terça-feira, 12 de julho de 2011

'Fizemos nosso melhor até o fim', diz ex-repórter do News of the World, demitido por email

A última capa do auto-intitulado "maior jornal do mundo" levou uma mensagem curta e melancólica aos leitores: "Adeus e Obrigado’". Com cerca de cinco milhões de cópias impressas, quase o dobro do normal, o tablóide britânico News of the World foi para as bancas neste domingo (10/07) com as datas de nascimento e de morte da publicação: 1843-2011. Após 168 anos, o jornal semanal em língua inglesa mais vendido no planeta foi tirado de circulação em consequência de sucessivas denúncias de uso de grampos telefônicos ilegais por funcionários e detetives particulares a serviço do veículo.

De acordo com a polícia do Reino Unido, aproximadamente quatro mil pessoas podem ter tido a privacidade violada. O objetivo das escutas era conseguir informações particulares de celebridades, membros da família real e até notícias de vítimas de crimes e de soldados mortos nas guerras do Iraque e do Afeganistão. A divulgação das suspeitas revoltou os ingleses. Com isso o jornal perdeu muitos patrocinadores. James Murdoch, chefe na Ásia e na Europa da News Corporation, dona do News of the World, decidiu fechar o tablóide. A medida foi considerada uma manobra para evitar a perda de credibilidade de outras empresas do grupo. A News Corporation, de propriedade do pai de James, Rupert Murdoch, é um dos maiores conglomerados de mídia do mundo.

Cerca de 200 jornalistas foram demitidos na quinta-feira (07/07) após o anúncio do fim do News of the World. Neil Ashton, de 38 anos, trabalhava como repórter esportivo no tablóide desde 2009. Assim como a maioria dos funcionários que perdeu o emprego, ele não tinha ligação com o jornal na época dos grampos, que teriam ocorrido antes de 2007. Abatido, o jornalista que já trabalhou para os jornais Sunday People e Daily Mail contou que recebeu a demissão por email. Em entrevista exclusiva ao Opera Mundi, Ashton narrou como foram os últimos momentos antes do fim do News of The World.

Houve em algum momento a suspeita de que a drástica decisão de tirar o jornal de circulação aconteceria?

No começo da semana passada tive a sensação de que algo muito ruim aconteceria. Quando foram publicadas as denúncias envolvendo as vítimas do 7/7 (data dos atentados terroristas que provocaram a morte de 56 pesssoas nos transportes públicos de Londres em 2005. As famílias das vítimas teriam tido os telefones grampeados), eu imaginei que não haveria mais solução. A imagem do jornal estava muito manchada e seria difícil mantê-lo em pé após tantas acusações.

Devido aos patrocínios que foram retirados?

Não apenas por isso. Os patrocínios são uma parte do negócio, mas as pessoas precisam confiar no jornal para ele existir. Quando você sabe que o veículo invadiu a caixa de mensagem dos familiares de pessoas mortas, não existe mais nenhuma confiança. A viabilidade da publicação fica mais complicada.

O Sr. começou a trabalhar para o jornal após os grampos. Se sente prejudicado por algo que aconteceu quando não estava lá?

É injusto, claro. Mas a situação é complexa, é difícil julgar. Para piorar o caso, as vítimas dos grampos são muitas e são anônimas. Se fossem conhecidos os nomes de todos os que tiveram a privacidade invadida, o jornal poderia procurar um por um e se desculpar. Mas essa lista não existe e o fechamento do jornal serviu como um pedido de desculpas coletivo.

Havia entre seus colegas alguém que estivesse na empresa desde a época das escutas?
Talvez duas pessoas no corpo de executivos. Entre os jornalistas, ninguém que eu conheça. Pelo que eu saiba, quase todos os funcionários eram relativamente novos. Esse escândalo começou a ser divulgado por volta de 2006. De certa forma, nós fomos contratados para substituir o time anterior. Mas agora surgiram as novas denúncias e acabou desse jeito.

Como a demissão foi comunicada?

Eu trabalho na rua a maior parte do tempo, quase não fico na redação. Na quinta-feira, tentei falar com um colega e não consegui. Achei estranho, porque é incomum o repórter ligar e não ser atendido. Como o escândalo estava cada vez maior, isso me deixou preocupado. Depois fiquei sabendo que a última edição do jornal seria publicada no domingo. Mais tarde, chegou no meu celular um email de James Murdoch, comunicando a demissão.

Qual foi a sua reação?

Não de total surpresa. Como eu disse, o clima já mostrava que algo ruim estava para acontecer. Mas foi muito triste ouvir a notícia e perceber que aquele era o fim não só do meu emprego, mas de um jornal histórico e tão popular.

A última edição saiu no domingo, mas o trabalho acabou um dia antes. Como foi o clima na redação quando o jornal ficou pronto e seguiu para a impressão?

Foi um misto de tristeza com orgulho. As pessoas estavam muito emotivas, dava para notar lágrimas. É difícil ver acabar algo que você gosta e que faz parte da sua vida. Mas todos demonstraram um enorme senso de responsabilidade. Nós tínhamos que terminar o trabalho da melhor forma possível.

O produto final conseguiu traduzir nas páginas todo esse empenho?

Nós fizemos o nosso melhor até o fim. Espero que as pessoas apreciem isso. Trabalhar para o News of the World era uma coisa diferenciada. Todos os funcionários pensavam assim. Não era apenas um emprego para ganhar dinheiro e pagar as contas. Era algo que se fazia com sentimento. Sempre foi um jornal diferente dos outros, com características únicas, mais investigativas e fortes. Nós sabíamos da importância que o veículo tinha na sociedade britânica e nos sentíamos felizes por fazer parte daquilo.

Agora que acabou, o Sr. acredita que esse episódio pode afetar sua carreira de alguma forma?

Espero que não. Veja, uma coisa é o jornal fechar e eu perder o emprego. Mas nem eu nem os meus colegas podemos ser responsabilizados pelo que aconteceu no passado. Quando formos procurar trabalho, nós temos que ser avaliados pelos nossos currículos, e não por esse escândalo.

O público britânico parece entender essa diferença. Alguns dos seus colegas têm dado entrevistas na televisão sobre o escândalo e sempre exaltam o lado bom do trabalho para o jornal. Essa exposição pode ter um impacto positivo profissionalmente?

Honestamente, eu não quero tirar nenhum benefício dessa situação. O caso dos grampos é muito sério e tem que ser tratado como um problema. Foi um episódio lamentável para a nossa imprensa.

O Sr. já recebeu alguma oferta ou começou a procurar emprego essa semana?

Não. Eu evitei pensar nisso antes de encerrar de vez o trabalho no News of the World. Achei que o melhor era esperar o fim de semana passar e depois seguir com a vida. Nós vamos receber os salários normalmente por 3 meses. Não há tanta pressa para achar outro emprego.

Esse escândalo pode mudar o funcionamento da imprensa britânica?

Espero que sim. Os jornalistas cometem falhas como qualquer outro profissional. Mas existe uma diferença entre errar ao tentar fazer a coisa certa e acertar fazendo algo errado. Não podemos usar meios ilicitos para contar uma história, mesmo que ela seja verdadeira. Nossos erros afetam a vida de outras pessoas e nós devemos ter mais responsabilidade com o publico que confia na gente. É preciso buscar o maior padrão de qualidade possível. Tomara que a nossa imprensa rume para esse caminho.

 
Fonte: Opera Mundi

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