da virada empresarial do jornalismo foi a introdução da imprensa rápida, em 1814, pelo diário londrino The Times, que, ironicamente, foi incorporadoem 1981 pela News Corporation Group, império do megaempresário australiano/estadunidense Rupert Murdoch.

Pouco depois, a partir de meados do século 19, teve início uma fase de acumulação primitiva da indústria cultural, através do crescimento exponencial da imprensa, da publicidade e da produção do espetáculo, áreas que foram se articulando num mercado gigantesco, cada vez mais concentrado e monopolizado, precursor do atual complexo de entretenimento global.

Pulemos do século 19 para a recente explosão do escândalodas gravações ilegais utilizadas pelo tabloide britânico News of the World, propriedade do próprio Murdoch. Afinal, qual a novidade no fato de um veículo da mídia liberal burguesa estabelecer relações promíscuas com o governo e com a polícia de plantão?

A resposta nos obriga a voltarmos ao século 19. A reportagem sempre andou de mãos dadas com o formato policialesco do interrogatório e a linguagem jurídica do inquérito. Mas, além disso, desde que o jornalismo transformou-se em negócio (os primeiros grandes jornais foram fundados entre 1780 e 1880) e a informação passou a virar uma commodity, a fronteira entre imprensa, governos e corporações se esfumaçou de vez. Em nome da transparência, da iluminação da verdade e do livre mercado, jornais violaram privacidades, tramaram contra movimentos coletivos e traficaram interesses escusos ao longo dos últimos séculos.

Nesse contexto, o escândalo da mídia britânica — que inclusive envolveu a escuta de familiares do brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado no metrô pela polícia londrina em 2005 — não representaria nada de muito novo mesmo, exceto por um motivo. Vindo de onde veio, sua simbologia configura, pela riqueza de detalhes e pelo vínculo carnal com o poder institucional, o enterro simbólico da era do jornalismo liberal tal como o conhecemos. E isso não é pouca coisa.

Nos últimos dias, um certo rebuliço instaurou-se entre os defensores de Murdoch e de sua lógica, inclusivea partir de muitos analistas brasileiros que andaram repercutindo um texto do articulista Roger Cohen (publicadona edição de 12 de julho do New York Times), onde pode-se ler a seguinte pérola: “Esse homem (referindo-se a Murdoch) é uma força da natureza, e suas incansáveis inovações têm sido, em equilíbrio com as ressalvas, boas para a mídia e para um mundo mais aberto”.

No fundo, o temor preventivo dessa estrutura que domina a mídia global é que o escândalo potencialize os movimentos por uma maior regulação dos meios de comunicação de massa. E, na mesma toada, ajude a conscientizar-nos a todos sobre os excessos de um mundo feito de muita luz, mas pouca clarividência, que está deslocando o jornalismo para uma dimensão muito diferente daquela herdada pelos ideais da Revolução Francesa.

O fim deste “modelo de jornalismo” não significará o “fim do jornalismo”. Existem fontes alternativas de energia informacional que ainda precisam ser exploradas e democratizadas. Afinal de contas, Millôr Fernandes tinha razão quando dizia que “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Oposição ao poder, onde quer que ele esteja e em qualquer formato que ele se apresente.

Cristina veta sexo na mídia. E a Dilma?

Por Altamiro Borges

Na semana passada, a presidenta Cristina Kirchner baixou decreto que proíbe a publicação de anúncios de prostituição nos jornais da Argentina. “A oferta sexual não é só um veículo para o delito de exploração das pessoas, mas uma profunda discriminação à mulher. O decreto é um grande passo contra a dupla moral e a hipocrisia”, explicou Cristina no Twitter.

Assim como ocorre no Brasil, os anúncios de sexo nas páginas de classificados geram lucros para os empresários. De imediato, os barões da mídia rotularam o decreto como um “atentado à liberdade de expressão”. Cristina não vacilou na resposta: “Um diário não pode exigir em sua primeira página que o governo lute contra a exploração sexual e oferecer sexo nas páginas comerciais”.

Significado da Ley de Medios

A nova medida confirma que a presidenta da Argentina não se curva diante da gritaria midiática. Desde o locaute de 101 dias dos chefões do agronegócio em 2008, orquestrado pela mídia privada, o governo tem adotado inúmeras medidas para coibir o poder dos monopólios. A mais ousada e consistente foi a chamada “Ley de Medios”, como é conhecida a nova regulamentação do setor.

Em 21 de junho passado, após superar os obstáculos jurídicos impostos pelos donos da mídia, a Ley de Medios passou a valer de fato na Argentina. A presidenta Cristina Kirchner anunciou em rede nacional de televisão a abertura da licitação para a concessão de 220 novas licenças de radiodifusão no país, o que representa o início do fim do monopólio midiático na nação vizinha.

Fórmula para romper o oligopólio

O professor Laurindo Lalo Leal, num artigo na CartaCapital, explicou a importância histórica daquela data. “Como determina a lei metade das concessões será destinada a emissoras privadas e a outra metade dividida entre os governos estaduais, o federal e as organizações sem fins lucrativos. Foi a fórmula encontrada para romper o oligopólio existente hoje na comunicação argentina”.

Como ele relata no texto, a nova legislação foi fruto de um intenso debate na sociedade. “Seus 166 artigos não caíram do céu. São resultado de um levantamento minucioso daquilo que existe de mais avançado no mundo em termos de legislação para área das comunicações”. Para enfrentar a pressão dos barões da mídia, também foi necessária a ativa mobilização dos movimentos sociais, como inúmeros atos políticos e passeatas em Buenos Aires e outras cidades pela democratização dos meios de comunicação.

O cerco sobre o império do Clarín

Fruto desta politização, a sociedade argentina hoje está mais atenta aos danos causados pelo monopólio privado da mídia, com o seu corrosivo poder de manipulação da informação e de deformação dos comportamentos. Várias iniciativas populares têm ocorrido contra o império do Clarín, o principal grupo monopolista do país. Bancas de jornal têm se recusado a vender o jornal do grupo e milhares leitores já cancelaram as suas assinaturas por discordarem da linha editorial golpista do Clarín.

Na campanha salarial do ano passado, os sindicatos dos gráficos e dos transportadores também exigiram medidas mais duras do governo contra o monopólio do grupo sobre o setor gráfico. A presidenta baixou medida cancelando os subsídios ao papel e a Justiça analisa o fraudulento processo de monopolização do setor, iniciado durante a sangrenta ditadura militar argentina. Outra dor de cabeça da proprietária do grupo Clarín é a suspeita de que seus filhos adotivos foram seqüestrados de presos políticos.

Já no Brasil...

Enquanto na Argentina a presidenta Cristina Kirchner endurece contra os barões da mídia, no Brasil a presidente Dilma Rousseff faz o caminho inverso. Segundo relato recente do jornalista André Barrocal, no sítio Carta Maior, o governo “tem procurado distensionar a relação com a grande imprensa”. Reproduzo trechos da excelente reportagem:

*****
Desde que assumiu, a presidenta faz gestos impensáveis para o antecessor, que dizia, sentindo-se orgulhoso, nunca ter tomado café, almoçado ou jantado com donos ou chefes dos grandes veículos em oito anos. Dilma tem recebido editores e colunistas no Palácio do Planalto e até na intimidade de sua residência oficial, o Palácio da Alvorada, para conversas informais, não apenas entrevistas.

Esteve na comemoração de 90 anos do jornal Folha de S. Paulo. Foi à sede da TV Globo participar de entrevista ao programa Ana Maria Braga e de almoço com dirigentes da emissora e membros da família Marinho. Agendara presença em evento do grupo O Estado de S. Paulo, no qual a agência do jornal entregaria prêmio a empresas. Na última hora, porém, antecipou viagem ao Paraguai, onde haveria reunião do Mercosul, e mandou o vice, Michel Temer, no lugar.

Nas palavras de um auxiliar, Dilma tenta estabelecer uma “relação mais madura” com a grande imprensa. E tem conseguido receber um tratamento mais respeitoso do que o antecessor. Segundo um repórter da sucursal brasiliense de um grande jornal, a presidenta inspira em seus chefes uma identificação que Lula não produzia, pois veio da classe média e gosta de ler, por exemplo. Contra ela, não há preconceito de classe.


*****

O “namorico” com a mídia demotucana

Como se observa, as opções políticas são bem diferenciadas. Com sua Ley de Medios, Cristina Kirchner dá voz a quem nunca tiveram voz, democratizando o acesso aos meios de comunicação e garantindo maior pluralidade e diversidade informativas. Ela enfrenta os barões da mídia até em questões aparentemente menores, como na proibição da publicidade de pornografia.

Já Dilma Rousseff prefere o “namorico” com a mídia, os falsos elogios dos “calunistas” de plantão – que tentam fincar uma cunha entre ela, a “gerentona”, e o ex-presidente Lula, “o palanqueiro populista”. Enquanto isso, o projeto de novo marco regulatório, elaborado pelo governo Lula com base nos resultados da 1ª Confecom, permanece na gaveta. Quando o “namorico” terminar, talvez seja tarde para enfrentar a velha mídia, que antes da eleição a tratava como “poste” e “terrorista”.

Foxconn planeja empregar 1 milhão de robôs até 2014

O fundador e presidente da gigante taiwanesa Foxconn, Terry Gou, anunciou que a empresa irá fabricar 1 mihão de robôs para substituir empregados em suas fábricas, relatou a agência oficial de notícias chinesa Xinhua.

Foxconn planeja empregar 1 milhão de robôs até 2014
A estimativa é de que 50% da produção seja mecanizada até o final de 2014.

A Foxconn conta hoje com cerca de 10 mil robôs, que, ao lado de seus atuais 1,2 milhão de funcionários, operam máquinas de soldagem, borrifo de químicos e montagem. As máquinas que serão agregadas ao chão de fábrica manterão as mesmas funções.

A maior montadora de componentes para Apple e Nokia planeja ter 300 mil robôs até o ano que vem e 1 milhão de máquinas até 2014. A motivação seria o corte em despesas operacionais, devido aos crescentes salários dos trabalhadores, e o aumento da eficiência na produção.

Mais de 1 milhão dos funcionários da Foxconn trabalham na China continental, nas fábricas que a gigante mantém em Shenzhen e Sichuan.

Em comunicado enviado à BBC Brasil, a Foxconn declarou que o investimento é destinado ao desenvolvimento de pesquisa e tecnologia pela empresa, e que será aplicado única e exclusivamente às operações que a companhia mantém na China continental.

A questão da mão-de-obra utilizada pela empresa é caso de notícia há mais de um ano, quando foi registrada uma série de suicídios de trabalhadores, em especial na fábrica localizada em Shenzhen.

Em um ano, foram 11 casos de funcionários que saltaram do alto dos prédios da empresa.

Segundo alguns analistas, as causas das mortes poderiam estar ligadas à longa jornada de trabalho, aos baixos salários e à falta de segurança nas linhas de montagem.

Foxconn no Brasil

Durante a viagem da presidente Dilma Rousseff à China, em abril, a empresa prometeu fazer investimentos da ordem de US$ 12 bilhões no Brasil.

O governo calcula que a empresa possa gerar até 100 mil empregos diretos e indiretos. A fábrica, que deverá produzir tablets e telas para o iPad, deve ter mão-de-obra majoritariamente brasileira.

Mas a discussão em torno dos trabalhadores contratados criou também impasse para o avanço do acordo de investimento.

De acordo com o comunicado enviado pela Foxconn à BBC Brasil, não houve avanços na possível cooperação com o Brasil.

Fonte : VoteBrasil

Obama não é um ponto fora da curva: Estados engessados, desemprego e radicalização política compõem a nova etapa da crise mundial

A rendição de Obama à lógica do arrocho fiscal imposta pela extrema direita republicana não é um ponto fora da curva. Não vai passar logo. Seus efeitos não recairão apenas sobre os idosos e os loosers norte-americanos. Obama protagoniza de forma assustadoramente passiva --até para quem desconfia de lideranças-twiter--um enredo que se espalha urbi et orbi. Na Europa como nos EUA, a desordem gerada pelo colapso das finanças desreguladas está sendo ‘equacionada’ pelo cânone dos interesses que a originaram. Nos EUA quem os vocaliza é o liberal-fascismo do Tea Party, que reduziu Obama a coadjuvante da cena política. Na Europa, três mosqueteiros de cepa correlata, Merkel, Sarkozy e Trichet, anunciaram há 15 dias um acordo ‘redentor’ para escalpelar a Grécia sem ferir os mercados. A promessa era interromper o contágio que já tomava de assalto o Tesouro espanhol e italiano, obrigados a pagar juros crescentes a credores em fuga. Durou pouco. Nesta 3º feira, numa apoteose da espiral assistida desde então, a Espanha teve que pagar os maiores juros desde 1995 para renovar papagaios no mercado. Agosto promete ser o mais quente da história italiana. Berlusconi terá que repactuar juros incidentes sobre um volume de dívidas equivalente ao passivo da Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda juntos. Na zona do euro ou na do dólar, os Estados, grosso modo, quebraram na luta contra o incêndio especulativo de 2007/2008. No rescaldo recessivo os capitais incendiários exigem que o bombeiro reduza o hidrante fiscal a um conta gotas orçamentário. A prioridade rentista é garantir o serviço da dívida privada reciclada em déficit público. A desaceleração econômica embutida nessa lógica tem implicações práticas ascendentes: o desemprego nos EUA é de 9%; a média na Europa é de 10%. Projeções indicam que o patamar de emprego pré-crise só será reposto nos EUA dentro de uns cinco anos, ou 60 meses. Quem já caminha sobre brasas recessivas tem pela frente agora um longo e traumático ciclo de retração fiscal feito de cortes sobre receitas declinantes. Anos e anos de eclipse econômico e destruição de conquista sociais se anunciam. Capitais especulativos continuarão a buscar praças mais apetitosas, como a dos juros oferecidos pelo Brasil, agravando desequilíbrios cambiais e industriais conhecidos. As ruas do mundo ficarão lotadas de desempregados e indignados. A proporção vai depender da reação dos partidos e sindicatos progressistas diante dos fatos pedagógicos que marcaram a história americana nos últimos dias (leia nesta pág.análise de André Barrocal sobre o pacote de apoio à indústria lançado nesta 3º feira).
(Carta Maior; 4ª feira, 03/08/ 2011)