quarta-feira, 25 de maio de 2011

Textos Políticos

Análise: Compreender a guerra da Líbia

Michael Collon , que já publicou vários livros sobre as estratégias da guerra dos EUA e da mídia nos conflitos precedentes, apresenta uma análise global do caso líbio, em três partes: I: Perguntas que é preciso colocar em cada guerra; II: Os verdadeiros objetivos dos EUA vão mais além do petróleo; III: Pistas para atuar
1ª PARTE: Perguntas que é preciso colocar em cada guerra.
27 vezes. Vinte e sete vezes os EUA bombardearam algum país, desde 1945. E cada vez tem-nos afirmado que estes atos de guerra eram "justos" e "humanitários". Hoje, dizem-nos que esta guerra é diferente das precedentes. O mesmo que foi dito da anterior. E da anterior. E de cada vez. Não estamos já na hora de pôr a preto e branco as perguntas que é preciso colocar em cada guerra para não deixar-se manipular?
HÁ SEMPRE DINHEIRO PARA A GUERRA?
No país mais poderosos do globo, 45 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza. Nos EUA, escolas e serviços públicos estão ruindo porque o Estado "não tem dinheiro". Na Europa, também acontece o mesmo, "não há dinheiro" para as pensões ou para a promoção do emprego.
Porém, quando a cobiça dos banqueiros desencadeia a crise financeira, então, em só uns dias, aparecem bilhões para os salvar. Isto permitiu aos banqueiros dos EUA repartirem no ano passado US$ 140 bilhões de lucros e bônus a seus acionistas e especuladores.
Também para a guerra parece fácil encontrar bilhões. Ora bem, são nossos impostos que pagam estas armas e estas destruições. É razoável converter em fumaça centenas de milhares de euros em cada míssil ou esbanjar cinquenta mil euros por hora de um porta-aviões? Ou será porque a guerra é um bom negócio para alguns? Ao mesmo tempo, uma criança morre de fome a cada cinco segundos e o número de pobres não cessa de aumentar no nosso planeta, apesar de tantas promessas.
Qual a diferença entre um líbio, um bareinita e um palestino? Presidentes, ministros, generais, todos juram solenemente que seu objetivo é unicamente salvar os líbios. Mas, ao mesmo tempo, o sultão do Barein esmaga os manifestantes desarmados, graças aos dois mil soldados sauditas enviados pelos EUA! Ao mesmo tempo, no Iêmen, as tropas do ditador Saleh, aliado dos EUA, matam 52 manifestantes com suas metralhadoras. Estes fatos ninguém os põe em dúvida, mas o ministro dos EUA para a guerra, Robert Gates, acabou de declarar: "Não acho que seja o meu papel intervir nos assuntos internos de Iêmen".(1)
Por que estes dois pesos e duas medidas? Por que Saleh acolhe docilmente a 5ª Frota dos EUA e diz sim a todo o que Washington ordenar? Por que o regime bárbaro da Arabia Saudita é cúmplice das multinacionais petrolíferas? Será que existem "bons ditadores" e "maus ditadores"? Como os EUA e a França podem pretender ser "humanitários"? Quando Israel matou dois mil civis nos bombardeios sobre Gaza, eles declararam uma zona de exclusão aérea? Não. Decretaram alguma sanção? Nenhuma. Ainda pior, Solana, então responsável pelos Assuntos Exteriores da UE declarou em Jerusalém: "Israel é um membro da UE sem ser membro de suas instituições. Israel faz parte ativa de todos os programas de pesquisa e de tecnologia da Europa dos 27". Acrescentando ainda: "Nenhum país fora do continente tem o mesmo tipo de relacionamentos que Israel com a União Européia". Neste ponto, Solana tem razão: A Europa e seus fabricantes de armas colaboram estreitamente com Israel na fabricação de 'drones', mísseis e outros armamentos que semeiam a morte em Gaza.
Recordemos que Israel, que expulsou 700 mil palestinos das suas aldeias, em 1948, se recusa a devolver-lhe seus direitos e continua cometendo inumeráveis crimes de guerra. Sob esta ocupação, 20% da população palestina atual está ou passou pelas prisões israelenses. Mulheres grávidas foram obrigadas a darem à luz atadas ao leito e reenviadas imediatamente às suas celas com os bebês. Esses crimes são cometidos com a cumplicidade dos EUA e da UE.
A vida de um palestino ou de um barenita vale menos do que a de um líbio? Há árabes "bons" e árabes "maus"?
PARA OS QUE AINDA ACREDITAM NA GUERRA HUMANITÁRIA...
Em um debate televisionado que tive com Louis Michel, ex-ministro belga dos Assuntos Exteriores e Comissário Europeu para a Cooperação e o Desenvolvimento, este me jurou, com a mão no peito, que esta guerra tinha como objetivo "pôr de acordo as consciências da Europa". Era apoiado por Isabelle Durant, líder dos Verdes belgas e europeus. Dessa forma, os ecologistas ("peace and love") viraram belicistas!
O problema é que a cada vez mais nos falam de guerra humanitária e que gente de esquerda como Durant se deixa enganar. Não fariam melhor em ler o que pensam os verdadeiros líderes dos EUA em vez de olharem e assistirem a TV? Escutem, por exemplo, a propósito dos bombardeios contra o Iraque, o célebre Alan Greenspan, durante muito tempo diretor da Reserva Federal dos EUA. Greenspan escreve em suas memórias: "Sinto-me triste quando vejo que é politicamente incorreto reconhecer o que todo mundo sabe: a guerra no Iraque foi exclusivamente pelo petróleo" (2). E acrescenta: "Os oficiais da Casa Branca responderam-me: ‘pois, efetivamente, infelizmente não podemos falar de petróleo’". (3)
A propósito dos bombardeios sobre a Jugoslávia escutem John Norris, diretor de Comunicações de Strobe Talbot que, nesse então, era vice-ministro dos EUA dos Assuntos Exteriores encarregado para os Bálcãs. Norris escreve em suas memórias: "O que melhor explica a guerra da OTAN é que a Jugoslávia se resistia às grandes tendências de reformas políticas e econômicas (quer dizer: negava-se a abrir mão do socialismo), e esse não era nosso compromisso com os albaneses do Kosovo". (4)
Escutem, a propósito dos bombardeios contra o Afeganistão, o que dizia o antigo ministro de Assuntos Exteriores, Henri Kissinger: "Há tendências, sustentadas pela China e pelo Japão, de criar uma zona de livre-câmbio na Ásia. Um bloco asiático hostil, que combine as nações mais povoadas do mundo com grandes recursos e alguns dos países industrializados mais importantes, seria incompatível com o interesse nacional americano. Por estas razões, a América deve manter a sua presença na Ásia..." (5)
O que vinha a confirmar a estratégia avançada por Zbigniew Brzezinski, que foi responsável pela política exterior com Carter e é o inspirador de Obama: "Eurasia (Europa+Ásia) é o tabuleiro sobre o qual se desenvolve o combate pela primacia global. (?) A maneira como os EUA "manejam" a Eurasia é de uma importância crucial. O maior continente da superfície da terra é também seu eixo geopolítico. A potência que o controlar, controlará de fato duas das três grandes regiões mais desenvolvidas e mais produtivas: 75% da população mundial, a maior parte das riquezas físicas, sob a forma de empresas ou de jazidas de matérias-primas, 60% do total mundial". (6)
Nada aprendeu a esquerda das falsidades humanitárias transmitidas pela mídia nas guerras precedentes? Quando o próprio Obama falou, tampouco acreditaram nele? Neste mesmo 28 de março, Obama justificava assim a guerra da Líbia: "Conscientes dos riscos e das despesas da atividade militar, somos naturalmente reticentes a empregar a força para resolver os numerosos desafios do mundo. Mas quando os nossos interesses e valores estão em jogo, temos a responsabilidade de agir. Vistos os custos e riscos da intervenção, temos que calcular, a cada vez, nossos interesses ante a necessidade de uma ação. A América tem um grande interesse estratégico em impedir que Kadafi derrote a oposição".
Não está claro? Então alguns vão e dizem: "Sim, é verdade, os EUA não reagem se não virem nisso o seu interesse. Mas ao menos, já que não pode intervir em todos os sítios, salvará àquela gente" Falso. Vamos demonstrar que são unicamente seus interesses os que procura defender. Não os valores. Em primeiro lugar, cada guerra dos EUA produz mais vítimas do que a anterior (um milhão no Iraque, diretas ou indiretas). A intervenção na Líbia, prepara-se para produzir mais...
QUEM SE NEGA A NEGOCIAR?
Desde o momento em que colocarem uma dúvida sobre a oportunidade desta guerra contra a Líbia, imediatamente serão culpados: "então recusam-se a salvar os líbios do massacre? Assunto mal proposto. Suponhamos que todo o que se nos tem contado fosse verdade. Em primeiro lugar, pode-se parar um massacre com outro massacre? Já sabemos que nossos exércitos ao bombardearem vão matar muitos civis inocentes. Inclusive se, como a cada guerra, os generais nos prometem que vai ser "limpa"; já estamos habituados a essa propaganda.
Em segundo lugar, há um meio bem mais singelo e eficaz de salvar vidas. Todos os países da América latina propuseram enviar imediatamente uma mediação presidida por Lula. A Liga Árabe e a União Africana apoiavam esta gestão e Kadafi tinha-a aceitado (propondo ele também que fossem enviados observadores internacionais para verificar o cessar-fogo). Mas os insurgentes líbios e os ocidentais recusaram esta mediação.
Por quê? "Porque Kadafi não é de fiar", dizem. É possível. E os insurgentes e os seus protetores ocidentais são sempre de fiar? A propósito dos EUA, convém recordar como se comportaram em todas as guerras anteriores, cada vez que um cessar-fogo era possível. Em 1991, quando Bush pai atacou o Iraque, porque este invadia o Kuweit, Saddam Hussein propôs se retirar e que Israel se retirasse também dos territórios ilegalmente ocupados na Palestina. Mas os EUA e os países europeus recusaram seis propostas de negociação. (7)
Em 1999, quando Clinton bombardeou a Jugoslávia, Milosevic aceitava as condições impostas em Rambouillet, mas os EUA e a OTAN acrescentaram uma, intencionadamente inaceitável: a ocupação total da Sérvia.
Em 2001, quando Bush filho atacou o Afeganistão, os talibãs propunham a entrega de Bin Laden a um tribunal internacional se eram apresentadas provas do seu envolvimento, mas Bush rejeitou a negociação.
Em 2003, quando Bush filho atacou o Iraque, sob o pretexto das armas de destruição em massa, Saddam Hussein propôs o envio de inspetores, mas Bush o recusou porque ele sabia que os inspetores não iam encontrar nada. Isto está confirmado na divulgação de um memorando de uma reunião entre o governo britânico e os líderes dos serviços secretos britânicos, em julho de 2002: "os líderes britânicos esperavam que o ultimato fosse redigido em termos inaceitáveis, de modo que Saddam Hussein o recusasse diretamente. Mas não estavam certos de que isso iria funcionar.
Então tinham um plano B: que os aviões que patrulhavam a "zona de exclusão aérea" lançassem muitíssimas mais bombas à espera de uma reação que desse a desculpa para uma ampla campanha de bombardeios. (9) Então, antes de afirmar que "nós" dizemos sempre a verdade e que "eles" sempre mentem, asssim como que "nós" procuramos sempre uma solução pacífica e "eles" não querem se comprometer, teria que ser mais prudentes... Mais cedo ou mais tarde, a gente saberá o que se passou com as negociações nos bastidores e constatará, mais uma vez, que foi manipulada. Mas será muito tarde e os mortos já não os ressuscitaremos.
A LÍBIA É IGUAL QUE A TUNÍSIA OU O EGITO?
Em sua excelente entrevista publicada há alguns dias por Investi'Action, Mohamed Hassan, professor de doutrina islâmica e especialista do Oriente Médio, colocava a verdadeira questão: "Líbia: levante popular, guerra civil ou agressão militar?" À luz de recentes investigações é possível responder: as três coisas. Uma revolta espontânea rapidamente recuperada e transformada em guerra civil (que já estava preparada), tudo servindo de pretexto para uma agressão militar. A qual, também, estava preparada. Nada em política cai do céu. Consigo explicar-me?
Na Tunísia e no Egito a revolta popular cresceu progressivamente em umas semanas, organizando-se pouco a pouco e unificando-se em reivindicações claras, o que permitiu derrotar os tiranos. Mas, quando analisamos a sucessão ultrarrápida dos acontecimentos em Benghazi, a gente fica intrigada. Em 15 de fevereiro houve manifestações de parentes de presos políticos da revolta de 2006.
Manifestação duramente reprimida como foi sempre na Líbia e nos demais países árabes. Dois dias escassos mais tarde, outra manifestação, desta vez os manifestantes saem armados e passam diretamente a uma escalada contra o regime de Kadafi. Em dois dias, incrivelmente, uma revolta popular se converte em guerra civil. Totalmente espontânea?
Para saber isso, é preciso examinar o que se oculta abaixo do impreciso vocábulo "oposição líbia". Em minha opinião, quatro componentes com interesses muito diferentes : 1º Uma oposição democrática. 2º Dirigentes de Kadafi "regressados" do oeste. 3º Clãs líbios descontentes da partilha das riquezas. 4º Combatentes de tendência islãmica. Quem compõe esta "oposição líbia"?
Em toda esta rede é importante sabermos de que estamos a falar. E sobretudo, que fação é a aceite pelas grandes potências...
1º Oposição democrática. É legítimo ter reivindicações ante o regime de Kadafi, tão ditatorial e corrupto como os outros regimes árabes. Um povo tem o direito de querer substituir um regime autoritário por um sistema mais democrático. No entanto, estas reivindicações estão até hoje pouco organizadas e sem programa concreto. Temos, ainda, no estrangeiro, movimentos revolucionários líbios, igualmente dispersos, mas todos opostos à ingerência estrangeira. Por diversas razões que expomos mais adiante, não são estes elementos democráticos os que têm muito que dizer hoje, sob a bandeira dos EUA nem da França.
2º Dignatários "regressados". Em Bengazhi, um "governo provisório" foi instaurado e está dirigido por Mustafá Abud Jalil. Este homem era, até 21 de fevereiro, ministro da Justiça de Kadafi. Dois meses antes, a Anistia Internacional tinha-o posto na lista dos mais horríveis responsáveis por violações de direitos humanos do norte da África. É este indivíduo o que, segundo as autoridades búlgaras, organizava as torturas de enfermeiras búlgaras e do médico palestino detidos durante longo tempo pelo regime.
Outro "homem forte" desta oposição é o general Abdul Faah Yunis, ex-ministro do Interior de Kadafi e antes chefe da polícia política. Compreende-se que Massimo Introvigne, representante da OSCE (Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa) para a luta contra o racismo, a xenofobia e a discriminação, estime que estes personagens "não são os 'sinceros democratas' dos discursos de Obama, mas foram dos piores instrumentos do regime de Kadafi, que aspiram a tirar o coronel para tomar seu lugar".
3º Clãs descontentes. Como sublinhava Mohamed Hassan, a estrutura da Líbia continua sendo tribal. Durante o período colonial, sob o regime do rei Idriss, os clãs do Leste dominavam e aproveitavam-se das riquezas petrolíferas. Após a revolução de 1969, Kadafi apoiou-se nas tribos do oeste e o Leste viu-se desfavorecido. É lamentável; um poder democrático e justo deve zelar por eliminar as discriminações entre as regiões. Pode-se perguntar se as antigas potências coloniais não incitaram as tribos rebeldes para enfraquecer a unidade do país. Não seria a primeira vez. Hoje, França e os EUA apostam nos clãs do Leste para tomar o controle do país. Dividir para reinar, um velho dito clássico do colonialismo.
4° Elementos da Al-Qaeda. Cabogramas difundidos pelo Wikileaks advertem que o Leste da Líbia era, proporcionalmente, o primeiro exportador no mundo de "combatentes mártires" no Iraque. Relatórios do Pentágono descrevem um cenário "alarmante" acerca dos rebeldes líbios de Bengazhi e Derna. Derna, uma cidade de escassos 80.000 habitantes, seria a fonte principal de yihaidistas no Iraque. Da mesma forma, Vincent Cannistrar, antigo chefe da CIA na Líbia, assinala entre os rebeldes muitos "extremistas islâmicos capazes de criar problemas" e que "as possibilidades [são] muito altas de que os indivíduos mais perigosos possam ter uma influência, caso Kadafi cair".
Evidentemente tudo isto se escrevia quando Kadafi era ainda um "amigo". Mas isto mostra a ausência total de princípios no chefe dos EUA e dos seus aliados. Quando Kadafi reprimiu a revolta islamista de Bengazhi, em 2006, fez isso com as armas e o apoio de Ocidente. Uma vez, somos contra os combatentes do tipo Bin Laden, outra vez, utilizamo-los. Vamos lá ver como.
Entre estas diversas "oposições" qual prevalecerá? Pode ser este também um objetivo da intervenção militar de Washington, Paris e Londres: tentar que "os bons" ganhem? Os bons do ponto de vista deles, é claro. Mais tarde, vai utilizar-se a "ameaça islâmica" como pretexto para se instalarem de forma permanente. Em qualquer caso uma coisa é segura: o cenário libio é diferente dos cenários tunisino ou egípcio. Ali era "um povo unido contra um tirano". Aqui estamos em uma guerra civil, com um Kadafi que conta com o apoio de uma parte da população. E nesta guerra civil o papel que jogaram os serviços secretos americanos e franceses já não é tão secreto...
Qual foi o papel dos serviços secretos?
Na realidade, o assunto líbio não começou em fevereiro em Benghazi, mas sim em Paris, em 21 de outubro de 2010. Segundo revelações do jornalista Franco Bechis (Libero, 24 de março), nesse dia, os serviços secretos franceses prepararam a revolta de Benghazi. Fizeram "voltar" (ou talvez já anteriormente) Nuri Mesmari, chefe do protocolo de Kadafi, praticamente seu braço direito. O único que entrava sem chamar na residência do líder líbio. Em uma viagem a Paris com toda sua família para uma cirurgia, Mesmari não se encontrou com nenhum médico, pelo conttrário, teve encontros com vários servidores públicos dos serviços secretos franceses e com próximos colaboradores de Sarkozy, segundo o boletim digital Magreb Confidential.
Em 16 de novembro, no hotel Concorde Lafayette, prepararia uma imponente delegação que devia viajar dois dias mais tarde a Benghazi. Oficialmente, tratava-se de responsáveis pelo ministério da Agricultura e de líderes das firmas France Export Céréales, France Agrimer, Louis Dreyfus, Glencore, Cargill e Conagra. Mas, segundo os serviços italianos, a delegação incluía também vários militares franceses camuflados como homens de negócios. Em Benghazi, encontraram-se com Abdallah Gehani, um coronel líbio ao que Mesmari lhes tinha apresentado como disposto a desertar.
Em meados de dezembro, Kadafi, desconfiando, enviou um emissário a Paris para tentar contactar com Mesmari. Mas este foi preso na França. Outros líbios vão de visita a Paris no dia 23 de dezembro e são eles que vão dirigir a revolta de Benghazi com as milícias do coronel Gehani. Ainda, Mesmari revelou inúmeros segredos da defesa líbia. De tudo isto resulta que a revolta no Leste não foi tão espontânea como nos foi dito. Mas isto não é tudo. Não só foram os franceses?
Quem dirige atualmente as operações militares do "Conselho Nacional Líbio" anti-Kadafi? Um homem justamente chegado dos EUA, em 14 de março, segundo Al-Jazzira. Apresentado como uma das duas "estrelas" da insurreição líbia, pelo jornal britânico de direita, Dail Mail, Khalifa Hifter é um antigo coronel do exército líbio exilado nos EUA. Foi um dos principais comandantes da Líbia até a desastrosa expedição ao Chade, no final dos 80; emigrou imediatamente para os EUA e viveu os últimos vinte anos na Virgínia. Sem nenhuma fonte de rendimentos conhecida, mas a muito pouca distância dos escritórios... da CIA (10). O mundo é um muito pequeno.
Como é que um militar líbio de alta patente pode entrar com toda a tranquilidade nos EUA, uns anos após o atentado terrorista de Lockerbie, pelo qual a Líbia foi condenada, e viver durante vinte anos, tranquilamente, ao lado da CIA? Por força teve que oferecer algo em troca.
Publicado em 2001, o livro Manipulations africaines (Manipulações africanas) de Pierre Péan, traça as conexões de Hifter com a CIA e a criação, com o apoio da mesma, da Frente Nacional de Libertação Líbia. A única façanha da tal frente será a organização, em 2007, nos EUA, de um "congresso nacional" financiado pelo National Endowment for Democracy(11), tradicionalmente o mediador da CIA para manter lubrificadas as organizações a serviço dos EUA.
Em março deste ano, em data não comunicada, o presidente Obama assinou uma ordem secreta que autoriza a CIA a empreender operações na Líbia, para derrocar Kadafi. O The Wall Street Journal, que informa disso, em 31 de março, acrescenta: "Os responsáveis pela CIA reconhecem ter estado ativos na Líbia desde fazia várias semanas, tal como outros serviços secretos ocidentais".
Tudo isto já não é muito secreto, circula pela Internet faz algum tempo; o que é estranho é que a grande mídia não diga nem uma palavra. No entanto, conhecem-se muitos exemplos de "combatentes da liberdade" armados deste modo e financiados pela CIA. Por exemplo, nos anos 80, as milícias terroristas da ‘contra’, organizadas por Reagan para desestabilizarem a Nicarágua e derrocarem seu governo progressista. Nada se aprendeu da História? Esta "Esquerda" européia que aplaude os bombardeios não utiliza a Internet?
Terá que se estranhar de que os serviços secretos italianos "delatem" assim as façanhas dos seus colegas franceses e que estes "delatem" seus colegas americanos? Isso só é possível se acreditarmos em histórias bonitas sobre a amizade entre "aliados ocidentais" Já falaremos... (Extraído do Investig’Action)

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Projeto flexibiliza a Voz do Brasil
No ar há 76 anos e conhecido por cerca de 90 % da população brasileira, o programa de rádio A Voz do Brasil caminha para não ter mais horário fixo de transmissão, às 19h. Algumas rádios já não transmitem nesse horário por meio de liminares obtidas na Justiça. Mas nesta terça-feira (24) a Câmara dos Deputados deu um passo importante para que a flexibilização do horário da Voz vire lei, permitindo às emissoras – com exceção das educativas – escolherem aleatoriamente a transmissão às 19h, às 20h ou às 21h.

O projeto aprovado nesta terça-feira na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara – por unanimidade - é de 2003 (PL 595) , de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). Originalmente ele propunha uma flexibilização maior nos horários (19h30 a 00h30) e ainda estendia a obrigação da exibição do programa para a TV. Além disso, o texto original não diferenciava as emissoras pelo tipo, criando a flexibilização para todas.

Tudo isso foi mudando ao longo do tempo. O projeto já passou pelo Senado e para se tornar lei definitivamente falta ainda tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo Plenário da Câmara.

Para as rádios que optarem em transmitir o programa fora do horário padrão, às 19h, o projeto atual as obriga a avisarem a hora certa em que ele irá ao ar. Ele mantém a necessidade da transmissão do programa durante 1 hora seguida e também o atual formato: 25 minutos para o Poder Executivo, 5 minutos para o Judiciário, 10 minutos para o Senado e 20 minutos para a Câmara.

Diferença

O projeto aprovado na CCTCI cria uma diferenciação perigosa entre as rádios. Ele permite todas, inclusive as comunitárias, a escolherem o horário que desejam transmitir A Voz do Brasil. Só mantém a obrigação para as emissoras educativas. “Lamento que o projeto nos deixou de fora. Não houve sensibilidade que, por um motivo diferente das comerciais, nós temos também uma preocupação de atingir o ouvinte dentro de suas diferentes necessidades”, critica Orlando Guilhon, vice-presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub).

A justificativa do relator do projeto, José Rocha (PR/BA), é que a flexibilização para essas rádios poderia alterar seu caráter. “Julgamos pertinente que a transmissão da Voz do Brasil no horário das 19 horas seja preservada como marca indissociável das emissoras educativas no cumprimento de suas finalidades sociais ”, diz o deputado. As emissoras legislativas só podem, de acordo com o projeto, flexibilizar a transmissão da Voz quando houver sessões deliberativas nas Assembleias e Câmaras às 19h.

Por trás desse discurso, há claramente interesses comerciais em jogo. Não é à toa que uma das principais interessadas na aprovação do projeto é a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). O interesse das rádios comerciais é vender publicidade no horário das 19h, que é um dos mais nobres do veículo.

O representante da Arpub entende que é necessário flexibilizar o horário para todas as emissoras. Ele argumenta que as educativas muitas vezes têm interesse em transmitir eventos esportivos e culturais que acontecem entre às 19h e 20h. “É para cumprir a missão pública de comunicar”, afirma Guilhon, lembrando que as educativas serão prejudicadas na próxima Copa do Mundo, por exemplo, se o PL 595/03 se tornar lei, já que estão previstos jogos nessa faixa horária.

A obrigatoriedade das educativas em seguir um horário fixo também pode criar uma confusão. Muitas delas, apesar de serem gerenciadas por governos locais, possuem uma concessão comercial. Isso criaria uma diferenciação ainda maior, entre as próprias rádios do campo público.

Já o diretor da Federação dos Radialistas (Fitert) Chico Pereira acredita que o programa deveria continuar sendo transmitido às 19h em todas as rádios do país. Ele aponta que a transmissão da Voz mais tarde vai prejudicar principalmente os cidadãos das zonas rurais, que forma boa parte dos ouvintes da atração. “Tem gente no campo que nem ouve a Voz do Brasil por causa da hora porque às 4h ele já está se encaminhando para o trabalho”, argumenta Chico, que enfatiza que A Voz do Brasil é uma das principais fontes de informação para esse público.

História

O programa foi criado em 1935 durante o governo de Getúlio Vargas com o nome de Programa Nacional. De 1934 a 1962, foi ao ar como Hora do Brasil, sendo que em 1938 passou a ter veiculação obrigatória, somente com divulgação de atos do Poder Executivo, das 19h às 20h.

Apenas com a aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações, em 1962, é que o Poder Legislativo passou a ocupar a segunda meia hora do noticiário do programa e, em 1971, passa a se chamar A Voz do Brasil. Em 1995, A Voz entrou para o Guiness Book como o programa de rádio mais antigo do Brasil. (Jackson Segundo – Observatório do Direito à Comunicação)

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Código Florestal: em defesa do Brasil e dos pequenos camponeses
Finalmente se encerrou na madrugada de terça (24) para quarta-feira a batalha legislativa em torno do Código Florestal no âmbito da Câmara dos Deputados. Agora a matéria será tema de debate e deliberação no Senado. Houve renhida batalha, idas e vindas, adiamentos, acordos, rompimentos e reconciliação de posições. Mas no final revelou-se ampla maioria a favor do novo Código Florestal, que garantiu esmagadora vitória das forças que defendiam o Relatório, elaborado com rara competência política pelo deputado comunista Aldo Rebelo.

Além de defender justas posições, Aldo valeu-se da sua profícua experiência parlamentar, no exercício da qual ocupou o mais alto cargo da Câmara dos Deputados, para conduzir com sobriedade, firmeza e flexibilidade as negociações que, em determinados momentos, pareciam ter chegado a um impasse.

Uma peça legislativa não é o alfa e o ômega dos problemas, nem de sua solução. Assim, não se pode depositar na lei aprovada as expectativas de solução das contradições do modelo agrícola brasileiro nem das questões ambientais. A agricultura, como o meio ambiente no Brasil, não sofre as agruras da existência ou não de leis. Ambos padecem as injunções do sistema capitalista e em especial do modelo agrícola vigente no país. Malgrado isso, a existência de um Código Florestal moderno estabelece um importante marco legal e ajuda a disciplinar as ações dos agentes econômicos e sociais e de indivíduos isolados. O país, que se modernizou nas últimas décadas, não pode ser regido por leis anacrônicas, como era o anterior Código, ainda mais quando estas tornam ilegal a ação produtiva de milhões de pequenos e médios agricultores.

Entre outros, o novo Código Florestal tem dois grande méritos: uma visão equilibrada entre desenvolvimento econômico e defesa ambiental e a defesa dos interesses do agricultor familiar, do pequeno e médio produtor rural, num país de enorme concentração da propriedade da terra.

A ideologização no debate entre o que se convencionou chamar de “ruralistas” e “ambientalistas”, com uma visível instrumentalização de argumentos funcionais a interesses antinacionais e antissociais, foi um fator negativo e mais confundiu que esclareceu. A mídia e políticos folclóricos, falsos esquerdistas e demagogos, fizeram seu jogo no sentido de aumentar a confusão.

Foi o próprio Aldo Rebelo quem se encarregou de evidenciar a questão social envolvida na polêmica, ao demonstrar que são os pequenos e médios agricultores e aqueles dedicados à agricultura familiar os mais prejudicados com os condicionamentos existentes no anterior código à produção agrícola.

Os latifundiários capitalistas, um dos setores mais reacionários das classes dominantes brasileiras, dedicados ao grande agronegócio exportador, estes já depredaram à vontade o meio ambiente, tão impunemente como dilapidam a economia nacional. Não estão preocupados nem com a segurança alimentar do povo brasileiro, para a qual a pequena agricultura dá importante contribuição, nem com a soberania nacional do país, nem com o equilíbrio ambiental. Seus superlucros estão vinculados a um modelo econômico dependente. Estão ligados por mil e um fios não só aos ciclos de demanda internacional, como também ao capital financeiro.

Um dos principais entraves a que o Brasil seja um país plenamente desenvolvido continua sendo o latifúndio. O modelo agrícola prevalecente, voltado principalmente para a exportação de commodities, cada vez mais entrelaçado com o capital financeiro internacional, os grandes produtores mundiais de insumos, implementos, sementes transgênicas, etc., contribui enormemente para manter o país dependente e põe em risco a segurança alimentar do povo brasileiro.

O engajamento a favor do novo Código Florestal de entidades corporativas dos latifundiários, ideologicamente de direita, com forte influência política e posições destacadas nos grandes partidos das classes dominantes, nada tem a ver com aliança de interesses, opiniões, orientações e estratégias com as forças políticas progressistas que apoiaram o novo Código. Tais entidades, assim como políticos herdeiros da famigerada UDR, continuam sendo figadais inimigos dos camponeses, dos trabalhadores agrícolas em geral e do povo brasileiro.

Por outro lado, muita especulação foi feita durante os debates do Código Florestal, sobre o ambientalismo. Aqui as posições variavam entre o pitoresco, o oportunismo, a hipocrisia e o entreguismo.

Não cabem dúvidas de que o problema ambiental se tornou um dos mais agudos em todo o mundo. A maioria dos críticos não tem coragem de dizer por quê. Está na essência do sistema capitalista-imperialista o produtivismo predador. Hoje interessadas em conter o desenvolvimento dos países que se mantiveram no atraso econômico e social e no controle das suas riquezas naturais, incluindo a biodiversidade, as potências capitalistas querem descarregar sobre os países chamados emergentes a responsabilidade pela solução dos – insanáveis sob o sistema capitalista – problemas ambientais.

Por isso, acionam suas agências de diversionismo e provocação que se escondem sob o disfarce de organizações não governamentais de “defesa do meio ambiente”, financiadas com o dinheiro do capital financeiro internacional. Tais ONGs não só não ajudam a vincar um pensamento correto sobre a defesa do meio ambiente no nosso país, como atuam na direção contrária aos interesses nacionais.

O movimento popular brasileiro e as forças progressistas não podem dividir-se entre latifundiários capitalistas e “ambientalistas” a serviço das estratégias do imperialismo. Têm uma plataforma de luta, entre as quais se inclui a reforma agrária antilatifundiária e a soberania alimentar do povo brasileiro. (Editorial Vermelho)

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O mito chinês
A China continua o país mais populoso do mundo. Nos últimos 60 anos, a população economicamente ativa se manteve próxima dos 60% da população total. Hoje, isso representa cerca de 830 milhões de trabalhadores, dos quais 300 milhões são agrícolas (autônomos e assalariados), 250 milhões urbanos (industriais, comerciais e de serviços), 160 milhões da indústria, comércio e serviços existentes nas zonas rurais e 120 milhões assalariados migrantes. O número de aposentados ultrapassou os 143 milhões.
De 1980 a 2010, a força de trabalho cresceu cerca de 300 milhões. Mas, enquanto o número de trabalhadores agrícolas se manteve relativamente estacionado, mais de 200 milhões se transferiram dos campos para as indústrias urbanas. Em vista de sua escala, o mundo chinês do trabalho desperta não só interesse como interpretações variadas. Embora tenha perdido força a ideia de que os baixos preços das mercadorias chinesas se devam a trabalho escravo, ainda há gente que considera essa prática predominante naquele mercado. 
Por outro lado, muitos empresários, no Brasil e em outros países, continuam supondo que os baixos salários são o componente fundamental dos preços dos produtos fabricados por lá. Sem distinguir a diferença entre salário nominal e real, gostariam de implementar o sistema de baixo salário real, como se este já não vigorasse há muito tempo por aqui.
Além disso, a maioria não compreende os problemas que qualquer processo de transição de matrizes produtivas impõe a um país. Talvez por isso não sejam poucos os que veem os conflitos trabalhistas existentes na China como a característica principal de seu mercado de trabalho. Não levam em conta sua história a partir dos anos 1950, quando foi implantado o pleno emprego, com base no sistema 3 por 1, no qual três trabalhadores ocupavam um posto de trabalho, numa espécie de emprego vitalício designado pelo sistema de alocação governamental. 
Esse sistema garantiu emprego a toda a força de trabalho. Cada empresa era responsável pelos serviços médicos, aposentadorias e outros benefícios sociais. Embora teoricamente isso fornecesse tranquilidade aos trabalhadores, na prática travava a elevação da produtividade, impedia o desenvolvimento das forças de produção e, portanto, mantinha a sociedade num baixo nível de consumo e riqueza. 
A situação começou a mudar com as reformas nas zonas urbanas a partir de 1984. Com a adoção paulatina da economia de mercado, a força de trabalho passou à categoria de mercadoria. Os empresários, no início basicamente as estatais, podiam contratar ou demitir conforme suas necessidades. Os trabalhadores, por sua vez, estavam livres para trocar de emprego à medida que desejassem, ou ter o próprio negócio. 
Mercado de trabalho
Tal processo não se implantou bruscamente. Por um tempo, as estatais e os governos locais se encarregaram de criar alternativas para a realocação dos excedentes e evitar um desemprego maciço. Somente depois de dez anos o mercado de trabalho se instalou em toda a China. Hoje, ele atende 40 milhões de micro e pequenas empresas urbanas comerciais e de serviços, 22 milhões de empresas industriais rurais de povoados e cantões e centenas de milhares de médias e grandes empresas. São empresas privadas nacionais, privadas estrangeiras, públicas cooperativas, públicas estatais e mistas – neste último caso, associações entre os quatro tipos anteriores.
A introdução, mesmo que paulatina, do mercado de trabalho, representou uma mudança considerável. Antes, os trabalhadores estavam despreocupados quanto à elevação da produtividade, escolha da carreira, competição por emprego, desemprego e outros fenômenos típicos das economias mercantis. A partir de então, passaram a enfrentar a disputa por vagas. 
Outra mudança significativa, com as reformas de 1984, refere-se à diversificação das profissões. Várias simplesmente desapareceram, ou se tornaram redundantes. Já as relacionadas com serviços de transportes, correios, telecomunicações, finanças, turismo, esportes e com as indústrias eletrônicas emergiram com força.
Essas transformações representaram um desafio, tanto para as diversas categorias de trabalhadores como para o governo. Nem todos os empresários conheciam as leis trabalhistas, o que os levou a constantes conflitos com os empregados. Apenas de 2001 a 2005, numa inspeção em 4,2 milhões de empresas, mais de 1 milhão foram flagradas com empregados sem contrato, envolvendo 34 milhões de trabalhadores. 
 Desemprego
Outro aspecto importante é que, a cada ano, devem ser criados milhões de empregos para atender à incorporação dos jovens que chegam à idade de trabalho. Nos anos 1980 esse número beirava os 14 milhões, mas caiu paulatinamente com a introdução da política de filho único. Ainda assim, são 9 milhões de novas vagas por ano. Além disso, cerca de 4% da população economicamente ativa não encontra emprego.
Nessas condições, a interferência do Estado tornou-se relevante para garantir o cumprimento das leis, pagamento de seguro-desemprego e manutenção e instalação de indústrias intensivas em trabalho, isto é, geradoras de grande número de emprego. Em 2008, o Estado gastou 25,1 bilhões de yuans (US$ 3,1 bilhões) nesse seguro, mais as verbas destinadas a cursos de reciclagem profissional e financiamento de novos negócios. Algo interessante no sistema de seguro-desemprego na China é que, para recebê-lo, os trabalhadores devem prestar serviços comunitários e fazer cursos de reciclagem profissional. O Estado também aprovou uma lei de promoção do emprego, de modo a, pelo menos, impedir que o desemprego supere os 4%. Isso levou à criação, entre 2005 e 2010, de mais de 45 milhões de oportunidades de trabalho. 
Embora os salários tenham subido, em média, 6% ao ano, ainda estão longe dos níveis internacionais, mas são compatíveis com os preços locais. Em outras palavras, em termos nominais, relacionados aos salários em outros países, são baixos. Em termos reais, referentes a seu poder aquisitivo, são razoáveis ou elevados. 
Os salários médios mensais dos migrantes em 2006, por exemplo, eram de 953 yuans, ou US$ 125. Pela paridade cambial, esse valor é insignificante. No entanto, pela paridade do poder de compra ou em relação aos preços internos chineses, seu poder aquisitivo é de três a cinco vezes superior a um salário brasileiro equivalente a US$ 125. Os salários médios das estatais, correspondentes a US$ 1.032 em 1999, se elevaram para US$ 4.539 em 2008.
Os trabalhadores também travam diferentes lutas por seus direitos. Apenas em 2005 ocorreram mais de 230 mil disputas trabalhistas, envolvendo cerca de 560 mil trabalhadores. Embora pareça muito, em escala chinesa esses números são pequenos. Os 560 mil representam 0,06% da população economicamente ativa, 0,22% dos trabalhadores urbanos, 0,35% dos trabalhadores das indústrias rurais e 0,46% dos trabalhadores migrantes. 
Com a industrialização e urbanização do país, muitos empregadores, inclusive estatais, sentiram-se estimulados a infringir os direitos dos trabalhadores. Não mais que 20% das pequenas e médias empresas assinaram contratos com seus empregados. Mais de 60% dos trabalhadores só possuem contratos de curto prazo. Governos locais sacrificam os interesses dos trabalhadores na busca de ganhos econômicos. Conflitos relacionados com agressões ao meio ambiente têm se multiplicado.
Nesse sentido, o que distingue a China é a constante preocupação do Estado em estabelecer uma legislação que garanta os direitos dos trabalhadores, com punições severas aos empresários que os agridem. Paralelamente, o Partido Comunista e o governo consideram que a conquista e a consolidação de direitos devem resultar da luta dos trabalhadores, e não do paternalismo estatal. Estão convencidos de que as centenas de milhões de camponeses que se transformaram em operários industriais e trabalhadores de outras categorias urbanas não ganharão consciên­cia de seus novos problemas e de sua força social se não passarem pela experiência da luta de classes. Diferentemente de muitos outros países, o que o Estado e o PC chineses garantem é estar ao lado desses trabalhadores. 
Legislação
Como resultado desse processo, a China possui diversas leis em curso desde o início dos anos 1980. A Lei de Trabalho foi aprovada em 1994, mas seu sistema não protegia suficientemente os trabalhadores nem respondia aos desequilíbrios existentes entre oferta e demanda. Milhares de empresas nacionais e estrangeiras aproveitaram-se dessa brecha e estabeleceram salários e horários de trabalho arbitrários, assim como condições de trabalho e de vida incompatíveis com o conjunto da legislação social. 
Com isso, o projeto da Lei de Contrato, aprovado em março de 2006, acabou por receber o maior número de denúncias e sugestões populares, atrás apenas do projeto de Constituição de 1954. Quase 200 mil cartas chegaram ao comitê do Congresso encarregado do assunto. Todas denunciavam uma gama considerável de discriminações: as dificuldades que os 120 milhões de chineses que contraíram hepatite B enfrentavam para obter emprego, assim como as sofridas por mulheres, deficientes, trabalhadores rurais e os que não haviam recebido educação superior; as diferenças salariais nas estatais, para uma mesma função, entre os trabalhadores oficialmente contratados, com salários mais altos que os dos temporários e com seguro social; as agências ilegais que roubavam o dinheiro de migrantes com promessas de emprego; a ausência de apoio ao primeiro emprego dos graduados nas universidades; a falta de pagamento do seguro social pelas empresas etc.
Outro exemplo de lei de difícil aplicação, em especial pelas empresas estrangeiras, é a que garante o direito dos trabalhadores de se organizar em sindicatos nas empresas, sem necessidade de aprovação dos empresários. Das 100 mil companhias estrangeiras em território chinês, com 25 milhões de trabalhadores, apenas em 40% existem sindicatos.
Vários exemplos foram notórios. A FoxConn, de origem taiwanesa, com 200 mil trabalhadores, tentou impedir a fundação do sindicato em sua unidade de montagem de iPods em Shenzhen. No caso da rede Wal-Mart, com 62 supermercados em várias regiões e mais de 6.000 empregados, foi preciso interferência judicial. Após a criação de sindicatos nessa multinacional, outras empresas estrangeiras – KFC, McDonald’s, Roche, Pepsi, BNP, Kodak – decidiram não mais resistir. 
Atualmente, a Confederação-Geral dos Sindicatos da China (ACFTU, na sigla em inglês) possui 1,17 milhão de federações filiadas, englobando 7,7 milhões de sindicatos de base e 150 milhões de membros. E, apesar de ainda existirem cerca de 500 milhões de chineses vivendo na faixa da pobreza, 800 milhões ascenderam aos diversos patamares da classe média – metade situa-se no nível de classe média alta.
Nessas condições, aqueles empresários brasileiros que supõem o mercado de trabalho chinês como um mar de rosas para a exploração da força de trabalho, sem legislação e sem sindicatos, e pretendem adotá-lo no Brasil podem ter uma surpresa desagradável quando descobrirem que o mito não corresponde à realidade. (Vladimir Pomar – Revista do Brasil)

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Cornel West: Obama é marionete de Wall Street

Um dos principais filósofos estadunidenses, líder cristão de esquerda e presença decisiva na campanha, declarou Obama “marionete negra dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas".

A comunidade negra dos EUA está em polvorosa. Nos últimos dias, o presidente Barack Obama recebeu a mais violenta crítica de uma personalidade afro-americana desde o início de seu governo. Cornel West, um dos principais filósofos estadunidenses, líder cristão de esquerda e presença decisiva na campanha, perdeu as esperanças e declarou Obama “marionete negra dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas, agora também cabeça da máquina americana de matar, e orgulhoso disso”. As declarações foram dadas a Chris Hedges, do site TruthDig, e vêm repercutindo na imprensa.

“Eu pensei que talvez ele tivesse pelo menos alguns instintos progressistas populistas que poderiam se manifestar depois das políticas cautelosas que adotou no Senado, com Joe Liberman como mentor. Mas ficou bem claro quando vi a equipe econômica neoliberal. No primeiro anúncio, de Summers e Geithner, já fiquei furioso. Pensei 'meu Deus, eu realmente fui enganado num nível bem profundo'. Eu tinha a impressão de que ele pudesse trazer as vozes do irmão Joseph Stiglitz e do irmão Paul Krugman. Imaginei 'ok, dada a estrutura e os limites do procedimento capitalista democrático, provavelmente é o melhor ele vai conseguir fazer'. Mas pelo menos ele teria algumas vozes preocupadas com os trabalhadores, com a questão dos empregos, das demissões e dos bancos, alguma aparência de responsabilização democrática dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas que estão deitando e rolando, enlouquecidos. Eu estava completamente errado”. 

“Você imagina se Barack Obama tivesse assumido o poder e deliberadamente educado e ensinado o povo americano sobre a natureza da catástrofe financeira e da cobiça que estava acontecendo? Se ele tivesse nos dito que tipo de mecanismos de responsabilização precisavam ser estabelecidos, se ele tivesse priorizado o socorro aos proprietários das casas ao invés dos bancos de investimento, e tivesse se lançado à criação massiva de empregos, ele teria decepado o populismo de direita da turma do Tea Party. Essa turma está correta quando diz que o governo é corrupto. Os grandes negócios e bancos sequestraram nosso governo e o corromperam de forma profunda. Eu não acho que eu poderia, em boa consciência, pedir a alguém que votasse em Obama.”

O ataque de Cornel West também incluiu uma série de outros elementos, mais pessoais, e por estes ele foi bastante criticado. Eles valem a pena serem lidos, não pela mágoa, mas porque são um indício de como andam as relações de Obama com West e com uma série de lideranças da comunidade negra, das quais ele parece fazer questão de manter distância: “eu costumava ligar para o meu querido irmão [Obama] a cada duas semanas. Eu rezava uma oração no telefone para ele, especialmente antes de um debate. Ele nunca me ligava de volta. Quando me encontrei com ele na Assembleia Legislativa da Carolina do Sul, durante a campanha, ele foi bastante gentil. A primeira coisa que me disse foi 'irmão West, me sinto mal de não ter telefonado. Você tem me ligado tanto, me dado tanto amor, carinho', e não sei mais o quê. Eu disse: 'sei que você anda ocupado'. Mas um mês e meio depois, me encontro com as outras pessoas da campanha, e ele telefona para elas o tempo todo. Pensei 'isso é meio estranho'. Ele não tem tempo, nem dois segundos para dizer 'obrigado', ou 'me alegro de que você esteja torcendo por mim e rezando por mim', mas está ligando para todas essas outras pessoas”.

A análise da personalidade de Obama feita por Cornel West, certa ou errada, é um testemunho das feridas raciais ainda tão nítidas nos EUA: “Eu acho que meu querido irmão Barack Obama tem um certo medo de homens negros livres. É compreensível. Ele se criou num contexto branco, com pai africano brilhante. Ele sempre teve que temer ser um homem branco em pele negra. Tudo o que ele conheceu, culturalmente, é branco. Quando ele encontra um irmão negro independente, isso lhe mete medo. Vale também para um irmão branco. Quando um irmão branco encontra um homem negro livre, independente, ele precisa ser maduro para realmente abraçar o que o irmão lhe está dizendo. Há uma tensão, dada a história. Ela pode ser superada. Obama, vindo da influência de Kansas, com avós brancos, amorosos, do Havaí e da Indonésia, quando ele encontra negros independentes que trazem uma história de escravidão, Jim Crow, Jane Crow e tudo mais, ele fica muito apreensivo. Ele sofre de um certo desenraizamento, de desarraigo.”

O veredito de West sobre os EUA pós-Obama não é nada alentador: “Talvez esta tenha sido a última chance dos EUA lutarem contra a cobiça dos oligarcas de Wall Street e dos plutocratas capitalistas, de gerarem alguma discussão séria sobre o interesse público e o bem comum, que é o que sustenta qualquer experimento democrático. Está indo embora todo o sumo democrático que temos. Mais e mais trabalhados abatidos. Cansados do mundo. Auto-medicados. Culpando-se uns aos outros. Tomando como bode expiatório os mais vulneráveis, ao invés de enfrentarem os mais poderosos. É uma resposta profundamente humana ao pânico e à catástrofe. Eu achava que Barack Obama poderia ter apontado uma saída. Mas ele não tem peito para isso.”(Idelber Avelar – Revista Fórum)


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Entrevista:Samuel Pinheiro Guimarães: Brasil não quer repetir os erros dos impérios
Contra o estereótipo que vê o Brasil atual como um império, o ex-ministro de Lula e alto representante do Mercosul, Samuel Pinheiro Guimarães, disse ao jornal argentino Página/12 que a realidade é outra: o país pensa em associar-se e cooperar com seus dez vizinhos e com outros países em desenvolvimento. "Temos interesses em comum com os países mais pobres, os países em desenvolvimento, para mudar as regras do mundo. A crise que vivemos mostrou a falência dos modelos neoliberais tanto em nossos países como nos desenvolvidos. As regras financeiras devem permitir espaço para os desenvolvimentos nacionais”

Quando Brasil e Argentina começaram a cooperar com força, no início do processo de redemocratização, Samuel Pinheiro Guimarães já figurava entre os mais ativos. Em novembro passado, os presidentes dos quatro países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) criaram o cargo de alto representante do bloco, deram-lhe funções de construção e negociação e as atribuíram a ele por unanimidade.

Pinheiro Guimarães exibiu seu perfeito espanhol na primeira viagem a Buenos Aires como alto representante. Prometeu visitar cada país seguidamente. Oucpado em ampliar o Mercosul para além do que chamou com ironia “uma burocracia cartesiana”, conversou com o chanceler Héctor Timerman e até teve tempo para reunir-se com um colega: Carlos Piñeiro Iñiguez, ex-embaixador no Equador que acaba de assumir o Instituto do Serviço Exterior da Nação. Por convite de Piñeiro, Pinheiro inclusive de uma aula de uma hora para os futuros diplomatas que cursam o Instituto.

Página/12: É verdade que o Brasil tem uma ideia imperial de diplomacia ou isso é um mito?

Samuel Pinheiro Guimarães: (Ri.) Não. O Brasil tem um interesse muito forte no desenvolvimento de toda a região apesar das assimetrias entre os distintos países. Não é um império, não quer sê-lo nem quer repetir os erros dos impérios. Ao contrário. Acredita em associar-se, em cooperar, em reformar um sistema internacional que se caracteriza, a meu juízo, pela convivência de potências centrais e de ex-colônias, como nós. Temos interesses em comum com os países mais pobres, os países em desenvolvimento, para mudar as regras do mundo.

Página/12: O que seria preciso mudar?

Samuel Pinheiro Guimarães: A crise que vivemos mostrou a falência dos modelos neoliberais tanto em nossos países como nos desenvolvidos. As regras financeiras devem permitir espaço para os desenvolvimentos nacionais, e o mesmo deve acontecer com as regras sobre comércio e meio ambiente. Na Rodada de Doha, foi a primeira vez que os países em desenvolvimento tiveram uma posição firme e não aceitaram o cardápio tal como lhes foi apresentado.

Página/12: Se tomamos como dado o afeto e a irmandade, por que convém ao Brasil uma relação de cooperação com os vizinhos?

Samuel Pinheiro Guimarães: Temos muitos vizinhos. Se não contamos os Estados Unidos, que acreditam ter 191 vizinhos, estamos logo depois da China e da Rússia. Eles têm 14. Nós temos 10. Com esse número tão grande, está claro que é melhor ter vizinhos estáveis, em boas condições e em paz. Ninguém quer vizinhos turbulentos e pobres, não?

Integrações

Pinheiro Guimarães ficou à vontade no ISEN. Vice-chanceler e depois ministro de Assuntos Estratégicos de Lula, foi o modernizador do Instituto Rio Branco, do Itamaraty. Em sua conversa com os alunos do ISEN, argumentou que é ingênuo querer integrar-se ao mundo sem fazer parte de um bloco. Disse que, em termos comerciais, uma parte da América Latina já optou por acordos de livre comércio com os Estados Unidos: países da América Central, Chile, Peru, Colômbia. “Nós não quisemos a ALCA, em 2005, não somente por razões comerciais”, observou. “A ALCA era uma política econômica completa, que envolvia comércio, investimentos, negócios e propriedade intelectual”.

Indagado sobre a existência de choques entre o Mercosul e a Unasul, negou. “A Unasul é um modo de manter próximos países que, comercialmente, optaram por outras políticas. É bom que todos integremos o Conselho Sulamericano de Defesa. Para mim é motivo de suspeitas quando alguém recomenda que não devemos nos preocupar com nossa defesa, que outro país vai se ocupar disso. Somos pacíficos, mas não temos por que ficar desarmados enquanto outros têm armas e as desenvolvem e quando sabemos também que a indústria militar é chave para o desenvolvimento tecnológico.

Também foi taxativo quando um aluno perguntou-lhe se o Brasil, como parte dos Estados em desenvolvimento intermediário do mundo, não teria subido de posição. “Os que dizem isso querem que abandonemos nossas políticas”, analisou. “Avançamos extraordinariamente, mas no Brasil ainda há 60 milhões de pessoas em situação de pobreza. Uma Argentina e meia. Não, não subimos de posição. Seguimos trabalhando para isso”, disse o diplomata que sempre se sentiu confortável com Lula.

Lula, síntese

Página/12: Como foi ter Lula como chefe?

Samuel Pinheiro Guimarães: Uma experiência extraordinária. O próprio Lula é uma síntese da maioria dos brasileiros. Ele vem do Nordeste. Seu pai era uma pessoa muito violenta. Abandonou a família. Lula saiu do Nordeste para a periferia de São Paulo, com sua mãe e irmãos. Foi vítima de um acidente de trabalho. Sua primeira mulher perdeu a vida em um hospital. É trabalhador. Passou fome. Fez greve. Quando fala de uma inundação sabe do que fala. Viveu isso. Quando fala de greves ou desemprego, sabe do que se trata. Quando fala de discriminação, também. Por isso sua preocupação não é acadêmica. Ele viveu tudo isso.

Página/12: E como enfocava os temas internacionais?

Samuel Pinheiro Guimarães: Lula tinha uma enorme experiência diplomática anterior ao governo. Tinha feito mais de 120 viagens e o primeiro chefe de governo estrangeiro que conheceu, o alemão Helmut Schmidt, pediu para vê-lo em sua casa. Conhecia vários deles antes que fossem líderes. Muitas vezes disse que era extraordinário a América do Sul ter chegado ao ponto de ter um operário presidente do Brasil e um indígena na Bolívia. Ao mesmo tempo, no início de seu governo, posicionou-se contra a guerra do Iraque.

Página/12: O cargo de Alto Representante do Mercosul não existia.

Samuel Pinheiro Guimarães: Não, e agradeço não só ao meu país que me propôs esse posto, mas a todos aqueles que aprovaram minha nomeação, entre eles a Argentina.

Página/12: As funções de Alto Representante são novas.

Samuel Pinheiro Guimarães: Sim. Tenho amplas funções dentro do bloco e também fora, certamente que seguindo as decisões políticas dos presidentes.

Página/12: O Mercosul goza de boa saúde?

Samuel Pinheiro Guimarães: O comércio se ampliou de maneira muito significativa. As taxas de crescimento são altas. Cresceram os investimentos. Ao mesmo tempo, a cooperação política se traduz em reuniões periódicas dos presidentes. Em certos países, há muitas críticas. No Brasil mais que na Argentina, sobretudo se há alguma diferença comercial. Há muito que melhorar do ponto de vista da imagem do Mercosul.

Página/12: Em que isso melhora a vida do cidadão comum?

Samuel Pinheiro Guimarães: A primeira coisa é o emprego. Se há exportação é porque se produziu antes e se criaram postos de trabalho. Nossos países exportam muitos produtos manufaturados aos países sócios do Mercosul. Isso aumenta a escala produtiva e reduz os custos de produção. Os empresários ganham mais e os trabalhadores têm mais e melhores empregos. E a competitividade é maior, comparada a de outros países. Politicamente, aumenta a compreensão mútua entre os países.

Página/12: O ingresso da Venezuela depende só da ratificação do Senado paraguaio.

Samuel Pinheiro Guimarães: Sim. Essa é uma questão política interna do Paraguai. É uma questão de tempo. Antes, a Venezuela era um país que não tinha sequer agricultura. Dependia de uma única matéria prima, o petróleo, que, além disso, era explorado pelos Estados Unidos para os Estados Unidos. É um país riquíssimo, com minerais e energia. Decide reorientar sua política para o Sul com o objetivo de incrementar o desenvolvimento do país. Assim, converteu-se em um mercado potencial importante.

Página/12: Em energia?

Samuel Pinheiro Guimarães: Depois da Arábia Saudita, que é o primeiro produtor, a Venezuela está entre os cinco ou seis principais produtores de petróleo do mundo. Quer diversificar suas exportações.

Página/12: O ingresso da Venezuela no Mercosul traz alguma dificuldade?

Samuel Pinheiro Guimarães: Pelo contrário. O país já vem participando do bloco e traz uma vocação integracionista forte.

Página/12: Como se administra o equilíbrio entre o desenvolvimento e a competição entre as empresas dos quatro países?

Samuel Pinheiro Guimarães: Vivemos em um sistema capitalista. Isso implica a competição entre as empresas que, às vezes, significa baixa de custos e maior tecnologia. Mas não falamos de regimes capitalistas puros e sim de capitalismos reais. Quer maior intervenção que o salvamento que os países centrais fizeram com seus bancos? Ou por acaso os bancos quebraram e o Bank of America se converteu no Bank of Shangai?

Página/12: Como avalia as relações entre a América do Sul e os Estados Unidos?

Samuel Pinheiro Guimarães: Ela varia de país para país.

Página/12: Então restrinjamos a pergunta e falemos de Mercosul.

Samuel Pinheiro Guimarães: Não resolve, mas facilita. Não vejo conflitos. Claro, levemos em conta que os Estados Unidos são, por enquanto, a primeira economia mundial, mas a diferença militar é enorme: cinco mil ogivas nucleares contra 200 da China.

Página/12: Como devemos nos posicionar frente a essa influência?

Samuel Pinheiro Guimarães: A influência das multinacionais estadunidenses no Brasil e na Argentina é um fato. E não há restrições. No passado, o Brasil, por exemplo, aplicou normas para que os investidores tivessem que usar insumos nacionais, peças de automóveis por exemplo. A influência estadunidense em termos de livros, televisão, cinema é acachapante. É um tema industrial, cultural e ideológico. Por isso, os Estados não têm que restringir a empresa estrangeira, mas sim estimular os conteúdos locais, sobretudo na área audiovisual, que é o terreno da divulgação. Inclusive da divulgação do Mercosul e da cultura de cada país. Ao invés de hegemonia cultural, diversificação.

Página/12: Ninguém deve ser dominante?

Samuel Pinheiro Guimarães: Não.

Página/12: Qual a vantagem de diversificar?

Samuel Pinheiro Guimarães: Como é a vida? Diretamente sabemos pouco. O restante conhecemos por meio de algum relato. Bem: diversifiquemos os relatos.
Fonte: Martin Granovsky – Página/12

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Democracia e governabilidade
Cada vez mais o Legislativo brasileiro está subordinado ao Executivo e faz o que o governo quer. Muitos analistas dizem que, para o avanço da democracia em nosso país, deveria ser o contrário: o Legislativo deveria exercer maior controle sobre o Executivo, limitando e controlando seus poderes, com base nas regras definidas pela Constituição e na defesa do interesse público.
Essa dependência entre poderes que deveriam ser autônomos cresceu nos últimos anos. E não parece ter ocorrido a formação de um bloco de poder constituído para a defesa de um programa político, algo que configurasse uma hegemonia tal que permitiria grandes mudanças como as reformas de base − agrária, tributária, política − de que o país tanto necessita para reduzir as desigualdades.
A lógica da qual parte o Executivo, de garantir a governabilidade e, portanto, assegurar a maioria no Congresso, juntou partidos e posições que a rigor estão em campos antagônicos.
Manter essa base parlamentar fiel ao Executivo significa administrar demandas de interesses em conflito, como é o que ocorre hoje com a votação do Código Florestal.
Lançando mão de práticas de mobilização social apoiadas por muitos recursos, no dia 5 de abril, mais de 20 mil pessoas participaram de manifestações em Brasília, lideradas pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, contando com o apoio das federações agrícolas de todo o país, para pressionar o Congresso pela mudança no Código Florestal. Elas querem derrubar as restrições ao desmatamento, pouco importando o que significa para a ecologia e para a sociedade brasileira transformar tudo em pasto ou em campos de monocultura extensiva.
Uma semana depois, cerca de 3 mil pequenos produtores rurais, principalmente agricultores familiares, estiveram também em Brasília, pressionando o Congresso pela rejeição ao projeto de lei do deputado Aldo Rebelo que muda o Código Florestal.
O poder de fogo do agronegócio, com forte apoio da grande mídia brasileira, tende a pesar mais na balança da busca da governabilidade que a defesa do meio ambiente que fazem os milhões de pequenos agricultores representados por aqueles que conseguiram se mobilizar e foram a Brasília no dia 10 de abril. E, nessa lógica de preservação da governabilidade, as negociações em torno da aprovação ou rejeição do Código Florestal tendem a favorecer a bancada ruralista e o agronegócio.
Segundo cálculos do Diap,1 o Executivo conta hoje com uma base parlamentar na Câmara dos Deputados de 401 deputados, e a oposição, de apenas 112. No Senado, a relação é de 62 para 19. Essa maioria asseguraria até a promoção de grandes reformas constitucionais, se estas estivessem na mira do Executivo.
Mas os prognósticos são outros. O Executivo parece disposto a poucas mudanças, para não desarranjar essa maioria em que cabem tanto a esquerda quanto a direita, tanto a defesa dos interesses públicos quanto o favorecimento dos interesses das grandes empresas.
No jogo de pressões que é a política, parece que a direita que está na base parlamentar do governo vai ganhando espaços, sem que outras forças sociais tenham a capacidade de se contrapor a esse avanço. Por essa lógica, não será a oposição conservadora do PSDB e do DEM que dará o tom aos debates no Congresso − esses partidos vivem a maior crise de sua história,não têm programas, não têm projetos, não são capazes de fazer oposição, especialmente neste momento particular em que a economia brasileira cresce e o emprego se expande. A verdadeira oposição vem de dentro da aliança que compõe a maioria, travestida de base de governo, que disputa com unhas e dentes mudanças nas políticas públicas que favoreçam seus negócios. (Silvio Caccia Bava - Le Monde Diplomatique Brasil)

Organização
Genaldo de Melo

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