Na data em que se comemora 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o atendimento socioeducativo continua a ser um dos maiores desafios da consolidação de uma política consistente de Direitos Humanos no Brasil
Especialistas alertam que os programas voltados às medidas socioeducativas em meio aberto também precisam de mais investimentos
No próximo dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 21 anos. No entanto, alguns desafios ainda persistem no longo processo de defesa e garantia dos direitos de crianças e adolescentes brasileiros. Um desses desafios está na consolidação de uma política pública consistente de direitos humanos voltada para meninos e meninas em cumprimento de medidas socioeducativas.
Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei aponta que em 2010 existiam no Brasil 12.041 adolescentes cumprindo medida de internação, o que representa um crescimento de 4,5% em relação ao ano anterior, seguidos de 3.934 em internação provisória e 1.728 em cumprimento de semiliberdade.
Além do grande número de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, a pesquisa, coordenada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), revela a existência de jovens que não deveriam estar em regime de internação, pois seus casos contradizem ou não preenchem os requisitos constantes do artigo 122 do ECA, responsável por apontar os casos em que a medida de internação poderá ser aplicada.
A Constituição Federal determina que as crianças e os adolescentes recebam tratamento prioritário por parte do Estado e da sociedade em geral. As determinações entre os artigos 112 e 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (http://www.andi.org.br/infancia-e-juventude/legislacao/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente), em vigor desde 1990, reafirmam a necessidade de oferecer atenção diferenciada a essa parcela da população quando envolvidas em atos infracionais.
Apesar dos avanços registrados nas últimas décadas, o Brasil ainda convive com graves violações de direitos nas unidades de internação socioeducativa. É fundamental avançar na definição de uma política de atendimento que garanta estruturas, procedimentos e recursos humanos e orçamentários adequados em todas as fases do processo, desde a prevenção, a captura, o julgamento e a ressocialização.
Levantamentos do Conselho Nacional de Justiça (http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/pj-medida-justa) apontam ocorrência de graves violações de direitos nas unidades de atendimento, como ameaça à integridade física, violência psicológica, maus-tratos e tortura, além de negligência relacionada ao estado de saúde dos adolescentes. Há ainda denúncias de jovens privados de liberdade em locais inadequados, como delegacias, presídios e cadeias.
A estrutura das unidades continua, portanto, a ser uma questão relevante. A rede física atual, segundo o levantamento da SDH/PR, está composta por 435 unidades, sendo 305 para atendimento exclusivo de programas. A situação de precariedade é séria em muitas instalações, sendo mais evidente na região Nordeste onde os estados do Ceará, Paraíba e Pernambuco apresentam superlotação com taxas acima da capacidade em 67,81%, 38,21% e 64,17%, respectivamente.
A internação não deve ser a principal medida
Segundo o advogado e presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, Ariel de Castro, as medidas socioeducativas de maneira geral são mal aplicadas no Brasil, havendo uma tendência excessiva à internação dos adolescentes, mesmo em casos de atos infracionais cometidos sem uso de violência. "Diante da dita comoção popular, o Judiciário tem se curvado à pressão da opinião pública e aplicado a internação como a principal medida e não como exceção, conforme prevê a Lei”, avalia. Castro lembra que o Poder Judiciário e o Ministério Público não são os únicos responsáveis pela aplicação inadequada das medidas. Ele afirma que grande parte dos programas de atendimento socioeducativo em meio aberto – executados por prefeituras e organizações não governamentais (ONGs) – está em situação precária de funcionamento. "O ECA prevê a municipalização das medidas em meio aberto há 20 anos e mesmo assim a maioria das cidades lamentavelmente não possui esse tipo de serviço”, explica.
A ausência de vagas em unidades de semiliberdade também seria um fator agravante, pois, segundo Ariel de Castro, esta alternativa nunca foi considerada prioridade para os governos estaduais. Contudo, os dados da SDH mostram um crescimento da população de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade, passando de 1.234 em 2006 para 1.728 em 2010.
Drogadição e saúde mental
Estudo da SDH do ano 2009 chama a atenção ainda para um aspecto importante, porém pouco debatido no âmbito das medidas socioeducativas: o tratamento voltado aos adolescentes em caso de drogadição e transtornos psiquiátricos. O ECA prevê medidas especiais com essa finalidade, em que devem ser consideradas as peculiaridades de cada situação e a vinculação desses problemas com o ato infracional. Algumas dificuldades, como o preconceito e a falta de capacitação profissional no atendimento aos adolescentes, são apontadas como entraves na reinserção social dos que necessitam de tratamento terapêutico.
O Estatuto define dois tipos diferentes de acompanhamento nesses casos: o regime hospitalar, que envolve a internação do paciente sob requisição de um laudo médico, e o regime ambulatorial, em que o paciente permanece em convívio familiar e comunitário, frequentando periodicamente os serviços de atendimento psicossocial. Contudo, Ariel de Castro afirma que, embora tenha viajado boa parte do país para conhecer unidades de internação, nunca encontrou atendimento adequado aos adolescentes dependentes químicos ou com sofrimento psíquico. "Os programas e serviços não estão devidamente preparados e estruturados, principalmente em tempos de epidemia do uso de crack”, ressalta.
Propostas do SINASE
Com o objetivo de dar uma nova perspectiva ao cumprimento das medidas socioeducativas no Brasil, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.627/07, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). A iniciativa, que tem como relator o senador Eduardo Suplicy, busca estabelecer um marco regulatório no País, organizando os princípios de natureza política, administrativa e pedagógica para o adequado funcionamento dos programas socioeducativos de atendimento ao adolescente em conflito com a lei.
Um dos principais focos da proposta é assegurar a co-responsabilidade da família, da comunidade e do Estado, articulando os três níveis de governo. Além disso, o Sistema busca estabelecer parâmetros nacionais que priorizem a execução de medidas em meio aberto em detrimento das restritivas de liberdade, a serem usadas em caráter de excepcionalidade.
Na opinião da coordenadora do Programa de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente do escritório do UNICEF no Brasil, Casimira Benge, a importância da implantação do SINASE está em orientar estados e municípios na formulação de políticas sintonizadas com todas as recomendações nacionais e internacionais de direitos humanos em matéria de justiça juvenil.
Segundo ela, algumas recomendações do Sistema merecem destaque, como a prioridade dada às medidas em meio aberto, as regras para a construção dos centros de internação e a qualificação das equipes de atendimento. "O SINASE possibilita a harmonização e unificação de procedimentos, evitando que cada estado da Federação adote uma política desvinculada das diretrizes nacionais”, afirma.
Profissionalização e SGD
O projeto pretende enfatizar a articulação de políticas intersetoriais e a constituição de redes de apoio, a fim de garantir o direito à convivência familiar e comunitária dos adolescentes autores de atos infracionais. Ele estabelece ainda as competências dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, que devem estabelecer diálogo direto com os demais atores integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, como o Poder Judiciário e o Ministério Público.
A coordenadora geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo da SDH/PR, Thelma Oliveira, afirma que existem outros tipos de políticas públicas sendo executadas com o objetivo de romper a tradição assistencial e repressiva no atendimento dos adolescentes em conflito com a lei. Segundo ela, a Secretaria está elaborando uma proposta de regularização da profissão do socioeducador, com curso de formação a ser desenvolvido pelo Ministério da Educação com apoio de instituições de ensino superior. A SDH também apoia projetos de justiça restaurativa e o fortalecimento dos programas em meio aberto. "É preciso superar problemas como o quadro de profissionais pouco preparados para a ação socioeducativa, a proposta pedagógica incipiente e a prevalência de uma cultura prisional na aplicação das medidas de internação”, destaca.
O advogado Rodrigo Puggina, do Instituto de Acesso à Justiça, acredita que há uma inversão no que deveria ser o foco dos debates envolvendo as medidas socioeducativas. Para ele, a prevenção feita por políticas públicas é mais barata e eficaz do que a repressão. "Se não nos preocupamos com essas pessoas por um ideal de direitos humanos, que seja, então, por outra razão: os jovens que estão lá sairão um dia e nós temos que decidir como queremos que eles saiam”, conclui.
Sugestão de box:
Entenda as Medidas Socioeducativas
As medidas socioeducativas são aplicadas pelo Estado aos cidadãos entre 12 e 18 anos incompletos que cometem ato infracional. Elas têm caráter pedagógico-educativo e visam inibir a reincidência dos adolescentes em ações consideradas inadequadas ao convívio social. A aplicação das medidas leva em consideração as circunstâncias e a gravidade da infração praticada e, dessa forma, pode ser classificada em seis diferentes grupos:
Advertência - Repreensão verbal aplicada pela autoridade judicial, em que deve estar presente o juiz e o membro do Ministério Público. Obrigação de Reparar o Dano - Ocorre com fins de devolução, ressarcimento e compensação do prejuízo.
Prestação de Serviço à Comunidade - O adolescente realiza tarefas gratuitas em hospitais, escolas ou entidades assistenciais. O prazo não pode ser superior a seis meses e as atividades devem ser cumpridas em uma jornada máxima de oito horas semanais.
Liberdade Assistida - Impõe obrigações ao adolescente, que deve ser acompanhado em suas atividades diárias (escola, família e trabalho) de forma personalizada.
Semiliberdade - É a privação parcial da liberdade, em que o adolescente realiza atividades externas durante o dia e é recolhido ao estabelecimento apropriado no período noturno, com acompanhamento de um orientador.
Internação - É a mais grave e complexa das medidas socioeducativas. Ela deve ser aplicada somente nos casos de grave ameaça ou violência à pessoa, de reiteração no cometimento de infrações e de descumprimento da medida proposta anteriormente.
Sugestões de abordagem
- Como forma de regionalizar a pauta, o jornalista deve buscar dados referentes ao número de adolescentes em regime de internação e averiguar se as internações condizem com o que está estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. O jornalista poderia buscar dados, junto à direção do Centro de Atendimento ao Menor (Cenam) de quantos adolescentes estão atualmente em situação irregular e qual o percentual de atendimentos em meio aberto em relação ao meio fechado.
- Um gancho interessante é saber da Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência e Desenvolvimento Social e das Secretarias Municipais de Assistência Social como a municipalização das medidas socioeducativas está sendo desenvolvida no Estado de Sergipe e quais resultados estão sendo obtidos no sentido de preservar o direito dos adolescentes à convivência familiar e comunitária. Além disso, poderia buscar junto a especialistas na área de direitos da criança e do adolescente que impactos a municipalização poderia causar especialmente nos casos de adolescentes que vivem no interior do estado e cometeram atos infracionais leves, devendo cumprir medidas em meio aberto.
- Um grande desafio no âmbito das medidas socioeducativas é desenvolver políticas mais voltadas para as medidas em regime de liberdade. Dessa forma seria interessante buscar políticas locais que priorizem outras medidas socioeducativas, sendo a internação o último recurso para casos realmente graves.
Contatos
Fundação RenascerTel.: 3219-2160
Secretaria de Estado da Assistência, Inclusão e do Desenvolvimento SocialTel.: (79) 3179-1948/4896
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA)Danival Falcão, presidente
Tel.: (79) 8821-1402/3246-1395
Tel.: (79) 8821-1402/3246-1395
Secretaria de Direitos Humanos (SDH)Thelma Oliveira – coordenadora do SINASE
Thaís Herdy – assessora de imprensa
(61) 2025-3051 / 9148-1182
thais.herdy@sdh.gov.br
http://www.direitoshumanos.gov.br/
Thaís Herdy – assessora de imprensa
(61) 2025-3051 / 9148-1182
thais.herdy@sdh.gov.br
http://www.direitoshumanos.gov.br/
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a InfânciaAlexandre Amorim – assessor de imprensa
(61) 3035- 1947
aamorim@unicef.org
http://www.unicef.org.br/
(61) 3035- 1947
aamorim@unicef.org
http://www.unicef.org.br/
Ariel de Castro AlvesPresidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo
(11) 4126-1319 / 8346-9534 / 9652-3119
ariel.alves@uol.com.br
www.arieldecastroalves.zip.net
http://www.fundacaocrianca.org.br/
(11) 4126-1319 / 8346-9534 / 9652-3119
ariel.alves@uol.com.br
www.arieldecastroalves.zip.net
http://www.fundacaocrianca.org.br/
Instituto de Acesso à JustiçaRodrigo Puggina - advogado
(51) 9113-6505rpuggina@terra.com.br
(51) 9113-6505rpuggina@terra.com.br
Fonte: várias organizações - ADITAL
Nenhum comentário:
Postar um comentário