Luiz Ricardo Leitão*
As declarações do governo britânico sobre os recentes protestos dos jovens em várias cidades inglesas em nada surpreendem este escriba, já habituado às bravatas verbais das ditas ‘autoridades’ de Bruzundanga. Acuado pelo furor das ruas, o primeiro-ministro David Cameron em nada se diferenciou do governador- playboy fluminense Sérgio Cabral, que, em resposta à forte mobilização dos bombeiros por melhores salários, tachou-os de “vândalos” e “bandidos”, ignorando solenemente as justas reivindicações da categoria. Sem condições de oferecer qualquer saída para a crise do Reino Unido, Cameron e seus mauricinhos buscam transformar em delinquentes milhares de pessoas que estão se insurgindo contra a miserável condição a que foram relegados na terra da rainha.
O discurso da ordem e da higienização social volta a ser invocado em meio a mais uma aguda crise do capital. Cameron diz que uma parte da sociedade está “doente” e promete “restaurar” com pulso firme a saúde do corpo social. Boa parte da imprensa subscreve suas falácias e trata de calar-se sobre o que está em curso no país, tão somente uma réplica do que ocorre em várias nações da Europa, no Oriente Médio (Israel, inclusive!) e nos EUA. No bairro de Tottenham, em Londres, onde a morte de Mark Duggan – baleado pela polícia – deflagrou uma onda de revoltas, 35% dos jovens de 16 a 25 anos estão sem emprego, mas, ainda assim, o governo decidiu cortar 75% das verbas investidas em projetos sociais, fechando diversos centros culturais que atendiam àquela comunidade.
Será que todos os jovens do planeta que lutam por emprego e investimentos sociais do Estado podem ser chamados de “vândalos”? O sociólogo Silvio Caccia Bava fez essa pergunta aos jornalistas do canal Globo News, aludindo aos 100 mil estudantes que marcharam nas ruas de Santiago em luta contra a privatização do ensino superior chileno – e os repórteres nada souberam responder... O playboy Cabral também já provou o revés desse feitiço, ao criminalizar o movimento dos bombeiros, e sua ‘popularidade’ rolou ladeira abaixo, em face do ostensivo apoio da população aos “vândalos” e “inconsequentes”.
Melhor seria refletir com maior profundidade sobre os descaminhos do mundo globalizado... E ouvir, por exemplo, o que tem a nos dizer o economista François Chesnais, para quem os protestos em Londres, no Chile e no Oriente Médio expressam uma grave doença mundial provocada pelos rumos que o modelo neoliberal e o regime pautado na dominação das finanças têm assumido. O momento atual, segundo o economista francês, é apenas “um novo episódio na crise mundial’; o processo se iniciou há cinco anos e atingiu seu clímax com a quebra do Lehmann Brothers, em 2008, mas ainda não possui um final à vista.
As advertências feitas por Chesnais deveriam ser ouvidas não só pela tchurma do G-7, como também pelo grupo emergente dos BRICS & Cia. Afinal de contas, os dois pilares da economia mundial no século 21 navegam nas mesmas águas turvas. Se o padrão de crescimento guiado pela dívida (regime adotado nos EUA e na Europa) está num beco sem saída, o padrão orientado por exportações globais (no qual a China é a principal base industrial e países como Brasil, Argentina e Tailândia são as maiores fontes de recursos naturais) não logrará funcionar por muito tempo sem uma forte demanda externa.
Quanto aos movimentos sociais em emersão, não obstante suas inegáveis particularidades, respondem todos ao flagrante abismo social de uma época em que “o consumismo é projetado pela tecnologia contemporânea e pelas estratégias de mídia”. Cada um deles reúne aspirações democráticas próprias e um acentuado conteúdo anticapitalista, reagindo ao fato de que lhes tenha sido negada a posse de bens que outros da mesma geração usufruem. Enfim, à revelia do que postulam Cameron e a mídia pós-moderna, eles nos ensinam que as mazelas da sociedade são, em última instância, mais um sintoma evidente das patologias cíclicas do capital.
Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário