quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma eleição paulistana que fugirá a mesmice

O eleitorado de centro-direita de São Paulo está dividido. PSDB e Kassab disputam na mesma faixa. Kassab acaba de fundar o PSD e seria vantajoso para a nova legenda ter um candidato próprio. Alckmin pode ser um bom eleitor no Estado, mas não é tão bom na capital. Haddad está melhor servido: neste momento, estar com Lula é mais negócio.


Por Maria Inês Nassif *


Por fadiga de material, as eleições do próximo ano na capital paulista deverão ocorrer obrigatoriamente sob o signo da renovação. A excessiva polarização entre o PT e o PSDB no Estado e a dificuldade de trânsito de novos nomes pelas máquinas dos dois partidos produziram efeitos semelhantes nas duas legendas. Do lado do PT, a visibilidade eleitoral era a de Marta Suplicy, eleita deputada, prefeita e senadora e derrotada em duas disputas para a prefeitura e uma para o governo do Estado.


Marta mantém, de início, um terço dos votos na capital, mas com uma rejeição semelhante. No PSDB, revezam-se como candidatos, desde a morte de Mário Covas, Geraldo Alckmin (hoje governador) e José Serra (eleito prefeito em 2004 e governador em 2006, e derrotado na disputa pela Presidência em 2010).


Os postulantes tucanos à prefeitura - os secretários Bruno Covas e José Anibal - não têm grande visibilidade; Serra, se quiser começar tudo de novo, tem exposição até excessiva, o que faz com que seus índices de rejeição sejam, hoje, maiores do que os de Marta.Não fosse apenas pelo desgaste dos nomes disponíveis nos dois partidos para à prefeitura, contam ainda as pesquisas feitas até agora, que indicam uma inclinação do eleitor paulistano pela renovação.


Foi essa percepção do eleitorado (aliás, desde a eleição do ano passado para governador) que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou com tanto afinco para sair dos impasses criados pela falta de renovação de quadros.


No ano passado, chegou a sondar o mesmo Fernando Haddad sobre a possibilidade de se candidatar ao governo. A articulação não colou nem no candidato, nem no partido. A segunda tentativa do presidente Lula foi, então, a de emplacar o deputado Ciro Gomes, cearense do PSB, como candidato ao governo por São Paulo.


Ciro transferiu o título mas não se convenceu de que essa era a alternativa para ele; e o PT não se convenceu que Ciro era a alternativa para o partido. A legenda atrasou a definição do candidato e, numa situação eleitoral já desfavorável, diante do favoritismo do candidato tucano, Geraldo Alckmin, foi para a eleição com Aloyzio Mercadante. E perdeu.Haddad torna-se o candidato do PT com vantagens em relação à disputa eleitoral no Estado nos últimos anos.


Em primeiro lugar, tem o incondicional apoio de Lula - e isso, no mínimo, ameniza dissensões internas. É um candidato novo, de fato, mas isso traz a vantagem de não ter sofrido processos anteriores de desgaste, como de alguma forma comprovou a eleição de Dilma Rousseff para a Presidência no ano passado. Numa situação em que os partidos todos estão desgastados, a falta de exposição eleitoral anterior pode ser vantajosa. Haddad, o neófito, leva para o palanque um baixo índice de rejeição.


O processo de debate interno para a definição da candidatura não foi agressivo e as prévias não chegaram a acontecer, o que aponta para um PT unido em torno das eleições. Ou menos dividido do que resultaria num processo de prévia mais dramático.O PSDB carrega desde as eleições de 2008 o "racha" entre os partidários de Geraldo Alckmin (que foi candidato a prefeito com o apoio de parcela do seu partido) e os de José Serra (que apoiaram a reeleição de Gilberto Kassab, então no DEM).


Embora Alckmin já tenha trazido de volta parte dos quadros do partido antes aliados a Serra, a divisão permanece um dado. E, de alguma forma, reflete a divisão do eleitorado de centro-direita da capital: PSDB e Kassab disputam na mesma faixa; Kassab acaba de fundar um partido, o PSD, e seria vantajoso para a nova legenda ter um candidato próprio. Alckmin pode ser um bom eleitor no Estado, mas não é tão bom na capital. Haddad está melhor servido: neste momento, estar com Lula é mais negócio.


* Maria Inês Nassif é colunista política e editora da Carta Maior em São Paulo

O épico da Globo e a saga da Rocinha

Por Maria Inês Nassif, no sítio Carta Maior:

Em 1994, o piloto Ayrton Senna morreu num trágico acidente, em Ímola. Foi o primeiro contato de meus filhos, então com oito e nove anos, com a morte de uma pessoa pública. Toda a máquina da Globo – e também de outras emissoras, mas a máquina da Globo era, e ainda é, a maior, e a Globo tinha, e ainda tem, a exclusividade de transmissão da Fórmula 1 – foi colocada à disposição daquele triste fato, que chegava com excepcional força aos expectadores por ser um ídolo jovem, bem-sucedido e que jamais ter decepcionado o seu público. Era o personagem do bem.

Meu filho, Tomás, cansou-se logo, apesar de ter ficado autenticamente comovido com a morte de Senna. Minha filha, mais chegada a um drama, mergulhou aos prantos no espetáculo montado em torno daquela fatalidade. Eu, como jornalista, não sabia muito o quê fazer: a máquina de moer emoções havia sido acionada contra a minha própria filha e eu não sabia se desligava a televisão, ou deixava que ela vivesse o que era também a sua primeira experiência com um drama coletivo. Deixei. E fiquei orgulhosa da Isabel quando ela limpou as lágrimas, levantou da cadeira, desligou a televisão e, por fim, disse: “O que eles estão fazendo com ele?” Tradução: o que a televisão fez com o Senna, ao invadir cada detalhe de sua morte, cada pedaço de sua vida, cada ferimento, cada dor de sua família, cada lágrima capturada pela câmera? Engraçado, mas percebi que ela achou que seu ídolo foi aviltado, e que ela foi manipulada.

Espetáculo e televisão são duas coisas inseparáveis, é fato. A imagem é dúbia: ao mesmo tempo em que documenta, é capaz de envolver, emocionalizar e confundir. A imagem não fala por si só. Com uma voz ao fundo, entrevistas escolhidas, cenários de pavor, palavras de esperança, é capaz de construir uma estória, a partir de dados da realidade, com o enredo de uma novela, ou de um filme. Tirar lágrimas ou convencer o público que, acreditando seriamente estar diante de uma realidade pura, vê-se na desgraça total ou chega à redenção.

Se a minha filha tivesse nove anos no último domingo, teria visto o Big Brother da Rocinha durante todo o dia, no padrão Globo de televisão, até se perguntar: “o que estão fazendo com eles?” Talvez ela precisasse de uma pergunta mais elaborada do que essa para expressar uma situação em que o direito inalienável do cidadão – a segurança, o direito de ir e vir, a inviolabidade de sua moradia, educação, saúde e todo o grande e generoso artigo 5º de nossa Constituição – foi transformado num épico onde o que importa não é o reconhecimento de que o Estado paga o que deve, mas a ocupação cenográfica de morros e vielas por 3 mil homens, entre Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Federal, além de 194 fuzileiros navais, 18 veículos blindados, quatro helicópteros da PM e três da Polícia Civil.

Os homens de farda não são os agentes de uma política pública de segurança, mas a redenção. Ao final do espetáculo, o que estava em jogo não eram os direitos, nem o reconhecimento de que, enfim, o Estado entendeu que segurança pública é uma política pública integrada com políticas sociais. A TV tinha eleito um herói, o secretário de Segurança Pública do Rio, Mariano Beltrame; coadjuvantes, os policiais; e figurantes, os moradores da Rocinha, do Vidigal e da Chácara do Céu.

Nesse cenário, a contenção das favelas, via a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), torna-se a redenção também da classe média que mora morro abaixo, e que certamente elegerá (no sentido estrito e figurado) o governador Sérgio Cabral e seu secretário Beltrame como aqueles que levaram a paz para os morros e, principalmente, para fora deles. E que vão tornar o Rio mais seguro para as Olimpíadas e para a Copa do Mundo.

Antes do espetáculo, uma história cruel de como bandidagem e miséria se juntaram nas favelas foi desconhecida; a saga de como armas e justiça com as próprias mãos ocupou o lugar do Estado em cada núcleo de pobreza foi esquecida; não se falou em como, primeiro, os bicheiros exerceram o papel de Poder Executivo, polícia e justiça em áreas que viraram feudos depois transferidos para traficantes e – quando estes eram expulsos – por milicianos, egressos da própria polícia. A história que a televisão esqueceu de contar é a de pessoas que tiveram de obedecer duas leis (a da cidade e do morro), incorporaram a violência à sua rotina, conviveram com drogas, viram seus filhos tornarem-se “aviões” do tráfico e serem vitimados pela violência e a droga antes de chegarem à vida adulta.

O épico da Globo esqueceu a saga dos pobres da favela. E do imenso descaso da opinião pública para com crianças que estavam em idade de estudar e não estudavam, precisavam brincar para ser crianças e não brincaram; e de adultos reduzidos à desumanização da doença, da fome e da falta de cidadania – pelo menos até que isso se traduzisse em violência morro abaixo.

A entrada do poder público na Rocinha para garantia dos direitos fundamentais de seus moradores não é o espetáculo. É o reconhecimento do que lhes era devido. Não deve ser visto como a salvação, mas a volta à normalidade.