quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Avança na Cãmara projeto que taxa grandes fortunas

Uma semana depois de aprovar um extenso relatório sobre a reestruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), no qual foram feitas sugestões de criação de novos tributos para financiar o setor, a Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados recebeu o relatório da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) que trata do projeto de lei que cria a Contribuição Social sobre Grandes Fortunas (CSGF). A previsão é que ele seja apreciado na comissão na próxima semana.


Em seu texto, Feghali propõe a criação de nove faixas de riqueza em que os contribuintes nelas inseridos ficariam obrigados a pagar a contribuição, cuja única finalidade seria financiar o SUS. Daí porque se escolheu a modalidade de contribuição social, que tem recursos carimbados, em vez de imposto, cujos recursos entram no caixa da União para livre utilização. Segundo Feghali, a expectativa de arrecadação anual é de quase R$ 14 bilhões.


Contribuição progressiva


O texto prevê que contribuintes com patrimônio entre R$ 4 milhões e R$ 7 milhões pagariam uma alíquota de 0,4% sobre esses valores; entre R$ 7 milhões e R$ 12 milhões, 0,5%; entre R$ 12 milhões e R$ 20 milhões, 0,6%; entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões, 0,8%; entre R$ 30 milhões e R$ 50 milhões, 1%; entre R$ 50 e R$ 75 milhões, 1,2%; entre R$ 75 milhões e R$ 120 milhões, 1,5%; entre R$ 120 milhões e R$ 150 milhões, 1,8%; e a última faixa, para aqueles contribuintes com renda acima de R$ 150 milhões, a alíquota seria de 2,1% sobre esse valor.


Uma pequena alteração foi feita em relação ao projeto original que ela relatou, de autoria do deputado Dr. Aluizio (PV-RJ). Ele previu seis, e não nove, faixas de riqueza, entre R$ 5,52 milhões e acima de R$ 115 milhões, e não entre R$ 4 milhões e acima de R$ 150 milhões.


38 mil contribuintes


A base de dados que ambos se utilizaram para fazer os cálculos é da Receita Federal, que apontou, em 2008, haver 997 contribuintes com patrimônio superior a R$ 100 milhões; 1.327 entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões; 5.047 entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões; 10.168 entre R$ 10 e R$ 20 milhões; e 26.206 entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões. Por essa razão, a contribuição sobre grandes fortunas recairia apenas sobre 38.095 contribuintes.


Trata-se do pressuposto básico das duas propostas, conforme relata Feghali em seu relatório: "O reconhecimento de que os mais privilegiados podem contribuir com o bem-estar geral pode ser exemplificado por matéria publicada no The New York Times, em que o norte-americano Warren Buffet, um dos homens mais ricos do mundo, defendeu a implantação de maior tributação aos mais ricos, manifestando desconforto por pagar, relativamente, menos impostos que a média dos seus funcionários".


Fonte: Caio Junqueira, no jornal Valor

Divisão. E o dia seguinte?

Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital


Com seu atual Estado ou dividido por mais dois, o Pará não sairá melhor do plebiscito do dia 11, qualquer que venha a ser o resultado da votação. Mas sairá dividido e suas partes deverão aumentar a rivalidade e o antagonismo. Esse resultado exigirá o que continua a faltar ao Estado: capacidade para tirar proveito das suas riquezas.


O eleitor paraense votará no dia 11 mais por impulso emocional ou político do que por razões técnicas. Como se temia, o debate sobre o tema da redivisão do Estado, de curta duração, extrapolou rapidamente da análise dos argumentos para uma polarização tipicamente eleitoral, passional e agressiva. Seria a confirmação de que, por trás da questão de criar ou não os Estados de Tapajós e Carajás onde está hoje apenas o Pará, há fortes interesses políticos e empresariais.
Se o eleitor irá se sentar diante da urna eletrônica sem uma convicção capaz de tranquilizar sua consciência sobre o acerto da grave decisão que irá tomar, como se levantará o eleitor médio depois de ter votado? Se chegar à conclusão de que errou, não poderá mais corrigir o erro na eleição seguinte, como faria se estivesse elegendo uma pessoa para ocupar cargo público sujeito à escolha do povo.


O que fará no dia 11 será decidir sobre o tamanho de um Estado: se continuará o mesmo que é há quase 70 anos (desde 1943) ou se o reduzirá para 17% do que é atualmente. É uma experiência absolutamente nova na vida pública brasileira: o cidadão ser convocado para uma eleição da qual poderá resultar a constituição de duas novas unidades federativas.


Os processos anteriores foram impostos de cima para baixo, sendo o mais traumático o que foi desdobrado da transferência da capital federal para Brasília. O Rio de Janeiro levou vários anos tateando em busca de uma nova ordem territorial adequada, o que certamente influiu de forma decisiva sobre o esvaziamento da antiga Belacap e, no vácuo de função, favorecer o crescimento de organizações criminosas responsáveis, ao menos em parte, por uma autêntica guerra civil não declarada.


Na Amazônia, à exceção de Rondônia, a elevação à condição de Estados dos territórios federais criados em 1943 foi um ato artificial, pelo qual até hoje o tesouro nacional paga a sua cota e a população local o ônus dessa centralização, submetida a oligarquias familiares (os Jucá e os Pinto de Souza em Roraima, Sarney e os Capiberibe no Amapá), numa reedição e adaptação da partilha dos antigos territórios entre as três forças armadas.


Não serve de bom parâmetro a comparação do que acontece no Pará ao que se consumou em Mato Grosso e Goiás. Os dois Estados espontaneamente cederam parte dos seus territórios, certos de que era a melhor solução para todas as partes, por admitirem não poder administrá-los (ou porque a extensão emancipada servia-lhes de contrapeso). O Pará está profundamente dividido neste momento por falta desse consenso.


Pode ser que os habitantes do Estado remanescente estejam equivocados ao imaginar que a perda de 83% do seu território lhes comprometerá de vez o futuro, por ser uma perda enorme e irreparável. Pode ser que a perda se transforme em libertação, como argumentam os separatistas, já na condição agressiva de militantes da secessão no Pará. Mas eles podem estar iludindo não só os paraenses, agora seus oponentes, como também os próprios companheiros de causa, apontando-lhes a criação dos dois novos Estados como a tábua da salvação.

Pode ser que no dia seguinte, qualquer que venha a ser o resultado do plebiscito, tudo tenha mudado para nada mudar, a não ser pela incorporação do ânimo bélico da campanha, que poderá se tornar perene, transformando diferenças em incompatibilidades. A questão espacial é relevante num Estado com as dimensões do Pará, mas ela não tem a capacidade de mudar nada por si mesma. É como a tecnologia: pode servir ao bem tanto quanto ao mal. Depende de quem a usa e com qual propósito.


Depois de anos de luta de um grupamento de paraenses para conseguir a aprovação do Congresso para o plebiscito, é de surpreender que os autores dos projetos de criação dos Estados de Carajás sejam de outros Estados. Já não é de surpreender que esses projetos, livres da sua vinculação à história do Pará, tenham se hipertrofiado e distorcido tanto que deixaram ao Estado remanescente um território desproporcionalmente inferior ao dos dois Estados, que eram seus; ou que o Tapajós tenha anexado o Xingu, algo antes nunca sequer imaginado (não da perspectiva sociocultural, deixada de lado por quem tem todos os olhos fixados no projeto da usina de Belo Monte); ou, como Carajás, engolido mais municípios e ido mais ao norte para incorporar a hidrelétrica de Tucuruí, por uma diretriz oportunista que desdenhou os fundamentos técnicos da identidade cultural e geográfica.


Com a capital na cidade de Santarém, o habitante do Estado do Tapajós poderá ser mais bem assistido pelo seu governo do que tem sido pelo de Belém. Tudo muda de figura, porém, se o novo governador for do mesmo padrão do anterior. Pelas lideranças ativas na região, a expectativa é de que os homens terão o mesmo figurino. Talvez um segundo governante do novo Estado tenha potencial melhor.


Entretanto, até lá o poder público terá que fazer investimento em torno de um bilhão de reais para se instalar, com todos os seus órgãos vitais e seus inúmeros penduricalhos ociosos ou inúteis, como os da atual capital. Sem receita própria suficiente para suportar esse custo e sem que a União possa supri-lo à altura, o novo Estado terá que se endividar, primeiro passo para seguir o roteiro de vícios que engendrou a ânsia pela autonomia decisória.


O percurso que Carajás seguirá no caso de vitória no plebiscito não irá diferir substancialmente do de Santarém. O melhor desempenho será uma questão apenas de grau, embora as vantagens de dispor de maior receita e mais recursos seja mais do que contrabalançada pela gravidade dos problemas que irá enfrentar (e irá gerar, sem maior controle).


As três campanhas se digladiaram por dias em torno de uma questão de transcendental importância para o eleitor: saber se a divisão empobrecerá mais ou enriquecerá mais cada um dos três Estados. O Supremo Tribunal Federal já definiu como inconstitucional a atual forma de compensação dos Estados adotada desde 1989 pela União, pelo não recolhimento da parte que lhes cabe no Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados.


Esse fundo, que alcançou 39 bilhões de reais no ano passado (1,9% do PIB nacional), é partilhado conforme a população e a renda per capita. Como o seu propósito é combater os desníveis regionais, São Paulo, o Estado mais rico da federação, só recebe 1% do total, por dispor de receita própria suficiente para dar conta das suas despesas, sem precisar do governo federal. Logo, não é por causa do FPE que as lideranças paulistas combatem a criação de novos Estados: é pela perda de poder político, de capacidade decisória.


Até o final de 2012 deverão ser criados novos critérios para a gestão do FPE, mas de uma realidade o fundo não poderá escapar, quaisquer que venham a ser os critérios de partilha: o bolo de recursos não crescerá com a criação de novos Estados; o que haverá será a redistribuição do mesmo dinheiro por mais Estados. Por isso, cada um receberá menos para que Carajás e Tapajós, por exemplo, tenham a sua parte. Logo, o Pará perderá receita, como perderão todos os demais.


Essa perda conjunta levou o jurista Dalmo de Abreu Dallari a argüir junto ao STF que a "população diretamente interessada”, referida pela constituição, tinha que ser toda a população brasileira. No primeiro pronunciamento foi afastada a hipótese dos separatistas de que só os moradores das áreas a serem emancipadas deviam votar. Também foi eliminado o entendimento do advogado paulista. A redivisão do bolo por mais participantes não altera o total para mais ou para menos. A eventual perda individual de receita faz parte do esquema federativo em que a nação foi organizada. O absurdo seria se a população do Pará aprovasse o desmembramento, enquanto o restante dos brasileiros o negasse. Seria a quebra da autonomia federativa das unidades políticas do país.


Como a previsão de receita do Tapajós é modesta, o possível Estado ficará extremamente dependente das transferências compulsórias da União. Não sendo elas suficientes, terá que recorrer a operações de crédito. O risco da insolvência não está de todo afastado do horizonte de Carajás. Por ser um Estado francamente minerador, o recolhimento de ICMS continuará a ser insignificante. Já 65% das compensações financeiras (os royalties) se destinarão aos municípios produtores, agravando o desequilíbrio que já existe entre eles (sem falar na ausência de critérios na aplicação do dinheiro da compensação).


Uma série de graves problemas revela que a criação de novas unidades administrativas num espaço federativo de grandes dimensões não será a solução que se aponta se não houver uma mudança profunda na gestão do espaço, independentemente de ele ser extenso ou curto. Logo se poderá constatar que os bilhões de reais demandados por atividade-meio nova significará um desperdício de dinheiro precioso de sua aplicação em atividade-fim. Tapajós e Carajás seriam mais bem servidos com esses investimentos do que se tornando Estados.

Mas como conseguir que os recursos finalmente cheguem a pontos extremos (ou nem tanto assim: áreas da capital continuam tão abandonadas quanto Castelo dos Sonhos, a quase 1.500 quilômetros de distância) se falta legitimidade à elite dominante em Belém, se os líderes e habitantes interioranos não acreditam nela?


Do meu ponto de vista, a resposta a essas questões cruciais depende de uma mudança ainda mais profunda no modelo de desenvolvimento da Amazônia do que a partilha territorial. Acho que os "grandes projetos”, além de serem bombas de sucção de riquezas, mesmo que por efeito residual da grandeza de sua atividade, engendram distorções locais graves.


Ao lado do município minerador, que tem receita substantiva, há municípios pobres, aos quais não chegam os farelos das compensações financeiras pela extração e exaustão do recurso natural. Já os desajustes e desequilíbrios provocados pelo inchaço do município produtor extrapolam os benefícios e a capacidade de gestão do poder público local. O que vai além-mar é o filé. O que fica são as sobras do banquete.


Não há forma de mudar essas contradições e paradoxos? Acho que há: mudando o eixo do processo. Ao invés de novos Estados, unidade federativa de outro tipo: a região administrativa. Essa região corresponderia à área da bacia hidrográfica dentro do território estadual. Os limites seguiriam as drenagens do rio principal. Definida a área, o Estado e a União financiaram os estudos e levantamentos sobre o uso do solo e as características do seu aproveitamento.

Uma lei conteria as diretrizes do plano de desenvolvimento do vale, votada na Assembléia Legislativa e no Congresso Nacional, com vigência de 20 ou 30 anos. Uma agência seria criada para executar a lei, formada por representantes do poder público, da sociedade e das universidades públicas. Sua estrutura seria singela, do tipo do grupo executivo, com pessoal de excelência, seguindo carreira, admitido por concurso. A agência seria acompanhada por um conselho deliberativo, com representantes dos três poderes e da sociedade, em forma paritária.

O fundo receberia parte das compensações financeiras, do imposto gerado no local e das aplicações do Estado e da União, criando também suas próprias fontes de renda. Nada nem parecido com a estrutura de um novo Estado nem assemelhado às engrenagens viciadas da maioria das administrações públicas. Tudo por mérito e em busca da excelência. Prioridade total à atividade-fim.


Sonho e utopia? Sim, mas não fantasia: recolocaria o eixo da ação na região na sua história, cultura e natureza. Mesmo porque, numa época de descrença nos políticos e administradores públicos, criar novos nichos para eles é tapar os ouvidos para o ensurdecedor barulho das ruas. Barulho que continuará intenso no dia do plebiscito. E depois.

Fatos em foco


No último dia 25 foi brutalmente assassinado, o líder do MST em Campina Grande (PB), José Gomes de Lima. Ameaçado por grileiros e fazendeiros da região, a morte do camponês confirma a escalada da violência e da impunidade no campo

Hamilton Octavio de Souza - Brasil de Fato

Repressão privada
Por ocasião do Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1, no último fi nal de semana, a Guarda Civil Metropolitana, de São Paulo, realizou ampla operação de repressão aos vendedores ambulantes nas proximidades do Autódromo de Interlagos, com a apreensão de toneladas de garrafas de água, refrigerantes, cervejas até de camisetas e bonés. O prejuízo dos camelôs é incalculável. Já dá para imaginar como será a coisa na Copa do Mundo de 2014!

Desmonte geral
Com um batalhão de advogados e várias ações judiciais, o banqueiro Daniel Dantas, do Banco Opportunity, está desmontando uma a uma as denúncias apresentadas contra ele pela Operação Satiagraha, da Polícia Federal, entre as quais a de fazer remessas ilegais, sonegação de impostos, lavagem de dinheiro etc. Se depender dos ministros do Supremo Tribunal Federal, tudo vai acabar numa enorme pizza – fria e velha.

Pedágio amigo
Desde que foi criado o novo cartório em São Paulo, chamado de inspeção veicular, milhões de proprietários de veículos estão sendo expropriados todos os anos para fortalecer o caixa do Consórcio Controlar, do grupo Camargo Corrêa, com a bagatela de mais de R$ 200 milhões por ano. Trata-se de mais uma ação entre amigos: a prefeitura ajuda a empresa privada e a empresa privada ajuda a campanha eleitoral de alguém. Tudo gente fina!

Triste papel
Em artigo veiculado na revista Consultor Jurídico, o professor André de Carvalho Ramos, da Faculdade de Direito da USP, lembra que no dia 24 de novembro completou um ano que o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por violação de direitos humanos no caso da Guerrilha do Araguaia. A Corte determinou que o governo identificasse o paradeiro dos desaparecidos e a punição dos agentes da repressão. Nada foi feito.

Rotatividade
O capitalismo neoliberal continua batendo recordes de selvageria: estudo do Dieese mostra que a rotatividade da mão de obra avançou assustadoramente nos últimos dez anos e, em 2010, 53,8% dos trabalhadores foram demitidos. O total de trabalhadores demitidos anualmente saltou de 12,2 milhões, em 2003, para 19,9 milhões em 2009. E ainda tem gente que acha que as condições de vida dos trabalhadores estão uma maravilha!

Bomba nuclear
Foi divulgado, dia 25, na Universidade Federal da Bahia, o relatório da Missão Caetité, que pesquisou os danos sócio ambientais e econômicos causados pela unidade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), produtora de concentrado de urânio localizada a 750 km de Salvador (BA). A missão constatou a contaminação da água e do meio ambiente, aumento dos casos de câncer na região e a omissão das autoridades.

Aids presente
Boletim da Secretaria Estadual da Saúde informa que a Aids matou 8,6 pessoas por dia, em média, em 2010, no Estado de São Paulo, e que a notificação da infecção de homens que fazem sexo com homens continua crescendo, assim como entre heterossexuais. No ano passado foram registradas 3.141 mortes no Estado. A incidência da doença atinge predominantemente a faixa etária de 30 a 39 anos, na proporção de dois homens para cada mulher.

Rotina mortal
No dia 25 de novembro foi brutalmente assassinado, com cinco tiros nas costas e um na cabeça, líder do MST em Campina Grande (PB), José Gomes de Lima, de 57 anos. Ele foi emboscado no caminho de sua residência, no assentamento Venâncio Tomé de Araújo. Ameaçado por grileiros e fazendeiros da região, a morte do camponês confirma a escalada da violência e da impunidade no campo. Até quando?

Paralisação em Belo Monte
Operários da usina hidrelétrica de Belo Monte entraram em greve, dia 25, por melhores condições de trabalho e aumentos salariais. Eles denunciam a baixa qualidade da alimentação (dias atrás 200 trabalhadores foram intoxicados), reclamam do piso salarial de R$ 900 e reivindicam o recesso de fim de ano para que possam visitar suas famílias. O consórcio responsável pela obra já demitiu grevistas em paralisações anteriores. Agora, a promessa do consórcio de Belo Monte é que o reajuste será negociado no final deste mês.

A miséria do 'novo desenvolvimentismo'

Na América Latina e na Ásia, governos desenvolvimentistas sempre utilizaram políticas ortodoxas, segundo as circunstâncias, e o inverso também se pode dizer de muitos governos europeus ou norte-americanos ultra-liberais ou conservadores que utilizaram políticas econômicas de corte keynesiano ou heterodoxo.


Por José Luís Fiori - Carta Maior


“O capitalismo só triunfa quando se identifica com o estado, quando é o estado”Fernand Braudel, “O Tempo do Mundo”, Editora Martins Fontes, SP, p: 34


O "debate desenvolvimentista” latino-americano não teria nenhuma especificidade se tivesse se reduzido à uma discussão macro-econômica entre “ortodoxos”, neo-clássicos ou liberais, e “heterodoxos”, keynesianos ou estruturalistas. Na verdade, ele não teria existido se não fosse por causa do estado, e da discussão sobre a eficácia ou não da intervenção estatal, para acelerar o crescimento econômico, por cima das “leis do mercado”. Até porque, na América Latina como na Ásia, os governos desenvolvimentistas sempre utilizaram políticas ortodoxas, segundo a ocasião e as circunstâncias, e o inverso também se pode dizer de muitos governos europeus ou norte-americanos ultra-liberais ou conservadores que utilizaram em muitos casos, políticas econômicas de corte keynesiano ou heterodoxo. O pivô de toda a discussão e o grande pomo da discórdia sempre foi o estado, e a definição do seu papel no processo do desenvolvimento econômico.


Apesar disto, depois de mais de meio século de discussão, o balanço teórico é decepcionante.. De uma forma ou outra a “questão do estado” sempre esteve presente, nos dois lados desta disputa, que acabou sendo mais ideológica do que teórica. Mas o seu conceito foi sempre impreciso, atemporal e ahistórico, uma espécie de “ente” lógico e funcional criado intelectualmente para resolver problemas de crescimento ou de regulação econômica. Desenvolvimentistas e liberais sempre compartilharam a crença no poder demiúrgico do estado, como criador ou destruidor da boa ordem econômica, mas atuando em todos os casos, como um agente externo à atividade econômica. Um agente racional, funcional e homogêneo, capaz de construir instituições e formular planos de curto e longo prazo orientados por uma idealização do modelo dos “capitalismos tardios” ou do estado e desenvolvimento anglo-saxão. E todos olhavam negativamente para os processos de monopolização e de associação do poder com o capital, que eram vistos como desvios graves de um “tipo ideal” de mercado competitivo que estava por trás da visão teórico dos desenvolvimentistas tanto quando dos liberais.


Além disto, todos trataram os estados latino-americanos como se fossem iguais e não fizessem parte de um sistema regional e internacional único, desigual, hierarquizado, competitivo e em permanente processo de transformação. E mesmo quando os desenvolvimentistas falaram de estados centrais e periféricos, e de estados dependentes, falavam sobretudo de sistema econômico mundial que tinha um formato bipolar relativamente estático, onde as lutas de poder entre os estados e as nações ocupavam um lugar bastante secundário.


No final do século XX, a agenda neoliberal reforçou um viés da discussão que já vinha crescendo desde o período desenvolvimentista: o deslocamento do debate para o campo da macroeconomia. Como volta a acontecer com o chamado “neo-desenvolvimentismo” que se propõe inovar e construir uma terceira via (uma vez mais), “entre o populismo e a ortodoxia”. Como se tratasse de uma gangorra que ora aponta para o fortalecimento do mercado, ora para o fortalecimento do estado.


Na prática, o “neo-desenvolvimentista” acaba repetindo os mesmos erros teóricos do passado e propondo um conjunto de medidas ainda mais vagas e gelatinosas do que já havia sido a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos 50. Passado a limpo, trata-se de um pastiche de propostas macroeconômicas absolutamente ecléticas, e que se propõem fortalecer, simultaneamente, o estado e o mercado; a centralização e a descentralização; a concorrência e os grandes “campeões nacionais”; o público e o privado; a política industrial e a abertura; e uma política fiscal e monetária, que seja ao mesmo tempo ativa e austera. E, finalmente, com relação ao papel do estado, o “neo-desenvolvimentismo” propõe que ele seja recuperado e fortalecido mas não esclarece em nome de quem, para quem e para quê, deixando de lado a questão central do poder, e dos interesses contraditórios das classes e das nações.


Neste sentido, fica ainda mais claro que o desenvolvimentismo latino-americano sempre teve um parentesco maior com o keynesianismo e com “economia do desenvolvimento” anglo-saxônica, do que com o nacionalismo econômico e o anti-imperialismo, que são a mola mestra do desenvolvimento asiático. E que, além disto, os desenvolvimentistas latino-americanos sempre compartilharam com os liberais, a concepção econômica do estado do paradigma comum da economia política clássica, marxista e neo-clássica. Este paradoxo explica – aliás - a facilidade teórica com que se pode passar de um lado para o outro, dentro do paradigma líbero-desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do mesmo lugar.

Euro: dançando como se não houvesse amanhã

Pela segunda vez em menos de uma semana, a Europa é sacudida por tremores que abrem fendas e trincas cada vez mais fundas no edifício financeiro do euro. Os estalos desta quarta feira exigiram uma ação coordenada dos maiores bancos centrais do mundo que implantaram uma ponte de safena global para injetar liquidez direto na veia do sistema bancário europeu.


Arqueado sob bilionárias carteiras de títulos públicos insolventes, os bancos tornaram-se enormes entrepostos de contágio falimentar nos quais ninguém quer deixar o dinheiro. Enfrentam assim um acelerado processo de desidratação de ativos, sobretudo dólares, com a fuga em massa de fundos norte-americanos emergências bancárias desse tipo desdobram-se em rápida retração do crédito, o que do ponto de vista do capitalismo equivale a uma trombose, a partir da qual todo o sistema entra em coma, por falta de irrigação financeira.


As bolsas, como se não houvesse amanhã, não economizaram rojões na chegada da extrema-unção ao leito morimbundo do euro. Não deixa de ser pedagógico. Um dos radares mais festejados da dita 'eficiência dos mercados', a festa das ações revela a mais absoluta ignorância em relação ao colapso que esfarela o seu próprio chão. A ponto de confundir uma operação de socorro explosiva e datada com as trombetas da redenção. Um dado ilustra a gravidade dos dias que correm: investidores em massa compram títulos alemães -- ainda sinônimo de segurança-- em troca de rentabilidade negativa. Ou seja, ao final da aplicação, receberão de volta uma quantia inferior à investida.


O ganho é apenas a redução da incerteza: terão perdas conhecidas e menos voláteis.A intervenção dos BCs, embora encorajadora no curto prazo, está longe de resolver os alicerces do impasse. Todas as opções ortodoxas para salvar o euro fracassaram,inclusive o festejado fumdo de estabilização. A crise exige recursos e decisões que a ortodoxia que tomou de assalto o projeto da UE não previu e rejeita: sobretudo, soberania estatal à moeda única, com um BCE que domine a manada especulativa, colocando dívidas públicas sob sua fiança.


Fonte: Editorial de Carta Maior