O ministro Antônio Palocci se foi do governo de Luiz Inácio Lula da Silva por conta de uma quebra de sigilo e agora se vai do de Dilma Rousseff por decidir mantê-lo. O silêncio sobre os negócios da sua empresa de consultoria tornaram impossível dissociar o faturamento da influência que eventualmente teve no governo anterior. Mas como o contrário também não pode ser provado, na dúvida Palocci se vai para preservar Dilma do pior dos cenários, uma CPI de andamento imprevisível. Chegou ao fim uma relação de confiança que é menos longa e menos profunda do que o status de superministro fazia crer.
O ex-chefe da Casa Civil foi ungido por Lula à coordenação da campanha de Dilma depois de uma reunião em que o então presidente interferiu para desfazer a percepção de que a candidata não gostava do ministro.
A condução vitoriosa da campanha sublimou o potencial de atritos que uma crise nas pesquisas do ano eleitoral poderia ter causado entre ambos. Mas ela veio agora, aos cinco meses de governo, extraindo pontos na popularidade de Dilma e impondo à presidenta o constrangedor cerco dos políticos em defesa do governo.
Se é certo que ela não poderia mais ficar com seu ministro, as consequências dessa saída merecem várias leituras. No Congresso, tem quem veja nisso um sinal de fraqueza histórica. A primeira crise palaciana de Fernando Henrique Cardoso, o Caso Sivam, levou 11 meses. A de Lula, o Caso Waldomiro Diniz, levou 13 meses. Sob Dilma, ela chegou com apenas cinco meses. Detalhe: os três casos foram arquivados por falta de elementos que caracterizassem crime.
Em outra interpretação, a saída de Palocci levaria Dilma a se sujeitar àquilo que tem resistido desde a eleição, talvez o maior clássico político da redemocratização, de José Sarney a Luiz Inácio Lula da Silva: a abertura do balcão de cargos e favores no Planalto. O balcão palaciano cria uma linha tênue entre governabilidade e crise, na medida em que atrai para o Executivo os potenciais problemas gerados pelos pedidos parlamentares. Ele funciona melhor nos governos menos técnicos: José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e, a despeito da longa crise com o Senado durante o segundo mandato, Luiz Inácio Lula da Silva. E funciona pior com presidentes menos afeitos ao jogo congressual: Fernando Collor, Dilma Rousseff e, a despeito da sua origem parlamentar, Itamar Franco.
Sem Palocci, a presidenta estaria mais sujeita aos políticos, portanto mais dependente do PMDB, do PT, dos outros partidos da base aliada, dos sindicalistas que ela contrariou na votação do salário mínimo e mesmo de eventuais intervenções do ex-presidente Lula.
A questão central é que o mandato das urnas foi para Dilma e não para Palocci e o afastamento dele também oferece um roteiro menos submisso a todos que pressionaram pela saída do chefe da Casa Civil. Em início de governo, as crises palacianas costumam ser geradas pelos embates de poder dentro do governo. Foi assim no Sivam de FHC, e também no caso Waldomiro Diniz de José Dirceu e Lula.
Sem Palocci, Dilma tem, portanto, a oportunidade de trabalhar com alguém que lhe seja mais devedora, como a senadora Gleisi Hoffmann, e deflagrar um movimento que poderia ser chamado de fim do governo de transição – aquele que ela e Lula, por repartir o crédito eleitoral, construíram de comum acordo no final do ano passado. A presidenta já deu sinais de que trabalha com quem quer ao bloquear, no contingenciamento orçamentário, grande parte do dinheiro de investimento dos ministros que teve de aceitar por força da política. Quem duvidar, pergunte aos ministros do Turismo ou das Cidades. Nessa leitura, o verdadeiro governo Dilma começaria a aparecer agora e se cristalizaria na reforma ministerial que terá de fazer quando os candidatos a prefeito tiverem que se desincompatibilizar em março do ano que vem.
Quando um governo perde um ministro forte, uma peça central, há um imediato realinhamento do poder, tanto entre as várias forças que compõem o Executivo, quanto na sua relação com o Congresso e com a opinião pública. Esse caso poderia deixar uma lição para Dilma, aprendida na prática pelos dois governos mais bem sucedidos da história recente, os de Fernando Henrique e de Lula: na crise, o silêncio é mau companheiro. O governante precisa aparecer, explicar, convencer.
Mantido o silêncio, o governo Dilma pode ceder às pressões, fraquejar diante do Congresso, se imobilizar e perder popularidade e credibilidade. Ou a presidenta aproveita a oportunidade para realinhar forças, reassumir um discurso, tomar iniciativa e recuperar o desgaste causado pelo episódio. Em qualquer alternativa, esta será sempre uma decisão exclusiva de Dilma. (Luciano Suassuna - iG)
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