terça-feira, 5 de julho de 2011

O Brasil deve avançar contra as trevas

Um fato saudável. Na linhagem da mais generosa tradição do pensamento marxista criador, Renato Rabelo(1) levantou questões fundamentais acerca do futuro do movimento revolucionário, essencial a um futuro exitoso para a humanidade e o Brasil. Sua pedagógica intervenção coincide com um momento nacional que requer das forças avançadas uma inteligente postura diante das tentativas de glorificação de um nebuloso passado derrotado no plano eleitoral com a contribuição do PCdoB.


 
Ao considerar “indispensável manter a identidade comunista e ao mesmo tempo atuar no curso real da luta política” numa “realidade de defensiva estratégica e numa fase de acumulação de forças num sentido revolucionário”, Rabelo examinou os desafios da atualização do pensamento marxista e as alterações na correlação de forças no mundo.

Quando é avaliado o papel da China e dos países emergentes nas circunstâncias da profunda crise dos EUA, Europa e Japão, aflorou-me à memória uma entrevista realizada (ao lado de José Carlos Ruy) com um dirigente do PC da China em dezembro de 2001 — durante o 10º Congresso do PCdoB, realizado no Rio de Janeiro.

O comunista chinês ali tangenciou a possibilidade de restauração da bipolaridade e exaltou as excelências de um mundo multipolar. Foi também no Rio, quase dez anos depois, no recente Encontro Internacionalista realizado na UFRJ, que Renato pronunciou sua esclarecedora conferência que confirma tais rumos.

Novo ciclo, nova influência

É nas circunstâncias dessa “nova realidade internacional e de mudança do cenário nacional, levando-se em conta o ciclo político aberto por Lula e continuado por Dilma Rousseff”, que o Brasil é promovido a “uma nova dimensão” também no quadro mundial, realçando-se, no pensamento de Renato Rabelo, “a importância de atualizar a teoria revolucionária”. É quando o movimento comunista “começa a recuperar sua influência no processo de acumulação de forças (no sentido ideológico, político e prático da influência concreta na sociedade)”.

Uma reflexão assim posta é um vigoroso sopro renovador num País que vive hoje um ambiente auspicioso, mas ameaçado, aqui ou acolá, pelo velho pensamento neoliberal que busca a estagnação e a imbecilização da política. Por vezes, tacitamente assimilado pela fase inercial que sucedeu ao desaparecimento de circunstâncias e lideranças que marcaram o curso histórico significativo da trajetória republicana — a exemplo de João Amazonas de Sousa Pedroso, Mauricio Grabois, Leonel de Moura Brizola, Miguel Arraes e outros tantos exemplares do pensamento nacional e de extração patriótica e popular. Boa parte deles eliminada com a ferocidade planejada para que nada restasse desse pensamento.
FHC: o ocasional paladino
Neste elo, entre as tarefas mais atuais coloca-se uma, muito especial, que trata de resgatar o gigantesco atraso proporcionado pelas quatro décadas perdidas que se remontam aos períodos do regime militar (1964-1985) e neoliberal que acometeu o País (ao longo dos anos 1990 até 2002).

São períodos na essência complementares, articulados e siameses, e raros intervalos nos quais trataram de consagrar a transição negociada — que, da Nova República a Fernando Henrique Cardoso, transitando pela vitória de Fernando Collor, já em 1989, lograram barrar a efetivação de avanços a uma transição de ruptura. Um desdobramento cirúrgico à destruição do pensamento nacional alcançado na ditadura.

Emblemática da atual presença deste velho pensamento derrotado em 2002, 2006 e 2010, foi a recente (e bizarra) glorificação do mesmo FHC, que reaparece “forçando a barra” como ocasional paladino da (possível) descriminalização da maconha. Mas o que se torna impossível à nação é tragar seu conservador perfil fisiológico de pérfido entreguista e embusteiro da chantagem inflacionária.

Em seu conjunto, destacaram-se, neste cenário, sinais dessa pasmaceira plasmada de ternura cínica e que, na plácida “maresia”, ainda subsiste às transformações requeridas e aos avanços acenados nas três recentes eleições presidenciais.

Tudo em nome de uma “estabilidade” que custa ao país uma maquiada instabilidade e sua ruptura com o prodigioso passivo construído pela mesma elite de estelionatários que “pensou” o Plano Real e, na tradição, aqueles 502 anos de solidão, concentração fundiária, cidades infladas e apartadas, perversa e secular espoliação do trabalho, vandalismo, truculência, miséria e agudas contradições.
Genuflexa “renovação”
Carece de sinergia a desconstrução da herança nascida do casamento entre a era neoliberal e o regime militar: a concentração da renda e a blindagem dos espiões e torturadores fascistas, os sagrados frutos das privatizações, a política macroeconômica e suas elevadas taxas de juros, ciladas cambiais, restrições estruturais à elevação da massa salarial dos trabalhadores, sangria da poupança nacional rumo ao centro hegemônico financeiro mundial, discutíveis investimentos do FAT (BNDES) aos muito ricos, manutenção dos gargalos ao pleno desenvolvimento — no contexto da afirmação e prosperidade da tendência multipolar.

É como se tudo isso fosse um intocável pacote cenográfico da TV Globo financiado pelo governo, sem contestação, na vigência do perfil subordinado — e instituído no coração do movimento progressista. Esse pacote de maldades, derrotado pelo povo brasileiro em três eleições consecutivas, prorroga assim seu espaço no vácuo das alterações na correlação de força e preservação dos fundamentos da estagnação conservadora com a religiosa manutenção dos “contratos” — postulados caninos de uma genuflexa “renovação” política do Brasil.
Alterando o rumo da prosa
Neste ambiente, a deposição de Antonio Palocci — pela qual se pediu desculpas ao mercado e se teceu elogios a sua perniciosa “contribuição” — não tem significado além do tilintar dos brindes no reduto do “fogo amigo”. E os propósitos comemorados na vitória eleitoral de 2010 permanecem num proverbial e envergonhado lugar.

Salvo a atuação (tacitamente silenciada pela mídia imperial) dos movimentos sociais e a atividade irrequieta das mídias alternativas, a população, de quem depende o rumo da prosa, assiste àquele pronunciado pregão do fim da história. Mesmo porque — não obstante altos índices de aprovação — o que cresce, no espaço contraditório de governo, é a simpatia no campo dominante pelas ações de retrocesso democrático quanto, por exemplo, ao fim das coligações proporcionais ou à capitulação aos interesses “florestais” do imperialismo.
Em busca da luz
Nessa estragada viagem de FHC, o Brasil persiste como o confortável salão que dá lugar à festa do capital especulativo, da pax dos banqueiros onde gingam os agiotas, brincam os doleiros e lucram os lobistas e aventureiros em geral; o país da blindagem a Daniel Dantas et caterva, aos torturadores do regime militar, aos faceiros (e facínoras) proprietários do império da mídia.

É ainda o país onde corre solta a folia das multinacionais concessionárias da (criativamente nossa) energia, da (lucrativa) telefonia; onde dominam as agências reguladoras, a exemplo da ANEEL e demais proteções de Estado aos interesses privados, abarcando uma infinidade de emergências sociais — dos convênios de saúde, que prosperam à sombra da renovada sangria do SUS, à superexploração tarifária que transfere lucro às potências imperiais.

Certamente não foi para isso que, ao longo de décadas, lutou-se e enlutou-se tanto a nossa terra, que se plantou e cultivou-se a plataforma de um próspero projeto nacional e social de desenvolvimento. Urge a inauguração, de preferência com Dilma, de um amplo e atento movimento de atualização dos avanços no Brasil. De uma enérgica, criativa, habilidosa e renovada Frente Brasil Popular.

Fonte: Luiz Carlos Antero - Vermelho)

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