sexta-feira, 8 de julho de 2011

Reforma agrária: uma “história de oportunidades perdidas

Há mais de 70 anos, a questão fundiária vem sendo debatida por diferentes governos no Brasil. Neste contexto, a reforma agrária se consagra como artifício fundamental para reduzir a desigualdade e avançar na redistribuição de terra. Críticos do descaso do Estado com o tema, especialistas apontam a ausência de políticas públicas para o desenvolvimento do campo. Para eles, a reforma é alvo de uma “síndrome de ausência do compromisso” e, de tempos em tempos, é excluída da agenda política nacional.
Por Fabíola Perez -Vermelho

“A reforma agrária no Brasil é uma história de oportunidades perdidas”. É com essa frase que o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) José Juliano de Carvalho Filho avalia a questão fundiária no país. Para ele, que também é membro da Associação Brasileira da Reforma Agrária (Abra), o compromisso político com o tema desapareceu e hoje a reforma agrária já não está entre as perspectivas do governo.

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Segundo o especialista, promover a reforma significa distribuir riquezas, terras improdutivas e, sobretudo, saber exatamente a quem as mudanças serão destinadas. “Todo o modelo econômico do país precisa ser repensado e isso exige muita conscientização popular. Trata-se de uma nova maneira de enxergar o país e de pensar o seu desenvolvimento”, explica Carvalho.

Crítico da ausência de políticas públicas para sanar o problema, o professor afirma que a reforma agrária “nunca deixou de ser uma pequena política” aos olhos do poder público. A grande política, explica, está nos ministérios da Fazenda, da Agricultura – daí a história de frustrações contínuas.

Do lado do governo, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, tem afirmado que a distribuição de renda e a reforma estão no centro do modelo de desenvolvimento adotado pela atual gestão. Em recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro rebateu as críticas dos movimentos sociais e negou que a situação esteja parada. “A reforma agrária no Brasil está sendo feita dentro das regras da lei e do pressuposto da responsabilidade fiscal, com o orçamento”, explica.

Diferentemente de seus antecessores, Florence – que ocupa o ministério há seis meses – não anunciou a ampliação da reforma com grandes metas de novos assentamentos e vem insistindo na chamada inclusão produtiva. De acordo com o ministro, dos 28 milhões dos brasileiros que o governo anuncia que saíram da pobreza, 4,8 milhões estão na área rural, e 60% desse contingente teve um incremento da renda de trabalho – segundo Florence, graças ao apoio dado à agricultura familiar. “Há uma nova dinâmica de mercado, uma nova dinâmica na produção de alimentos”, acredita.

No entanto, pesquisas ainda apontam o Brasil como o país com a décima maior concentração de renda do mundo, sobretudo no que se refere à estrutura fundiária. “Foi durante o regime militar que se iniciou o processo de modernização da agricultura brasileira – o país alcançou um desenvolvimento capitalista. Nos anos 1970, a modernização adotou um caráter conservador”, comenta o professor. Segundo ele, hoje a situação surge de uma maneira ainda pior. “Agora, é o capital transnacional que comanda sem barreiras todo o processo”, pontua o especialista.

Carvalho explica que as consequências desse processo impactam principalmente nas condições de trabalho no campo. De acordo com ele, alguns estudos comprovam casos de morte de trabalhadores devido à exaustão física. A esperança de obtenção de empregos cai por chão com a exigência da mão de obra especializada. “As máquinas usadas ao longo do processo já detêm a tecnologia necessária”, enfatiza.

Para realizar a reforma agrária e reverter o cenário de desigualdade social no país, o especialista aposta na conscientização popular. “O caminho para conseguirmos promover a reforma passa pela conscientização pública, que é muito difícil de ser conquistada, considerando que todos os meios de comunicação adotam uma postura totalmente conservadora e contrária ao debate”, acredita Carvalho. “O grande problema no Brasil é que não se admite que o pobre seja livre – se ele for, será reprimido. Isso já ocorreu em vários períodos da história brasileira”.

Compromisso histórico

A luta pela reforma agrária no Brasil também é marcada pela força e pressão dos movimentos sociais que, ao longo de diferentes momentos históricos, ajudaram os camponeses a reivindicar direitos pela terra junto ao governo. Porém, essa batalha só ganhou um viés político, de fato, com as Ligas Camponesas, fundadas em 1945, em Pernambuco, sob a coordenação do Partido Comunista do Brasil.

Nos anos seguintes, o país protagonizou uma evolução considerável nas lutas reivindicatórias. É a partir de 1961, no 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, que as Ligas assumem abertamente a luta pela reforma agrária e, com isso, algumas lideranças passam a ser alvo frequente de repressão. Às vésperas do golpe militar de 1964, lideranças políticas acusaram as Ligas Camponesas e as medidas reformistas tomadas pelo presidente João Goulart de serem o estopim para a “revolução”.

Após esse período de ruptura, em decorrência da extinção das Ligas e do início da ditadura, a luta pela reforma agrária volta a ganhar força em 1979, impulsionada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). E, finalmente, na década de 1980, surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com o apoio das Comissões Pastorais da Terra (CPTs) – movimento de luta camponesa com a colaboração da Igreja Católica –, dos partidos de esquerda e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Com o Plano Nacional de Reforma Agrária, em 1984, o movimento ganha projeção nacional, fortalecendo a ocupação de terras previstas para serem desapropriadas e pressionando o governo para assentar famílias instaladas em acampamentos. “É interessante notar como a reforma agrária é recolocada na agenda pública. Ela não é abordada essencialmente por intelectuais ou por políticos – é trazida pelos movimentos que, por meio de batalhas e massacres, tentam estabelecer um diálogo com os governantes”, ressalta Carvalho.

Hoje, analisa o especialista, ao olhar para o modelo de desenvolvimento adotado no Brasil desde o início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), percebe-se que o país voltou ao modelo primário exportador.

“Os produtos de baixo valor estão crescendo na pauta da exportação. O balanço comercial favorece cada vez mais a exportação de commodities, e o governo fica refém das forças mais retrógradas no Congresso”, explica Carvalho. “Esse modelo, que não prioriza a reforma agrária, não vai nos levar a ser potência”.

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