sexta-feira, 20 de maio de 2011

No Norte da África, mídia radical gerou debate amplo e global, analisa especialista

O poder de influência de centenas de grupos populares em redes sociais que, com um discurso de contraposição ao status quo reinante em determinados países e regiões, contribuíram para momentos de transformação social, chamou a atenção do mundo. Na Tunísia e no Egito, o período anterior à queda dos governantes foi marcado por manifestações nas ruas, mas também por demonstrações no Twitter, Facebook e outros espaços na Internet.

Para Juarez Xavier, pesquisador de mídias radicais e professor de jornalismo na Unesp (Universidade Estadual Paulista), as mídias radicais são fundamentais para entender os processos de mobilização pelo mundo. Em entrevista ao Opera Mundi, o professor ressaltou que as ações populares tanto no Norte da África, como o trabalho de grafiteiros, em São Paulo ou em Nova York, são exemplos da importância e das possibilidades presentes nas mídias radicais.

"Algumas circunstâncias, principalmente aquelas que levam a um ponto de aglutinação de uma crise, pode fazer com que a mídia radical, compartilhada apenas pelo grupo que a produz, gere um debate amplo e global que atinja vários setores da sociedade", afirmou Xavier.

Como podemos definir o conceito de "mídias radicais"?

Mídia radical é toda aquela mídia que se opõe ao status quo. O que significa isso? É a mídia que questiona a forma de organização -- seja ela política, econômica, social ou cultural -- do Estado. Ela se distingue da mídia popular pelo caráter questionador, pois em alguns casos as organizações populares são conservadoras em relação a estrutura do Estado.

Mídia radical, portanto, é uma mídia que obrigatoriamente apresenta um posicionamento contrário a uma forma hegemônica de organização da sociedade. Ela se contrapõe a forma do Estado exercer sua concentração de violência, cultura, poder ou renda.

Sendo assim, é possível dizer que toda mídia radical tem um caráter revolucionário?

Revolucionário no sentido de mudar uma determinada ordem, nem sempre de esquerda. Por exemplo, a Kun Klux Klan, nos Estados Unidos, poderia ser enquadrada dentro dessa definição geral de mídia radical. Eles expressam o descontentamento com uma forma de organização do Estado, de um determinado padrão da sociedade norte-americana.

O que se percebe é que a mídia radical, na maioria dos casos, tem características de ser contra o capital. Você encontra organizações de mídias na África ou na América Latina com claras características anti-capitalistas. As mídias radicais, em países ou em regiões mais empobrecidas possuem traços que podem se enquadrar no viés político mais à esquerda. Isso acontece porque existem mais países no quais a predominância de organização do Estado é pautada pelo capital.

No Sudão, houve uma série de ações políticas punitivas contra as populações nativas islâmicas. Em resposta, esses grupos marginalizados passaram a lançar mão de vários recursos culturais, que se caracterizam como uma mídia radical. Começaram a valorizar e a se organizar inspirados na cultura tradicional; o uso do vestuário tradicional ganhou mais importância porque era uma forma de se opor à orientação do Estado; o resgate das músicas, poemas, grandes narrativas que rememoravam suas tradições ancestrais.

Manifestações de oposição a estruturas políticas do Estado que são pautadas nas formas tradicionais de organização desses povos. Nós classificamos as ferramentas utilizadas nesse exemplo como analógicas.

Há, também, grupos que usam tecnologias digitais. Utilizando a rede mundial de computadores, celulares, smartphones e outros diversos recursos tecnológicos à disposição. A África tem mostrado um grande número de possibilidades de visualização tanto das manifestações tradicionais como das de mídia digital.

No Brasil, há diversos grupos que têm usado esses mecanismos. A musicalidade do rap tem servido como instrumento de mídia radical. Há um grupo, em São Paulo, chamado "OPNI" (Objetos Pixadores Não-Identificados) que trabalha com intervenção urbana, usando o graffiti como instrumento de mídia radical.

É possível afirmar que o que define uma mídia como radical é a forma como ela utiliza as ferramentas de comunicação?

Não é propriamente a ferramenta que caracteriza a mídia radical, mas o conteúdo da ferramenta. Por exemplo, quando você usa Facebook, Orkut ou Twitter como uma forma de oposição sistemática ao governo, ela assume essa característica radical. A ferramenta em si potencializa a possibilidade, em especial as ferramentas digitais.

O professor Milton Santos, em um certo período, falava sobre a importância dessa familiaridade tecnológica e das possibilidades que elas criariam. Parte desses setores marginalizados, contra-hegemônicos, se apoderaram dessa tecnologia e reinventaram o conteúdo, então o que caracteriza mais a mídia radical não é propriamente o instrumento, mas a possibilidade de alteração do conteúdo. Dessa forma, pode-se chamar o impresso de mídia radical, desde que o conteúdo seja divergente, pode ser o eletrônico ou digital caso tenham esse mesmo caráter discordante.

Mas há casos em que a ferramenta tem mais importância?

Em algumas situações, o meio acaba sendo mais importante do que o conteúdo, em casos de repressão muito acentuada. Na Argentina, o exemplo das Mães da Praça de Maio. O que caracteriza o discurso delas? Um lenço na cabeça.

Então a mídia radical não precisa ter um meio de comunicação tradicional?

As mídias radicais usam, além dos canais tradicionais de comunicação, os "novos meios" de comunicação. As roupas dos meninos do hip-hop e dos punks têm um discurso. Em alguns casos, a mensagem que é passada pela roupa é determinada pelo contexto. É o caso das jovens mulheres que vivem em países islâmicos, onde algumas usam calça jeans para se contrapor a uma política do Estado. A simples utilização de uma calça tem uma característica radical desde que esteja sustentado em um movimento de ação política de oposição ao status quo.

Como é a estruturação desse grupos? Eles possuem objetivos definidos ou alguma forma de hierarquização?

Fundamentalmente, eles se dividem em dois níveis. Um deles seria o "modelo bolchevique": em um Estado muito fechado a tendência é que os grupos de mídia radical se organizem de forma centralizada, verticalizada, clandestina e com níveis hierárquicos muito bem definidos. Nesses casos, as pessoas envolvidas nesse processo de produção sabem que a qualquer momento um deles pode ser preso e isso pode significar o fim do projeto. Por isso, às vezes, a pessoa que passa a orientação não é conhecida.

Em outras situações, você tem experiências de mídias radicais opostas. É uma forma de organização praticamente anárquica, horizontal, sem lideranças e a forma de produção de conteúdo é mais coletiva, mais colaborativa.

A mídia radical se organiza de acordo com o contexto político, econômico e social no qual ela está inserida. Se for um ambiente muito fechado, ela tende a assumir a característica "bolchevique". Mas se o espaço for mais democrático, ela tende a ser mais anárquica, colaborativa e, em alguns casos, com fóruns democráticos de decisão sobre como a mensagem será transmitida. Esse tipo de mídia se adapta à situação circundante.

Em uma de suas palestras você contou do caso de um grafiteiro que lhe disse: "O graffiti é a minha CNN".

Eu ouvi essa frase nos EUA. Lá os grupos de hip-hop possuem os quatro elementos - para alguns são cinco - entre eles o graffiti. Esses elementos têm a função de comunicar a opinião desses grupos divergentes com a comunidade. Muitos desses grupos usam o graffiti como uma forma de plataforma midiática, produzem conteúdo com um forte posicionamento político. Eu ouvi essa frase de um integrante de um grupo formado por jovens negros que luta contra o racismo. O graffiti que eles faziam, a mensagem que eles propunham, era frontalmente contra as diversas formas de manifestação de preconceito nos EUA.

Outros grupos têm feito isso pelo mundo afora, o graffiti tem assumido essa característica de funcionar como um veículo de comunicação de grupos divergentes. Quanto mais ele assume essa característica de funcionar como canal de diálogo para os grupos subalternos, mais ele assume e age como uma mídia radical informativa.

Esse menino foi muito feliz ao utilizar essa expressão. O graffiti é uma "nova CNN" porque é a forma como esses grupos usam para se comunicar e deixar claro o posicionamento contra-hegemônico que compartilham entre si.

A mídia radical tem a capacidade de produzir uma discussão que inclua toda a sociedade?

Nem sempre ela atinge a esfera pública global O que mais tem caracterizado a mídia radical é que ela tem constituído uma esfera pública radical, com um circuito de espaço que pode ser territorial, social, ou político no qual as suas ideias são discutidas e debatidas.
Às vezes, ela não atinge a esfera pública global, exceto em momentos de crise, mas ela gera a discussão entre os participantes desse grupos alternativos, que dependendo da forma de ruptura com a instituição do Estado ela pode ou não assumir características de esfera pública global.

No caso da Revolução Russa, no início de 1917, existia o Pravda que tinha um público pequeno, radical, quando estoura a Revolução, em Outubro, ele já é um jornal que atinge a esfera pública nacional. A crise se aglutinou de tal forma que o Pravda se tornou uma plataforma de contestação do governo czarista.

O que nós vimos agora no Norte da África, no Egito, em especial. Havia ali uma comunicação digital, muito pontual, que era uma esfera pública radical e alternativa e que com o passar do tempo e intensificação do conflito, passou a contaminar a esfera pública global. Ou seja, aquilo que era uma esfera parcial transformou-se em uma esfera pública ampla, a qual passou a influenciar a todos os principais pontos centrais da sociedade egípcia e criou uma situação de constrangimento para o governo Mubarak.

Algumas circunstâncias, principalmente aquelas que levam a um ponto de aglutinação de uma crise, pode fazer com que a mídia radical, compartilhada apenas pelo grupo que a produz, gere um debate amplo e global que atinja vários setores da sociedade.
 
Por Paulo Pastor Monteiro | Redação Ópera Mundi

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