Ao longo de uma década e em grande e medida impelido pela crise cambial de 1999, o Brasil quadruplicou em dólares o valor de suas exportações – passou da média dos 50 bilhões de dólares no período 1995-1999 para os 201 bilhões do ano de 2010. No mesmo período houve um acentuado avanço de bens primários (“básicos” e “semimanufaturados” na linguagem do comércio exterior), que passaram de 40% a 60% da pauta exportadora, proporção esta que continua a crescer em desfavor dos manufaturados, ano a ano. Essa virada “primário-exportadora” se deu como resposta comercial à crise cambial dos anos neoliberais do governo FHC I, mas não alterou em nada a política de livre ingresso e saída do capital estrangeiro, sob todas as formas. E como resultante dessa política, o custo desse capital triplicou o déficit na Conta de Serviços (esse déficit de Serviços evoluiu de 23,7 no período 1995-1999 para 70 bilhões em 2010).
A solução primário-exportadora para a crise conjuntural de 1999 tornou-se uma espécie de estratégia de ajuste estrutural, mas não resolveu sequer o problema original – o déficit acumulado na “Conta Corrente” com o exterior, que provocara o ataque especulativo ao real no final de 1998 e início de 1999. O déficit externo vai ressurgir a partir de 2008 (esteve ao redor 48, bilhões de dólares o ano passado) e continua crescendo, sob o impacto de duas pressões não resolvidas – a perda de competitividade das exportações de manufaturas e o avanço do déficit dos “Serviços”, atribuível à remuneração do capital estrangeiro na economia brasileira. Em resumo, a “solução” estrutural de ‘primarizar’ o comércio exterior mudou a natureza das nossas relações econômicas externas, mas não as resolveu de maneira consistente. Continuam crescendo as exportações de “básicos”, sem diminuir, mas ao contrário elevando ano a ano o déficit da Conta Corrente com o Exterior.
A economia brasileira não é apenas comércio exterior - as exportações de mercadorias são de cerca 15% do Produto Interno Bruto, mas são variável chave para resolver as crises de solvência externa. A outra linha de defesa – “altas” reservas estrangeiras, formadas pelo ingresso maciço de capital estrangeiro e mantidas a alto custo (diferencial de juros internos e externos), apenas escamoteiam as raízes da dependência externa. Uma vez cessado ou diminuído bruscamente o fluxo desse capital, essas reservas seriam consumidas com enorme rapidez.
Em síntese, o lugar do Brasil na economia mundial como grande produtor de commodities não é confortável, não obstante toda propaganda e “marketing” oficial neste sentido.
Por seu turno, a crise financeira estadunidense de 2008, à qual nos jactamos de escapar incólumes, não encerrou a temporada dela própria (vide rebatimentos na Europa dos países maliciosamente denominados de PIGS – Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha). É bem verdade que a solução dos EUA para o seu próprio endividamento excessivo, fruto do receituário pós-crise, inunda o mercado financeiro global de dólares baratos, diferentemente da crise cambial de 1999. Por sua vez, o comportamento atípico da economia chinesa, mantendo ativa a demanda externa por commodities ajuda a manter o viés primário-exportador de nossa inserção externa.
Esses atenuantes – liquidez externa excessiva e pressão no mercado de commodities funcionam mais ou menos como droga injetada no sistema econômico. Provocam euforia e jactância de incolumidade perante a crise, quando na verdade são meros alimentadores da dependência. Adiam providências reestruturadoras de nossa economia por falta de apoios e mantêm uma situação de forte dependência como se fora de plena normalidade.
Finalmente, cabe a menção ao fato de que boa parte dos ingredientes da crise econômica são externos ao
poder de governabilidade dos dirigentes brasileiros. Isto, contudo não será lenitivo ao enfrentamento das pressões externas, nem desculpa para construção de estratégias nacionais de dependência externa, como soe ser a atual inserção da economia brasileira no comércio exterior e a maneira irresponsável de tratamento ao capital estrangeiro.
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