Quando, finalmente, os Estados Unidos anunciaram, em 2 de maio de 2011, a morte física de Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda já era um cadáver político. Sua terceira, e definitiva morte em Abottbad, seguia-se a sua morte estratégica no Iraque e a sua morte política nas ruas do Cairo, Tunis e Bengazi.
A mídia internacional, não sem razão, deu amplíssimo destaque ao ataque pontual, preciso e letal de um comando militar americano ao esconderijo-fortaleza de Osama Bin Laden. De forma aparentemente insuspeita o líder da Al-Qaeda ocultava-se não muito longe de capital do Paquistão, numa área de segurança militar e com acesso direto – conforme a análise dos celulares capturados no local – ao notório ISI (Inter Service Inteligence), o serviço de informações e inteligência paquistanês – órgão pretensamente aliado aos Estados Unidos. Passado algum tempo de sua morte podemos, agora, fazer um balanço sobre o impacto do jihadismo militante e terrorista da Al-Qaeda sobre o mundo muçulmano e sobre as estratégias políticas mundiais.
A Al-Qaeda como eixo da política mundial
Desde os cruéis ataques de 11 de setembro de 2001 o governo dos Estados Unidos – com George W. Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Robert Bolton e outros representantes do chamado “neoconservadorismo” – adotou a tese de que a maior ameaça global (bem à frente das demais “Novas Ameaças” inerentes ao globalismo) era o terrorismo jihadista (derivação da palavra Jihad, guerra santa dos muçulmanos, mas também chamado de terrorismo islâmico ou fundamentalista ou ainda mujahidin - da expressão árabe “guerreiro santo”). Neste caminho, já em 14 de setembro de 2001, na sua primeira fala pós-impacto, Bush declarou uma “cruzada” contra o terrorismo. Em face da gafe – afinal as cruzadas foram terríveis e não provacados ataques do mundo cristão contra um Islã, em seu conjunto, então complacente e tolerante. Como uma corrigenda, a Casa Branca renomeou sua estratégia como “Guerra global contra o terrorismo internacional”. Para a consecução de seus objetivos a Administração Bush buscou todos os meios da grande potência americana: ações encobertas das tropas especiais; tribunais secretos; seqüestros internacionais; tortura (aberta e direta em Abu Graib, no Iraque, e sutil e humilhante em Guantánamo, Cuba); controle de viagens internacionais; listas de simpatizantes e de “neutros” perigosos; construção de uma incrível rede de segurança centrada no novo departamento de segurança doméstica (o “Home Security”) e, acima de tudo, e em primeiro lugar, a represália bélica em larga escala. Foi assim que Bush desencadeou, em 2001, a guerra contra o Afeganistão e, em 2003, a Guerra no Iraque. Por pouco, muito pouco mesmo, não completou sua obra com um ataque ao Irã.
Na ocasião valia, para as relações internacionais, a máxima de amigo incondicional dos Estados Unidos – ou seja, seguidor da política de Bush - ou inimigo dos americanos. Todos os motivos – e qualquer boa mentira –, desde a destruição de supostos estoques de armas de destruição em massa até a imposição de políticas de democratização forçada de ditaduras do Oriente Médio, serviam para tornar o “mundo um lugar mais seguro”.
Tudo isso deveria garantir a segurança dos Estados Unidos.
Ao longo da Administração Bush, no entanto, os ataques terroristas, de tipo jihadista, aumentaram em número e em ousadia. Madrid, Londres, Marrakesh, Bali, Mumbai e Karachi e outras grandes cidades foram atingidas. Dezenas de pessoas foram seqüestradas e mortas. No Iraque – onde temos alguns dados, mesmo que incertos – um número superior a 100 mil e inferior a 900 mil pessoas foram mortas e cerca de três milhões fugiram do país. Enquanto isso os Estados Unidos e seus aliados perderam no país 4.787 militares e tiveram 11.191 homens gravemente feridos, muitos a maioria de forma incapacitante. Algumas fontes autônomas julgam que em verdade o número de mortos nunca será exatamente conhecido.
Fontes dos serviços de saúde iraquiana falam em outras 1.690.903 pessoas seriamente feridas (alguns com seqüelas permanentes devido aos armamentos usados pelos terroristas ou mísseis norte-americanos). No Afeganistão, desde 2001 – mesmo com a derrocada do regime dos talibãs, que davam cobertura a Al-Qaeda – constituiu-se um regime corrupto, inseguro e liberticida e, além de tudo, incapaz de controlar sequer 30 quilômetros em torno de Cabul, a capital. Neste país 2.564 militares da coalizão ocidental foram mortos em combates contra os talibãs e a Al-Qaeda ( até julho de 2011 ), enquanto as operações militares dos Estados Unidos e da OTAN mataram 19.629 afegãos e feriram outros 48.644. Durante todo esse banho de sangue os Estados Unidos, que estiveram por vezes próximo de capturar (ou matar) Bin Laden, falharam em seu compromisso. A maior parte dos fracassos americanos deveram-se a uso de tropas locais afegãs, a intromissão da inteligência paquistanesa e, depois de 2003, na divisão de meios entre o teatro de operações do Afeganistão e do Iraque.
A Al-Qaeda, duramente atingida em 2001/2 pode, então, reestruturar-se e criar franquias – a famosa “nebulosa Al-Qaeda – expandindo-se para o Iraque, o norte da África, o Sudão, o Sahel ( Niger, Mali e Tchad ) e no Sudeste Asiático. Por um momento, entre 2007 e 2009, parecia que o terrorismo mujahidin estava em avanço.
Como afirmou Thomas Ricks, correspondente americano no Pentágono, as guerras de Bush foram um “fiasco”.
Terrorismo e Guerra
O terrorismo, em sua acepção mais lata, enquanto uma ação violenta contra a população civil visando obrigar um governo a fazer ou deixar de fazer algo (implementação de políticas) é um ato vil e covarde. Pouco importa o que o Estado norte-americano faz no mundo, ou a forma com a qual a Índia ocupa a Caxemira, ou Israel ocupa a Palestina, explodir civis em locais públicos é injustificável ( atenção leitor: por favor, não pare de ler aqui... continue! ). Muitas vezes, dada a desproporcionalidade de forças e/ou a crueldade da força superior ou potência dominante, a ação terrorista ganha foros de heroísmo. Com muito clareza, Karl Marx, na sua pouca conhecida correspondência com revolucionária russa Vera Zasulich (1849-1919) comentando a prática terrorista dos anarquistas russos, sob a terrível ditadura do czar, condenou a ação terrorista como nefasta, inútil e cruel. Algumas entidades terroristas, visando à libertação nacional (mesmo que, sob vários aspectos, de forma muito discutível) como o ETA e o IRA assumiram o terrorismo como forma dominante de ação. Nestes casos, entretanto, não houve atentados em massa, contra alvos civis desprotegidos. Estas entidades determinavam alvos que deveriam, em tese, representar o “Estado” inimigo, tais como soldados, policiais, juízes e políticos.
Mesmo nestas condições as populações a serem “libertadas” não aceitaram de forma inequívoca a forma escolhida de luta – no mundo real as pessoas são gente como a gente, para além de suas funções, como o caso do jovem soldado Gilad Shalit. Em especial, a existência de um estado de direito – como na Espanha pós-Franco, ou na Alemanha Federal ao tempo do grupo Baader-Meinhof – desautorizava as ações terroristas. Em outro extremo, casos de levantes populares maciços – como as “Intifadas” palestinas ou os levantes nacionalistas na Índia à época de Gandhi – foram denominados abusivamente de terroristas. O poder dominante nestas condições – britânicos ou Israel – usou de força desproporcional, abusiva e de forma cruel, caracterizando terrorismo de Estado.
Em outras situações o Estado, não só superior por natureza – o detentor do monopólio da violência – e por relação em face dos movimentos sociais, agiu de forma a produzir o medo maciço na população civil, visando desmobilizar os protestos populares. Em várias destas ocasiões como em Amritsar (Índia), 1919, pelos britânicos; em Soweto (África do Sul) em 1976, ou Gaza em 2008 ou nas cidades sírias desde o inicio de 2011 estamos diante de uma atuação terrorista por parte do estado constituído, que falta e agride a norma da “Responsabilidade de Proteger” como definida pela ONU (ver Resolução 1973, de 2011).
Assim, vemos que a questão do(s) terrorismo(s) é complexa e abarca um amplo leque de ações e responsabilidades. Mas, no conjunto das análises existentes há um consenso de especialistas de que os meios investigativos são mais eficazes do que o uso extensivo de uma panóplia militarista. Em especial quando nos referimos ao terrorismo de pequenos grupos bem organizados, com finanças eficazes, inteligência estratégica e grande capacidade de proselitismo – o que denominamos de “Estado-Rede” – o enfrentamento e o desmantelamento de tais redes não poderia ser chamada de “guerra”. Potências importantes e democráticas, que historicamente enfrentaram o terrorismo – como a Índia, França ou Alemanha – buscaram meios inteligentes, tais como controle de fluxos de capital, de material explosivo e de informações digitais para pautar sua ação, o que resultou numa resposta justa e mais pacifica.
Não nos referimos a nenhuma operação tipo “Corações e Mentes”, no mais fracassadas, como no caso do Vietnã ou da Nicarágua. Aí não havia terrorismo e sim uma guerra civil, com intervenção estrangeira, de tipo nacional e social. Na verdade, o caso do IRA e a pacificação – ainda incompleta – da Irlanda seria um exemplo bem melhor.
A opção de George Bush
Ora, George Bush nunca pensou, sequer por um minuto, neste longo rol de experiências históricas. Sua decisão, rápida, superficial e, no limite, irresponsável dirigiu-se desde o primeiro momento pela necessidade da guerra, de uma resposta bélica – pouco importava onde - capaz de criar uma onda nacionalista nos Estados Unidos que sustentasse uma longa continuidade da “revolução conservadora” que se apossara do país. Seymour Hersch, jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, descreve em detalhes como Bush escolheu voluntariamente a guerra.
Pior de tudo é que a escolha de Bush, além de errada, era inconsistente e ineficaz. Milhares de pessoas morreram em razão de tal escolha. É verdade, temos que admitir, que a escolha de Bush estava em paralelo – embora não fosse condicionada ou enquadrada - pela visão de mundo de Bin Laden e de seus seguidores, mantenedores e simpatizantes ( desde os milionários do Golfo Pérsico até as forças militares paquistanesas ). Mas, decididamente, não era a única resposta possível. Talvez estivesse bem mais condicionada pela forma do agir político da direita militarista americana – paradoxalmente mais representada por civis como Dick Cheney e Donald Rumsfeld do que por militares profissionais americanos. Em seu conjunto eram homens claramente prisioneiros de uma visão de mundo expressa em finais cinematográficos do tipo “Ok Corral” ou “Independence Day”.
Obama e Osama
A chegada de Barack Obama ao poder mudaria muito claramente a forma desse agir político – e de sua expressão militar de tipo duelo do “bad boy contra o good boy”. Enredado nas suas promessas de campanha eleitoral – muitas das quais muito (muito mesmo!) mais difíceis de por em prática do que de falar, tais como fechar a prisão “sem lei” de Guantánamo - Obama buscou uma solução para as guerras herdadas de Bush. No Iraque será encenado um arranjo político com a oposição sunita, que gradualmente abandonaria as ações militares contra os Estados Unidos e a maioria xiita, para criar um espaço de ação comum no interior do novo estado oriundo da catástrofe de 2003.
Este é o momento em que Osama Bin Laden começava a morrer.
As tribos beduínas iraquianas, hostis a qualquer estrangeiro e seguidoras de Saddan Hussein, haviam se lançado claramente na insurgência anti-norte-americana desde 2003. A mesma coisa acontecera com os quadros da Guarda Nacional do Partido Baath (de Saddam Hussein) e com boa parte do exército regular iraquiano, de maioria sunita. Os anos seguidos de guerra civil e de insurgência foram então aproveitados pela Al-Qaeda para ferir moralmente e fisicamente os americanos no Iraque. O número de mortos americanos confirma a lógica da nova estratégica do terrorismo mujahidin. Em vez de enfrentar todas as dificuldades de atacar (mais uma vez) em Nova York (ou qualquer outra cidade americana) ficara mais fácil matar americanos na velha Mesopotâmia. Entretanto, neste jogo cruel entre Bush e Bin Laden morriam milhares de civis iraquianos – além dos jovens soldados de diversas nacionalidades que lá estavam presentes.
A matança discriminada de civis – em grande parte vítimas em uma primeira hora da coalizão norte-americana, como em Bagdá ou Falluja – e em seguida vítimas das centenas de atentados da Al-Qaeda enojaram, cansaram, e saturaram os insurgentes iraquianos. Entre 2008 e 2010 a maioria da insurgência nacionalista iraquiana estava farta dos atentados terroristas contra mesquitas, delegacias, escolas e postos médicos. A guerra podia ser americana, imposta e injusta, mas as vítimas eram iraquianas.
As televisões Al-Jazeera e Al-Arabya transmitiam de forma incansável a crônica de mortes em nome da Guerra Santa e do Islã. Foi demais. No próprio Iraque, mas também no Cairo, em Beiruth, em Argel ou Rabat as pessoas estavam exaustas e não aceitavam as desculpas esfarrapadas de que as vítimas eram mártires e seriam recompensadas por Allah.
Deu-se, então, a primeira morte de Osama Bin Laden.
Não estranhamente quando a população de Túnis, em 17 de dezembro de 2010, revoltou-se contra o regime corrupto do seu país – e assim lançou uma faísca de indignação, revolta e de busca da liberdade que se espraiaria de Rabat (Marrocos) até Sanaa (Iêmen), explodindo no Cairo, em Trípoli e nas cidades sírias, com inesperadas repercussões em Madrid e Paris, o grande ausente era Osama Bin Laden.
Nas manifestações populares massivas que encheram – e ainda lotam – as praças das maiores cidades árabes (incluindo aí Cairo, Alexandria, Bengazi, Trípoli, Beiruth e Rabat) não se viu sequer um retrato de Osama Bin Laden. Seus slogans cheios de ódio estavam ausentes. Nem sequer uma bandeira de Israel ou dos Estados Unidos foi queimada ou se escandiam versos pela destruição da “entidade sionista”. A pregação da Al-Qaeda não convencera as massas árabes. A revolta popular era contra a cleptocracia de seus países. Pedia-se liberdade, mais empregos e o fim da corrupção. Havia sim simpatia pelos palestinos – estes não poderiam ser esquecidos. Mas, mesmo em Gaza e Ramallah, sentiu-se a necessidade inadiável de reformas e de um entendimento nacional, aproximando finalmente o Hamas e o Al Fatah em busca de negociações pela paz. No Cairo, na Praça Tahrir, ninguém lembrava de Bin Laden.
Os únicos a lembrar da Al-Qaeda e de Bin Laden foram, paradoxalmente, seus inimigos. Os ditadores Ben Ali, Ali Saleh, Muamar Kadaffi advertiram fortemente o ocidente que após a derrocada de seus regimes o que se seguiria seria o domínio da Al-Qaeda. O ocidente deveria continuar apoiando, armando, financiando (com suas compras de petróleo e/ou ajuda militar) as velhas ditaduras árabes, posto serem elas o último “dique” ao fundamentalismo religioso. Vozes na Europa e nos Estados Unidos, bem como no Partido Likud em Israel, declarariam abertamente preferirem os ditadores “conhecidos” ao “risco Al-Qaeda”. Argumentou-se contra a viabilidade da democracia no mundo árabe, onde inexistiria uma sociedade civil para sustentar regimes representativos.
Todas as previsões, e diagnósticos, mostraram-se errôneas. Egito, Tunísia e Marrocos caminham em direção a regimes mais livres, representativos e onde a população pode, cada vez mais, pedir contas dos atos de seus governantes. A Líbia embrenha-se num conflito de interesses do próprio ocidente. Na Síria, Iêmen, Bahrein e Argélia a população insiste e resiste em nome de reformas urgentes.
Mas, em nenhuma das praças e ruas árabes Bin Laden esteve presente. Na verdade, para as massas árabes Bin Laden já estava politicamente morto. Nada representava para além da chantagem (bem aceita) que os ditadores de plantão faziam ao ocidente. A paga pela conivência Bin Laden/Guerra ao Terrorismo/Ditaduras era o duro sofrimento das populações de mais de um a dezena de países. Para os jovens da Praça Tahrir, mesmo para aqueles que se declaravam religiosos e paravam os protestos para orar, Bin Laden nada mais era que um estorvo.
Bin Laden morria, pela segunda vez, no centro da Praça Tahrir.
Quando, finalmente, os Estados Unidos anunciaram, em 2 de maio de 2011, a morte física de Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda já era um cadáver político. Sua terceira, e definitiva morte em Abottbad, seguia-se a sua morte estratégica no Iraque e a sua morte política nas ruas do Cairo, Tunis e Bengazi. Mais irônico de tudo –e também o mais amargo – foi o fato de Bush ter feito uma guerra cruel no Iraque para impor a democracia. Além de ter falhado, ao custo de milhares de vidas humanas, foi nas ruas de Túnis e do Cairo, graças à revolta espontânea do povo, que a democracia emergiu no Oriente Médio.
(Francisco Carlos Teixeira - CM)
A Al-Qaeda como eixo da política mundial
Desde os cruéis ataques de 11 de setembro de 2001 o governo dos Estados Unidos – com George W. Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Robert Bolton e outros representantes do chamado “neoconservadorismo” – adotou a tese de que a maior ameaça global (bem à frente das demais “Novas Ameaças” inerentes ao globalismo) era o terrorismo jihadista (derivação da palavra Jihad, guerra santa dos muçulmanos, mas também chamado de terrorismo islâmico ou fundamentalista ou ainda mujahidin - da expressão árabe “guerreiro santo”). Neste caminho, já em 14 de setembro de 2001, na sua primeira fala pós-impacto, Bush declarou uma “cruzada” contra o terrorismo. Em face da gafe – afinal as cruzadas foram terríveis e não provacados ataques do mundo cristão contra um Islã, em seu conjunto, então complacente e tolerante. Como uma corrigenda, a Casa Branca renomeou sua estratégia como “Guerra global contra o terrorismo internacional”. Para a consecução de seus objetivos a Administração Bush buscou todos os meios da grande potência americana: ações encobertas das tropas especiais; tribunais secretos; seqüestros internacionais; tortura (aberta e direta em Abu Graib, no Iraque, e sutil e humilhante em Guantánamo, Cuba); controle de viagens internacionais; listas de simpatizantes e de “neutros” perigosos; construção de uma incrível rede de segurança centrada no novo departamento de segurança doméstica (o “Home Security”) e, acima de tudo, e em primeiro lugar, a represália bélica em larga escala. Foi assim que Bush desencadeou, em 2001, a guerra contra o Afeganistão e, em 2003, a Guerra no Iraque. Por pouco, muito pouco mesmo, não completou sua obra com um ataque ao Irã.
Na ocasião valia, para as relações internacionais, a máxima de amigo incondicional dos Estados Unidos – ou seja, seguidor da política de Bush - ou inimigo dos americanos. Todos os motivos – e qualquer boa mentira –, desde a destruição de supostos estoques de armas de destruição em massa até a imposição de políticas de democratização forçada de ditaduras do Oriente Médio, serviam para tornar o “mundo um lugar mais seguro”.
Tudo isso deveria garantir a segurança dos Estados Unidos.
Ao longo da Administração Bush, no entanto, os ataques terroristas, de tipo jihadista, aumentaram em número e em ousadia. Madrid, Londres, Marrakesh, Bali, Mumbai e Karachi e outras grandes cidades foram atingidas. Dezenas de pessoas foram seqüestradas e mortas. No Iraque – onde temos alguns dados, mesmo que incertos – um número superior a 100 mil e inferior a 900 mil pessoas foram mortas e cerca de três milhões fugiram do país. Enquanto isso os Estados Unidos e seus aliados perderam no país 4.787 militares e tiveram 11.191 homens gravemente feridos, muitos a maioria de forma incapacitante. Algumas fontes autônomas julgam que em verdade o número de mortos nunca será exatamente conhecido.
Fontes dos serviços de saúde iraquiana falam em outras 1.690.903 pessoas seriamente feridas (alguns com seqüelas permanentes devido aos armamentos usados pelos terroristas ou mísseis norte-americanos). No Afeganistão, desde 2001 – mesmo com a derrocada do regime dos talibãs, que davam cobertura a Al-Qaeda – constituiu-se um regime corrupto, inseguro e liberticida e, além de tudo, incapaz de controlar sequer 30 quilômetros em torno de Cabul, a capital. Neste país 2.564 militares da coalizão ocidental foram mortos em combates contra os talibãs e a Al-Qaeda ( até julho de 2011 ), enquanto as operações militares dos Estados Unidos e da OTAN mataram 19.629 afegãos e feriram outros 48.644. Durante todo esse banho de sangue os Estados Unidos, que estiveram por vezes próximo de capturar (ou matar) Bin Laden, falharam em seu compromisso. A maior parte dos fracassos americanos deveram-se a uso de tropas locais afegãs, a intromissão da inteligência paquistanesa e, depois de 2003, na divisão de meios entre o teatro de operações do Afeganistão e do Iraque.
A Al-Qaeda, duramente atingida em 2001/2 pode, então, reestruturar-se e criar franquias – a famosa “nebulosa Al-Qaeda – expandindo-se para o Iraque, o norte da África, o Sudão, o Sahel ( Niger, Mali e Tchad ) e no Sudeste Asiático. Por um momento, entre 2007 e 2009, parecia que o terrorismo mujahidin estava em avanço.
Como afirmou Thomas Ricks, correspondente americano no Pentágono, as guerras de Bush foram um “fiasco”.
Terrorismo e Guerra
O terrorismo, em sua acepção mais lata, enquanto uma ação violenta contra a população civil visando obrigar um governo a fazer ou deixar de fazer algo (implementação de políticas) é um ato vil e covarde. Pouco importa o que o Estado norte-americano faz no mundo, ou a forma com a qual a Índia ocupa a Caxemira, ou Israel ocupa a Palestina, explodir civis em locais públicos é injustificável ( atenção leitor: por favor, não pare de ler aqui... continue! ). Muitas vezes, dada a desproporcionalidade de forças e/ou a crueldade da força superior ou potência dominante, a ação terrorista ganha foros de heroísmo. Com muito clareza, Karl Marx, na sua pouca conhecida correspondência com revolucionária russa Vera Zasulich (1849-1919) comentando a prática terrorista dos anarquistas russos, sob a terrível ditadura do czar, condenou a ação terrorista como nefasta, inútil e cruel. Algumas entidades terroristas, visando à libertação nacional (mesmo que, sob vários aspectos, de forma muito discutível) como o ETA e o IRA assumiram o terrorismo como forma dominante de ação. Nestes casos, entretanto, não houve atentados em massa, contra alvos civis desprotegidos. Estas entidades determinavam alvos que deveriam, em tese, representar o “Estado” inimigo, tais como soldados, policiais, juízes e políticos.
Mesmo nestas condições as populações a serem “libertadas” não aceitaram de forma inequívoca a forma escolhida de luta – no mundo real as pessoas são gente como a gente, para além de suas funções, como o caso do jovem soldado Gilad Shalit. Em especial, a existência de um estado de direito – como na Espanha pós-Franco, ou na Alemanha Federal ao tempo do grupo Baader-Meinhof – desautorizava as ações terroristas. Em outro extremo, casos de levantes populares maciços – como as “Intifadas” palestinas ou os levantes nacionalistas na Índia à época de Gandhi – foram denominados abusivamente de terroristas. O poder dominante nestas condições – britânicos ou Israel – usou de força desproporcional, abusiva e de forma cruel, caracterizando terrorismo de Estado.
Em outras situações o Estado, não só superior por natureza – o detentor do monopólio da violência – e por relação em face dos movimentos sociais, agiu de forma a produzir o medo maciço na população civil, visando desmobilizar os protestos populares. Em várias destas ocasiões como em Amritsar (Índia), 1919, pelos britânicos; em Soweto (África do Sul) em 1976, ou Gaza em 2008 ou nas cidades sírias desde o inicio de 2011 estamos diante de uma atuação terrorista por parte do estado constituído, que falta e agride a norma da “Responsabilidade de Proteger” como definida pela ONU (ver Resolução 1973, de 2011).
Assim, vemos que a questão do(s) terrorismo(s) é complexa e abarca um amplo leque de ações e responsabilidades. Mas, no conjunto das análises existentes há um consenso de especialistas de que os meios investigativos são mais eficazes do que o uso extensivo de uma panóplia militarista. Em especial quando nos referimos ao terrorismo de pequenos grupos bem organizados, com finanças eficazes, inteligência estratégica e grande capacidade de proselitismo – o que denominamos de “Estado-Rede” – o enfrentamento e o desmantelamento de tais redes não poderia ser chamada de “guerra”. Potências importantes e democráticas, que historicamente enfrentaram o terrorismo – como a Índia, França ou Alemanha – buscaram meios inteligentes, tais como controle de fluxos de capital, de material explosivo e de informações digitais para pautar sua ação, o que resultou numa resposta justa e mais pacifica.
Não nos referimos a nenhuma operação tipo “Corações e Mentes”, no mais fracassadas, como no caso do Vietnã ou da Nicarágua. Aí não havia terrorismo e sim uma guerra civil, com intervenção estrangeira, de tipo nacional e social. Na verdade, o caso do IRA e a pacificação – ainda incompleta – da Irlanda seria um exemplo bem melhor.
A opção de George Bush
Ora, George Bush nunca pensou, sequer por um minuto, neste longo rol de experiências históricas. Sua decisão, rápida, superficial e, no limite, irresponsável dirigiu-se desde o primeiro momento pela necessidade da guerra, de uma resposta bélica – pouco importava onde - capaz de criar uma onda nacionalista nos Estados Unidos que sustentasse uma longa continuidade da “revolução conservadora” que se apossara do país. Seymour Hersch, jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, descreve em detalhes como Bush escolheu voluntariamente a guerra.
Pior de tudo é que a escolha de Bush, além de errada, era inconsistente e ineficaz. Milhares de pessoas morreram em razão de tal escolha. É verdade, temos que admitir, que a escolha de Bush estava em paralelo – embora não fosse condicionada ou enquadrada - pela visão de mundo de Bin Laden e de seus seguidores, mantenedores e simpatizantes ( desde os milionários do Golfo Pérsico até as forças militares paquistanesas ). Mas, decididamente, não era a única resposta possível. Talvez estivesse bem mais condicionada pela forma do agir político da direita militarista americana – paradoxalmente mais representada por civis como Dick Cheney e Donald Rumsfeld do que por militares profissionais americanos. Em seu conjunto eram homens claramente prisioneiros de uma visão de mundo expressa em finais cinematográficos do tipo “Ok Corral” ou “Independence Day”.
Obama e Osama
A chegada de Barack Obama ao poder mudaria muito claramente a forma desse agir político – e de sua expressão militar de tipo duelo do “bad boy contra o good boy”. Enredado nas suas promessas de campanha eleitoral – muitas das quais muito (muito mesmo!) mais difíceis de por em prática do que de falar, tais como fechar a prisão “sem lei” de Guantánamo - Obama buscou uma solução para as guerras herdadas de Bush. No Iraque será encenado um arranjo político com a oposição sunita, que gradualmente abandonaria as ações militares contra os Estados Unidos e a maioria xiita, para criar um espaço de ação comum no interior do novo estado oriundo da catástrofe de 2003.
Este é o momento em que Osama Bin Laden começava a morrer.
As tribos beduínas iraquianas, hostis a qualquer estrangeiro e seguidoras de Saddan Hussein, haviam se lançado claramente na insurgência anti-norte-americana desde 2003. A mesma coisa acontecera com os quadros da Guarda Nacional do Partido Baath (de Saddam Hussein) e com boa parte do exército regular iraquiano, de maioria sunita. Os anos seguidos de guerra civil e de insurgência foram então aproveitados pela Al-Qaeda para ferir moralmente e fisicamente os americanos no Iraque. O número de mortos americanos confirma a lógica da nova estratégica do terrorismo mujahidin. Em vez de enfrentar todas as dificuldades de atacar (mais uma vez) em Nova York (ou qualquer outra cidade americana) ficara mais fácil matar americanos na velha Mesopotâmia. Entretanto, neste jogo cruel entre Bush e Bin Laden morriam milhares de civis iraquianos – além dos jovens soldados de diversas nacionalidades que lá estavam presentes.
A matança discriminada de civis – em grande parte vítimas em uma primeira hora da coalizão norte-americana, como em Bagdá ou Falluja – e em seguida vítimas das centenas de atentados da Al-Qaeda enojaram, cansaram, e saturaram os insurgentes iraquianos. Entre 2008 e 2010 a maioria da insurgência nacionalista iraquiana estava farta dos atentados terroristas contra mesquitas, delegacias, escolas e postos médicos. A guerra podia ser americana, imposta e injusta, mas as vítimas eram iraquianas.
As televisões Al-Jazeera e Al-Arabya transmitiam de forma incansável a crônica de mortes em nome da Guerra Santa e do Islã. Foi demais. No próprio Iraque, mas também no Cairo, em Beiruth, em Argel ou Rabat as pessoas estavam exaustas e não aceitavam as desculpas esfarrapadas de que as vítimas eram mártires e seriam recompensadas por Allah.
Deu-se, então, a primeira morte de Osama Bin Laden.
Não estranhamente quando a população de Túnis, em 17 de dezembro de 2010, revoltou-se contra o regime corrupto do seu país – e assim lançou uma faísca de indignação, revolta e de busca da liberdade que se espraiaria de Rabat (Marrocos) até Sanaa (Iêmen), explodindo no Cairo, em Trípoli e nas cidades sírias, com inesperadas repercussões em Madrid e Paris, o grande ausente era Osama Bin Laden.
Nas manifestações populares massivas que encheram – e ainda lotam – as praças das maiores cidades árabes (incluindo aí Cairo, Alexandria, Bengazi, Trípoli, Beiruth e Rabat) não se viu sequer um retrato de Osama Bin Laden. Seus slogans cheios de ódio estavam ausentes. Nem sequer uma bandeira de Israel ou dos Estados Unidos foi queimada ou se escandiam versos pela destruição da “entidade sionista”. A pregação da Al-Qaeda não convencera as massas árabes. A revolta popular era contra a cleptocracia de seus países. Pedia-se liberdade, mais empregos e o fim da corrupção. Havia sim simpatia pelos palestinos – estes não poderiam ser esquecidos. Mas, mesmo em Gaza e Ramallah, sentiu-se a necessidade inadiável de reformas e de um entendimento nacional, aproximando finalmente o Hamas e o Al Fatah em busca de negociações pela paz. No Cairo, na Praça Tahrir, ninguém lembrava de Bin Laden.
Os únicos a lembrar da Al-Qaeda e de Bin Laden foram, paradoxalmente, seus inimigos. Os ditadores Ben Ali, Ali Saleh, Muamar Kadaffi advertiram fortemente o ocidente que após a derrocada de seus regimes o que se seguiria seria o domínio da Al-Qaeda. O ocidente deveria continuar apoiando, armando, financiando (com suas compras de petróleo e/ou ajuda militar) as velhas ditaduras árabes, posto serem elas o último “dique” ao fundamentalismo religioso. Vozes na Europa e nos Estados Unidos, bem como no Partido Likud em Israel, declarariam abertamente preferirem os ditadores “conhecidos” ao “risco Al-Qaeda”. Argumentou-se contra a viabilidade da democracia no mundo árabe, onde inexistiria uma sociedade civil para sustentar regimes representativos.
Todas as previsões, e diagnósticos, mostraram-se errôneas. Egito, Tunísia e Marrocos caminham em direção a regimes mais livres, representativos e onde a população pode, cada vez mais, pedir contas dos atos de seus governantes. A Líbia embrenha-se num conflito de interesses do próprio ocidente. Na Síria, Iêmen, Bahrein e Argélia a população insiste e resiste em nome de reformas urgentes.
Mas, em nenhuma das praças e ruas árabes Bin Laden esteve presente. Na verdade, para as massas árabes Bin Laden já estava politicamente morto. Nada representava para além da chantagem (bem aceita) que os ditadores de plantão faziam ao ocidente. A paga pela conivência Bin Laden/Guerra ao Terrorismo/Ditaduras era o duro sofrimento das populações de mais de um a dezena de países. Para os jovens da Praça Tahrir, mesmo para aqueles que se declaravam religiosos e paravam os protestos para orar, Bin Laden nada mais era que um estorvo.
Bin Laden morria, pela segunda vez, no centro da Praça Tahrir.
Quando, finalmente, os Estados Unidos anunciaram, em 2 de maio de 2011, a morte física de Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda já era um cadáver político. Sua terceira, e definitiva morte em Abottbad, seguia-se a sua morte estratégica no Iraque e a sua morte política nas ruas do Cairo, Tunis e Bengazi. Mais irônico de tudo –e também o mais amargo – foi o fato de Bush ter feito uma guerra cruel no Iraque para impor a democracia. Além de ter falhado, ao custo de milhares de vidas humanas, foi nas ruas de Túnis e do Cairo, graças à revolta espontânea do povo, que a democracia emergiu no Oriente Médio.
(Francisco Carlos Teixeira - CM)
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