As teorias dos economistas conservadores foram totalmente desmentidas pela crise. Eles deveriam estar escondidos cheios de vergonha. Mas não é isso que acontece. Muito pelo contrário. Os economistas conservadores ganharam mais força. Por quê? A razão é que os mitos em que fundamentam as suas posições são profundamente enraizados numa cosmovisão básica, de uma grande quantidade de pessoas, para não dizer da maioria das pessoas. Os mitos sobre a economia que se foram perpetuando nas escolas de economia, fundiram-se com as crenças mais ingênuas e perigosas dos nossos tempos. O artigo é de Alejandro Nadal.
Alejandro Nadal - La Jornada
Os economistas conservadores saíram desacreditados pela crise. Ao fim e ao cabo eles prometeram igualdade, prosperidade e até um mundo menos doente do ponto de vista ambiental. A única coisa que nos deram foi um colapso econômico gigantesco, com desemprego e pobreza. Deveriam estar escondidos cheios de vergonha.
Mas não é isso que acontece. Muito pelo contrário. Os economistas conservadores ganharam mais força. Por quê? A razão é que os mitos em que fundamentam as suas posições são profundamente enraizados numa cosmovisão básica, de uma grande quantidade de pessoas, para não dizer da maioria das pessoas.
Na arca de mitos em que se fundamenta a economia conservadora ou neo-clássica, existem três particularmente importantes. Não importa quanta evidência empírica de sentido contrário você possa encontrar, nunca poderá convencer os fiéis desses dogmas. De qualquer forma, aqui lhes oferecemos algumas pedras para atirar às brilhantes vitrinas em que têm essas crenças.
O primeiro mito está baseado na ideia de que o mundo da economia forma um sistema autônomo que regula a si mesmo. A metáfora mais bem sucedida (e perigosa) é que a economia é uma espécie de máquina. E como se regula, há que deixá-la trabalhar sem perturbar a sua dinâmica.
A teoria econômica passou mais de 200 anos a tentar provar que de fato o sistema econômico se auto-regula e que, portanto, não necessita de intervenção do governo nem da esfera da política. A evidência de crises recorrentes poderia ter sido suficiente para provar o contrário. Mas, confrontados com histórias de crise, os neoclássicos podiam sempre argumentar que foram causadas justamente por intervenções irresponsáveis dos governos.
O debate deslocou-se para o mundo dos modelos matemáticos. O programa de investigação dos economistas era simples: construir um modelo matemático capaz de reproduzir as condições em que as forças de mercado conduzem ao equilíbrio. Mas o modelo mais sofisticado e refinado da teoria econômica neoclássica demonstrou que, em geral (salvo exceções aberrantes) o sistema de mercado é instável. Então, para onde quer que se olhe: ou história econômica ou modelos matemáticos puros, a verdade é que a ideia de mercados auto-regulados que conduzem ao equilíbrio não tem nenhuma base racional.
O segundo mito é que a economia de um governo é como uma casa. E tal como uma família tem de medir o seu consumo, o governo também tem que restringir o gasto para baixar o montante dos seus rendimentos. Desta visão vem a ideia de que em tempos de crise, tal como o faria uma família, há que apertar o cinto. É o que recomendam constantemente os chamados falcões da austeridade fiscal no debate sobre a política fiscal em todo o mundo.
A realidade é diferente. Para começar, as famílias não podem estabelecer carga fiscais e colectar receitas através de impostos. Nem vi famílias que vivam centenas de anos, que incorram num déficit constante e que acumulem dívida, como fazem os governos. Normalmente as dívidas domésticas têm de ser resolvidas de uma forma ou de outra.
No limite, os governos podem emitir moeda, algo que os particulares também não podem fazer. Alguns dirão que precisamente para evitar abusos se deu autonomia ao Banco Central. Mas se você observar com cuidado o comportamento da Reserva Federal dos EUA pode constatar que a política monetária não se assemelha nada ao comportamento de uma família.
O terceiro mito é que cada classe social ou grupo recebe como remuneração aquilo com que contribui para a economia. Essa crença é a que está mais profundamente enraizada nas pessoas e atravessa o espectro de todas as classes sociais. Parece que em algum lugar no imaginário coletivo habita a lenda de que o rendimento das pessoas é proporcional à sua contribuição para o produto nacional. O corolário é que a ordem econômica é justa, mas a realidade é que nada na teoria econômica dá sustento a esta ideia. A distribuição de rendimento não está determinada por qualquer lei ou outro mecanismo econômico.
Simplesmente e apenas depende das relações de poder.
Isso não significa que as variáveis econômicas não sejam importantes. Pelo contrário. São muito mais importantes do que se pensa quando se coloca uma das lentes deste mito pernicioso que tudo distorce. O saldo fiscal, a inflação, a criação de moeda e nível salarial, tudo isso merece uma atenção cuidadosa, sem mitologias e crenças mais relacionados com a bruxaria do que com o pensamento racional.
Os mitos sobre a economia que se foram perpetuando nas escolas e faculdades de economia, fundiram-se com as crenças mais ingênuas e perigosas dos nossos tempos. Talvez essas crenças tenham mais a ver com aquelas Forze elementari sobre as quais escreveu Gramsci na sua análise sobre o fascismo.
(*) Traduzido por Paula Sequeiros para o Esquerda.net
Mas não é isso que acontece. Muito pelo contrário. Os economistas conservadores ganharam mais força. Por quê? A razão é que os mitos em que fundamentam as suas posições são profundamente enraizados numa cosmovisão básica, de uma grande quantidade de pessoas, para não dizer da maioria das pessoas.
Na arca de mitos em que se fundamenta a economia conservadora ou neo-clássica, existem três particularmente importantes. Não importa quanta evidência empírica de sentido contrário você possa encontrar, nunca poderá convencer os fiéis desses dogmas. De qualquer forma, aqui lhes oferecemos algumas pedras para atirar às brilhantes vitrinas em que têm essas crenças.
O primeiro mito está baseado na ideia de que o mundo da economia forma um sistema autônomo que regula a si mesmo. A metáfora mais bem sucedida (e perigosa) é que a economia é uma espécie de máquina. E como se regula, há que deixá-la trabalhar sem perturbar a sua dinâmica.
A teoria econômica passou mais de 200 anos a tentar provar que de fato o sistema econômico se auto-regula e que, portanto, não necessita de intervenção do governo nem da esfera da política. A evidência de crises recorrentes poderia ter sido suficiente para provar o contrário. Mas, confrontados com histórias de crise, os neoclássicos podiam sempre argumentar que foram causadas justamente por intervenções irresponsáveis dos governos.
O debate deslocou-se para o mundo dos modelos matemáticos. O programa de investigação dos economistas era simples: construir um modelo matemático capaz de reproduzir as condições em que as forças de mercado conduzem ao equilíbrio. Mas o modelo mais sofisticado e refinado da teoria econômica neoclássica demonstrou que, em geral (salvo exceções aberrantes) o sistema de mercado é instável. Então, para onde quer que se olhe: ou história econômica ou modelos matemáticos puros, a verdade é que a ideia de mercados auto-regulados que conduzem ao equilíbrio não tem nenhuma base racional.
O segundo mito é que a economia de um governo é como uma casa. E tal como uma família tem de medir o seu consumo, o governo também tem que restringir o gasto para baixar o montante dos seus rendimentos. Desta visão vem a ideia de que em tempos de crise, tal como o faria uma família, há que apertar o cinto. É o que recomendam constantemente os chamados falcões da austeridade fiscal no debate sobre a política fiscal em todo o mundo.
A realidade é diferente. Para começar, as famílias não podem estabelecer carga fiscais e colectar receitas através de impostos. Nem vi famílias que vivam centenas de anos, que incorram num déficit constante e que acumulem dívida, como fazem os governos. Normalmente as dívidas domésticas têm de ser resolvidas de uma forma ou de outra.
No limite, os governos podem emitir moeda, algo que os particulares também não podem fazer. Alguns dirão que precisamente para evitar abusos se deu autonomia ao Banco Central. Mas se você observar com cuidado o comportamento da Reserva Federal dos EUA pode constatar que a política monetária não se assemelha nada ao comportamento de uma família.
O terceiro mito é que cada classe social ou grupo recebe como remuneração aquilo com que contribui para a economia. Essa crença é a que está mais profundamente enraizada nas pessoas e atravessa o espectro de todas as classes sociais. Parece que em algum lugar no imaginário coletivo habita a lenda de que o rendimento das pessoas é proporcional à sua contribuição para o produto nacional. O corolário é que a ordem econômica é justa, mas a realidade é que nada na teoria econômica dá sustento a esta ideia. A distribuição de rendimento não está determinada por qualquer lei ou outro mecanismo econômico.
Simplesmente e apenas depende das relações de poder.
Isso não significa que as variáveis econômicas não sejam importantes. Pelo contrário. São muito mais importantes do que se pensa quando se coloca uma das lentes deste mito pernicioso que tudo distorce. O saldo fiscal, a inflação, a criação de moeda e nível salarial, tudo isso merece uma atenção cuidadosa, sem mitologias e crenças mais relacionados com a bruxaria do que com o pensamento racional.
Os mitos sobre a economia que se foram perpetuando nas escolas e faculdades de economia, fundiram-se com as crenças mais ingênuas e perigosas dos nossos tempos. Talvez essas crenças tenham mais a ver com aquelas Forze elementari sobre as quais escreveu Gramsci na sua análise sobre o fascismo.
(*) Traduzido por Paula Sequeiros para o Esquerda.net
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