A decisão mais contundente do pacote cambial anunciado 4º feira pelo governo ficou um tanto escondida por configurar, ainda, apenas uma possibilidade. A Medida Provisória 539 dá ao Conselho Monetário Nacional a prerrogativa de, a qualquer momento, exigir que os especuladores do mercado futuro de dólar elevem a margem relativa ao valor das apostas. Ou seja, façam depósitos em dinheiro vivo proporcionalmente maiores que os percentuais vigentes. A roleta do mercado futuro de câmbio gira diariamente mais de US$ 15 bilhões, cerca de dez vezes o volume físico de dólar negociado no país. Exerce assim um poder desproporcional sobre as cotações pelas facilidades intrínsecas à operação. O especulador só precisa depositar 8% do valor da aposta, o que lhe dá enorme poder de 'alavancagem': com menos de US$ 1 milhão, pode reunir contratos de US$ 10 milhões --multiplicando por 10 os ganhos com eventual queda do dólar. Esse cassino atrai capitais especulativos que ganham ainda a diferença de juros, o 'carry trade' que consiste em tomar empréstimo a juro zero lá fora e aplicar aqui a uma taxa real de 6,8%, a maior do planeta. Esse, na verdade, é o grande vilão da taxa de câmbio, que transforma a economia nma esponja, com dólares que enram por todos os poros em busca de rentabilidade sem igual num mudo mergulhado em recessão e inundado de liquidez.O pacote cambial ergue a comporta do dique e dá ao governo, ao Conselho Monetário, o poder de manejar para cima o mecanismo quando for o caso.Mas não ataca o vertedouri inclinado cos juros que desloca massas descomunais de dinheiro especulativo para a economia. É difícil separar o joio do trigo nesse aluvião em que especuladores e tesourarias de bancos e empresas --inclusive nacionais-- muitas vezes se confundem. O conjunto forma uma avalanche que barateia o dólar e impulsiona as importações com dois efeitos contraditórios: arrefece a inflação com o ingresso de mercadoria barata, mas transfere emprego e produção para o exterior.É um corner estratégico para o qual não existe resposta estritamente técnica. No fundo trata-se de escolher a sociedade que se quer construir no Brasil. A desordem cambial reflete um desarranjo mais amplo nos preços básicos da economia --entre os quais a taxa de juros se sobressai como um aspirador que suga recursos ao rentismo, em detrimento de outras prioridades. Reordenar essa equação requer uma negociação política mais ampla. O governo teme que uma redução abrupta do fluxo de dólares, decorrente de um efetivo controle cambial, por exemplo, encareça subitamente as importações, prejudicando o controle da inflação. O risco existe. Mas existe também alternativa: uma repactuação política das bases do crescimento, coisa complexa, mas talvez menos cabuloso do que controlar caso a caso a esponja da especulaçã cambial. Mantida a equação ortodoxa continua o jogo de gato e rato entre o governo e a esperteza dos especuladores. Com a palavra, sindicatos, partidos e movimentos sociais.
(Carta Maior; 5º feira, 28/07/ 2011)
Nenhum comentário:
Postar um comentário