Outro dia na condição de assessor da FETAG-BA dei uma palestra sobre cooperativismo e sua importância no processo de desenvolvimento de sociedades sustentáveis, do ponto de vista social, ambiental, cultural e econômico. Porém senti dificuldades no discurso, porque o verdadeiro sentido da palavra cooperação, ainda não é assimilado por nós que compomos a população baiana. Recorri a Weber e a Celso Furtado para discorrer sobre a nossa formação econômica, mas mesmo assim não consegui os resultados esperados naquele pequeno momento.
Consegui no mesmo dia demonstrar exemplo no meu discurso, mas a longas penas. A experiência do cooperativismo na Bahia é trágica, pois do ponto de vista político é administrada por vícios ideológicos, os mais absurdos; do ponto de vista social e cultural é influenciada pela nossa formação baseada na submissão e na falta de identidade; e do ponto de vista econômico a cooperativa é vista como paradigma dos interesses de uns poucos “iluminados”, com características de lideranças e misto de picaretagem.
Confesso que busquei para salvar minha palestra exemplo de identidade “racial”, com resultados positivos do ponto de vista econômico, que trouxeram para a Bahia o sentido da palavra cooperação. Mas quem e que grupo social? Pois a Bahia que conhecemos e que enriqueceu economicamente é formada por uma complexidade indefinida para leigos como eu e que não conhece nada de economia. A Bahia é o paraíso de raças e no contexto do ultimo século, diversos grupos desorganizados e organizados aqui aportaram. Foram preconceituosos e sofreram do preconceito racial, alguns mesmos sendo brancos; foram humilhados e humilharam, até seus próprios pares; adotaram a Bahia e impuseram seus valores e princípios culturais, bem como conseguiram impor do ponto de vista econômico seus interesses para a Bahia e para o Brasil. Apesar de pessoalmente não concordar com seus métodos, mas o sentido da palavra cooperação encaixa-se direitinho nos poucos indivíduos que vieram da Galícia para a Bahia, os “Galegos”.
Dando o exemplo dos galegos que se alocaram em Salvador a partir do inicio do século passado, graças a Deus, consegui salvar minha palestra. Mostrar ao grupo de trabalhadores/as rurais que um grupo pequeno, de uma pequena região de um país do tamanho da Bahia, conseguiu enriquecer junto, como uma cooperativa rural, cooperando entre grupo, coisa que a gente não faz. Embora deixando claro que seus métodos não devem ser os que a gente deve utilizar, por que somos muito mais inteligentes.
Galego não é gente de cabelo loiro e de pele branca como o senso comum conceitua. Ele é um individuo que veio de uma região da Espanha que foi rica na Idade Média e relegada ao desprezo econômico a partir do século XV. Os galegos viviam nos minifúndios da Galícia, pobres e miseráveis, e começaram a se espalhar a partir do século XVIII para as Américas, com um único objetivo, acumular riqueza e voltar para a terra natal, para ostentar o poder econômico ao centro do poder da Espanha que os dominava, mesmo sendo totalmente analfabetos.
Baseado em pesquisas o foco principal da imigração galega foi Salvador. Os primeiros que chegaram não foram diferentes dos últimos. Apenas com malas e roupas velhas, mas com uma certeza inabalável de prosperar e voltar para a Galícia. Aqui trabalharam e compreenderam rapidamente o sentido das classes dominantes de Salvador que viviam na Graça, Vitoria, Campo Grande, Barra e na região central de Salvador, e enriqueceram. Apesar de o trabalho ser considerado uma maldição para os pobres oriundos do século anterior, mesmo assim eles trabalhavam em torno de 15 a 17 horas por dia.
Mas eles trabalharam cooperando entre si, juntaram dinheiro e fizeram seus casarões com seus armazéns embaixo. Juntos consolidaram o poder econômico, dominando o setor de secos e molhados e das padarias. E para representar o sentido da palavra cooperação, criaram a Associação dos Estabelecimentos de Padarias da Bahia. Exatamente para cooperar somente entre si como povo galego. Compraram o espaço que hoje é o hospital espanhol, estrategicamente passando a perna nos portugueses e se consolidaram na Bahia como grupo. A partir de 1910 nenhum galego veio para a Bahia sem a cooperação de seus e de seu grupo, a partir de Pontevedra.
Não era cooperativa no sentido legal da palavra, mas foi uma das experiências de sucesso em nossa terra de um grupo que se junta para gerar renda e trabalho. Vieram organizados e hoje estão no setor hoteleiro, no esporte, na indústria da construção civil e em outros tantos setores econômicos.
Mesmo com esse exemplo a gente ainda não consegue se organizar, qual é mesmo nosso problema? Cooperativismo não é socializar miséria, é construir processos econômicos a partir de nossa capacidade de fomentar por nós mesmos o nosso desenvolvimento pessoal, social, cultural, ambiental, econômico e político.
Genaldo de Melo
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