Cristina veta sexo na mídia. E a Dilma?
Por Altamiro Borges
Na semana passada, a presidenta Cristina Kirchner baixou decreto que proíbe a publicação de anúncios de prostituição nos jornais da Argentina. “A oferta sexual não é só um veículo para o delito de exploração das pessoas, mas uma profunda discriminação à mulher. O decreto é um grande passo contra a dupla moral e a hipocrisia”, explicou Cristina no Twitter.
Assim como ocorre no Brasil, os anúncios de sexo nas páginas de classificados geram lucros para os empresários. De imediato, os barões da mídia rotularam o decreto como um “atentado à liberdade de expressão”. Cristina não vacilou na resposta: “Um diário não pode exigir em sua primeira página que o governo lute contra a exploração sexual e oferecer sexo nas páginas comerciais”.
Significado da Ley de Medios
A nova medida confirma que a presidenta da Argentina não se curva diante da gritaria midiática. Desde o locaute de 101 dias dos chefões do agronegócio em 2008, orquestrado pela mídia privada, o governo tem adotado inúmeras medidas para coibir o poder dos monopólios. A mais ousada e consistente foi a chamada “Ley de Medios”, como é conhecida a nova regulamentação do setor.
Em 21 de junho passado, após superar os obstáculos jurídicos impostos pelos donos da mídia, a Ley de Medios passou a valer de fato na Argentina. A presidenta Cristina Kirchner anunciou em rede nacional de televisão a abertura da licitação para a concessão de 220 novas licenças de radiodifusão no país, o que representa o início do fim do monopólio midiático na nação vizinha.
Fórmula para romper o oligopólio
O professor Laurindo Lalo Leal, num artigo na CartaCapital, explicou a importância histórica daquela data. “Como determina a lei metade das concessões será destinada a emissoras privadas e a outra metade dividida entre os governos estaduais, o federal e as organizações sem fins lucrativos. Foi a fórmula encontrada para romper o oligopólio existente hoje na comunicação argentina”.
Como ele relata no texto, a nova legislação foi fruto de um intenso debate na sociedade. “Seus 166 artigos não caíram do céu. São resultado de um levantamento minucioso daquilo que existe de mais avançado no mundo em termos de legislação para área das comunicações”. Para enfrentar a pressão dos barões da mídia, também foi necessária a ativa mobilização dos movimentos sociais, como inúmeros atos políticos e passeatas em Buenos Aires e outras cidades pela democratização dos meios de comunicação.
O cerco sobre o império do Clarín
Fruto desta politização, a sociedade argentina hoje está mais atenta aos danos causados pelo monopólio privado da mídia, com o seu corrosivo poder de manipulação da informação e de deformação dos comportamentos. Várias iniciativas populares têm ocorrido contra o império do Clarín, o principal grupo monopolista do país. Bancas de jornal têm se recusado a vender o jornal do grupo e milhares leitores já cancelaram as suas assinaturas por discordarem da linha editorial golpista do Clarín.
Na campanha salarial do ano passado, os sindicatos dos gráficos e dos transportadores também exigiram medidas mais duras do governo contra o monopólio do grupo sobre o setor gráfico. A presidenta baixou medida cancelando os subsídios ao papel e a Justiça analisa o fraudulento processo de monopolização do setor, iniciado durante a sangrenta ditadura militar argentina. Outra dor de cabeça da proprietária do grupo Clarín é a suspeita de que seus filhos adotivos foram seqüestrados de presos políticos.
Já no Brasil...
Enquanto na Argentina a presidenta Cristina Kirchner endurece contra os barões da mídia, no Brasil a presidente Dilma Rousseff faz o caminho inverso. Segundo relato recente do jornalista André Barrocal, no sítio Carta Maior, o governo “tem procurado distensionar a relação com a grande imprensa”. Reproduzo trechos da excelente reportagem:
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Desde que assumiu, a presidenta faz gestos impensáveis para o antecessor, que dizia, sentindo-se orgulhoso, nunca ter tomado café, almoçado ou jantado com donos ou chefes dos grandes veículos em oito anos. Dilma tem recebido editores e colunistas no Palácio do Planalto e até na intimidade de sua residência oficial, o Palácio da Alvorada, para conversas informais, não apenas entrevistas.
Esteve na comemoração de 90 anos do jornal Folha de S. Paulo. Foi à sede da TV Globo participar de entrevista ao programa Ana Maria Braga e de almoço com dirigentes da emissora e membros da família Marinho. Agendara presença em evento do grupo O Estado de S. Paulo, no qual a agência do jornal entregaria prêmio a empresas. Na última hora, porém, antecipou viagem ao Paraguai, onde haveria reunião do Mercosul, e mandou o vice, Michel Temer, no lugar.
Nas palavras de um auxiliar, Dilma tenta estabelecer uma “relação mais madura” com a grande imprensa. E tem conseguido receber um tratamento mais respeitoso do que o antecessor. Segundo um repórter da sucursal brasiliense de um grande jornal, a presidenta inspira em seus chefes uma identificação que Lula não produzia, pois veio da classe média e gosta de ler, por exemplo. Contra ela, não há preconceito de classe.
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O “namorico” com a mídia demotucana
Como se observa, as opções políticas são bem diferenciadas. Com sua Ley de Medios, Cristina Kirchner dá voz a quem nunca tiveram voz, democratizando o acesso aos meios de comunicação e garantindo maior pluralidade e diversidade informativas. Ela enfrenta os barões da mídia até em questões aparentemente menores, como na proibição da publicidade de pornografia.
Já Dilma Rousseff prefere o “namorico” com a mídia, os falsos elogios dos “calunistas” de plantão – que tentam fincar uma cunha entre ela, a “gerentona”, e o ex-presidente Lula, “o palanqueiro populista”. Enquanto isso, o projeto de novo marco regulatório, elaborado pelo governo Lula com base nos resultados da 1ª Confecom, permanece na gaveta. Quando o “namorico” terminar, talvez seja tarde para enfrentar a velha mídia, que antes da eleição a tratava como “poste” e “terrorista”.
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