Carros incendiados na Inglaterra. As ruas de Israel tomadas pela juventude. Jovens, um milhão deles, nas ruas do Chile. Mulheres com rostos cobertos questionando governos no mundo árabe. A marcha das vadias que começa em um continente e acaba por ocupar diversos pontos do mundo. A marcha da maconha que se transforma na marcha das liberdades.
Por Manuela d'Ávila*
O mundo todo tem presenciado, visto e vivido muitas manifestações. Algumas delas carregam grandes causas, de uma nação. Outras têm bandeiras individuais (o que não diminui seu valor e importância). Algumas têm atuação organizada e têm como objetivo claro a disputa pelo poder político. Outras carregam a revolta não traduzida em ação coerente.
Apesar de diferenças múltiplas, todos esses movimentos indicam um caminho, indicam que há algo de diferente no ar. Esse “diferente”, talvez seja o que nos faz ter acesso a tantos acontecimentos. Pode ser, também, uma das explicações para que essas manifestações tenham apoio de povos tão distantes.
O diferente, aqui, é a tecnologia e, mais precisamente, a internet. É assim por ajudar no processo de mobilização com as tão divulgadas redes sociais? Também. Mas, fundamentalmente, porque auxilia no processo de construção de um novo cidadão, no fortalecimento da nova sociedade, ou sociedade digital.
O cidadão digital é, sim, mais informado. Mas acima disso, tem outra visão sobre a importância e o significado da participação, sobre o significado de liderança. Esse talvez seja um dos grandes aprendizados pelos quais todos estamos passando.
O que, de fato, mudou? Além dos hábitos do uso, claro, a rede construiu novos valores na sociedade. Hoje, podemos dizer que existem dois mundos: um analógico, outro digital. E esses dois mundos são constituídos por cidadãos diferentes.
Para o cidadão analógico, o líder ainda é aquele que concentra a informação. Para o cidadão digital, o líder é aquele que sabe compartilhar a informação. O líder analógico sabe tudo e constrói sua ação “encastelado”. Enquanto isso, o líder digital reconhece seus limites e atua de maneira colaborativa, fortalecendo a ideia, o objetivo. O analógico é mecânico. O digital é orgânico. Há, portanto, um antagonismo entre essas realidades.
Talvez a ilustração do impacto gerado pelas diferenças de realidades possa ser expressada através da contraposição de computadores pessoais fixos e tablets, de orelhões e pequenos celulares multifuncionais. Não se trata, é importante destacar, de uma questão geracional, como alguns afirmam. Seria até mesmo ingênuo transformar a idade no fator central de mudanças tão profundas. Não é difícil encontrarmos jovens analógicos e senhores digitais!
O fato é que nossa sociedade e nossas instituições passam por transformações permanentemente. E isso faz com que coexistam cidadãos analógicos e digitais. Uns complementamos outros (afinal, não há rede social se não houver pessoas envolvidas). E uns também questionam aos outros. Nosso dilema – de nós, que optamos pela vida pública – é garantir que nossas instituições estejam atentas a essas transformações para manterem representatividade real, para consolidarmos a democracia. Afinal, o parlamento é a maior expressão da democracia.
O Estado, portanto, precisa se adaptar, precisar conciliar esses diferentes cidadãos. Se vivemos novos tempos, o Estado precisa responder a isso. Vivemos na era tecnológica, porém com um Estado analógico. O resultado desse abismo é a ampliação da distância entre o cidadão e o poder público. É preciso que haja uma mudança para que o Estado seja, de fato, o órgão representativo do seu povo.
* É deputada federal pelo PCdoB do Rio Grande do Sul; preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e é vice-líder do governo no Congresso Nacional.
Fonte: Congresso em Foco
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