Por Timothy Garton Ash - O Estadfo de São Paulo
“Você pode ignorar a jihad, mas não pode evitar as consequências de ignorar a jihad.” Essa foi a primeira reação da blogueira anti-islâmica americana Pamela Geller à notícia dos ataques terroristas na Noruega. No seu site, Atlas Shrugs, ela colocou um link para um vídeo antigo de uma demonstração pró-Hamas em Oslo. Quando se revelou que o assassino em massa não era um terrorista islâmico, mas um terrorista anti-islâmico cujo manifesto online de 1.500 páginas estava repleto de material de escritores anti-islâmicos como o dela, Pamela deu de ombros: “Ele é um assassino sanguinário. Ponto. Ele é responsável por seus atos. Ele e apenas ele. Não há nenhuma ‘ideologia’ aqui”.
“Ninguém explicou nem pode explicar como as supostas opiniões antijihad desse sujeito têm qualquer coisa a ver com seu massacre de crianças”, protestou Robert Spencer da Jihad Watch, outro blogueiro favorecido por Anders Behring Breivik.
Bruce Bawer, americano que mora em Oslo e autor de uma lamentação sobre o crescimento do controle muçulmano sobre a Europa, foi mais ponderado. Notando que em seu manifesto Breivik “cita de maneira aprovadora e por extenso meu trabalho, mencionando meu nome 22 vezes”, reflete Bawer, com decente consternação, “é arrepiante pensar que postagens no blog que eu compus em minha casa na zona oeste de Oslo nos dois últimos anos estavam sendo lidas e copiadas por esse futuro assassino em massa”.
Agentes da violência
Então, qual é, se é que existe, a conexão entre as palavras deles e os atos de Breivik? Quais deveriam ser as consequências para a maneira como sociedades livres tratam escritores que esse assassino em massa citou com tanta deferência? Para começar, pessoas como Pamela e Spencer, para não mencionar o suave Bawer, não são responsáveis pelo que Breivik fez. É tão errado proclamá-los culpados por associação de assassinato em massa como considerar escritores muçulmanos não violentos (embora às vezes não liberais e extremados) culpados por associação com muçulmanos terroristas que cometeram atentados em Nova York, Londres e Madri.
Como esse é um jogo que eles próprios vinham jogando há anos, algumas pessoas podem sentir uma pitada de schadenfreude (pequena alegria com a desgraça alheia) ao ver Pamela & Cia. provando do próprio veneno. Mas não devemos fazer o mesmo. Eles não são culpados por associação. Ponto.
No entanto, se é ridículo sugerir que não há absolutamente nenhuma conexão entre ideologia islâmica e terror islâmico, é também ridículo sugerir que não houve nenhuma conexão entre a visão alarmista da islamização da Europa que esses escritores espalharam, e o que Breivik entendeu que ele próprio estava fazendo.
“Nenhuma ideologia” aqui? Pode apostar que houve. Uma parte significativa do manifesto de Breivik é uma reafirmação – com frequência por citação “recortada e colada” da internet – precisamente de sua história de horror da Europa como “Eurábia”: tão enfraquecida pelo veneno do multiculturalismo e outras doenças esquerdistas que sucumbe sem luta a uma condição de subserviência ante a supremacia muçulmana. Sua mente claramente desequilibrada salta, então, para a conclusão de que o Cavaleiro Justiceiro solitário (ele próprio) deve emitir um sinal de alarme heroico e brutal para sua sociedade fragilizada – um “sinal agudo” como ele disse a investigadores noruegueses.
O que deveria ser feito então a respeito a palavras tão incendiárias? Uma resposta, bastante popular em partes da esquerda europeia, é “proibi-las”! Se o pensamento foi o pai do feito, parem o pensamento. Um novo rol de termos e sentimentos ofensivos e extremados deveria ser somado à já longa lista de “discurso de ódio” pelo qual se pode ser processado em algumas partes da Europa.
Alguns anos atrás, a então ministra alemã da Justiça, Brigitte Zypries, levou a União Europeia a aprovar uma “decisão de estrutura” para uma multiplicação pan-europeia desses tabus embora a prática felizmente tenha ficado aquém das intenções dela. Felizmente – pois essa é uma maneira muito errada de agir. Ela não acabará com esses pensamentos, apenas os empurrará para o subsolo, onde eles se corrompem e ficam ainda mais venenosos.
Isso esfriará o debate legítimo sobre questões importantes: imigração, a natureza do Islã, fatos históricos. Trará aos tribunais fantasistas como Samina Malik, uma ajudante de loja de 23 anos processada na Grã-Bretanha por escrever maus versos glorificando o martírio e o assassinato jihadista, mas não os verdadeiros homens da violência. A incitação direta à violência deve merecer em toda parte, e sempre, o pleno rigor da lei.
Corpo de evidências
Os textos ideológicos que alimentaram a loucura de Breivik, até onde posso ver, não cruzaram a linha. Permitir a expressão das fantasias reformadoras tanto de islâmicos quanto de anti-islâmicos radicais é o preço que pagamos pela liberdade de expressão numa sociedade aberta.
Isso significa que eles devem ficar sem resposta? Evidentemente que não. Como o preço da proibição é alto demais, e na era da internet ela é de qualquer modo irrealizável (“como saltar sobre uma sombra”, como diz o especialista em liberdade de expressão Peter Molnar), precisamos enfrentá-los num combate aberto.
Um campo de batalha decisivo é a política, onde políticos europeus das correntes dominantes, de olho no sucesso eleitoral de partidos populistas xenófobos, estão contemporizando em vez de falar contra os mitos extremistas.
Outro é a mídia chamada dominante. Em um país como a Noruega – e na Grã-Bretanha – as emissoras públicas de rádio e televisão e uma imprensa de qualidade responsável em geral asseguram que, apesar de opiniões extremistas serem transmitidas, os mitos perigosos que elas espalham são esvaziados por fato, razão e senso comum. Para os que ainda leem e ouvem esses meios de comunicação, melhor dizendo. Mas, e se a pessoa obtém suas notícias de tabloides sensacionalistas demagógicos, do tipo favorecido por Rupert Murdoch? Ou de um canal de televisão sistematicamente partidário, seja um de Silvio Berlusconi na Itália ou a Fox News de Murdoch nos Estados Unidos?
Na noite da matança de Oslo, a âncora do programa The O’Reilly Factor na Fox News, Laura Ingraham, reportou “dois ataques terroristas mortais na Noruega, no que parece ser o trabalho, mais uma vez, de extremistas muçulmanos”.
Após descrever o que se sabia até aquela hora sobre dos ataques, ela prosseguiu: “Enquanto isso, em Nova York, os muçulmanos que querem construir uma mesquita no Marco Zero (área onde ficavam as Torres Gêmeas) conseguiram recentemente uma enorme vitória legal”. Muçulmanos sanguinários, percebem, plantando bombas em Oslo, mesquitas em Nova York.
E se a pessoa recebe suas notícias do mundo principalmente pela internet? A história de Breivik mostra de novo o recurso fantástico que a internet é para os que querem buscar com a mente aberta. Em poucas horas, foi possível juntar uma quantidade de informações que em outros tempos exigiria semanas, e provavelmente uma viagem ao país em questão para montá-la. Mas há um corpo crescente de evidências de que a maneira como a internet funciona também pode contribuir para fechar mentes, reforçar preconceitos e nutrir teorias conspiratórias.
Respostas difíceis
Online podem-se encontrar com muita facilidade os milhares de outras pessoas que partilham sua visão pervertida. Obtém-se, então, uma espiral viciosa de pensamento grupal, reforçando o pior tipo de ideologia: uma visão de mundo sistemática, internamente consistente, totalmente divorciada da humanidade real. O manifesto de Breivik, com seus intermináveis pedaços “recortados e colados” de fontes online, é um exemplo didático desse processo.
Não há respostas fáceis aqui. “Proibi-las!” é a errada. O verdadeiro desafio é descobrir como podemos elevar ao máximo a capacidade extraordinária da internet para abrir mentes – e reduzir ao mínimo sua agora evidente tendência a fechá-las.
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[Timothy Garton Ash é professor de Estudos Europeus na Universidade Oxford E bolsista sênior na Hoover Institution, Universidade Stanford]
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